Diferenças entre gêneros em relação ao padrão de
consumo de álcool e problemas relacionados em
uma amostra representativa de São Paulo
De acordo com a Organização Mundial da Saúde
(OMS), o uso do álcool é o terceiro maior fator de risco para a
carga global de doenças. A bebida alcoólica é responsável,
somente no Brasil, por 18% e 3,4% de todos os anos perdidos
por incapacitação entre homens e mulheres, respectivamente.
Ainda, na região sudeste de São Paulo, 11% da população
afirmou consumir álcool no padrão pesado episódico - que
corresponde a 5 ou mais doses* de bebidas alcoólicas em uma
mesma ocasião para homens e 4 ou mais para mulheres, - ao
menos uma vez no último mês, sendo 14% entre homens e
8,8% entre as mulheres. O beber pesado episódico é um
padrão de consumo fortemente associado a prejuízos agudos à saúde, tais como
acidentes de trânsito, sexo desprotegido e violência e se esse padrão de consumo
ocorrer frequentemente, pode levar a outros prejuízos, como abuso e dependência
alcoólica.
Informações que contemplem diferenças entre gêneros para padrões de
consumo do álcool e problemas relacionados ao uso dessa substância são importantes
para identificar populações de risco e consequentemente auxiliar no planejamento de
programas de prevenção.
Dado o exposto acima, o estudo em questão analisou os dados do São Paulo
Catchment Area Study, estudo que é parte de um consórcio mundial coordenado pela
OMS. Foi avaliada uma amostra de 1.464 indivíduos adultos domiciliados na área de
captação do Hospital das Clínicas de São Paulo. A prevalência e correlatos
sociodemográficos, como gênero, idade, nível educacional, entre outros, foram
avaliados para diferentes padrões de consumo do álcool, no período de 12 meses que
antecederam a entrevista.
Os padrões de consumo foram categorizados em: uso não pesado (consumo de
pelo menos 12 doses, sem nunca ter feito uso pesado), uso pesado episódico (cinco ou
mais doses em uma única ocasião para homens e quatro ou mais para mulheres) e uso
pesado e frequente (uso pesado do álcool ao menos três vezes na semana) e
abstêmios (menos de 12 doses/ano).
Os problemas relacionados ao uso da substância foram agrupados em:
problemas interpessoais (ex. brigas com familiares ou amigos), danos não intencionais
(acidentes de trânsito, quedas, fraturas), dirigir ou operar máquinas sob efeito do
álcool (problemas com autoridades, situações nas quais o indivíduo corre riscos
físicos), prejuízos em atividades sociais (faltas ao trabalho, abandonar ou reduzir
atividades importantes em favor do consumo de álcool), consumo maior que o
esperado (necessidade de beber mais para conseguir o mesmo efeito, desejo intenso
em consumir, não conseguir parar depois de ter começado), violência (brigar enquanto
está embriagado, ser preso ou encaminhado para clínica de reabilitação), sintomas
físicos e problemas de saúde (sintomas de abstinência ou problemas de saúde
decorrentes do uso, tais como doença hepática e do estômago) problemas emocionais
(falta de interesse por atividades usuais, depressão) e por fim, uso continuado apesar
dos problemas.
Os resultados apontam que aproximadamente 22% dos entrevistados (32,4%
das mulheres e 8,7% dos homens) são abstêmios, 60,3% são bebedores não pesados
(sem diferença entre os gêneros) e 17,5% (H: 26,3% e M: 10,9%) relataram ter feito o
uso pesado de álcool nos 12 meses que antecederam a pesquisa. Nota-se que a
proporção de indivíduos que experimentaram consequências negativas aumentou à
medida que o padrão de uso foi se tornando mais pesado, em destaque para:
Uso não
pesado (%)
Uso pesado
(%)
Uso pesado e
frequente (%)
Uso continuado apesar dos problemas
9,7
31,3
58,1
Beber mais do que planejado
8,9
30,5
52,6
Problemas interpessoais
11,6
32,6
61,8
Problemas
Uma das principais descobertas do estudo foi que, embora os homens sejam
duas vezes mais propensos a fazer uso pesado de álcool em comparação às mulheres,
houve uma convergência entre os gêneros em relação aos tipos de problemas
avaliados para os padrões de uso pesado e uso pesado e frequente. Portanto, homens
e mulheres tipicamente apresentaram a mesma proporção de problemas quando o
padrão de consumo pesado do álcool estava instalado. A exceção foi o grupo
“problemas interpessoais”: embora seja o grupo mais frequente em ambos os gêneros,
os homens são três vezes mais propensos a engajar-se nesta categoria que as
mulheres, quando considerado o beber pesado.
Os grupos "beber mais do que planejado" e "uso continuado apesar dos
problemas" foram os mais frequentemente relatados entre homens e mulheres que
fazem uso pesado; já “danos não intencionais” foi o menos relatado entre ambos os
gêneros (mulheres: 8,9% e homens: 5,3%) neste mesmo padrão de beber.
Os bebedores pesados e frequentes apresentaram duas vezes mais chances do
que os indivíduos abstêmios de ter tido diagnóstico de depressão na vida. Já a
dependência de nicotina esteve associada a todos os padrões de consumo de álcool.
O consumo de bebidas alcoólicas entre as mulheres esteve diretamente
relacionado a um maior grau de instrução e melhores condições econômicas. Em
contrapartida, a escolaridade foi um fator de proteção entre os homens: verificou-se
que indivíduos com menores níveis educacionais possuem oito vezes mais chances de
apresentar episódios de uso pesado e frequente que aqueles que possuem ensino
superior.
Os autores esclarecem que com a mudança do papel da mulher na sociedade e
o direcionamento para uma igualdade entre gêneros - na qual as mulheres estão
investindo mais em educação, trabalhando fora de casa, adotando hábitos
anteriormente vistos como masculinos, aumentando o consumo de bebidas
alcoólicas -, as diferenças entre gêneros em relação às consequências do uso do álcool
diminuem. Além disso, o aumento de consumo da bebida pelas mulheres pode estar
associado ao estresse da dupla jornada de trabalho diário.
O estudo concluiu que o uso pesado e frequente de álcool está fortemente
associado a problemas de diversas ordens e sugere que políticas de prevenção
contemplem esse padrão de consumo, independente da idade ou gênero. Além
disso, enfatizam a necessidade de desenvolver mais pesquisas - especialmente entre
indivíduos que fazem uso pesado de álcool, mas não preenchem critérios para
dependência.
* uma dose-padrão de bebida alcoólica (350 ml de cerveja, 150 ml de vinho ou
50 ml de destilado) contém, aproximadamente, 10-14 g de álcool puro.
Fonte:
Silveira CM, Siu ER, Wang YP, Viana MC, Andrade AG, Andrade L. Clinics (Sao
Paulo). 2012 March; 67(3): 205-212
Sobre o CISA
O Centro de Informações sobre Saúde e Álcool – CISA, organização não
governamental criada em 2004 pelo psiquiatra e especialista em dependência química
Arthur Guerra de Andrade, é hoje a maior fonte de informações no País sobre o
binômio álcool e saúde. Por meio de seu website (www.cisa.org.br), o CISA dispõe de
um banco de dados com mais de 1.600 títulos, desde publicações científicas
reconhecidas nacional e internacionalmente, dados oficiais, até notícias publicadas em
jornais e revistas destinados ao público em geral. Além de estar comprometido com o
avanço do conhecimento na área de saúde e álcool, o CISA também atua na prevenção
do abuso e nos problemas do uso indevido da substância, por meio de parcerias e
elaboração de materiais de apoio a pais e educadores.
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