1 FINANÇAS MUNICIPAIS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: AS DESIGUALDADES NA OFERTA EDUCACIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO 1 Andreza Alves Ferreira Flávia Costa Lima Dubberstein 2 RESUMO: Este trabalho tem como objetivo avaliar a distribuição dos gastos com educação nos municípios do estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2012, para isso utilizaremos como metodologia a análise das receitas, buscando responder como as desigualdades encontradas nos municípios interferem nos gastos com educação. Desse modo, faremos uma correlação entre a receita corrente per capita e o gasto por aluno em cada município. Corroborando os estudos sobre financiamento da educação e os limites da atual política de fundos, no caso do Espírito Santo, ainda que se possa afirmar que os gastos com educação por aluno estejam acima do mínimo estabelecido pela média nacional, apresentam assimetrias em consequência do sistema tributário vigente no país. Assim, de maneira geral, quanto menor a receita líquida per capita, menor o gasto por aluno. O estudo mostrou ainda que nos municípios mais populosos o gasto por aluno é menor, visto que concentram o maior número de matrículas. Palavras chave: Finanças municipais, Políticas educacionais, Direito à educação. INTRODUÇÃO Na atual Constituição brasileira, a distribuição de competências legislativa e arrecadatória entre os entes combinou a existência de competências privativas de União, Estados e Municípios, ao lado de competência comum de execução e, finalmente, competência legislativa concorrente para os dois primeiros. Todavia, essa normativa constitucional não veio acompanhada da necessária regulamentação das responsabilidades dos entes subnacionais, principalmente no que concerne ao provimento das políticas sociais. Especialmente no caso da educação, vem atualmente suscitando intensos debates em torno dessa regulamentação visto que, a sua ausência compromete a garantia do direito à educação com qualidade social para todos. 1 Aluna do Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE-UFES). 2 Aluna do Mestrado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE-UFES). Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 2 Conforme analisam Fernando Luiz Abruscio e Cláudio Couto (1996)3, o processo de descentralização das políticas sociais empreendido nos anos 1990, se deu de forma bastante heterogênea tendo em vista que o País vive grandes desigualdades regionais e é dividido em vários municípios pequenos. A grande maioria desses municípios caracteriza-se por baixa densidade econômica, são dependentes de transferências fiscais e sem tradição administrativa e burocrática. Os entes locais se tornaram os principais provedores das políticas públicas que mais diretamente atingem o bem-estar dos cidadãos, como saúde, educação básica, coleta de lixo, transporte público e infraestrutura urbana. Com isso, o processo de descentralização das receitas promovido pela Constituição de 1988, reverteu à expectativa de sua maior distribuição, haja vista que a execução das políticas públicas também foi descentralizada (ARRETCHE, 2012)4. Somado a isso, o movimento de ampliação da porção das receitas fiscais da União compartilhadas com os governos subnacionais, será acompanhado pela “expansão dos recursos do Governo Federal por meio das contribuições sociais, cujo objetivo deveria ser o financiamento das políticas sociais”. Na prática a Constituição implantou um federalismo fiscal duplo: por um lado criou mecanismos de transferência de grande parte dos recursos arrecadados por meio dos principais tributos federais – IR e IPI – para estados e municípios; por outro, criou contribuições sociais para financiar as responsabilidades sociais da União (LEITE, 2009, p. 318)5. Todas essas mudanças além de reduzirem o espaço de autonomia financeira e fiscal dos entes federativos não incluíram a União nos rigores da lei. Esse quadro, segundo Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005, p. 38) 6 gerou 3 ABRÚCIO, Fernando Luiz e COUTO, Cláudio. A Redefinição do Papel do Estado em Âmbito Local. São Paulo: São Paulo em Perspectiva. 10(3):40-47, 1998. 4 ARRETCHE. Marta Tereza da Silva. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV; Editora Fiocruz, 2012. 5 LEITE, Cristiane Kerches da Silva. Descentralização das Políticas Sociais no Brasil: o lugar dos estados no processo de municipalização. Revista de Política hoje, vol. 18, n. 2, 2009. P. 306-340. Disponível em: < file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/33-128-2-PB%20(1).pdf>. Acesso em 12 de janeiro de 2013. 6 ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Rescentralizando a federação? Revista de Sociologia Política, Curitiba, nº 24, jun., 2005, p. 29-40. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782005000100004>. Acesso em 10 de abril de 2013. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 3 “tendências descentralizadoras e impulsos centralizadores que se materializam em instituições que fizeram da federação um arranjo cooperativo complexo”, no qual governo federal, estados e municípios se articularam de maneiras diversas nas diferentes áreas de ação governamental. Ademais, o padrão de relação fiscal que predomina privilegia as articulações entre o governo central e cada um dos governos municipais, o que dificulta a integração de políticas e a formação de redes de serviço. Isto ocorre porque da receita final dos municípios, 80% dos recursos são derivados de transferências e, dessas, 50% são derivados da União (ABRUCIO, 2010)7. Apesar da autonomia advogada pela Carta Magna, os finais dos anos 1990 serão marcados pela atuação centralizada e verticalizada da União no processo de definição das políticas educacionais e, principalmente no que se refere à divisão das responsabilidades e competências das esferas em relação às etapas da Educação Básica. Essa ação de cunho indutor visou não somente este ordenamento, mas claramente denotou uma forma da União reduzir seus custos com a Educação Básica. Para tanto, utilizou-se de artifícios dos quais os governos subnacionais se viram praticamente obrigados a aceitar. Não é nosso objetivo neste estudo aprofundar a dimensão do financiamento da educação. Contudo, esta é uma dimensão relevante, visto que a gestão fiscal e tributária afeta a relação entre os entes federados bem como o desempenho dos sistemas federais (ANDERSON, 2009)8. Afeta ainda diretamente a qualidade da oferta educacional. As disparidades presentes nos sistemas de ensino da educação básica se repercutem nos aspectos relativos à infraestrutura dos estabelecimentos, à formação, remuneração e condição de trabalho dos docentes, bem como no desempenho dos estudantes. Visando equalizar essas disparidades, foram implementadas algumas medidas legislativas por meio das Emendas Constitucionais (EC) 14, de 12 de setembro de 1996, a EC 53 de 19 de dezembro de 2006 e a EC 59, de 11 de 7 ABRUCIO, Fernando Luiz. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de aperfeiçoamento. In OLIVEIRA, Romualdo P. SANTANA, Wagner. Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010. 8 ANDERSON, George. Federalismo: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 4 novembro de 2009. A EC 14 foi responsável pela instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) que, ainda na década de 1990, provocou alterações no arranjo institucional das políticas educacionais. Esse modelo de financiamento, conforme analisa Cury (2002, p. 175)9, foi instituído com o objetivo de assegurar a manutenção e o desenvolvimento do Ensino Fundamental e, ao mesmo tempo, manter esse nível de ensino como foco das políticas educacionais com o envolvimento das três esferas federadas, com a prioridade dessa etapa atribuída aos Municípios. Sendo o seu maior desafio, universalizar o ensino fundamental que, após ser alcançado, lançou outro desafio: a garantia da qualidade da educação. Assim, o debate acerca do direito à educação, ultrapassou a fronteira do acesso, avançando no sentido da permanência com sucesso. A partir de 2006, com a EC 53, a educação básica foi contemplada por meio do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o FUNDEB. Esse fundo de natureza contábil teve início no ano de 2007 alcançando sua plenitude em 2009, quando atingiu todo universo dos alunos da educação básica da rede pública presencial, e os percentuais de receitas que o compõe auferiram os 20% de contribuição. Para José Marcelino de Rezende Pinto (2012)10, houve um retrocesso da atual política de financiamento, o FUNDEB, em relação ao FUNDEF, dado que este não apresenta, ainda que em perspectiva, em seu cálculo de custo aluno, a noção de uma educação de qualidade. Esta é uma das variáveis que mais tem motivado os debates em torno da questão do financiamento da educação atualmente. No entanto, admite-se que o atual Fundo tem desempenhado um importante papel na redução das disparidades entre as unidades federadas, conforme veremos no caso do ES. Em nossa pesquisa, daremos enfoque ao território do Espírito Santo e seus municípios, tomando por base o financiamento e o direito à educação pública, 9 CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação Básica no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, nº 80 (set. 2002) 168-200. 10 PINTO, José Marcelino de Rezende. Financiamento da educação básica: a divisão responsabilidades. Revista Retratos da Escola, Brasília, v.6, n.10, p.155-172, jan./jun. 2012. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>. Acesso em 19 de abril de 2013. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 5 conforme o contexto acima citado, que desde já aponta para um desequilíbrio na arrecadação e distribuição dos tributos entre os entes federados. Assim, este trabalho tem como objetivo avaliar a distribuição dos gastos com educação nas redes municipais de ensino desse Estado entre os anos de 2011 e 2012, por meio de uma correlação entre a receita corrente per capita e o gasto por aluno em cada município, além de análise bibliográfica sobre o tema. Os dados sobre as finanças dos municípios do ES foram coletados no site do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCEES) e da Revista “Finanças dos Municípios Capixabas” em sua edição de 2013. O período escolhido justifica-se em razão do desempenho das receitas municipais do Estado que foi de 8,1%, em 2011, e de 8,3%, em 2012. A despeito desse crescimento, conforme veremos, as duas principais fontes de receita dos municípios capixabas que são o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), vindos da União, e as receitas do Imposto sobre circulação de mercadorias e Prestação de Serviços - ICMS, vindos do governo estadual, tiveram desempenho muito fraco em 2011 e 2012. Afora os royalties, a receita municipal cresceu por conta dos aumentos ocorridos em outras receitas, como a tributária própria, o saldo FUNDEB e as transferências para o Sistema Único de Saúde (SUS). Considerações sobre a descentralização da educação no estado do Espírito Santo Os governos do estado do ES, já na década de 1970, alçaram algumas ações no sentido de criar e estruturar junto às prefeituras seus Órgãos Municipais de Educação de modo que os Municípios fossem progressivamente assumindo o ensino de 1º grau, mediante assistência técnica e financeira do Estado (FERREIRA; COSTA, 2003)11. Porém, esse processo somente efetivar-se-á no Estado no final da década de 1990, com a implantação, pelo Governo Federal, do 11 FERREIRA, Andreza Alves; COSTA, Everaldo Francisco. O processo de municipalização do ensino fundamental no Estado do Espírito Santo. 2003. Monografia (Pós-graduação em Gestão Municipal de Políticas Públicas) - Instituto Saber & Cidadania e as Faculdades Integradas de Vitória (FDV), 2003. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 6 Fundef. O estado do ES, neste período, transferiu mais matrículas do Ensino Fundamental do que previa para os municípios, efetivando a municipalização de 55.000 (cinquenta e cinco mil) alunos de modo que o limite colocado foi exatamente o cálculo feito pelos envolvidos, da capacidade de financiamento dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Fundef, o que não contribuiu para o estabelecimento de um processo de cooperação entre Estado e Municípios, avalia Marluza Ballarini (1999, p. 220)12. Prova disso é o decréscimo da rede estadual na oferta de matrículas no Ensino Fundamental entre os anos de 1991 a 2002. Em 1991, a rede estadual de ensino possuía 57,24% do total das matrículas e a rede municipal 30,4%, no ano de 2002 esse quadro praticamente é invertido - a rede estadual cai para 40,51% e a rede municipal aumenta sua participação para 50,25% do total das matrículas ofertadas para esse nível de ensino. Em 2011, a participação da rede municipal na oferta das matrículas na Educação Básica chega a 67% e a 73,54% na oferta do Ensino Fundamental, conforme mostra a tabela abaixo: TABELA 1: Matrículas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes estadual e municipal do ES – 2011 Educação Infantil Rede Escolar Estadual Municipal Total: Creche PréEscola Total 0 0 53.979 79.922 53.979 79.922 0 133.901 133.901 Ensino Fundamental 1ª a 4ª/ Anos Iniciais 45.747 212.138 257.885 5ª a 8ª/ Anos Finais 79.807 136.896 216.703 Total 125.554 349.034 474.588 Ensino Médio 112.592 129 112.721 Total Geral 238.146 483.064 721.210 13 FONTE: ESPÍRITO SANTO (2012) Em 2013, conforme dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - 2014)14, a rede municipal do Estado respondeu por 65,52 % das matrículas no Ensino Fundamental, sendo que a rede 12 BALLARINI, Marluza de Moura. A integração de Ações de Estado e Município. In: Gestão Educacional: Tendências e Perspectivas. São Paulo: Cenpec, 1999. Série Seminários CONSED. p. 220-223. 13 ESPÍRITO SANTO (estado). Censo Escolar. Vitória, SEDU/GEIAA, 2012 14 INEP. Censo Escolar 2014. Disponível em: <http//www.portal.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso em 15 de abril de 2014 . Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 7 privada ofertou 11,86% do total de 522.376 matrículas nesta etapa. Neste mesmo ano, os dados nacionais apontam que para um total de 29.069.281 matrículas no Ensino Fundamental, 55,57% estão sob a responsabilidade dos municípios. Ficando os municípios capixabas, portanto, acima da média nacional. Considerando esse cenário, faz-se necessário o estudo acerca da capacidade financeira dos municípios do Estado no que diz respeito à garantia da oferta educacional. Para tanto, será nosso propósito, analisar a distribuição das receitas municipais e sua relação com os gastos com educação. O cenário da economia capixaba e seus rebatimentos nas finanças municipais Os 78 municípios capixabas vivenciaram um período de grande expansão em suas receitas entre 2004 e 2008, alcançando taxas de crescimento acima de 15% ao ano, período de expansão da economia brasileira e mundial. Todavia, esse crescimento sofreu uma queda a partir da crise financeira internacional atingindo a receita total dos municípios capixabas que alcançaram um decréscimo de -6,3% em 2009, mais intensa que a sentida pelo conjunto dos municípios brasileiros, que foi de -1,4%, no mesmo ano. Ocorrendo em 2010, uma breve recuperação da economia e o retorno do crescimento da receita municipal. No entanto, a crise mundial que estava restrita aos mercados financeiros desnudou problemas de dívidas nacionais em diversos países europeus, o que afetou a economia mundial e a nacional, em 2011 e 2012. Além disso, os Estados Unidos estavam com seu crescimento comprometido e a China, grande compradora das commodities brasileiras, reduziu o seu ímpeto de crescimento. Esse contexto causou uma desaceleração na economia do Brasil e arrefeceu a expansão da receita municipal (FINANÇAS DOS MUNICÍPIOS CAPIXABAS, 2012).15 15 VILLELA, Tania Mara Cursino (org.). Finanças dos Municípios Capixabas. Vitória, v.19, jul. 2013. Disponível em: <http//www.financasdosmunicipios.com.br>. Acesso em 19 de abril de 2013. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 8 Contrariando em parte esse quadro, no ES, houve uma explosão nos valores recebidos a título de royalties e participações especiais de petróleo e gás natural em 2011 e 2012 em função do aumento da produção nos campos marítimos localizados ao longo de sua plataforma continental e da elevação do preço internacional do barril de petróleo. Os royalties contribuíram muito para que o conjunto dos municípios apresentasse elevadas taxas de crescimento da receita nesses dois anos. Entretanto, os royalties beneficiam alguns poucos municípios capixabas. Apenas dez cidades recebem montantes significativos que chegam a representar mais de 10% de suas receitas. De acordo com informações a respeito dos municípios, coletadas no TCEES, desconsiderando-se os valores dos royalties e das participações especiais, o crescimento da receita municipal no ES foi de 8,1%, em 2011, e de 8,3%, em 2012, taxas consideradas boas. No entanto as duas principais fontes de receita dos municípios capixabas que são o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), vindos da União, e as receitas do ICMS, vindos do governo estadual, tiveram desempenho muito fraco em 2011 e 2012. Afora os royalties, a receita municipal cresceu por conta dos aumentos ocorridos em outras receitas, como a tributária própria, o saldo FUNDEB e as transferências para o SUS. O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ficou praticamente estável em 2012, com uma alta real de apenas 0,3%. Como os recursos que compõem o FPM provêm da arrecadação federal do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o fraco desempenho desses tributos impactou diretamente nos repasses municipais do Fundo, em 2012. A arrecadação do IPI apresentou uma retração real de 7%, em relação a 2011, e o IR ficou relativamente estável com uma queda de -0,1%, no mesmo período. O fraco desempenho do IR e do IPI estão relacionados à estagnação da economia brasileira e às desonerações de IPI concedidas pelo governo federal como medida de estímulo para alguns setores produtivos. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 9 Finanças Municipais e as desigualdades na oferta educacional no ES nos anos de 2011 e 2012 Em 2012, os municípios capixabas receberam R$ 1,38 bilhão do FUNDEB e repassaram R$ 750,5 milhões para a sua formação. A diferença entre os valores recebidos e enviados, ou seja, o saldo FUNDEB foi de R$ 627,4 milhões, 7,1% a mais do que no ano anterior. Os valores repassados por meio do Fundo repercutiram nos gastos com educação neste mesmo período, implicando numa elevação de 11,4%, sendo que a capital Vitória foi responsável pelo aumento com 22,4% de todo o conjunto dos municípios do Estado. Neste ano, o gasto médio com educação por aluno apresentou um crescimento acentuado em relação a 2011, de 11,4%, passando de R$ 4.514,24 para R$ 5.029,28. Dentre os municípios com os maiores gastos com educação por aluno, destacam-se: Anchieta (R$ 12.569,52), Presidente Kennedy (R$ 10.321,51), Governador Lindemberg (R$ 8.108,45), Brejetuba (R$ 7.568,72) e São Domingos do Norte (R$ 7.549,62). Em contrapartida, Pedro Canário (R$ 4.071,56), Sooretama (R$ 3.996,92), Cariacica (R$ 3.928,01), Viana (R$ 3.744,89) e Guarapari (R$ 3.696,87), ocuparam os últimos lugares no ranking (FINANÇAS DOS MUNICÍPIOS CAPIXABAS, 2013)16. Conforme se observa no quadro 1, os dados apontam ainda, que não há uma diferença significativa entre as regiões no que diz respeito à receita corrente líquida per capita, tampouco, entre os municípios, sendo que a média entre eles é de R$ 2.578,53 (dois mil, quinhentos e setenta e oito reais e cinquenta e três centavos). As regiões Central e Sul apresentaram uma per capita superior à média, considerando que há um município (Anchieta e Presidente Kennedy respectivamente) em cada uma delas que possui uma arrecadação entre seis e quinze vezes maior que os demais. 16 VILLELA, Tania Mara Cursino (org.). Finanças dos Municípios Capixabas. Vitória, v.19, jul. 2013. Disponível em: <http//www.financasdosmunicipios.com.br>. Acesso em 19 de abril de 2013. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 10 Quadro 1 – Receita líquida per capita e gasto por aluno com educação nos municípios do ES – 2012 Gasto com educação por aluno da rede municipal - 2012 em R$ Regiões e municípios Receita total Guarapari 2.049,72 3.926,24 Viana 1.965,04 3.977,24 Cariacica 1.378,20 4.171,72 Sooretama 2.175,16 4.244,90 Pedro Canário 1.782,24 4.324,17 Conceição da Barra 2.626,18 4.328,68 Pancas 1.818,82 4.370,54 Ibatiba 1.989,31 4.570,71 Pinheiros 2.333,59 4.580,38 Irupi 2.263,02 4.584,31 Barra de São Francisco 1.843,21 4.621,52 São Gabriel da Palha 1.974,38 4.648,79 Iúna 1.875,40 4.654,97 Marechal Floriano 2.671,46 4.666,29 Vila Velha 1.679,85 4.700,44 Serra 2.150,25 4.705,18 Cachoeiro de Itapemirim 1.704,11 4.707,66 Iconha 2.732,85 4.752,34 Jaguaré 2.919,72 4.840,70 Nova Venécia 1.998,84 4.872,73 Guaçuí 2.148,53 4.914,03 Colatina 2.068,30 4.949,64 João Neiva 2.563,62 4.973,66 Água Doce do Norte 2.586,10 4.984,89 Castelo 2.087,63 5.064,75 Baixo Guandu 2.127,72 5.106,92 Domingos Martins 2.419,79 5.113,51 Linhares 3.275,24 5.149,22 Apiacá 2.921,59 5.171,82 Atílio Vivácqua 2.908,37 5.197,36 Mimoso do Sul 1.984,89 5.199,25 Piúma São Mateus 2.952,94 5.210,01 5.227,87 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 11 2.165,57 Santa Teresa 2.624,84 5.241,82 Conceição do Castelo 2.777,36 5.270,36 Ibitirama 2.739,72 5.287,58 Itaguaçu 2.500,85 5.379,17 Vargem Alta 2.666,56 5.461,87 Mantenópolis 2.191,24 5.498,26 Ecoporanga 2.241,33 5.499,23 Marilândia 2.406,50 5.505,33 Mucurici 3.967,36 5.513,25 Rio Bananal 3.044,60 5.556,31 Vila Pavão 2.567,96 5.572,28 Afonso Cláudio 2.041,53 5.584,59 Fundão 2.809,21 5.650,13 Marataízes 3.199,72 5.703,57 Governador Lindenberg 2.593,38 5.712,91 Alfredo Chaves 2.625,90 5.724,60 Aracruz 3.660,72 5.730,26 Dores do Rio Preto 3.097,43 5.740,34 Montanha 2.441,54 5.807,12 São José do Calçado 2.958,49 5.842,84 Santa Leopoldina 2.314,11 5.849,53 Ponto Belo 3.249,13 5.893,74 Rio Novo do Sul 2.259,84 5.976,52 Jerônimo Monteiro 2.629,30 6.024,21 Bom Jesus do Norte 2.269,78 6.126,30 São Roque do Canaã 2.352,69 6.162,51 Santa Maria de Jetibá 2.223,22 6.186,90 Vila Valério 2.649,02 6.201,96 Venda Nova do Imigrante 2.513,72 6.249,11 Boa Esperança 2.707,99 6.288,77 Muniz Freire 2.436,53 6.291,09 Alto Rio Novo 2.733,10 6.296,16 Ibiraçu 2.868,28 6.348,60 Muqui 2.167,58 6.569,80 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 12 Laranja da Terra 2.607,15 6.757,84 Itarana 2.738,06 7.027,80 Itapemirim 9.108,09 7.261,84 Vitória 4.530,60 7.722,22 Alegre 2.144,15 7.797,95 Divino de São Lourenço 3.569,72 7.991,33 São Domingos do Norte 2.922,95 8.018,03 Brejetuba 2.654,33 8.038,30 Águia Branca 3.087,91 8.611,52 Presidente Kennedy 30.164,78 Anchieta TOTAL 11.561,74 10.961,89 2.578,53 13.349,38 5.341,31 Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados do TCEES, 2014. Conforme se observa, há uma significativa variação dos gastos com educação entre os municípios capixabas e essa variação guarda relação com suas receitas líquidas per capita, denotando uma disparidade na oferta educacional. A respeito disto, é importante lembrar que de acordo com o artigo 211 da Constituição, o papel da União é garantir um padrão mínimo de qualidade na oferta educacional, de modo que haja uma redução nas desigualdades existentes no território brasileiro. Após um esforço para definição do que seria esse padrão, na tentativa de se fazer real o que descreve o inciso IX do Art. 4º conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 9.394/1996), a Campanha Nacional pelo Direito a Educação17 juntamente com o apoio da sociedade civil construiu o mecanismo CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial). Este foi compreendido, conforme Parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CEB/CNE) nº8 de 2010, como a materialização do conceito de padrão mínimo descrito na Carta Magna e na LDB. No entanto, o Parecer ainda aguarda 17 A Campanha Nacional pelo Direito a Educação surgiu em 1999, impulsionada por um conjunto de organizações da sociedade civil. Instituição que articula mais de 200 grupos e entidades distribuídas pelo Brasil, tendo como missão atuar pela efetivação e ampliação dos direitos educacionais gratuitos e de qualidade para todos. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 13 homologação do Ministério da Educação, com fins de que se torne uma Resolução. CONSIDERAÇÕES FINAIS Corroborando as análises sobre financiamento da educação no Brasil e os limites da atual política de fundos, o caso do ES reforça a ideia de que quanto maior o número de matrículas, menor o gasto por aluno. Esta situação pode ser constatada quando analisamos a variável população. Do total de 3.578.067 habitantes, metade (1.707.691) concentra-se na Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV). Esta região concentra aproximadamente 50% do total de matrículas, ou seja, 233.021, do total de 505.989 matrículas. À exceção da capital Vitória, que apresenta um gasto aluno de R$ 7.722,22, acima da média do Estado (5.341,31), os demais municípios dessa região estão abaixo da média estadual. Essa situação também de reproduz na região sul, a segunda mais populosa, com 571.100 habitantes. Ela possui a maioria de seus municípios com gasto por aluno na média ou acima dela, à exceção de Cachoeiro de Itapemirim que possui uma população de 192.156 habitantes. Consequentemente, este município também possui um elevado número de matrículas, um total de 21.838, representando seis vezes a média de matrículas da região. Dessa forma, cidades com níveis de receita corrente per capita mais elevados ou com reduzido número de alunos matriculados na rede municipal tendem a ter as maiores despesas com estudante, em função da exigência constitucional de vinculação de parte das receitas à educação. A partir dos dados relatados e tomando por base o ano de 2011, o estado do ES não necessitou de complementação de recursos pela União, haja vista que o valor mínimo nacional gasto por aluno dos anos iniciais do ensino fundamental foi de R$1.729 (mil setecentos e vinte e nove reais). Todavia, conforme ressalta Marcelino Pinto (2012), esse valor investido anualmente por aluno, matriculado na rede pública municipal, se aproxima do gasto mensal de um aluno em uma escola privada de elite. Por isso a necessidade de uma avaliação que considere o custo Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 14 aluno qualidade, caso contrário, os estados que atualmente ultrapassam o mínimo nacional continuarão sem repasses de recursos necessários para uma educação de qualidade social. Para uma melhor compreensão da correlação entre gasto e qualidade, faz-se necessário, portanto, estudos que avancem nesta direção. ABSTRACT: This study aims to evaluate the distribution of spending on education in municipalities in the state of Espírito Santo between the years 2011 and 2012, for it will use as the methodology analysis of revenues, seeking to respond to the inequalities found in the municipalities interfere in spending with education. Thus, we will make a correlation between current income and per capita spending per student in each municipality. Corroborating studies on education funding and the limits of current policy funds, in the case of the Holy Spirit, although it can be said that spending on education per student are above the minimum established by the national average, have asymmetries as a result of the tax system prevailing in the country. Thus, in general, the lower the per capita net income, the lower the per-pupil spending. The study also showed that in more populated municipalities spending per student is lower, since the highest number of enrollments. Keywords: Municipal Finance, Educational Policies, Right to education. REFERÊNCIAS ABRÚCIO, Fernando Luiz e COUTO, Cláudio. A Redefinição do Papel do Estado em Âmbito Local. São Paulo: São Paulo em Perspectiva. 10(3):40-47, 1998. ABRUCIO, Fernando Luiz. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de aperfeiçoamento. In OLIVEIRA, Romualdo P. SANTANA, Wagner. Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010. ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Rescentralizando a federação? Revista de Sociologia Política, Curitiba, nº 24, jun., 2005, p. 29-40. Disponível em:< http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782005000100004>. Acesso em 10 de abril de 2013. ANDERSON, George. Federalismo: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV, 2009. ARRETCHE. Marta Tereza da Silva. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio de Janeiro: FGV; Editora Fiocruz, 2012. BALLARINI, Marluza de Moura. A integração de Ações de Estado e Município. In: Gestão Educacional: Tendências e Perspectivas. São Paulo: Cenpec, 1999. Série Seminários CONSED. p. 220-223. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, 23 dez. 1996. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 15 CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação Básica no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, nº 80 (set. 2002) 168-200. ESPÍRITO SANTO (estado). Censo Escolar. Vitória, SEDU/GEIAA, 2012. FERREIRA, Andreza Alves; COSTA, Everaldo Francisco. O processo de municipalização do ensino fundamental no Estado do Espírito Santo. 2003. Monografia (Pós-graduação em Gestão Municipal de Políticas Públicas) - Instituto Saber & Cidadania e as Faculdades Integradas de Vitória (FDV), 2003. INEP. Censo Escolar 2014. Disponível em: <http//www.portal.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso em 15 de abril de 2014. LEITE, Cristiane Kerches da Silva. Descentralização das Políticas Sociais no Brasil: o lugar dos estados no processo de municipalização. Revista de Política hoje, vol. 18, n. 2, 2009. P. 306-340. Disponível em: < file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/33-128-2-PB%20(1).pdf>. Acesso em 12 de janeiro de 2013. PINTO, José Marcelino de Rezende. Financiamento da educação básica: a divisão de responsabilidades. Revista Retratos da Escola, Brasília, v.6, n.10, p.155-172, jan./jun. 2012. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>. Acesso em 19 de abril de 2013. VILLELA, Tania Mara Cursino (org.). Finanças dos Municípios Capixabas. Vitória, v.19, jul. 2013. Disponível em: <http//www.financasdosmunicipios.com.br>. Acesso em 19 de abril de 2013. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 16 IMPLICAÇÕES DOS PROCESSOS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS POLÍTICAS INSTITUCIONAIS DE INCLUSÃO ESCOLAR: O CONSELHO DE ESCOLA COMO FIGURAÇÃO ESPECÍFICA Beatriz de Oliveira Andrade – PPGE/UFES18 19 Edson Pantaleão – PPGE/UFES Reginaldo Celio Sobrinho20 RESUMO O presente trabalho traz os resultados parciais de um estudo de mestrado que objetiva analisar a constituição dos conselhos de escola pertencentes ao município de Cariacica/ES – BRA que, no curso da última década contou com a matrícula de estudantes, público-alvo da Educação Especial. Buscamos compreender em que medida a presença desses estudantes na escola comum, vem provocando reflexões e encaminhamentos de cunho pedagógico e político em âmbito institucional. A pesquisa é de natureza qualitativa, em que assumimos como procedimento principal de coleta de dados o estudo de documentos oficiais. No desenvolvimento do estudo utilizamos os conceitos de figuração e poder desenvolvidos por Norbert Elias na obra: “A sociedade de corte”. Decorre daí nossa compreensão de que os conselhos de escola devam se constituir em espaços formativos e de ampliação de saberes sobre temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto escolar. Palavras-chave: Civilização. Figuração. Gestão Democrática. Inclusão. Poder, Introdução No presente artigo busca compreender em que medida a presença de estudantes, público-alvo da educação especial, na escola comum, vem provocando reflexões e encaminhamentos de cunho pedagógico e político em âmbito institucional, por parte do Conselho de Escola vinculado às decisões no contexto da gestão escolar. Esse movimento refere-se às implicações dos 18 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Professora das Redes Municipais de Educação de Vila Velha e Cariacica/ES-BRA. [email protected] 19 Doutor em Educação. Professor adjunto do Departamento de Educação, Política e Sociedade, e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito SantoBRA. [email protected] 20 Doutor em Educação. Professor adjunto do Departamento de Educação, diversidades e práticas educacionais inclusivas,do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo-BRA. [email protected] Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 17 processos de gestão democrática nas políticas institucionais de inclusão escolar. Especificamente, o conselho de escola constitui aspecto importante da mobilização de indivíduos e grupos em torno de interesses diferenciados e interdependentes. No que concerne ao debate sobre o processo de inclusão dos estudantes público-alvo da educação especial, é importante compreender que o conselho de escola deva se constituir em espaço formativo e de ampliação de saberes sobre temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto escolar, e possibilitam a concretização desse processo. Neste texto, por meio de estudos de documentos oficiais, são destacados aspectos relativos às políticas implementadas, no percurso da última década, no município de Cariacica-ES/Bra. Ao longo das discussões, o foco principal foi as implicações do conselho de escola no processo de escolarização do sujeito público-alvo da educação especial. Nas figurações sociais do contexto brasileiro, materializadas nas políticas recentes, o conselho de escola tem sido convocado para o enfrentamento de desafios e dilemas decorrentes da sua constituição e de sua dinâmica de funcionamento. Para discutir essas questões o aporte teórico está nos estudos de Norbert Elias, em especial na obra intitulada “Sociedade de Corte”, os conceitos de poder e figuração, considerando-os como noções fundamentais para compreender alguns aspectos dos processos de gestão democrática que permeiam a escolarização dos estudantes público-alvo da Educação Especial em território brasileiro. Bem como, a partir dessa reflexão, compreender como se estrutura o conselho de escola na dinâmica do seu funcionamento, em busca do propósito da inclusão escolar. Metodologicamente, em contato com a secretaria de educação municipal, foi realizado o levantamento de documentos que possibilitassem compreender o processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência naquele município. Especificamente, estudamos aspectos do senso escolar, objetivando sistematizar Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 18 dados relativos ao quantitativo de estudantes com deficiência matriculados no ensino comum. Importante destacar que nossa discussão também toma como referência documentos que tratam da política nacional de inclusão escolar, bem como da literatura que versa sobre as políticas no campo da gestão democrática. Na sequência do texto, apresentamos, inicialmente, conceitos apresentados por Norbert Elias sustentarão os debates e reflexões acerca da temática estudada. Posteriormente, esses conceitos contextualizados com o município de CariacicaES/Bra em sua configuração política de sistema de ensino, articulada às possibilidades de implementação de gestão democrática, pela via da atuação dos Conselhos de Escola. Nesse contexto, trazemos dados relativos à educação especial, a fim de compreendermos como a escolarização dos sujeitos públicoalvo dessa modalidade de educação tem sido assumida pela política local. Por fim, sinalizamos alguns indicativos e considerações emergidos do estudo realizado. Contribuição de conceitos elisianos no debate sobre Conselho de Escola e suas implicações nos processos de inclusão escolar. Neste item procuramos trabalhar os conceitos de figuração e poder desenvolvidos por Norbert Elias21 na obra “Sociedade de Corte”, a fim de problematizarmos a configuração e atuação dos Conselhos de Escola no contexto político de inclusão dos alunos público-alvo da educação especial. Na obra “sociedade de corte”, Elias (2001) nos remete a uma perspectiva histórico-sociológica como tentativa de compreender, por meio da figuração da corte, os papeis que cada indivíduo assume nas inter-relações estabelecidas. Nesse debate, Elias ressalta que nos estudos que objetivam compreender aspectos da dinâmica que delineia as figurações sociais no curso do tempo, encontramos certa dificuldade em “[...] falar sobre indivíduos que formam juntos uma sociedade, ou de sociedades que se constituem de homens singulares [...]” (ELIAS, 2001, p. 43). 21 ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 19 Ao desenvolver essa noção, o autor afirma que [...] os indivíduos singulares que formam uma figuração social específica entre si podem de fato desaparecer, dando lugar a outros; entretanto, seja como for essa substituição, a sociedade, e com isso a própria figuração, será sempre formada por indivíduos [...] (ELIAS, 2001, p. 50). O autor destaca ainda que as figurações “[...] têm uma relativa independência em relação a indivíduos singulares determinados, mas não aos indivíduos em geral [...]” (ELIAS, 2001, p.51). Apresentando a noção de figuração, Elias (2001) destaca que a existência social somente é possível a partir das interdependências que os indivíduos estabelecem. Essas interdependências expressam um equilíbrio de poder que, no curso do tempo e a partir das tensões e conflitos vividos, pode ser mais estável, difuso ou mais elástico. No caso específico da sociedade de corte, Elias exemplifica o papel do rei e suas relações com a corte. Na discussão apresentada pelo autor, “[...] com auxílio de tais modelos é possível verificar o espaço de decisão de um único indivíduo dentro de sua cadeia de interdependências, o âmbito de sua autonomia e a estratégia individual de suas tendências de comportamento” (Elias, 2001, p. 56). Estudando as estruturas particulares da sociedade de corte, Elias (2001, p. 27) observa “[...] uma população já bastante diferenciada em suas funções, ocupando um território relativamente vasto, que era governada a partir de um mesmo ponto central [...]”. Essa percepção evidencia uma forte tendência das sociedades ocidentais medievais em concentrar o poder em uma única posição social. Contudo, o autor observa que, em sociedades de outras épocas e lugares, por exemplo, “[...] nos grandes reinos da Antiguidade em que o governo era centralizado, na China, na Índia, assim como na França pré-revolucionária de tempos mais recentes [...]” a tendência em constituir uma elite poderosa e cheia de prestígio também se faz evidente (ELIAS, 2001, p. 28). Desse modo, a sociedade francesa não é a única e certamente não foi a primeira sociedade europeia em que essa mudança estrutural se realizou. De fato, para o autor, é possível observar esse processo em períodos anteriores, sobretudo na Espanha e na Itália. Essas sociedades também vivenciaram Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 20 movimentos de centralização e de formação de corte, em conexão com as distribuições de oportunidades financeiras pelos soberanos e seus representantes. Contudo, o movimento de centralização francês do século XVII, constituiu a maior e mais numerosa unidade de corte da Europa, com controles centrais que funcionavam efetivamente. Essa condição social e histórica alcançada pela corte francesa pode ser observada, com grande clareza, nas cenas registradas por Elias (2001) que toma aquela corte como seu objeto para compreender o surgimento de uma sociedade que tem como centro seu próprio cenário, ditando as regras e condutas sociais das monarquias que colaboram para a manutenção do poder e da honra. O autor nos reporta ao cenário de sociedade de corte onde o rei Luís XIV exerce e demonstra seu poder ao se relacionar de maneira estratégica com seus súditos, desenvolvendo neles uma dependência de favores reais e de prestigio por sua gloria, mantendo o centro do poder das sociedades do antigo regime. As relações vividas nessa sociedade em busca do poder e do prestigio também apontam o casamento como um ato simbólico para manter a nobreza e a fortuna. Ao longo da obra, é possível perceber que a preservação do poder do rei se dá na sociedade de corte a partir da amplitude de seu poder, e “[...] quanto maior a dependência direta de todos os cortesãos em relação a ele, mais pessoas se concentravam em torno do rei. Ele amava, desejava tal concentração, que também era uma maneira de glorificar sua existência” (ELIAS, 2001, p. 151). Para o rei sustentar a sua margem de poder e certo distanciamento de seus súditos, a etiqueta e o cerimonial constitui elementos fundamentais no entrelaçamento de dependências mútuas e disputas entre os cortesãos. De modo semelhante, as habitações e suas diferentes caracterizações na corte também determinam o poder e a posição social, oferecendo segurança, conforto, beleza e mantendo a centralidade do rei naquela figuração. Nos termos do autor, “[...] cada um dos hotéis foi construído, originalmente, para um determinado cliente, para uma determinada ‘casa’; e o arquiteto esforçouse em tornar visível de imediato, na configuração e na ornamentação do hotel, a posição social de seu habitante” (ELIAS, 2001, p. 79). Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 21 Assim, Luís XIV mantinha as articulações, para que a unidade do seu reino não se perdesse com o equilíbrio das tensões que balizavam o cotidiano da corte na qual vivia. O grau de seu poder perante a corte deixava visível para seus súditos que ele sempre seria o primeiro dos nobres; que sua hierarquia estava presente tanto nos modelos de figurações expressas na própria arquitetura dos espaços físicos do palácio e no equilíbrio de poder vivido nas inter-relações sociais. Neste ponto, vale destacar que os processos de distribuições de chances de poder entre indivíduos e grupos não existem em si mesmos, isolados das tensões, conflitos e dilemas que fundamentam as inter-relações humanas. O poder é um elemento constitutivo das figurações. Em Elias, toda relação é relação de poder. Seja mais ampliada ou mais restrita, um indivíduo sempre ocupa uma margem de poder nas inter-relações que constituem. No trabalho investigativo que realizou, Elias (2001) compara essa forte pressão existente na competição por prestigio em sociedade de corte, com as competições pelo acúmulo de capital que fundamentam a existência social nas sociedades industrializadas. A consolidação do Estado Moderno pautou-se na legitimidade de instituições sociais que colaboraram tanto no controle da população, quanto no controle da máquina e seus cargos administrativos, justificando a pertinência de um estado moderno capitalista e burocrático cada vez mais centralizado. Nesse processo, algumas crenças ganharam maior centralidade e, portanto, passaram a delinear as “regras” do jogo social vivido. Em nossas sociedades recentes, marcadas pela noção de Estado de direito, essas crenças e concepções podem ser sistematizadas por meio de leis. A lei se constitui, então, em um aspecto importante do processo de legitimidade e de consolidação de determinadas expectativas de vida em sociedade. Uma vez que, entre outros diversos fatores, ela tem a função de nortear, motivar e organizar os patamares das sociedades independente dos níveis sociais e da estrutura econômica do indivíduo. Esse debate nos reporta a uma concepção de política como a ação ou o conjunto de ações que realizamos para manter ou superar uma situação social Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 22 específica. Nesse sentido, a política não tem fim em si mesmo, pois é processual. Ela emerge num fluxo de tensões que se expressa na ação dos indivíduos e grupos, quando se colocam o desafio de solucionar e/ou de dar encaminhamentos às tensões vividas. Com as argumentações de Elias (2001), fica evidente que com a constituição do estado de direito vivenciamos um processo crescente de alargamento da participação popular nas organizações de massas de caráter partidário e político. Essa dinâmica vem provocando uma série de alterações mais globais na sociedade, delineando novos conflitos e tensões na arena social. É que, paulatinamente, um número cada vez mais amplo de indivíduos passa a ter acesso às instâncias formais de elaboração dos projetos e das legislações que fundamentam a organização social, redimensionando suas chances de intervir mais diretamente na concretização dos direitos sociais. A educação escolar assume importância cada vez maior nesses debates. Decorre daí a acentuada preocupação em garantir, por meio de legislação específica, uma gestão democrática da escola pública. Expectativa que se concretiza na participação da comunidade local nos debates em torno da “escola desejada”. No item seguinte apresentamos dados que nos ajudam a compreender o contexto do município, foco do nosso estudo, nos aspectos relativos à sua configuração como sistema de ensino, às possibilidades de implementação da gestão democrática, à configuração dos Conselhos de Escola, e aos dados relativos à educação especial, com o propósito de compreendermos como a escolarização dos sujeitos público-alvo dessa modalidade de educação tem sido assumida pela política local. A educação especial nas figurações da política municipal: o lugar do Conselho de Escola. O município de Cariacica-ES/Bra integra a região metropolitana da Grande Vitória, que é composta por sete municípios, a saber: Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão. Com uma área territorial de 279,98 km², Cariacica tem uma população estimada para o ano 2014 de 378.915 habitantes, Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 23 de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É um município que tem tido um crescimento populacional significativo nos últimos anos. O Censo Demográfico do ano de 2010 apresentou uma população de 348.738 habitantes. Tal crescimento tem provocado tensões nas figurações que constituem as políticas públicas municipais. Entre elas, a oferta de educação pública para a população. Em 2013, o município contou com 47.942 matrículas de alunos nas escolas de sua dependência administrativa. Entre os quais, 1.663 são estudantes públicoalvo da educação especial. Na trajetória das transformações sociais, econômicas e políticas percebemos que os governos locais expressam preocupações mais evidentes relativas à necessidade de atender às demandas de escolarização das pessoas com deficiência. Foi nesse percurso histórico que o município de Cariacica, a partir da política nacional, instituiu seu Sistema de Ensino, incorporando o Conselho Municipal de Educação nas articulações das políticas locais vinculadas à oferta de educação para a população. Sobre os sistemas de ensino, vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96)22, em seus artigos 14 e 15, dispõe que estes definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, assegurando às unidades escolares que os integram, progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira. Além disso, a LDBEN afirma que a União é responsável pela coordenação da política nacional de educação, e da articulação entre os diferentes níveis e sistemas de ensino. A educação nacional está, pois, organizada em três sistemas de ensino distintos: federal, estadual e municipal, conforme a dependência político-administrativa. Cada um deles é responsável pela organização e manutenção das instituições de ensino de seu sistema e, também, pela elaboração e execução de políticas e planos educacionais. 22 BRASIL. Lei n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 24 Nesse contexto, o município de Cariacica se configurou como sistema de ensino, a partir da Lei nº 4.373 de 10/01/2006, passando a assumir, além da responsabilidade da oferta, a responsabilidade de regulamentação, acompanhamento e fiscalização dos serviços educacionais ofertados pelos estabelecimentos que compõem o seu sistema. Fica instituído o Sistema Municipal de Ensino no Município de Cariacica, incumbindo à Administração Municipal de coordenar a política Municipal de Educação e a gestão da educação básica, integrando-as às políticas e aos 23 planos educacionais da União e do Estado (Lei nº 4.373, art.1º) . A instituição de normas e parâmetros legais para a regulamentação e regulação do funcionamento da ordem social nas figurações das sociedades recentes, remete-nos aos argumentos de Norbert Elias (1993) sobre a sociedade industrial, quando destaca que [...] A cristalização de formas legais gerais por escrito, que é parte integral das relações de propriedade na sociedade industrial, pressupõe um grau muito alto de integração social e a formação de instituições centrais capazes de dar à mesma lei validade universal em todas as áreas que controlam [...] (ELIAS, 1993, p. 62).24 Nesse percurso, para atender à crescente demanda escolar, há no município de Cariacica escolas públicas e privadas. No setor das instituições privadas de ensino, existem escolas que ofertam desde a educação infantil ao ensino superior. No setor público, há escolas tanto da rede municipal, estadual e federal, atuando em diferentes níveis de ensino. Para atender à demanda das 47.942 matrículas na rede municipal de educação em 2013, o município contou com 43 centros de educação infantil e 59 escolas de ensino fundamental. Desse contingente de matrículas, como já destacamos, os 1.663 alunos público-alvo da educação especial estão distribuídos nas diferentes escolas, comungando com a política nacional de educação inclusiva. 23 CARIACICA lei nº. 4.373, de 10 de janeiro de 2006. Institui o sistema municipal de ensino de Cariacica e dá outras providências. 24 NOBERT ELIAS O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Tradução: Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1993, 2º v. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 25 O quadro abaixo sintetiza o número de matrículas dessa população de estudantes por tipologia e etapa de ensino da educação básica, destacando aqueles que frequentam a educação de jovens e adultos e os que são atendidos pela Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em atendimento educacional especializado, na modalidade complementar e/ou suplementar. Quadro 1 – Matrículas de alunos público-alvo da educação especial em 2013. Altas Habilidades 01 Matrículas Ens. Fundamental 14 Deficiência Física 11 41 01 08 Deficiência Mental 44 243 36 137 Deficiência Múltipla 20 71 04 95 Surdez 11 34 05 01 Transt. Globais do Desenvolvimento Deficiência Visual 51 101 07 34 13 44 00 02 Nec. Ed. Esp. - Sem especificação Total de alunos 155 721 35 00 306 alunos 1.269 alunos 88 alunos 277 alunos TIPOLOGIAS Matrículas Ed. Infantil Matrículas Ed. Jovens e Adultos 00 Atendidos na APAE 00 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Cariacica-ES/Bra. O levantamento das matrículas dos alunos público-alvo da Educação Especial, disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação, evidenciou que esses dados nos apontam diferentes possibilidades de análise. Inicialmente focamos no que se refere ao diagnóstico tardio desses sujeitos, muitas vezes fundamentados em expectativas que confundem deficiência e doença por um lado, e a necessidade de assistência social, por outro. Na constituição de um Estado moderno industrial, às vezes, as famílias destes estudantes se colocam numa condição de interdependência com a organização estatal que se configura na perspectiva da filantropia e solidariedade. Pois, como características das sociedades recentes, parece que somente quando esses sujeitos passam a compor grupos que participam mais intensivamente do Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 26 meio produtivo, suas habilidades e competências passam a constituir o quadro identificador de suas limitações. Nesse contexto do debate que emergem as discussões em torno da constituição e atuação dos Conselhos de Escola como instâncias políticas de mobilização da comunidade local para suas reivindicações dos direitos sociais educacionais. Conforme prerrogativas da LDBEN nº 9.394/96, em seu artigo 14, determina que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática tendo como um dos princípios a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. Constituindo-se com essa figuração específica, o Conselho de Escola se estrutura em aspecto importante na mobilização de indivíduos e grupos em torno de interesses diferenciados e interdependentes. Sendo composto por representantes da comunidade escolar, tem a possibilidade de se configurar com determinada margem de poder. Principalmente no que se refere às decisões no âmbito da gestão da escola e dos processos de escolarização dos alunos públicoalvo da educação especial, a partir de debates que tencionam as noções de deficiência, infância e o papel do Estado na garantia dos direitos sociais. Assim, ao refletir sobre o quantitativo de estudantes, o sistema de ensino necessita articular políticas que possam garantir a escolarização dos indivíduos a partir da primeira etapa da educação básica. Nesse caso, há de se pensar as dificuldades enfrentadas por esse sistema em termo de recursos financeiros, condições de trabalho dos profissionais da educação, ausência de vagas nas unidades de ensino, situação arquitetônica dos espaços escolares e o lugar que estes estudantes ocupam nas perspectivas de desenvolvimento do governo. Quadro que retrata a figuração estrutural, política e histórica do município de Cariacica no atendimento às suas demandas. Com o contexto apresentado, percebemos a necessidade da implementação de políticas locais para atender aos sujeitos da educação especial no cotidiano das escolas, possibilitando-os o acesso, a sua permanecia e aprendizagem no decorrer de seus estudos. Pois, concordamos com os Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 27 argumentos de Ferreira e Ferreira (2004, p. 24) 25 ao afirmarem que “[...] essas políticas mais amplas mostram certo nível de compromisso com as pessoas com deficiência [...]”. Entretanto, continuam argumentando os autores, “[...] em outros momentos parece prevalecer a questão quantitativa de atendimento mais compatível com uma política de resultados para justificar compromissos governamentais no âmbito internacional” Focalizando, então, o Conselho de Escola na reflexão sobre essas questões, há que se considerar sua relevância como órgão administrativo que integra a estrutura da gestão escolar. Com o indicativo de exercer funções normativas, deliberativas, fiscalizadoras e de planejamento, acabam se configurando com certa margem de poder nas decisões da escola, além da possibilidade de estabelecer relação política com o órgão central do sistema de ensino. O município de Cariacica seguindo o que dispõe o decreto municipal de nº 111, de setembro de 200426, assume as funções descritas acima. E nessa configuração, cabe a ele encaminhar, quando for o caso, à autoridade competente, proposta de instauração de sindicância para os fins de destituição do diretor da Unidade Escolar, em decisão tomada pela maioria de seus membros e com razões fundamentadas e registradas formalmente. O mesmo decreto sustenta, em seu artigo 3º, que “os Conselhos de Escola são centros permanentes de debates e órgãos articuladores de todos os setores escolares e comunitários, constituindo-se em cada escola, de um colegiado, formado por representantes dos segmentos da comunidade escolar, de acordo com as normas estabelecidas neste Decreto”. 25 FERREIRA, Maria C. C; FERREIRA, Júlio R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: Góes, M. C. R. de; LAPLANE, A. L. F. de. (Orgs.). Políticas e práticas de educação inclusiva. São Paulo: Autores Associados, 2004, p. 24. 26 CARIACICA, Decreto nº 111, de 01 de setembro de 2004 - regulamenta a implantação dos conselhos de escola das unidades de ensino da rede municipal de Cariacica e dá outras providências. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 28 A margem de poder que é evidenciada para o Conselho de Escola no decreto citado, configurar-se-á a partir das interdependências dos membros da comunidade escolar que o integrarão. Pois, conforme nos aponta Elias (2001) essas interdependências expressam um equilíbrio de poder que, no curso do tempo e a partir das tensões e conflitos vividos, pode ser mais estável, difuso ou mais elástico. Assim, as figurações constitutivas do Conselho de Escola terão uma “[...] relativa independência em relação a indivíduos singulares determinados, mas não aos indivíduos em geral [...]” (ELIAS, 2001, p.51). Com essa noção, Elias (2001) destaca que a existência social somente é possível a partir das interdependências que os indivíduos estabelecem. O Conselho de Escola, então, numa figuração específica da comunidade local, estará vinculado às interdependências dos seus membros, e da sua própria interdependência na relação com o órgão central do sistema de ensino. Fato que, nas articulações políticas, expressará determinado equilíbrio de poder, mais estável, difuso ou mais elástico, no curso do tempo e a partir das tensões e conflitos que viverá. Já que os processos de distribuições de chances de poder entre indivíduos e grupos não existem em si mesmos, isolados das tensões, conflitos e dilemas que fundamentam as inter-relações humanas. Pois o poder é um elemento constitutivo de qualquer figuração (ELIAS, 2001). No debate sobre inclusão escolar das pessoas com deficiência, o Conselho de Escola precisa balizar as discussões em espaços democráticos de participação. Nesse processo, acaba vivenciando significativas tensões no cotidiano escolar. Considerando que uma comunidade escolar é heterogênea, compreendemos que o processo de inclusão não deve buscar uma categorização dos alunos com ou sem deficiência, pois A educação inclusiva caracteriza-se como um novo princípio educacional, cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na classe escolar, como situação provocadora de interações entre crianças com situações pessoais as mais diversas. Além dessa interação, muito importante para o fomento das aprendizagens recíprocas, propõe-se e busca-se uma Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 29 pedagogia que se dilate frente às diferenças dos alunos (BEYER, 2006, 27 p. 73). Esse debate articulado às concepções de deficiência, de infância e de Estado, acaba imprimindo uma direção específica nas decisões e nos encaminhamentos políticos e pedagógicos no âmbito das instituições de ensino. O que também balizam, em grande medida, o equilíbrio de poder entre os membros do conselho e entre este órgão e a equipe de gestão escolar. CONSIDERAÇÕES EMERGIDAS DO ESTUDO. Das reflexões que realizamos até o momento da pesquisa, podemos observar que nas sociedades recentes, o conselho de escola constitui aspecto importante da mobilização de indivíduos e grupos em torno de interesses diferenciados e interdependentes. Nesse sentido, precisa lidar com desafios e dilemas decorrentes da sua constituição e de sua dinâmica de funcionamento. Há que se considerar que esse órgão administrativo local se configura como parte importante das diferentes dimensões sociais e civis que compõem a comunidade escolar, que no fluxo das tensões cotidianas a respeito de concepções sobre deficiência, infância e estado, acaba imprimindo uma direção específica nas decisões e nos encaminhamentos políticos e pedagógicos no âmbito da instituição de ensino. Esse debate também baliza, em grande medida, o equilíbrio de poder entre os membros do conselho e entre este órgão, a equipe de gestão escolar e a administração central do sistema de ensino municipal, a partir das interdependências estabelecidas entre os indivíduos nas respectivas figurações. Nos debates relativos à escolarização de estudantes com deficiência, via de regra, os conselheiros que representam o segmento do magistério acabam assumindo centralidade nas decisões, já que são eles que trabalham diretamente 27 BEYER, Hugo O. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In: BAPTISTA, C. R. (Org.). Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006, p. 73. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 30 com esses sujeitos. Decorre daí nossa compreensão de que os conselhos de escola devam se constituir em espaços formativos e de ampliação de saberes sobre temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto escolar. Temáticas sobre as quais, todos os integrantes do conselho devem opinar e participar efetivamente de seus encaminhamentos. ABSTRAT This paper presents the partial results of a study that aims to analyze the Masters formation of school councils belonging to the municipality of Cariacica / ES - BRA that in the course of the last decade had the registration of students, special education audience. We seek to understand to what extent the presence of these students in regular schools, has led to reflections and pedagogical and political nature of referrals in the institutional framework. The research is qualitative, in which we take as the main procedure of data collection study of official documents. In preparing the study used the concepts of figuration and power developed by Norbert Elias in the work: "The court society" It follows our understanding that school councils should constitute formative spaces and expansion of knowledge on themes that recurrently emerge in the school context KEYWORDS: Civilization. Democratic Management. Figuration. Inclusion. Power. REFERÊNCIAS BEYER, Hugo O. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In: BAPTISTA, C. R. (Org.). Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre: Mediação, 2006, p. 73. BRASIL. Lei n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996. CARIACICA, decreto nº 111, de 01 de setembro de 2004- regulamenta a implantação dos conselhos de escola das unidades de ensino da rede municipal de Cariacica e dá outras providências. ______. Lei nº. 4.373, de 10 de janeiro de 2006 - institui o sistema municipal de ensino de Cariacica e dá outras providências. ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ______. O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Tradução: Ruy Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1993, 2º v. FERREIRA, Maria C. C; FERREIRA, Júlio R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas pedagógicas. In: Góes, M. C. R. de; LAPLANE, A. L. F. de. (Orgs.). Políticas e práticas de educação inclusiva. São Paulo: Autores Associados, 2004, p. 24. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 31 A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES SOBRE AS DIFICULDADES DO ENSINO EM UM CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS DO OESTE DO PARANÁ Glaucia Daniela Dias28 29 Eduardo Alves Gomes 30 Deisy Cristina Corrêa Igarashi Wagner Igarashi31 RESUMO: Este estudo identifica e descreve as dificuldades mais frequêntes relacionadas ao ensino, em um curso de Ciências Contábeis, segundo a ótica dos acadêmicos. O estudo apresenta perfil qualitativo, exploratório e descritivo, uma vez que busca analisar os elementos apontados pelos discentes como possíveis dificuldades relacionadas ao ensino da contabilidade. Os resultados obtidos são decorrentes da correlação entre elementos teóricos que apoiaram na estruturação do questionário desenvolvido e aplicado na pesquisa. A pesquisa evidencia que elementos teóricos, são confirmados empiricamente, por exemplo, falta de: conhecimento e didática por parte do corpo docente, correlação entre a teoria e a prática, e incentivo por parte do corpo docente para a prática da produção e pesquisa científica. Além da necessidade de melhoria nas instalações físicas da universidade. Palavras Chave: Discentes; Ciências contábeis; Dificuldades no ensino. INTRODUÇÃO O mercado de trabalho para os contadores é amplo e abrange diversas áreas, considerando a realidade das demais profissões. Por isso, o bacharel contábil precisa aprimorar seu conhecimento, não limitando sua capacidade de evolução profissional e sempre buscar diferencial, ou seja, ser mais do que um mero prestador de serviço, atuando como elo imprescindível entre as informações e seus usuários. Para que os estudantes da área contábil obtenham diferencial frente ao mercado de trabalho, se faz necessário aliar aspectos advindos da teoria e da prática, a fim de sanar a lacuna entre o ensino e prática. Para minimizar tal lacuna 28 Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná 30 Doutorado em Engenharia de Produção (UFSC), Mestrado em Engenharia de Produção (UFSC), Mestrado em Contabilidade (UFSC), Graduação em Ciências Contábeis (UEM), atua como docente no DCC e PPA, CSA, UEM; 31 Doutorado em Engenharia do Conhecimento (UFSC), Mestrado em Engenharia de Produção (UFSC), Graduação em Informática (UEM), atua como docente no DIN, CTC, UEM; 29 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 32 é necessário que as faculdades e universidades estejam em evolução contínua e alinhadas à demanda de mercado. Além disso, cabe aos estudantes não restringir sua formação ao conteúdo acadêmico. A realidade do ensino da contabilidade em universidades e faculdades brasileiras é complexa de ser pesquisada, pois apresentam variáveis desiguais32, como contexto regional, realidade sócio-educacional dos alunos, diferentes níveis de especialização do conhecimento do corpo docente, existência de pósgraduação na instituição, dentre outros. A partir do exposto este estudo busca responder ao seguinte questionamento: Quais são as dificuldades mais frequentes relacionadas ao ensino, em um curso de Ciências Contábeis, segundo a ótica dos discentes?. Frente a este questionamento, o estudo busca atender ao seguinte objetivo: identificar e descrever, segundo a ótica dos discentes, as dificuldades mais frequentes em relação ao ensino, no curso Ciências Contábeis, objeto de estudo. Como limitação do estudo, salienta-se que este se trata de um estudo de caso exploratório, portanto os resultados obtidos neste estudo não podem ser adotados como uma realidade para os demais cursos de Ciências Contábeis do estado do Paraná. A não ser que esta pesquisa venha a ser reaplicada nas demais instituições e os resultados ora obtidos se confirmem. REFERENCIAL TEÓRICO - OS DESAFIOS DO ENSINO DA CONTABILIDADE NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR A contabilidade emerge da necessidade prática de controlar objetos, animais, alimentos e outros utensílios. Essa utilização da contabilidade, para controle, se aperfeiçoou com o surgimento de técnicas e métodos contábeis, para atender uma sociedade em constante evolução. Neste processo evolutivo algumas técnicas perderam hegemonia e outras foram aprimoradas ou estruturadas. O ensino da contabilidade também vem sofrendo modificações e superando desafios, tais como: desenvolver habilidades e competências aos futuros 32 LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G. A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças – USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 33 profissionais, proporcionar ao futuro profissional competências não apenas técnicas, mas, também, de análise e posicionamento diante de diversas situações que lhes serão expostas33. Além dos desafios apresentados, existem outras barreiras a serem superadas no âmbito das Ciências Contábeis. Dentre as quais se destaca a correlação entre a prática e a teoria34. Nesse contexto, as instituições de ensino superior possuem um papel fundamental, pois cabe a estas proporcionar aos discentes condições para um aprendizado de qualidade e adequado à realidade de mercado. Nesse sentido, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) publicou uma Proposta Nacional de Conteúdo para os Cursos de Graduação em Ciências Contábeis. A proposta apresenta matriz curricular, que além das disciplinas de conhecimento específico contêm disciplinas que englobam aspectos mais amplos como: economia, administração, direito, dentre outros35. A matriz também prevê estágio supervisionado obrigatório e trabalho de conclusão de curso. A importância da matriz curricular na atualização do ensino contábil passa por uma associação de interesses entre educadores e instituições de ensino superior, no sentido de especificar habilidades e conhecimentos necessários para o profissional36. Para que isso ocorra há diversos desafios a serem vencidos. Dentre eles o estudo aborda os vinculados ao ensino da contabilidade, segundo a ótica dos discentes. Considerando que a integração entre discentes, docentes, instituições de ensino superior e sociedade seja a base estrutural para uma formação acadêmica de qualidade para futuros profissionais, é necessário que as instituições reúnam a 33 LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G.A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças –USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005. 34 PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006. 35 CARNEIRO, J. D.; RODRIGUES, A. T. L., BUGARIM, M. C. C., MORAIS, M. L. S., FRANÇA, J. A. Proposta nacional de conteúdo para o curso de graduação em ciências contábeis. Brasília: Fundação Brasileira de Contabilidade, 2008. 36 FAHL, A. C.; MANHANI, L. P. S. As perspectivas do profissional contábil e o ensino da contabilidade. Revista de Ciências Gerenciais, v.10, n 12, p. 25-33, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 34 teoria e a prática e contribuam para o crescimento e valorização da profissão37. Nesse sentido, destaca-se o papel do professor em apresentar os elementos que gerem encadeamento entre teoria e prática. Além disso, a estrutura física em algumas instituições, muitas vezes, deficitária ou inoperante, também, dificulta o processo de ensino. Todavia, não é coerente limitar os problemas das instituições de ensino apenas às deficiências de estrutura física, uma vez que, em muitos casos, a qualidade no ensino superior também tem relação com a capacitação e qualificação do corpo docente das instituições. Todavia, para haver melhora na qualidade de ensino de modo incisivo é necessário, além de mudanças curriculares e estruturais o comprometimento assumido por professores e pelos acadêmicos. Neste contexto, o ensino voltado ao simples repasse de conhecimento entre professor e aluno, o distanciamento entre as novas necessidades da profissão contábil e o ensino universitário, como também as deficiências na formação pedagógica de muitos professores, são fatores que demonstram a necessidade de mudanças no ensino da Contabilidade38. Neste sentido, ao se pesquisar sobre o ensino da contabilidade e suas deficiências, um ponto comum foi abordado nos textos e obras analisadas, o corpo docente das instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas. Isto porque a qualificação e o comprometimento dos professores são fundamentais na formação de futuros profissionais. Algumas das críticas tecidas aos docentes são devido a elementos como: (a) expansão dos cursos, (b) descaso com a educação, (c) falta de investimentos por parte das instituições, (d) falta de incentivo à carreira acadêmica, (e) contratação de professores descomprometidos com as instituições, (f) falta de 37 ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008. 38 PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 35 pesquisas e pouco conhecimento em cultura geral39. Além disso, com o aumento da quantidade de instituições de ensino superior na área Contábil surgiram professores que, muitas vezes, não possuem: suporte pedagógico, comprometimento, dedicação ao ensino, preparo para o magistério e interesse em se aprimorar para a docência40. Cabe observar que a prática didática do docente reflete as próprias relações organizacionais, e implicam nas formas de construir o conhecimento41. Além disso, é válido observar que em sala de aula não devem ser trabalhados apenas conteúdos teóricos. Em sala de aula cabe incentivar as aptidões humanas, como: criatividade, flexibilidade e capacidade de relacionar-se em equipe42. Para tanto, o professor pode utilizar-se de estratégias para desenvolver o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, e incluir métodos e técnicas de ensino diversificadas, como por exemplo: aula expositiva, estudo de texto, estudo dirigido, discussão e debates, seminário, estudo de caso, estudo do meio, laboratórios e oficinas43. Todavia caso essas estratégias não sejam utilizadas de forma coerente e dentro do contexto dos discentes, elas perdem seu caráter de auxílio no processo de ensino44. Neste contexto, outro aspecto a ser considerado é a formação técnico científica do corpo docente, ou seja, o professor universitário deve possuir competência técnica em sua especialidade e competência científica, voltada para a construção do novo conhecimento. Aqui está incluso a habilidade de pesquisar, seja pelo o incentivo à extensão ou à pesquisa dentro das instituições de ensino 39 NOSSA, V. Formação do corpo docente dos cursos de graduação em contabilidade no Brasil: uma análise crítica. Caderno de Estudos, São Paulo, FIPECAFI, São Paulo, v. 11, n. 21, p. 74-92, maio/ago. 1999. 40 LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G. A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças – USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005. 41 MOEN, D.; DAVIES, T.; DYKSTRA, D. Student perceptions of instructor classroom management practices. College Teaching Methods & Styles Journal. Littleton, v. 6, n. 1, p. 21-32, 2010. 42 ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008. 43 PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006. 44 PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 36 superior. Em relação às atividades de pesquisa o profissional deve buscar: o aprendizado, o conhecimento e estar atualizado45. Neste caso, “a aquisição de conhecimentos através da pesquisa e da prática deve ocorrer não somente com a titulação, mas também por meio de outras fontes de conhecimento, como por exemplo, cursos seminários, congressos leituras especializadas, pesquisas, entre outras”46. Além dos aspectos mencionados cabe observar a importância do relacionamento entre as instituições de ensino e as empresas, pois essa relação possibilita o aperfeiçoamento do ensino47 e o alinhamento com o mercado. METODOLOGIA Este estudo reúne características de pesquisa exploratória e descritiva. E utiliza-se das seguintes técnicas de pesquisa: bibliográfica, estudo de caso e questionário, seleção de amostra e análise de frequência. A pesquisa bibliográfica aborda um tema ou problema com base em referências teóricas previamente publicadas em livros, revistas, periódicos e artigos científicos. O estudo de caso está concentrado em um único caso48, ou seja, abrange uma IES específica, onde se pretende relacionar, descrever e analisar as principais deficiências do ensino no curso de Ciências Contábeis. Para seu desenvolvimento a pesquisa conta com questionário, o qual serve como fonte de informação junto aos discentes do curso. E representa a forma mais usada para coletar dados, pois possibilita medir com melhor exatidão o que se deseja49. A elaboração do questionário exige cuidado na seleção e formulação 45 ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008. 46 MARKS, R. B. Determinants of student evaluations of global measures of instructor and course value. Journal of Marketing Education, v. 22, n. 2, p. 108 – 119, aug. 2000. 47 JACQUES FILHO, A. J. O mercado de trabalho para o contador empreendedor. Revista Acadêmica da FACECA, Varginha, v.1, n.1, p. 23-27, ago./dez. 2001. Disponível em: <http://www.faceca.br/raf/documentos/omercadodetrabalhoparaocontador.doc>. Acesso em: 06 set. 2014. 48 RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In: BEUREN, Ilse Maria (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.76-97. 49 CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Makron Books, 1996. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 37 das questões50. Neste estudo o questionário foi estruturado pelos pesquisadores depois de realizada a análise da pesquisa teórica, e está apresentado no Anexo A. A partir do questionário a pesquisa busca descrever e analisar o ensino no curso em estudo, suas variáveis e os desafios, a fim de adequar-se com base em níveis de qualidade e excelência. O estudo, para a seleção da amostra, com base no tamanho da população do curso (200 alunos) utilizou-se da seguinte expressão n0 = N*n0/N+n051. Deste modo, o estudo assumiu 6% como taxa de erro plausível, e identificou a necessidade de sua amostra ser composta por aproximadamente 116,28 alunos. Para tal, foram selecionados aleatoriamente, de modo equivalente, 24 alunos em cada uma das 5 séries do curso, resultando em 120 participantes. Uma vez definida a amostra, e aplicados os questionários, foi realizada a análise qualitativa dos dados segundo a estatística descritiva, a partir da distribuição de frequência, a qual compreende a organização dos dados conforme a ocorrência dos diferentes resultados observados. Deste modo, o estudo enquadra-se como qualitativo, pois descreve e analisa a interação entre as variáveis. RESULTADOS O curso de Ciências Contábeis, objeto de estudo, é reconhecido pelo MEC desde 1983 e oferece anualmente 40 vagas no período noturno, tendo como prazo mínimo para integralização do curso de cinco anos e no máximo de sete anos. O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso, estruturado em 2007, estabelece questões como os elementos que devem ser compreendidos pelos acadêmicos enquanto parte de um contexto social global. Para tanto, o PPP destaca a importância da preocupação com a problemática vinculada aos condicionamentos sociais e às relações educacionais. O curso procura entender as relações sociais para estabelecer as ações de formação dos acadêmicos, de 50 RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In: BEUREN, Ilse Maria (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.76-97. 51 BARBETA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis. Ed. da UFSC, 2002. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 38 modo que este seja um profissional que se preocupe com o ambiente, busque o aperfeiçoamento não apenas técnico ou científico, mas, também, humano. O PPP do curso objeto de estudo faz menção a elementos relacionados ao perfil esperado dos acadêmicos, dentre os quais se destacam: (a) habilidade em identificar e apresentar soluções para problemas contábeis e gerenciais; (b) consciência da necessidade de busca permanente de atualização e aperfeiçoamento; (c) conhecimento das práticas contábeis, societárias, fiscais, tributárias e atuariais; (d) conhecimento e busca de fontes de pesquisa e ferramentas que possam subsidiar o desenvolvimento; (e) interesse pela pesquisa contábil e por estudos sócio-culturais e econômicos; e (f) comprometimento com a sociedade, e aplicação de conhecimentos em prol de seu engrandecimento. Com o intuito de identificar e descrever as dificuldades mais frequêntes relacionadas ao ensino no curso Ciências Contábeis, objeto de estudo, aceitando uma taxa de erro de 6%, o questionário foi aplicado a 24 alunos de cada série do curso. Para isso, foram escolhidas aulas vinculadas a matérias da base do curso e o questionário foi aplicado ao longo de uma semana. Uma vez aplicado o questionário foram analisadas as respostas obtidas, as quais foram segmentadas em três categorias. A primeira enfoca o perfil geral dos acadêmicos, questões 1 a 6. A segunda categoria aborda a percepção dos acadêmicos em relação ao curso, questões 8, 10, 11, 13, 15 a 19. A terceira categoria abrange a percepção dos acadêmicos em relação à atuação no mercado, questões 7, 9, 12, 14 e 20. A tabulação do questionário foi realizada em planilha eletrônica. Tabulados, os dados foram analisados e o resultado é apresentado na sequência. Perfil geral do acadêmico Observou-se que 62% dos acadêmicos têm faixa etária entre 21 a 30 anos. Quanto à proporção de acadêmicos do sexo feminino e masculino matriculados no curso, observou-se que 51% são do sexo feminino e 49% do masculino. Em relação aos motivos pelos quais os acadêmicos optaram pela escolha do curso, observou-se que 58% dos acadêmicos optaram pelo curso em função de Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 39 oportunidades futuras de empregabilidade. O curso conta com maior concentração numérica de discentes nas séries iniciais, com queda gradativa no decorrer dos anos. Esta etapa evidenciou que 30% dos acadêmicos do 5º ano tiveram ao longo do curso algum tipo de pendência em disciplinas, o que gerou atraso na conclusão do curso. Observou-se que atualmente 16% dos acadêmicos (2º, 3º, 4º e 5º ano) possuem pendência em alguma das disciplinas do curso. Percepção do acadêmico em relação ao curso As disciplinas que compõe a grade curricular do curso foram avaliadas pelos acadêmicos, e a respeito destas 9% consideraram o item ótimo, 83% bom e 8% ruim. Com relação ao conhecimento técnico e a didática dos docentes, 56% dos acadêmicos os consideraram adequados, ao passo que os demais os consideraram inadequados. Devido ao elevado percentual de acadêmicos que consideraram o conhecimento técnico e a didática dos docentes inadequados, foi solicitado a estes acadêmicos que indicassem os motivos que os levaram a considerar este quesito como inadequado. Observou-se que 33% consideram que há falta de didática, 24% consideram que os docentes não dominam conteúdo, 13% atribuem falta de compromisso por parte dos docentes, e outros 13% consideram os docentes desmotivados e despreparados. Foram, também, citados outros elementos com menor grau de recorrência, tais como: falta de interesse em passar o conteúdo, falta de qualificação dos docentes, sobrecarga de trabalho por falta de professores e a falta de investimento no corpo docente. No item que trata da percepção do acadêmico em relação ao curso, observou-se, no que se refere às estratégias de ensino utilizadas em sala de aula, que as mais utilizadas foram: discussão e debates, estudo de texto, aula expositiva e estudo de caso. Estas estratégias foram mencionadas respectivamente por 23%, 17%, 15%, 14% dos acadêmicos. O questionário evidenciou que 63% dos acadêmicos consideram não existir incentivo por parte do corpo docente à prática da produção e da pesquisa científica. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 40 Ao analisar as questões abertas que compõem o agrupamento observou-se que 25% dos discentes consideram necessária uma melhor qualificação do corpo docente, 18% fazem menção a melhoria na estrutura física, 11% apontam a necessidade de alterar a grade e 10% consideram necessário maior comprometimento dos docentes. Os acadêmicos puderam expressar opinião em relação às disciplinas ofertadas pelo curso e sua compatibilidade com a realidade do mercado. Neste quesito, 54% dos acadêmicos consideram que há falta de correlação entre teoria e prática; 22% consideram que as disciplinas ministradas são desatualizadas, e 13% fazem menção à necessidade de revisão da grade. As questões abertas evidenciaram que 51% dos acadêmicos consideram existir pouco incentivo do corpo docente para a prática da produção e pesquisa científica e 45% consideram que não existe tal incentivo. Os demais 4% observam que além da falta de incentivo, as poucas oportunidades que surgiram foram apenas para acadêmicos sem vínculo empregatício. Finalmente, em relação ao agrupamento, foi solicitada a ordenação em modo crescente de importância dos elementos que se caso fossem ajustados, poderiam gerar aprimoramento do ensino no curso, de modo efetivo. Observou que 55% dos acadêmicos priorizaram como mais importante a qualificação do corpo docente; seguida em 18% pela melhoria das instalações físicas (laboratórios, e acervo bibliográfico); e 13% consideram a alteração na grade curricular. Percepção do acadêmico em relação à atuação no mercado Observou-se que 57% dos acadêmicos consideram como diferencial o fato de o mercado de trabalho ser amplo, diversificado e abranger diversas áreas de atuação; 22% dos acadêmicos mencionam que os conteúdos das disciplinas do curso são fundamentais para concursos públicos; e 17% apontam diferencial em termos de posicionamento estratégico da função contábil dentro das organizações. Neste agrupamento foi considerada a percepção dos acadêmicos em relação a compatibilidade das disciplinas ofertadas pelo curso com a realidade do mercado de trabalho. Observou-se que 77% dos acadêmicos acreditam que as Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 41 disciplinas são parcialmente compatíveis com o mercado de trabalho e carecem de aperfeiçoamento, ao passo que 19% acreditam que elas estão compatíveis. O agrupamento explora as intenções dos acadêmicos em aprofundar ou ampliar seus conhecimentos na pós-graduação após o término da graduação. Observou-se que 84% têm intenção de cursar uma pós-graduação, sendo que destes 69% optariam pela especialização, 15% pelo MBA e 16% pelo mestrado. Ainda em relação à pós-graduação foi solicitado que os acadêmicos indicassem a área pela qual eles tinham interesse. Em relação às áreas observou-se que 36% têm intenção de aprofundar seus conhecimentos em auditoria; 17% em contabilidade gerencial, 12% em tributos e 12% em gestão de pessoas. Foram mencionados, ainda, como área de interesse com melhor índice os segmentos de: perícia, marketing, finanças, ensino, contabilidade pública, custos, controladoria, recursos humanos e gerenciamento de projetos. Foi solicitado, também, aos acadêmicos que estes enumerassem em ordem crescente de importância os elementos em relação à qualificação profissional de um bacharel em Ciências Contábeis. Na hierarquização, 55% indicaram que o conhecimento técnico da teoria e legislação contábil seria o elemento mais primordial, 18% consideram que o essencial é o conhecimento estratégico e gerencial das organizações; 15% fazem menção a facilidade de comunicação e integração com os demais componentes da organização e 13% optaram por elementos relativos a postura ética do profissional dentro da organização. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da pesquisa teórica, bem como da aplicação do questionário junto aos discentes do curso de Ciências contábeis, objeto de estudo, considera-se ser possível tecer comentários em relação ao objetivo de pesquisa deste estudo, bem como em relação à questão de pesquisa. Na pesquisa identificou-se que há maior concentração de discentes nas séries iniciais, e esse número decresce com o passar dos anos, o que indica evasão no curso. Observou-se que 16% possuem pendências em disciplinas, com destaque à disciplina de matemática financeira, a qual obteve o número mais Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 42 significativo de acadêmicos com pendência, no período analisado. Em relação à faixa etária observou que 62% dos acadêmicos possuem entre 21 a 30 anos, e que há equilíbrio entre os acadêmicos do sexo feminino e masculino. A pesquisa evidencia que 58% dos acadêmicos buscam o curso pelas oportunidades futuras que são oferecidas. Em relação à composição das disciplinas que compõe a grade curricular observou-se que 83% dos acadêmicos conceituaram essa composição como adequada. Contudo, quando se analisa o conhecimento e a didática apresentados em sala de aula pelo corpo docente observa-se que 56% dos discentes consideram tais elementos adequados. Ao se revisar a literatura sobre o assunto corpo docente observou-se que os docentes das IES exercem papel essencial na formação dos acadêmicos. A fim de minimizar o impacto que a interação do corpo docente de modo não adequado pode causar, alguns elementos foram observados, tais como: desenvolver ferramentas de avaliação docente; e orientar, acompanhar e gerar capacitação pedagógica. Tais mecanismos podem incentivar os docentes e envolver a comunidade acadêmica nas decisões. Por outro lado, alguns elementos são críticos, e necessitam de planos de ação, como por exemplo: qualificação docente; falta de envolvimento e comprometimento; falta de qualificação pedagógica; e atuação na docência como segundo emprego. O questionário indica que as estratégicas de ensino apresentadas na revisão teórica foram elencadas pelos acadêmicos como utilizadas pelos docentes, 23% consideram que as disciplinas fazem uso de discussões e os debates; 17% de estudo de caso, e 15% de aula expositiva. Além disso, observouse que há pouco incentivo do corpo docente na prática da produção e pesquisa científica. Isto vai ao encontro do descrito na revisão de literatura, de que a pesquisa e produção científica na área contábil são limitadas e impacta indiretamente na correlação entre os elementos teóricos e práticos. Afirmação, também, evidenciada com as respostas ao questionário, uma vez que 54% dos acadêmicos consideram que existe falta de correlação entre a teoria e a prática. A pesquisa também evidenciou (18% dos acadêmicos) a necessidade de melhoria nas instalações físicas da universidade, as quais podem dificultar o Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 43 processo de ensino, questão também confirmada na pesquisa teórica do estudo. Quanto aos elementos primordiais na qualificação profissional do bacharel em contabilidade, considera-se conservadora a concepção dos acadêmicos. Isto porque eles hierarquizaram como item mais importante do conhecimento: (a) questões técnicas da teoria e legislação contábil, (b) conhecimento estratégico dentro das organizações, (c) facilidade de comunicação e integração com os demais componentes da organização; e (d) postura ética do profissional. O questionário possibilitou identificar itens que os acadêmicos julgam importantes para a qualidade do ensino no curso, e para a qualificação profissional. Uma das principais preocupações dos discentes é a qualificação do corpo docente, e isso não engloba apenas titulação. Aqui foi elencado: conhecimento técnico, comprometimento, motivação, didática entre outros. Reconhecendo que a temática apresenta múltiplas variáveis e que este estudo não esgota o assunto, sugere-se para a continuidade da pesquisa que sejam realizados estudos para analisar as dificuldades e desafios do ensino no curso sobre outra ótica, a do corpo docente, por exemplo. Pode ser realizado também um estudo similar em outras universidades, abordando novamente a percepção dos acadêmicos para observar se os problemas listados, em relação às dificuldades encontradas, são regionais, ou apenas da instituição, objeto de estudo. THE STUDENTS PERCEPTION OF TEACHING DIFFICULTIES IN A ACCOUNTING SCIENCES COURSE IN THE PARANA WEST ABSTRACT: This study identify and describe the most frequent difficulties of education in an Accounting Sciences course, from the perspective of academics. Regarding methodological aspects, this study presents qualitative, exploratory and descriptive profile, since it seeks to analyze the factors cited by students as possible difficulties related to accounting education. The results were obtained from correlation between theoretical elements that supported the questionnaire developed by the authors, as well as practical aspects identified in the analysis of these questionnaires. The research shows that elements identified in the theoretical research are confirmed empirically, for example,lack of: knowledge and didactic by teachers, correlation between theory and practice, incentives for the production and scientific research practice, and deficient infrastructure in the university. KEY WORDS: Academics; Accounting Sciences; Teaching difficulties. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 44 REFERÊNCIAS ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008. BARBETA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis. Ed. da UFSC, 2002. CARNEIRO, J. D.; RODRIGUES, A. T. L., BUGARIM, M. C. C., MORAIS, M. L. S., FRANÇA, J. A. Proposta nacional de conteúdo para o curso de graduação em ciências contábeis. Brasília: Fundação Brasileira de Contabilidade, 2008. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Makron Books, 1996. FAHL, A. C.; MANHANI, L. P. S. As perspectivas do profissional contábil e o ensino da contabilidade. Revista de Ciências Gerenciais, v.10, n 12, p. 25-33, 2006. JACQUES FILHO, A. J. O mercado de trabalho para o contador empreendedor. Revista Acadêmica da FACECA, Varginha, v.1, n.1, p. 23-27, ago./dez. 2001. Disponível em: <http://www.faceca.br/raf/documentos/omercadodetrabalhoparaocontador.doc>. Acesso em: 06 set. 2014. LOUSADA, A. C. Z.; MARTINS, G. A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças –USP, São Paulo, n. 37, p. 73-84, jan/abr. 2005. MARKS, R. B. Determinants of student evaluations of global measures of instructor and course value. Journal of Marketing Education, v. 22, n. 2, p. 108-119, aug., 2000. MOEN, D.; DAVIES, T.; DYKSTRA, D. Student perceptions of instructor classroom management practices. College Teaching Methods & Styles Journal. Littleton, v. 6, n. 1, p. 21-32, 2010. NOSSA, V. Formação do corpo docente dos cursos de graduação em contabilidade no Brasil: uma análise crítica. Caderno de Estudos, São Paulo, FIPECAFI, São Paulo, v. 11, n. 21, p. 74-92, maio/ago. 1999. PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: CONGRESSO USP DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA EM CONTABILIDADE, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006. RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In: BEUREN, Ilse Maria (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.76-97. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 45 Axeno A - Questionário estruturado para obtenção de dados junto aos discentes 1. Qual o ano de seu ingresso no curso? ( ) após 2009 ( ) 2006 ( ) 2008 ( ) 2005 ( ) Outro, especifique qual? ____________ ( ) 2007 ( ) 2004 2. Qual série o curso está cursando atualmente: ( ) 1º ano ( ) 4º ano ( ) 2º ano ( ) 5º ano ( ) 3º ano 3. Você cursa apenas as disciplinas dessa série do curso atualmente? Se a resposta for negativa descreva quais são as essas disciplinas. ( ) Sim ( ) Não. Quais disciplinas?____________________________________________________ 4. Qual sua idade? _________________________________________________________________ 5. Qual seu sexo? ( ) Feminino ( ) Masculino Nas questões a seguir podem ser assinadas APENAS UMA DAS ALTERNATIVAS, recomenda-se que o acadêmico selecione a alternativa que melhor expresse sua percepção. 6. Qual o motivo o levou a escolher o curso de Ciências Contábeis? ( ) Qualidade do ensino e imagem da instituição. ( ) Pelas oportunidades futuras que o curso oferece. ( ) Por atuar na área . ( ) Por influência de terceiros. ( ) Por ser um curso gratuito. ( ) Outros motivos, Quais? ___________________________________________________ 7. Quais desses pontos você acredita ser o diferencial do curso de Ciências Contábeis e que possibilita maior vantagem competitiva no mercado de trabalho? ( ) Conteúdo fundamental nos principais concursos públicos. ( ) Mercado amplo e diversificado, abrangendo diversas áreas de atuação. ( ) Remuneração financeira . ( ) Posicionamento estratégico nas organizações e no auxílio a tomada de decisão. ( ) Outros motivos, Quais? ___________________________________________________ 8. Qual a sua avaliação da composição das disciplinas que compõe a grade curricular do curso de Ciências Contábeis? ( ) Ótima ( ) Boa ( ) Ruim ( ) Péssima. 9. Você acredita que as disciplinas ofertadas pelo curso de Ciências Contábeis são compatíveis com a realidade do mercado de trabalho brasileiro? ( ) Totalmente compatíveis. ( ) Parcialmente compatíveis, precisam ser aperfeiçoadas. ( ) Não são compatíveis. 10. Atribua um conceito ao conhecimento técnico das disciplinas ministradas e da didática apresentadas em sala de aula, pelo corpo docente do curso de Ciências Contábeis. ( ) Ótima ( ) Regular ( ) Boa. ( ) Ruim 11. Existe incentivo por parte do corpo docente ou pela Instituição de Ensino Superior para a prática da produção científica e da pesquisa na área contábil? ( ) Sim. ( ) Não. 12. Após o término do curso você pretende realizar algum tipo de pós-graduação? ( ) Não ( ) Sim, se sim qual tipo de pós-graduação é de seu interesse ( ) Especialização. ( ) MBA. ( ) Mestrado. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 46 Nas questões a seguir solicita-se que você ENUMERE em ordem crescente de importância os elementos que caso sejam ajustados gerariam ao curso uma melhoria mais significativa 13. Em relação ao aprimoramento do ensino de Ciências Contábeis. ( ) Grade curricular do curso. ( ) Distribuição da carga horária das disciplinas. ( ) Qualificação do corpo docente. ( ) Prédios e instalações das dependências da Universidade. ( ) Atualização da Biblioteca Universitária. ( ) Infra-estrutura dos Laboratórios disponíveis para estudos e pesquisas. 14. Em relação à qualificação profissional do bacharel contábil para atender ao mercado de trabalho. ( ) Conhecimento técnico da teoria e legislação contábil. ( ) Conhecimento estratégico e gerencial das organizações. ( ) Postura ética do profissional dentro da organização. ( ) Facilidade de comunicação e integração com os demais componentes da organização. Na questão a seguir PODE ser assinada MAIS DE UMA OPÇÃO 15. Quais estratégias de ensino já foram utilizadas pelos seus professores em sala de aula? ( ) Aula expositiva. ( ) Estudo de texto. ( ) Estudo dirigido. ( ) Discussão e debates. ( ) Seminário. ( ) Estudo de caso. ( ) Estudo do meio. ( ) Laboratório e oficinas. ( ) Jogo de empresas. ( ) Outra, qual? _______________________________ 16. Quais as sugestões ou críticas que você possui com relação ao ensino no curso de Ciências Contábeis, que julgue serem importantes para possibilitar o crescimento e a melhora na qualificação dos acadêmicos do curso? ____________________________________________ 17. Justifique os motivos que o levaram a assinalar o conceito na questão 9, a qual trata sobre o conhecimento técnico das disciplinas ministradas e da didática apresentadas em sala de aula, pelo corpo docente do curso de Ciências Contábeis. _______________________________ 18. Justifique os motivos que o levaram a assinalar a opção escolhida na questão 8, a qual trata sobre as disciplinas ofertadas pelo curso de Ciências Contábeis serem compatíveis com a realidade do mercado de trabalho brasileiro. _________________________________________ 19. Justifique os motivos que o levaram a assinalar a opção escolhida na questão 10, a qual trata sobre existir incentivo por parte do corpo docente ou pela Instituição de Ensino Superior para a prática da produção científica e da pesquisa na área contábil. ______________________ 20. Se na questão 12, a qual trata sobre ao seu interesse de ao término do curso realizar algum tipo de pós-graduação na área contábil, se você assinalou sim e indicou o tipo de curso, agora aponte em qual instituição você pretende realizar a pós, e em qual área pretende fazer a pós (auditoria, tributos, gerencial, gestão de pessoas, marketing, ...). _________________________ Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 47 A COMPLEXIDADE E O FAZER DOCENTE: INTERCONEXÕES COM AS TECNOLOGIAS DIGITAIS Jaqueline Maissiat 52 Resumo: O presente estudo partiu do interesse de identificar quais são as ações necessárias, em um ambiente virtual de ensino e de aprendizagem, para capacitar um professor de arte a fim de que ele possa ser entendido como um sujeito complexo. Para tal, a pesquisa traz o paradigma da complexidade descrito por Morin, e conceitos de Bakhtin, fazendo interlocuções com a arte, tecnologia e educação. A metodologia é de caráter qualitativo, com levantamento bibliográfico e pesquisa-ação. Pretende-se que os resultados obtidos sirvam como aliados dos professores de arte que atuam na educação básica, para que estes se reconheçam e atuem como sujeitos complexos e enriqueçam suas práticas com o auxilio das tecnologias digitais. Palavras-chave: formação continuada do professor, sujeito complexo, tecnologias digitais, educação a distância. 1 INTRODUÇÃO A Sociedade do Conhecimento marcada pelas descobertas e progressos científicos, possui acesso cada vez mais rápido e a grande quantidade de informações. As tecnologias digitais atuam como mediadoras na construção do conhecimento. Nesse sentido, é desejável um professor preparado para interagir com uma geração mais dinâmica e curiosa, como discutido por Veen e Vrakking 53, denominada “Homo Zappiens”. Pensando desenvolver um trabalho que pudesse levar este docente a pensar e questionar o seu fazer docente, buscamos no Paradigma da Complexidade54, a base teórica para ajudar a entender esses processos de dentro de um campo de ação que engloba: fazer docente, educação a distância (EaD) e arte-educação. 52 Doutora em Informática na Educação (UFRGS), Mestre e Pedagoga – Multimeios e Informática Educativa (PUCRS). Professora da Faculdade Cenecista de Vila Velha/ES. 53 VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009. 54 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. Id. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 48 Do universo de 5185 cursos consultados, na modalidade a distância, nos níveis de extensão, graduação e especialização – levantamento realizado em 2011 com base no catálogo de curso da Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED)55 –, verificou-se a inexistência da oferta de cursos, específicos para professores de arte, envolvendo as temáticas de tecnologias digitais e arte contemporânea. Delineamos, então, o foco desta pesquisa a formação continuada de professores de arte, baseada nos saberes do campo da complexidade. Esta pesquisa realiza interconexões entre a definição do ser complexo, que é aquele auto(geno-feno)eco-(re)organizador56 e alguns conceitos de Bakhtin57 como: ato, autor, cronótopo, polifonia, intertextualidade e enunciação. Este duplo olhar se consolida no momento em que os aspectos da complexidade, inerentes a fazeres contemporâneos, pudessem apontar para uma possibilidade de novo entendimento desse professor nas ações de formação continuada. Em virtude da relação transversal entre arte, educação, tecnologias digitais e formação continuada de professores, pergunta-se: Como atividades e estratégias de curso em EaD poderiam contribuir para que o professor de arte se entenda como um ser atuante considerando as premissas da complexidade? Para tal, definiu-se o objetivo principal que consiste em: identificar como e quais são as ações necessárias, em um ambiente virtual de ensino e de aprendizagem (AVEA) para capacitar um professor de arte, entendendo-se que este habita em um universo complexo. O que se espera é reconhecer um ser-professor aberto a uma perspectiva dialógica na busca de autonomia dentro do seu fazer docente. Para atingir essa meta, foram traçados objetivos específicos: organizar um curso de formação continuada de professores de arte em um AVEA, considerando que vivemos em um paradigma da complexidade; identificar durante o curso de formação continuada se e como estas características da complexidade manifestam-se; apontar quais são os elementos da complexidade transversais em um curso de formação em EaD. Diante da 55 ANUÁRIO Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (AbraEAD). Disponível: em: <http://www.abraead.com.br/noticias.cod=x1.asp>. Acesso em: 05 maio 2011. 56 MORIN, Edgar . O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998. 57 BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e a Filosofia da Linguagem. 12. ed. [s.l.]: Hucitec, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 49 questão problema e dos objetivos formulados, contextualizou-se a temática que será desenvolvida ao longo deste estudo. 2 MORIN: COMPLEXIDADE DO SER, DO CONHECER E DO APRENDER O ensino na Era da Mobilidade exige um novo paradigma. De acordo com Morin58, o novo paradigma que vem atender aos pressupostos necessários ao que se tem hoje é chamado de paradigma da complexidade. Este paradigma está para além da visão educacional, ele é o paradigma em que toda a sociedade está imersa, englobando todos seus âmbitos, seja educacional, político, ecológico... A complexidade compreende as incertezas, o acaso faz parte do seu repertório enfim, uma mistura de ordem e desordem, “... o simples é apenas um momento, um aspecto entre várias complexidades”59. Pode-se dizer que o problema humano é hipercomplexo. “O sujeito e o objeto aparecem assim como as duas divergências últimas inseparáveis da relação sistema auto- 60 organizador/ecossistema” . Só irá existir um objeto em relação a um sujeito e vice-versa. Um dos requisitos para que se possa aprender como se aprende, é que o ser humano se autoconheça, ou seja, de como se auto-organiza. Morin61 concebe o sujeito como auto(geno-feno)eco-(re)organizador, tendo como base os seguintes pressupostos: a) organização permanente de um sistema que tende a desorganizar-se pela interação com outros sujeitos e com objetos; b) reorganização permanente de si a partir da autorreferência, isto é, autoorganização; c) nos seres vivos, essa organização está vinculada à geratividade (organização genética que comporta o genótipo) e à fenomenalidade (organização das atividades e comportamentos do fenótipo); d) organização dependente das interações com o ambiente, sob a forma de ecossistema que oferece ao indivíduo 58 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. Id., op. cit., p. 54. 60 Id., op. cit., p. 58. 61 Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. 59 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 50 alimento e informações para gerir sua auto-organização. Ou seja, este esquema é um continuum como numa espiral ascendente, portanto não se segue necessariamente os esquemas conforme a organização da nomenclatura descrita, as características podem ser evidenciadas de maneira aleatória. O sujeito complexo é aquele que é mesmo tempo autônomo e dependente, por exemplo: o ser humano possui vínculos indissociáveis aos nossos genes, pois são eles que ditam o ritmo para se continuar existindo. “Somos uma mistura de autonomia, de liberdade, de heteronímia e direi mesmo de possessão por forças ocultas que não são simplesmente as do inconsciente reveladas pela psicanálise”62. Ou ainda, o sujeito é constituído de características que se mostram como antagônicas, mas na verdade são complementares em si. O sujeito apresenta uma estrutura cognitiva, que se mostra como um complexo organizado, resultante dos processos cognitivos através dos quais os indivíduos adquirem, organizam, e utilizam os conhecimentos, sendo que os conceitos devem ser relevantes e inclusivos. Há, portanto, uma estrutura hierárquica dos conceitos que comunica o significado de alguma coisa, representa uma série de características, propriedades, atributos, regularidades e/ou observações, fenômeno ou evento. E isto, pode ser contemplado em um hiperdocumento em atividades de experimentação em sala de aula. Morin63 em Método 4, intitulado “As ideias: habitat, vida, costumes e organização”, traz o conceito de noologia, que consiste na organização das ideias que se faz através do uso da linguagem. Polivalente e polifuncional, a linguagem humana exprime, constata, transmite, argumenta, dissimula, proclama, prescreve (os enunciados ‘performáticos’ e ‘ilocutórios’). Está presente em todas as operações cognitivas, comunicativas, práticas. É necessária à conservação, transmissão, inovações culturais. Consubstancial à organização de toda sociedade, participa necessariamente da constituição e da vida da noosfera. [...] Precisamos pensar circularmente que a sociedade faz a linguagem que a faz, que o homem faz a linguagem que o faz e fala a linguagem que o exprime. 62 MORIN, Edgar. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998, p. 98. 63 Id., op. cit., p. 203-204. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 51 A apropriação das linguagens da comunicação, seja para exprimir ou interpretar, busca entender os processos desenvolvidos ao longo deste estudo, em que os sujeitos se expressam pela linguagem no AVEA. A dialogia Bakhtiniana, também foi buscada para ajudar a compreender este sujeito. As relações entre os sujeitos dependem “das interações entre indivíduos, as quais dependem da linguagem. Esta depende dos espíritos humanos, os quais dependem dela para emergir enquanto espíritos. É, logo, necessário que linguagem seja concebida ao mesmo tempo como autônoma e dependente”64. Será através da linguagem que o sujeito irá se expressar e terá a possibilidade de comunicar-se com outro sujeito. Com isso, o sujeito será capaz de estabelecer relações com outro sujeito e acabar se reconhecendo a partir dar relações oriundas dessas trocas. 3 INTERLOCUÇÕES COM ARTE, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA Bakhtin dedicou seus escritos à questão da linguagem e suas articulações. Compreendia que o ato da linguagem vinha carregado de significado, incorporado, por vezes, no enunciado. O que nos interessou neste estudo foi tentar um ponto de encontro da dialogia Bakhtiniana com as características da complexidade nas ações/processos desenvolvidos em um curso de formação continuada a distância. Esses campos de ideias foram utilizados na análise. A arquitetura dialógica bakhtiniana, segundo Sobral 65, diz que “todo o enunciado cria o novo, mas só o pode fazer a partir do existente, sob pena de não ser compreendido”. Aqui se remete a uma das hipóteses deste estudo, em que o professor a partir do que já possui mais aproximação, no caso o vídeo como 64 ______. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998, p. 98, p. 205. 65 SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 25. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 52 recurso tecnológico, irá se apropriar de novos recursos, como os informáticos, com mais propriedade. Partindo do sujeito do paradigma da complexidade, a fig. 01 apresenta possíveis interlocuções relacionadas aos conceitos de Bakhtin. Figura 01 – Complexidade e Bakhtin As interlocuções surgem quando a teorias desses autores se convergem e encontram pontos em comum, como mostrado esquematicamente na figura. Algumas características perpassam mais de um conceito, pois se relacionam. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 53 Ao pensamento sobre o ato no campo educativo, entende-se que o professor ATUando em sala de aula encena a concretude do conceito. A responsabilidade deste ato, o de ensinar, é tratada em Bakhtin quando diz que “ato responsável envolve o conteúdo do ato, seu processo, e, unindo-os, a valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato, vinculada com o pensamento participativo (uchastroye, myshlenie)”66. O autor é quem concebe e pratica o ato. Ao falar de sua vivência, este se posiciona axiologicamente frente a esta, pois: “... precisa dar a ela um certo acabamento, o que ele alcançará se distanciar-se dela, se olhá-la de fora, de tornar-se um outro em relação a si mesmo” 67. Bakhtin68 traz a noção de cronótopo fazendo relação com o tempo-espaço, o espaço relaciona-se ao social e o tempo à história. Assim sendo, pode-se considerar que os cronótopos se relacionam e permitem fazer surgir outros cronótopos. Cada um tem o seu tempo-espaço, e nestas conversas de cronótopos nascem outras relações. No momento em que se reconhece que cada indivíduo tem suas particularidades – daí o significado de indivíduo –, é que ele irá desencadear estratégias para orientar-se e conviver com o outro; então poderemos nos aproximar das características de “geno-feno”, “eco” e o “(re)organizar” da complexidade para descrevê-lo. O discurso em Bakhtin69 consiste na maneira de comunicar-se, falar e escrever, podendo ser monológico ou polifônico. O primeiro diz respeito ao acabado, ao autoritário, algo linear e com fim previsto, descarta o outro. Já o segundo, expressa a realidade em formação, o não acabamento, o dialogismo, a polifonia, o continuum, um crescente ascendente. A polifonia é multiplicidade de vozes. Ela se aproxima da complexidade na medida em que torna possível a mudança, contempla a incerteza e as possibilidades que surgem das relações. 66 SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 21. 67 FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 43. 68 BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 69 BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 54 Há que se considerar, também, a intertextualidade70, que vem a ser a incorporação de um elemento discursivo a outro. Isso ocorre quando se faz referências, ou seja, no momento em que há incorporação de ideias de outros autores, imagens, sons, obras a nossa fala. A intertextualidade apresenta um caráter multifacetado. Aparece presente na atuação do professor no momento em que o professor faz a transposição didática do conteúdo, assim como no ATO. Cada sujeito gera sentidos e atribui significados próprios. Diferentes são as interpretações dadas a determinado conceito, estrutura, objeto... Pode-se ter um mesmo texto apresentado em contextos distintos, tendo conotações também distintas, tudo dependerá de como é dito e por quem é dito. Bakhtin chama isto de enunciação, que é o “processo dialógico em que não só o locutor ou escritor estão envolvidos, mas também o ouvinte ou destinatário implícito ou efetivo” 71. 4 EDUCAÇÃO: INTERCONEXÕES COM AS TECNOLOGIAS DIGITAIS Este estudo está voltado para as aprendizagens em um AVEA. Como modalidades distintas, presencial e a distância, algumas particularidades existem, e é importante que sejam observadas. Como é o caso do aluno que faz um curso a distância. Ele deve organizar-se para acessar o ambiente virtual, fazer as atividades propostas, sem ter um espaço e pessoa física (professor) em um dado local e tempo dedicado ao ensino. O ensino a distância requer uma autonomia por parte do aluno e, também, dedicação. Salienta-se que os cursos de capacitação são procurados pelo interesse em aperfeiçoamento, ou seja, é uma busca voluntária, oriunda de uma necessidade pessoal. Entende-se que a formação do professorado, embebida da vertente da complexidade Imbernón72, mudaria a atual linearidade das ações educativas, apresentando problemáticas reais, considerando a incerteza e o imprevisto. 70 Id., op. cit.. CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 185. 72 IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. 71 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 55 Compreender o mundo sobre este prima faz com que se consiga compreender os fenômenos que ocorrem no campo educativo, e as relações surgidas daí. Um dos meios para se oportunizar essa formação continuada, que é o enfoque estabelecido, é a EaD. Opta-se por esta modalidade de curso, pois já favorece alguns aspectos a serem trabalhados com os professores, que fazem parte da estrutura de um curso a distância, tais como: o desenvolvimento da autonomia, flexibilidade e cooperação. Alia-se a isto o fato de se poder atingir uma quantidade maior de professores de vários lugares do país, favorecendo a troca de experiência entre os pares. 5 PERCURSOS: METODOLOGIA DA PESQUISA O paradigma que norteia este estudo é o da complexidade, esta prevê além da racionalidade objetiva, a subjetivação e as relações daí emergentes, portando possui caráter qualitativo. Conforme a fundamentação, o método utilizado foi o de pesquisa-ação, que vem a ser a participação direta do pesquisador junto aos participantes da pesquisa, “toda pesquisa-ação é singular e define-se por uma situação precisa concernente a um lugar, a pessoas, a um tempo, a práticas e a valores sociais e à esperança de mudança possível”73. O público-alvo foram os professores de Arte do Ensino Básico que pertenciam à rede pública da região sul do Brasil, que tivessem acesso aos DVD’s do Instituto Arte na Escola74 (distribuído pelo Ministério da Educação - MEC à 100 mil escolas) e aos polos da Rede Arte na Escola. Além disso, solicitou-se que os participantes possuíssem noções básicas de informática para navegação na internet e conta de e-mail. Foram no total 83 cursistas, sendo 61 concluintes. Os dados foram coletados através de questionário identificador, fóruns, diário, materiais produzidos e questionário de avaliação do curso. 73 BARBIER, René. Pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007, p. 119. INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/>. Acesso em: 20 jan. 2011. 74 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 56 5.1 Desenvolvimento do Campo de Experimentação Este curso de atualização foi desenvolvido no AVEA Moodle CINTED, devido à possibilidade de acesso e disponibilidade de suporte, com carga horária de 120h, certificados emitidos pela UFRGS. O curso ocorreu durante 12 semanas em três módulos. O primeiro foi para ambientação do professor aprendiz (PA) ao AVEA. O segundo teve como base os oito territórios (linguagens artísticas, patrimônio, materialidade, conexões, forma e conteúdo, processo criativo, saberes estáticos e culturais e mediação cultual), em que o PA optou por cinco e escolheu qual o caminho a percorrer. Para que isto fosse viável, o segundo módulo deixou à disposição o conteúdo de todos os territórios. A cada semana, o aluno teve que mencionar em seu diário qual era o território escolhido e qual o motivo. Já no terceiro, todos voltaram-se para a mesma temática, como no primeiro módulo, e percorreram o território zarpando, que significa que a partir do que foi apropriado durante o curso, desenvolvessem um projeto que contemplasse em parte ou em um todo as temáticas escolhidas durante o curso. A fig. 02 remete ao mapa que foi disponibilizado para que o cursista pudesse navegar pelo curso de forma não linear. Pequenos ajustes foram realizados no formato do curso, tal como retirar do Moodle a numeração que segue ao lado de cada espaço de inclusão de conteúdos, para retirar o caráter de sequencialidade. Este é um mapa no qual para cada uma das esferas coloridas – recortes de aquarelas produzidas por Simone Fogazzi–, existe o vínculo chave que é remetido ao território selecionado. Após o clic, era remetido ao espaço correspondente ao território, e toda uma faixa de aquarela ilustrava aquele espaço. O objetivo aqui era deixar o ambiente para o cursista, mais integrado possível a sua atuação profissional. A linha que segue a imagem não tem início, apenas um “fim” que é o terceiro módulo, o “Território Zarpando”, cujo intuito era que o professor a partir dali seguisse para novas aprendizagens experimentações. Figura 02 – Esquema do Curso – mapa clicável Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 e 57 À medida que o conteúdo de arte lhes era apresentado, em alguns territórios eram indicados softwares livres e/ou gratuitos para utilização da entrega das atividades. E nisto, os saberes eram reforçados para que os professores se apropriassem de um novo recurso, já fazendo sua utilização.75 Os professores, principalmente na rede pública, não possuem formação superior, traz o Anuário Brasileiro da Educação Básica 76 que dos 2.005.734 (100%), são 1.381.909 (69,89%) que possuem formação superior. Na região Sul do país, o índice é superior a média nacional, dos 290.924 (100%) professores, 230.630 (79,27%) possuem curso superior. Isto não quer dizer que por possuírem ensino superior estejam atuando diretamente nas disciplinas correlatas a sua formação. 75 IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. 76 ANUÁRIO Brasileiro da Educação Básica. Disponível em: <http://todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/anuario_finaleducacao_prova06_ok_capas.p df> Acesso em: 20 ago. 2012. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 58 Segundo o portal ‘Todos Pela Educação’77, vinculado ao MEC, “Quase 40% dos Professores que dão aulas nas Escolas de Ensino fundamental e médio da rede estadual não têm formação adequada na disciplina que lecionam”. Em virtude disso, programas do governo como os Pró-Licenciaturas são criados para formar professores sem ensino superior nas suas respectivas áreas de formação. Na região Sul do Brasil até 2009, segundo o INEP 78, dos 6.216 professores formados em Arte, 2.116 estão alocados no PR, 1.588 em SC e 2.512 no RS. Diante do exposto na metodologia, foi realizada a análise dos dados coletados. 6 ANÁLISE DOS DADOS O sujeito complexo, é aquele nomeado auto(geno-feno)eco-(re)organizador. As categorias foram baseadas nas características que o professor necessita ter e/ou aperfeiçoar para se (re)conhecer-se como sujeito complexo, baseado nas leituras de Morin79 e de Imbernón80 que ressalta a importância do professor se formar para a complexidade. São elas: metacognição; resiliência; autonomia; subjetivação; criatividade; transdisciplinaridade; afetividade; cooperação e flexibilidade. A metacognição, que está relacionada aos movimentos necessários para a aprendizagem, envolve compreender como se aprende ou: “se refere à capacidade do indivíduo pensar sobre os seus próprios pensamentos, levando em 77 TODOS pela Educação – Portal. Professores: 40% não são formados na área em que ensinam. Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-namidia/22908/professores-40-nao-sao-formados-na-area-em-que-ensinam/>. Acesso em: 20 ago. 2012. 78 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012. 79 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. Id. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998. 80 IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 59 conta alcançar níveis mais altos de autoconsciência”81. Esta evidência esteve presente na maioria dos professores, principalmente quando apresentados a um novo software. Alguns professores se mostraram temerosos com o Gimp (software de edição de imagens). (PA38) assim se posiciona: “Quando iniciei o curso vi o Gimp, gelei! (...)tarefa compreendi o uso das ferramentas. Fiquei feliz em conhecer esta ferramenta gratuita que posso repassar ao aluno. Vitória!”. Em tempos de incertezas, muitas estratégias se fazem necessárias, como a resiliência. Esta é caracterizada como uma forma de enfrentamento e superação, relativo ao inesperado é comum quando há convivência com outras pessoas, principalmente no âmbito educacional. Um dos momentos em que a resiliência pode ser observada no curso de formação, foi determinado pela dificuldade na utilização de tecnologias digitais. Os professores aprendizes expuseram as dificuldades que tiveram na utilização de um dos softwares, tal como coloca (PA39): “Depois de muito quebrar a cabeça (bendito o comando ‘desfazer’) consegui alguns efeitos, pelo menos interessantes”. Estes percursos mostraram o professor aprendiz refletindo, diante do novo, em busca de novas maneiras de aprender. O caminho da autonomia está permeado pelas escolhas individuais. A fim de que o exercício da autonomia pudesse ser exercido, no segundo módulo do curso foi proposta a escolha de cinco entre oito territórios, em que pudessem trilhar o caminho de maneira livre e, também, percorrer outros que assim desejassem. No início houve certo estranhamento quanto à liberdade de escolha, muitos entraram em contato querendo confirmar esta proposta. No decorrer do curso ocorreram manifestações positivas quando a esta didática, tal como: “Gostei das atividades propostas e do formato em que se escolhem livremente os territórios” (PA06). Profissional-professor/ser-professor configuram apenas um sujeito, ou seja, as características e concepções pessoais interferem no fazer docente. Isto recebe a denominação de subjetivação ou subjetividade, que vem a ser compreendida, 81 BERTOLINI, Eni A. Sivera; SILVA, Miguel A. de Mello. Metacognição e Motivação na Aprendizagem: relações e implicações educacionais. Revista Técnica IPEP, São Paulo, v. 5, n. ½, p. jan./dez. 2005, p. 53. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 60 como “uma emergência produzida na inter-relação entre o social, o cultural e o biológico; uma experiência fenomenal, individual e coletiva a um só tempo, pressupondo a autonomia e a dependência na interação com o outro para a produção de sujeitos”82. Para que o cursista pudesse se colocar de maneira pessoal diante de uma dada circunstância, foi solicitado, em uma atividade, que fizesse uma seleção de imagens baseadas em uma coleção pessoal, posteriormente era indicada a elaboração de um pequeno vídeo e trilha sonora que tivesse relação com a seleção estabelecida. Para exemplificar, (PA39) elaborou um material com fotos que tirou durante um ano, sendo uma por dia, mostrando o seu cotidiano e as coisas que lhe inquietavam e faziam bem. A criatividade deveria ser própria do fazer docente do professor. As tecnologias digitais mostram-se como agentes favorecedores ao estimulo a estes processos, uma vez que possibilitam o acoplamento de várias mídias. Os processos de criação são muito valorizados no ensino da arte, o material dos DVDs do Arte na Escola dedicou um dos seus territórios a isto, tanto que a partir dele foi indicada uma atividade em que seria feita uma manipulação digital de uma imagem. (PA16/exc48) coloca como compreende a criação: “Aprendi que a criação é prazerosa, é uma expressão subjetiva que aflora para o coletivo”. A criatividade é vital à prática educativa, é com ela que se enriquece e se faz multiplicar as ações nos contextos educativos. A transdisciplinaridade no campo das artes “significa, precisamente, a capacidade de dialogar e articular a multirreferencialidade e a 83 multidimensionalidade do mundo e da vida, isto é, dos níveis de realidade” . Um dos territórios dos DVDs do Arte na Escola, utilizados como material do curso está vinculado a conexões, ou ainda, a transdisciplinaridade. (PA28) comenta que fez jus à apropriação do nome ‘conexões’ para que remetesse a transdisciplinaridade: “Falar em conexões é transitar por espaços não lineares (...), onde as fronteiras se deslocam e possibilitam a cartografia de nossos saberes”. 82 ALVES, Miriam Cristiane e SEMINOTTI, Nedio. O Pequeno Grupo e o Paradigma da Complexidade de Edgar Morin. Psicologia, USP, v. 17, n. 2, 2006, p. 120-121. 83 ROSENTHAL, Dália. Prática Transdisciplinar na Formação do Professor de Arte. São Paulo: USP, 2010 (relatório de pesquisa), p. 3. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 61 Quanto a afetividade é necessário pensar que ela acontece fundamentalmente na relação com outro, ou seja, ela é produto das relações entre sujeitos e também com o contexto social. Não se pode dissociar a afetividade do professor, pois ele é sujeito se relacionando com outros sujeitos em sala de aula. Assim como na categoria subjetivação, se pensou na tarefa das coleções, baseada em uma composição sonora e visual para aprofundar o aspecto da afetividade, isto porque esta coleção, mesmo sendo elaborada naquele instante, remeteria a uma memória afetiva. Os cursistas elogiavam as produções dos colegas, como segue a declaração de (PA75) “Prof. Parabéns pela imagem criada, é muito criativa mesmo! Perfeita para a lenda escolhida!”. A cooperação, neste estudo, é entendida como a disposição de um grupo de pessoas trabalhando por algo comum. Morin84 lembra que complexus do latim significa: o que tece em conjunto. A presente característica surgiu como estratégia presente e futura, em que os professores formassem uma rede de cooperação onde pudessem fazer trocas de experiências sobre os mais variados temas dentro do ensino da arte. Cabe ressaltar que, para algumas das professoras, era o único momento de troca com os seus pares, tendo em vista que eram os únicos professores de seus respectivos municípios a lecionam a disciplina de artes. A flexibilidade, vista por Morin85 como um dos princípios da organização da vida, quando se identifica alguma situação imprevista e tem que se pensar em alguma solução para dar andamento ao que foi proposto. O próprio ambiente do universo da EaD já está envolto no que tange à flexibilidade quanto ao tempo e ao espaço, pois os alunos ali inscritos vivenciam este conceito. Uma das professoras formadoras (PF) do curso trouxe um relato sobre o fazer docente: “(...) podemos traçar caminhos – o planejamento de ser minucioso e preciso – o que deve prevalecer é a flexibilidade para as mudanças conforme o que vier e aparecer” relataram (PF3). Assim sendo, o professor complexo é aquele disponível a situações de imprevistos e mudanças, que podem ser geradas tanto por uma intervenção de 84 85 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. Id. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 62 um aluno quanto por uma curiosidade ou questionamento, ou ainda, quanto à indisponibilidade de algum material que veja como importante para a sua aula. Para tal, o professor necessita ter claro em sua mente os conteúdos relacionados à disciplina para poder pensar em alternativas viáveis e condizentes com as suas intenções de ensino. O curso a distância permitiu a participação de professores de estados e cidades diferentes e por fim criar uma rede de relações. Teve muitos espaços de criação e de deslumbramento por parte dos participantes, o que enriqueceu o trabalho. A avaliação do curso foi positiva, 72% manifestaram seu grau de satisfação do curso como ótimo. Como um dos objetivos do curso foi trazer para a formação do professor o uso de tecnologias digitais (celular, computador, câmera digital, filmadora, internet, televisão, vídeo...) como recurso pedagógico no processo de ensino e aprendizagem, perguntou-se como eles perceberam a utilização de tais recursos em suas práticas. A maioria dos respondentes acreditava ser muito apraz, 60% marcaram a opção ‘ótimo’. Após o curso, alguns professores se inscreveram para o concurso ‘XIII Prêmio Arte na Escola Cidadã 2012’, promovido pelo Instituto Arte na Escola. Isso foi feito a partir do trabalho final solicitado, que foi a criação de um projeto e aplicação baseado em um dos DVDs a que tinham acesso da DVDteca e que não tivesse sido trabalhado até então nos territórios (atividade proposta no Território Zarpando). Destes professores inscritos, cinco foram pré-selecionados para concorrer aos projetos finalistas. 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando se atua na formação continuada de professores a mudança que se pretende por si só já é um processo complexo, pois o que se quer é gerar novos métodos incorporados em fazeres docentes, fundamentado numa cultura profissional baseada na interpretação de sua realidade86. Considerando as ações 86 IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 63 para a elaboração, execução e finalização do curso no AVEA, afirmamos que a complexidade permeou todos esses processos. Quando da elaboração, as propostas possuíam características da complexidade, e foram a partir delas que os demais encaminhamentos foram realizados. Alguns resultados quantitativos: num universo de 83 professores matriculados, houve apenas 7% de evasão, sendo que os dados de evasão que o Censo EaD Brasil (2010) apresenta são de 29% em média, para cursos de extensão; 39% dos professores de arte não são formados na disciplina que lecionam, o que permitiu, além de uma atualização, uma formação com ênfase em recursos digitais e arte contemporânea. Pode-se destacar como contribuições desta tese: importância do AVEA possuir uma arquitetura baseada na complexidade para que a formação docente tenha possibilidade de ser integral; mostrar caminhos de como as características do sujeito complexo podem ser trabalhadas e vivenciadas em um AVEA; indicação de caminhos para a formação de um professor de arte visando a complexidade; possibilidade de formação continuada totalmente a distância do professor de arte, através de um AVEA, considerando atividades voltadas à prática; formação continuada de professores de arte que se encontram em atuação; formação para os que não possuem formação superior em artes visuais e lecionam na respectiva área na educação básica; capacitação para utilização de recursos das tecnologias digitais como possibilidade de fazer arte e ampliar as maneiras de atuação em sala de aula; criação de uma comunidade de profissionais que possam trocar experiências e fazer trabalhos em cooperação, mesmo a distância. Acredita-se que na medida em que for disponibilizada aos professores de arte uma formação continuada, tendo previsto o uso das tecnologias digitais, teremos professores mais complexos. A possibilidade da EaD permite uma interação e mediação entre professores de arte de maneira síncrona e assíncrona, o que irá proporcionar a troca de experiências e materiais com seus pares. Além dos professores de arte, que este propósito possa ser ampliado a professores de outras áreas de conhecimento, promovendo então a transdisciplinaridade entre áreas a partir de uma visão complexa. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 64 Abstract: This study starts with the interest in identifying necessary actions in a virtual learning and teaching environment to enable arts teachers to be understood as Complex subjects. This research brings the Paradigm of Complexity described by Morin and adds to Bakhtin’s concepts to establish connections with the fields of art, technology and education. It adopts a qualitative approach encompassing literature review and action research design. It is expected that results can serve as allies to arts teachers working in elementary schools upon the realization and action as Complex subjects who enrich their practices supported by digital technologies. Keywords: Continuing teacher education, Complex subject, digital technologies, distance education. Referências ALVES, Miriam Cristiane e SEMINOTTI, Nedio. O Pequeno Grupo e o Paradigma da Complexidade de Edgar Morin. Psicologia, USP, v. 17, n. 2, p. 113-133, 2006. ANUÁRIO Brasileiro da Educação Básica. Disponível em: <http://todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/anuario_finaleducacao_prova06_ok_capas.p df>. Acesso em: 20 ago. 2012.. ANUÁRIO Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (AbraEAD). Disponível: em: <http://www.abraead.com.br/noticias.cod=x1.asp>. Acesso em: 05 maio 2011. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e a Filosofia da Linguagem. 12. ed. [s.l.]: Hucitec, 2006. ______. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BARBIER, René. Pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007. BERTOLINI, Eni A. Sivera; SILVA, Miguel A. de Mello. Metacognição e Motivação na Aprendizagem: relações e implicações educacionais. Revista Técnica IPEP, São Paulo, v. 5, n. ½, p. 51-62, jan./dez. 2005. CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2008. FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 37-60. IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São Paulo: Cortez, 2009. INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/>. Acesso em: 20 jan. 2011. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA – INEP. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Portal do Professor. <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html>. Acesso em: 10 dez. 2010. Disponível MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 em: 65 ______. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ______. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998. ROSENTHAL, Dália. Prática Transdisciplinar na Formação do Professor de Arte. São Paulo: USP, 2010 (relatório de pesquisa). SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3. reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 11-36. TODOS pela Educação – Portal. Professores: 40% não são formados na área em que ensinam. Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-namidia/22908/professores-40-nao-sao-formados-na-area-em-que-ensinam/>. Acesso em: 20 ago. 2012. VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 66 O CONSELHO MUNICIPAL DE VITÓRIA/ES: ESPAÇO DEMOCRÁTICO PARA DEFINIÇÃO DE POLITICAS PÚBLICAS Juliana Oliveira Pereira87 Luciana Pereira Almeida Caló88 89 Meiriane Linhaus de Sousa Barros RESUMO: O presente artigo busca explorar o papel do Conselho Municipal de Educação em Vitória, Espírito Santo/BR no que o confere como espaço democrático para definição de políticas públicas. A metodologia utilizada foi de cunho exploratório com embasamento teórico para analise na pedagogia histórico-critica de Saviani. Analisa o olhar dos conselheiros a respeito do papel do Conselho junto à sociedade civil na elaboração de políticas públicas educacionais. Constata-se que os conselheiros propõem ações democráticas articulando da melhor maneira possível o diálogo entre sociedade, escola e Governo. Ressalta-se o processo que o COMEV viveu durante o ano de 2014, de elaboração do Plano Municipal de Educação. PALAVRAS CHAVES: Conselho, Espaço Democrático, Elaboração, Políticas Públicas. INTRODUÇÃO As questões que envolvem os estudos a respeito dos Conselhos Municipais de Educação se desdobram diante a estrutura de uma sociedade democrática, em benefício da qual, as discussões a respeito da educação a ser oferecida poderiam decorrer de uma gestão participativa. Ultimamente, o debate sobre estes órgãos do sistema de ensino brasileiro vem aumentando, manifestando-se, primordialmente, nas constantes batalhas dos movimentos sociais, em seus empenhos históricos para a superação da centralização do poder. Neste contexto o objetivo principal deste artigo é apresentar e refletir sobre o papel da gestão democrática do Conselho Municipal de Educação em Vitória ES e, sua influência durante parte do processo elaboração das políticas educativas do município, a partir, da análise de dados obtidos por meio de entrevista com membro do COMEV. Compreendendo como problemática pensar 87 Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo. Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo. 89 Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo. 88 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 67 quais as reais condições para que o órgão seja de fato um espaço democrático para definição de políticas públicas. A metodologia usada baseou-se no preceito da pesquisa qualitativa de natureza exploratória, que envolve levantamento documental e entrevista não padronizada, por entender que este tipo de pesquisa, de acordo com Moreira e Caleffe (2008) 90 , “[...] tem como objetivo proporcionar uma visão geral, aproximada de determinado fenômeno, com a finalidade de tornar o problema mais esclarecido, passível de investigação mediante procedimentos mais sistematizados”. Sua tipologia se define no Estudo de Caso. REVISÃO DE LITERATURA Através do processo de luta em favor da redemocratização, organizado no Brasil, particularmente adiante os anos de 1980, validou-se a importância da participação popular na gestão e no controle social das políticas públicas, como forma de assegurar a universalização dos direitos sociais, que fomentam o exercício da cidadania. Em âmbito educacional, a base da gestão democrática, tornou-se uma condição constitucional por ser uma requisição ética e política sustentada pela participação da sociedade civil na definição, fiscalização e avaliação de suas políticas. Argumentando sobre modelo democrático centrado no voto, Navarro apud Natal (2011)91 discorre que estão baseados no modelo agregativo onde as preferencias já estão dadas. Não há diálogo com a base, portanto decide-se por aquilo que lhe é mais conveniente enquanto interesse de um determinado grupo ou até mesmo, interesse individual. Contudo, Ferrazapud Natal (2011) afirma que a democracia representativa pode até promover mecanismos de controle da sociedade e assegurar as liberdades de expressão e associação, no entanto, as decisões políticas, quando 90 MOREIRA, H.; CALEFFE L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2 ed.RJ: Lamparina, 2008.p. 69. 91 NATAL, C. M. O conselho municipal de educação como espaço de produção das políticas educacionais: a constituição de uma esfera pública?. 2011, 164f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espirito Santo, 2011. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 68 essa representação não tem legitimidade, ficam restritas ao corpo dos eleitos e aos espaços institucionais destinados ao processamento das decisões. Para propiciar essa participação, fez-se necessária a criação ou ressignificação de mecanismos institucionais de participação direta e representativa nos órgãos públicos educacionais, dentre eles estão os Conselhos Municipais de Educação (CMEs), que desempenham a função de intermediação entre Estado e Sociedade. São reconhecidos como espaços para auxiliar o exercício do poder político pela sociedade podendo garantindo o aprendizado democrático nas densas estruturas de poder estabelecidas. Teixeira (2004)92 analisando o significado do vocábulo Conselho, afirma que em sua origem etimológica greco-latina, refere-se aos conceitos de “ação de deliberar”, “cuidar”, “cogitar”, “refletir”, “exortar”, “ajuntamento de convocados”, uma suma, ouvir e ser ouvido, dialogar, fazer intermediação. Portanto, quando o Conselho participa na elaboração das políticas públicas educacionais, aponta como fundamento a publicidade significando que os atos e decisões efetivadas na esfera pública são do interesse geral, influenciando a vida social. Ainda, refletindo sobre a participação popular alcançada e que a população entenda o direito e responsabilidade que possui, Natal discorre: O que nos leva a compreensão de que a “participação nos negócios públicos” exige de cada indivíduo o sentido da construção de algo que pertença a todos e que tem diretamente a ver com o compromisso e com a responsabilidade individual de cada um com o mundo (2011).93 O que se percebe é um silêncio e desmotivação do aluno e representantes nessa dinâmica de discussões nas reuniões pela dificuldade por causa da quantidade de pessoas. Todas as pessoas têm um saber e tem sua importância no Conselho de Educação, e numa sociedade civil capitalista democrática, 92 TEIXEIRA, L. H. G. Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do ensino. Cad. Pesqui., São Paulo , v. 34, n. 123, dez. 2004. 93 NATAL, C. M. O conselho municipal de educação como espaço de produção das políticas educacionais: a constituição de uma esfera pública?. 2011, 164f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espirito Santo, 2011. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 69 segundo Saviani (2003)94, Pedagogia Histórico Crítico, é preciso encontrar saídas para uma solução não numa teoria, mas juntamente com uma prática, pessoas críticas que possam solucionar e ajudar nas discussões por diferentes temas nas políticas públicas educacionais. E não apenas reconhecer a opinião do outro, e aceitá-lo e reproduzir sem que haja uma liberdade de expressão. Com a Constituição Federal de 1988, foi outorgado aos Municípios o direito de proferir normas e de estabelecer políticas, facilitando, a implantação do Regime de colaboração e não mais a perpetuação de relações de hierarquia entre as três esferas políticas do poder (Federal, Estadual e Municipal), ao menos legalmente. Em 1996, resultante de exigências constitucionais, a Lei nº 9.394/96 estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional vigente. Nela, a autonomia do Município é reiterada, autorizando a organização de seu sistema de ensino, permitindo a criação de órgãos colegiados para a fiscalização. Porém, ressaltasse que a definição claradas competências dos Municípios para a elaboração do seu próprio sistema de ensino ocorre das definições previstas na nova LDB (Lei nº 9.394/96) do que na Constituição de 1988. Segundo a LDB, Lei nº 9.394/199695. "Os sistemas de ensino são constituídos, a partir do princípio da autonomia dos entes federados (Art. 211, CF/1988)96" e, compreende-se também observar o princípio da gestão democrática do ensino público (Art. 206 VI CF/1988). Destacando o princípio democrático na gestão do Sistema Municipal de Ensino, concebe-se a existência de espaços públicos para discussões, formulações e decisões das demandas educacionais. A organização do Sistema de Ensino prevê a existência de órgãos 94 SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP: Autores associados, 2003 95 BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. 96 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. – 35.ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 70 executivos e normativos que, no caso da educação, tem sido a presença de secretarias e conselhos de educação. É normal diferenciar os órgãos pelo seu caráter, seja executivo, normativo, fiscalizador etc., sem que essa diferenciação delimite o conjunto dos variados órgãos, tanto uns quanto outros cumprem o que a lei determina e o que lhes compete em matéria de atribuições. A nova legislação que promove a criação de Sistemas Municipais de Ensino, os Conselhos Municipais de Educação começam a desempenhar novas funções, tornando-se um dos principais mediadores das demandas da população sobre educação junto ao Poder Executivo, elaborando em parceria o Plano Municipal de Educação. Assim sendo, a criação e consolidação dos Conselhos caracterizam-se como processo de confirmação da cidadania local, onde os cidadãos vivem e atuam o município. Buscando informações especificas a respeito das funções definidas para os Conselhos Municipais: A Legislação editada a partir desta Constituição, isto é, na década de 90, acrescenta às tradicionais funções consultiva, normativa e deliberativa as funções de fiscalização e/ou controle social, propositiva e mobilizadora. Em consequência, como outros Conselhos sociais criados na mesma década (os Conselhos de Saúde, dos Direitos da Criança e do Adolescente, de Alimentação Escolar, etc.), os Conselhos de Educação deveriam atuar, agora, na área das políticas públicas, com um novo papel: órgãos de participação, mobilização e controle 97 social.(BRASIL,2013). A PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA COMO FUNDAMENTO Partindo, desse panorama inicial, tomamos como referencial a pedagogia histórico-crítica de Saviani para abordar o papel da gestão democrática do COMEV e, sua influência durante parte do processo elaboração das políticas educativas do município. [...]a necessidade de se compreender a educação no seu desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo 97 BRASIL. Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação Proconselhos: módulo II, Princípios, estrutura e funcionamento dos conselhos municipais de educação – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 71 compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção, a sua perpetuação. Este é o sentido básico da expressão pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2003).98 Destarte, podemos analisar perante as influências recebidas dentro de sua obra (materialismo histórico dialético), e os conceitos elaborados por tal, que o papel democrático dos órgãos de educação, é fundamental para uma educação de qualidade. Haja a ver, que: A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica 99 devem organizar-se a partir dessa questão (SAVIANI, 2003). Apresentando a teoria que teremos como base, pontuaremos a relação estabelecida entre o materialismo de Marx e a pedagogia histórico-crítica. Saviani apud Marsiglia (2012)100 esclarece “No livro Escola e democracia, Saviani expõe sua proposição metodológica partindo da prática social e retornando a ela, tendo como momentos “intermediários” a problematização, instrumentalização e catarse”. A autora ainda destaca que esses “passos” de Saviani, buscam a superação por incorporação de outras pedagogias, pois tendo a lógica dialética como referência não se pode tratar de uma sequência linear. A relação entre o Materialismo e a Pedagogia histórico-crítica, ocorre aos observamos que a prática social como ponto de partida é a aparência do fenômeno, onde através dos momentos intermediários, seriam a busca da teoria para alcançar a essência do fenômeno. Tomamos por questão-problema de nosso artigo o fenômeno inicial do COMEV, nos instrumentamos de bibliografia que seria base para nossa então análise da questão e suas possíveis ramificações. 98 Página 93. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP: Autores associados, 2003 100 MARSIGLIA, A. C. G. Contribuições para os fundamentos teóricos da prática pedagógica histórico-crítica. In: MARSIGLIA, A. C. G. (Org.). Infância e pedagogia histórico-crítica: desafios e perspectivas para uma educação transformadora. Campinas: Autores Associados, 2012. P. 109 – 146. 99 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 72 Por via, então, dessa abordagem metodológica e como referencial Saviani e os demais acadêmicos que trabalham com a perspectiva da pedagogia histórico crítica, analisaremos o Conselho Municipal de Educação em Vitória/ES. Buscando descobrir suas reais condições como espaço democrático para definição de políticas públicas. ESPAÇO DEMOCRÁTICO E DE POLÍTICAS PÚBLICAS Ao mês de maio em 2014, realizamos uma entrevista com algumas conselheiras do COMEV, cuja a intenção era entender sobre o Conselho de Educação, suas atribuições e suas especificidades, olhando além da lei, os pontos mais relevantes dentro da entrevista estarão organizados dentro de nossa análise. Acerca da importância da participação da sociedade dentro do Conselho obtivemos a seguinte resposta dos representantes: É fundamental a participação e essa representação da sociedade num ponto como esse. Entendendo que o COMEV é um órgão que normatiza a educação, o nosso interesse é a qualidade da educação, entendendo que a qualidade da educação passa por diversas perspectivas de quem está na sociedade. Então a qualidade depende da participação de todos esses fatores. Buscar o espaço da escola, dos profissionais, dos pais, dos alunos, então o Conselho tenta aglutinar os mais variados seguimentos encontrados na sociedade para fazer esse debate e conseguir políticas públicas que a gente possa garantir a qualidade na educação(CONSELHEIRA B, 2014). Afirmamos então, que o Conselho está ciente do seu papel junto a sociedade, para diálogo em busca de uma educação homogênea, visando a qualidade, essa, que depende da participação de todos da esfera popular. Ver a escola como espaço que contempla variados alunos, cada um com sua especificidade, e buscar uma homogeneização da educação, não perdendo de vista a heterogeneidade presente na sociedade. Esse diálogo se faz necessário para obtenção de uma escola que corresponda aos interesses da população, que para Saviani, é o motivo da necessidade da escola para o povo. “O povo precisa da escola para ter acesso ao saber erudito, ao saber sistematizado e, em consequência, para expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura popular que correspondem seus interesses”. (2003) 101 101 SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP: Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 73 Porém, o papel democrático só se concretiza de maneira efetiva, quando a população tem informação sobre esses espaços. Que podem acioná-los a qualquer momento, para se fazer ouvir, conhecer e debater os problemas presentes. Entramos então nos questionamentos a respeito das funções reais dos Conselhos Municipais de Educação, especificados na lei 4046/98, alterada pela 7124/2007, e recentemente alterada no ano de 2013, onde o conselho exerce também função consultiva. Para, além disso, o Conselho, ele pode ser acionado a qualquer momento, por qualquer pessoa, sujeito mesmo ou via essas composições que nós temos aí a fora para além do Conselho. O Conselho ele é consultivo, tem alguma dúvida? Não. Eu vou perguntar se isso existe, se isso pode, como isso é se dado, qual é a lei que fundamenta, isso que é ser consultivo, ele é normativo principalmente falando, é ele quem delibera através de resoluções, como realmente as coisas têm que acontecer cuja pauta é educação, ele é mobilizador, ele tem por si só fazer campanhas de, digamos assim, para sensibilizar, para se fazer conhecido, para se fazer transparente, as pessoas têm esse acesso, têm essa abertura de virem aqui, não precisar de vinte anos para poder conhecer, ele tem que ser mobilizador nesse sentido. Ele é também um órgão de controle social, ele fiscaliza, ele acompanha (se está tudo certo se não está), atendeu aqui, não atendeu lá. Então assim dentro dessas atribuições e do que ele é composto, as demandas, as situações problemas elas são debatidas, elas são trabalhadas e tenta se chegar ao seu foco maior que para além das unidades de ensino, o sujeito maior que são os alunos. O foco sempre são eles. (CONSELHEIRA A, 2014) Infelizmente, a esses órgãos tem sido atribuídas questões além de sua competência. Compreendemos aqui, que uma política social defasada é o motivo desse aglutinamento de funções sobre os conselhos. [...] aqui é um local que a pensa para implementar as políticas e acompanha para saber se está dando certo ou não está dando certo, mas essa relação... À faltou água! Ó precisa de professor! Nessa relação por exemplo da falta de professor, aonde o COMEV poderia entrar como um órgão de controle? Numa unidade de ensino que tem 70%, 80% de professores contratados, não têm professores efetivos, precisa sentar, estudar, analisar a situação e pensar a política para que essa escola tenha profissional efetivo ali dentro. Porque a gente vai na Secretaria de Educação, e me mostra o mapeamento porque essa escola não está criando raízes aqui, ah é uma região de violência e tal... Então vamos trabalhar. Precisa de quê para além da educação? Ah, precisa de segurança, precisa de assistente social, a gente entra, mas o que é a nossa necessidade é pensar uma política para a valorização do profissional ali dentro, aí a gente entra. Articulação de outras secretarias, o Prefeito tem que entrar em algum ponto, criar uma lei não sei das quantas, a Câmara precisa entrar, ou seja, adentramos, mas a nossa necessidade é normatizar a oferta. Nossa cobrança no caso de uma Autores associados, 2003. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 74 denúncia, por exemplo, nunca é a própria escola, é a secretaria. Porque quem tem que supervisionar o funcionamento da escola, é a Secretaria. Somos sim um sistema de educação para atender a sociedade(CONSELHEIRA B, 2014). Ficamos então, intrigados a respeito da relação entre o Conselho e a Secretaria de Educação, já que o sistema por completo, deve trabalhar de forma coesa e articulada. Contudo, sabemos da deficiência, do nosso sistema de educação, com relação à falta de legislação que não dê abertura para diferentes interpretações. [...]a definição clara da competência dos municípios para instituir os próprios sistemas de ensino flui da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e não da Constituição Federal. Portanto, não parece procedente a posição daqueles que entendem que a LDB, ao tornar opcional a organização dos sistemas municipais de ensino, teria enfraquecido a norma constitucional, pois, em sua interpretação, a Constituição não apenas permite, mas teria determinado aos municípios a tarefa de organizar os próprios sistemas[...](ROMÃO apud SAVIANI, 2009).102 Esse déficit atrapalhando funcionamento do Conselho e no seu papel de normatizador, de ação permanente visando garantir tanto a qualidade do processo quanto a qualidade do produto. Como ficou salientado na entrevista: [...] Então, nós não temos uma normatização, não é que fique ai à deriva, porque tem a política nacional, tem a proposta do Governo, tem um Programa, tal, tal e tal. Mas fica vulnerável, uma hora eu faço, uma hora eu não faço. Eu faço de um jeito, outro faz de outro jeito. Precisa ter a Política do Município pra que todos possam trabalhar, e ter o direito, acesso e sucesso "comum para todo mundo. Então, a lei por si só, ela também não se basta, a todo um conjunto de fatores, para poder realmente a coisa acontecer. Não é que, existe a Lei que regulamenta o ensino fundamental do Município e achar que todos os problemas acabaram. Lógico que não, precisa de mais normatizações inclusive para não dar margem para outras questões. Ou as atualizações mesmo que são necessárias. Hoje não é um ensino de 8 anos e sim de 9 anos, nós temos o 1º ano que não está no EMEF está ainda lá no CMEI, mas a lei diz assim, mas na prática não aconteceu, então, a lei por si só ela não se basta, mas ela tem que existir para dar um parâmetro, pra dar um rumo(CONSELHEIRA A, 2014). Diante dessa primeira problemática observada, onde a própria lei, não nos oferece algo substancial para deliberar de forma tranquila, cremos que o Poder 102 SAVIANI, D. Sistema de Educação: subsídios para a conferência nacional de educação. Texto organizado a pedido da Assessoria do MEC, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 75 Executivo, deve exercer sua função não tendo resistência a novas ideias, surgidas em tornos de debates com a população. Pois dela provém às demandas, e ela que precisa ser suprida em suas questões educacionais. Ao conselheiro cabe cumprir seus deveres, como estar no espaço do Conselho, participar efetivamente das reuniões de debates, entretanto, a relação de trabalho do conselheiro muitas vezes o impede de garantir sua participação nesses momentos. [...]a questão da participação do conselheiro, a lei diz que é prioridade: foi convocado tem que ir, e o currículo que você tem te concede o direito de estar aqui, garante sua participação aqui. A gente sabe que na prática isso não acontece. No público que é uma relação direta que nós temos com a Prefeitura, que a maioria é servidor da Prefeitura. É servidor, chamou vem, não vem, na relação de trabalho dele também não tem como ser liberado. Imagina no privado, a lei está lá garantindo, a lei da convenção da relação dele com o patrão, do profissional, que tem que participar do Conselho tal, não adianta, não vai, não é assim. Então garantir a participação maior é algo difícil.[...](CONSELHEIRA B, 2014). Desse modo, pensamos então que a falta de uma remuneração poderia desestimular essa frequência obrigatória dentro do espaço físico do Conselho. Entretanto, através da fala da representante do Conselho, observamos que isso poderia então, se tornar outro problema. Esse de aspecto mais preocupante, o de corrupção dentro de um órgão de participação popular, destruindo assim um mecanismo conquistado pelas lutas sociais históricas. “[...] falando, se você é pago, você tem por obrigação e o regimento seria o melhor, eu não acredito nisso. Principalmente, por que nisso ocorre: eu pago, então, você vai fazer o que eu quero que se faça. Há uma manipulação, há um jogo de poder pra isso daí. Então conselho, participação popular, participação social foi algo muito lutado, nos movimentos sociais que nós temos na nossa história. Eu defendo essa autonomia, essa liberdade e que não é gratuito ao pé da letra, porque sou servidora, porque se estou aqui eu estou remunerada, não estou mais remunerada, mas eu estou remunerada, saio do meio local de trabalho pra está aqui no meu horário, porque quando a gente marca depois, aí não pode. Então “estou remunerada” sim, mas há gente defende, há um grupo que defende que tem que ter lá o GETON, município X tem GETON, tal lugar tem GETON, mas sabemos que internamente que tem situações terríveis, que o Estado está sendo pago ali. E o rendimento em si, a produção não está na relação.” direta, eu pago o produto, não é, vocês sabem que “N’s” coisas perpassam por aí [...] eu dependo a ideia de que, não! O conselho é participação popular, é algo que eu, com as minhas concepções políticas contextuais. Eu tenho que ocupar esses espaços, sujeitos da banca, então, eu não dependo da remuneração (CONSELHEIRA A,2014). Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 76 Tendo como pressuposto que os membros do conselho são indicados, em sua maioria, ao invés de pleitearem o cargo por meio de eleição, ainda nos paira a dúvida sobre o ideal de participação popular. Visto o histórico de descontinuidade de políticas públicas, onde a cada governo que entra, novas políticas são abordadas, a preocupação com o risco de manipulação não esvai. São eleitos ou são indicados, a maioria das entidades requer processo de eleição da sua constituição lá, para ser encaminhados os nomes pra o prefeito poder nomear. Então ele publica lá tal e nomeia direitinho. O prefeito ou a secretaria de educação indica representantes da secretaria da educação. Não há uma eleição lá dentro. Ridículo! Há não ser pra você (indicando ao alguém). Unidade científica, também não há uma eleição, o prefeito é que indica, mas professor do magistério é eleito, do sindicato dos servidores é eleito, dos estudantes eleito, dos pais é eleito tem que ter uma assembleia, uma convocação própria, uma assembleia e elege. O conselho tutelar não é eleição é indicado entre eles lá indica. Então, não tem esse vinculo assim, são eleitos ou indicados pelas suas entidades. (CONSELHEIRA B, 2014) Retornando aos problemas, apresentados pelos representantes, foi pontuada a questão da formação técnica dos Conselheiros. Ao que diz: [...] Na ideia, todo mundo que é Conselheiro, subentende-se que colocou lá o seu nome não só por disponibilidade, mas também por conhecimento prévio não é verdade também. Então não é uma regra, só vem pra cá quem é conhecedor. Não é uma regra, não é isso. Quem dera se todos nós tivéssemos uma formação desde a graduação de participação política, de participação social, ter uma boa formação mesmo, do que é ser cidadão, sujeito ativo, crítico e político e, quem dera não é assim. Então quando vem pra cá, não tem o conhecimento específico ali. É preciso ter formação. E aí como que a gente garante formação para todos no tempo necessário nosso. Uma parte são dois anos, podendo ser prorrogado por mais dois, são quatro anos, formação em cima, na hora em que ele está bom, aí ele sai e entra o novo. Aí começa tudo de novo. Então assim, a participação, a frequência dele aqui e a formação do conhecimento específico, o que que era pra está aqui, conhecer políticas, debater políticas, conhecer leis, isso são dois pontos bem importantes (CONSELHEIRA B, 2014). Os conselheiros da COMEV precisam de uma formação específica para obtenção do devido conhecimento e assim ocupar os cargos com competência técnica, garantindo assim a qualidade do seu exercício. No Brasil esse descompromisso com a formação, é um problema histórico, ainda presente em muitas universidades que “[...]não tem interesse pelo problema da formação de Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 77 professores, o que se está querendo dizer é que ela nunca se preocupou com a formação específica[...]” (SAVIANI, 2008)103 Se então, não há essa preocupação durante a formação dos profissionais, a formação dos conselheiros flui pelo mesmo rumo. Apesar, dos imensos esforços durante sua atuação, os cursos a ele promovidos. Acreditamos que, a preparação deveria ocorrer, antes e não durante a gestão do conselheiro. Antes de concluirmos sobre o Conselho como espaço democrático para definição de políticas públicas, nos interessa ressaltar sobre o movimento de elaboração do Plano Municipal de Educação, que o conselho está participando nesse momento. Por meio dos desdobramentos acarretados pelo 1º CONAE, foi criado o primeiro fórum municipal permanente na cidade de Vitória, onde todos os representantes dos conselhos em suas diversas áreas podem discutir a respeito de um plano municipal de educação interdisciplinar e inclusivo. O governo federal dá sustento para que o fórum trabalhe e fica a cargo da Secretaria de Educação auxiliar na construção do plano, visto que é lei e intenção do setor federal que cada município elabore seu próprio plano de educação abrindo plenária para a população participar do processo. Sendo grande desafio para a nação como um todo esse movimento nacional enquanto municípios. [...]ninguém está esperando seu plano ser aprovado, todos estamos trabalhando no seu processo de construção, até porque pra você garantir a participação de muitos e como muita gente pensa de determinada coisa, é um processo mais longo [...] Pode haver corte, município entregue o ensino fundamental, o menino não vai começar do nada, leva uma carga pra o ensino médio e vai adiante. Então isso aí, até o final do ano, espero que agente cumpra todas essas plenárias e novembro uma nova conferencia municipal que agente fecha a etapa do documento, fecha a minuta de lei que é encaminhada pra câmara que é a câmara de fato que vai publicar a lei e fazer valer uma expectativa de 2015, isso ser oficializado. Então o município está trabalhando, o conselho está atuando muito próximo, acompanhando a participação da escrita mesmo, da formação do plano. (CONSELHEIRA A, 2014) Esse momento histórico, onde os conselhos representando a população estão dialogando com todas as esferas da educação, para a elaboração de um 103 SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.14, n.40, jan./abr. 2008 p 143 – 155. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 78 Plano Municipal, coeso, abrangente, e direcionado as demandas mais explicitadas pela população. DISPOSIÇÕES FINAIS Concluímos então, baseados nas falas das conselheiras, conjuntamente com Saviani e os estudos abordados até o momento sobre o papel democrático dos Conselhos. O Conselho busca articular de maneira tal, que lhe é possível, fazer a intermediação da população com o Estado e sua inversa. Buscando meios, como mobilização, consultas, abertura de debates, formação dos conselheiros juntamente com a legislação vigente e participação efetiva na elaboração das políticas públicas. Sabemos que o caminho para uma gestão democrática requer tempo e que vários obstáculos perpassam sobre o trajeto das instituições representativas porém, obstante disso, acreditamos que o Conselho Municipal de Educação em Vitória/ES, continua até o atual momento, esforçando-se para realizar suas funções em prol da solução das demandas sociais. Atentando-se para realizar suas funções e cumprir suas atribuições com criticidade. Almejamos que a elaboração do Plano Municipal de Educação, seja mais um passo dado em direção a uma educação que emane do povo, atendendo suas prerrogativas e construindo um cidadão pleno, completo, e crítico. ABSTRACT: This article aims to explore the role of the City Board of Education in Vitoria, Espirito Santo / BR in which lends as a democratic space for public policy-making. The methodology used was exploratory with theoretical basis to analyze the historical-critical pedagogy of Saviani. Analyzes the look of directors regarding the Council role with civil society in developing educational policies. It appears that the directors propose democratic actions articulating the best possible dialogue between society, school and government. We highlight the process that COMEV lives during 2014, development of the Municipal Education Plan. KEYWORDS: Council, Democratic Space, Development, Public Policy. REFERÊNCIAS: Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 79 BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº186/2008 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. – 35.ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012. BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. – 5. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010. BRASIL. Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação Proconselhos: módulo II, Princípios, estrutura e funcionamento dos conselhos municipais de educação – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2009. MARSIGLIA, A. C. G. Contribuições para os fundamentos teóricos da prática pedagógica históricocrítica. In: MARSIGLIA, A. C. G. (Org.). Infância e pedagogia histórico-crítica: desafios e perspectivas para uma educação transformadora. Campinas: Autores Associados, 2012. P. 109 – 146. MOREIRA, H.; CALEFFE L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2 ed.RJ: Lamparina, 2008. NATAL, C. M. O conselho municipal de educação como espaço de produção das políticas educacionais: a constituição de uma esfera pública?. 2011, 164f. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espirito Santo, 2011. SAVIANI, D. Sistema de Educação: subsídios para a conferência nacional de educação. Texto organizado a pedido da Assessoria do MEC, 2009. Disponível em: <http://conae.mec.gov.br/images/stories/pdf/conae_dermevalsaviani.pdf>. Último acesso 19/07/2014 SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.14, n.40, jan./abr. 2008 p 143 – 155. Último acesso 19/07/2014 Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v14n40/v14n40a12.pdf> SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP: Autores associados, 2003 TEIXEIRA, L. H. G. Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do ensino. Cad. Pesqui., São Paulo , v. 34, n. 123, dez. 2004. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010015742004000300009&lng=pt&nrm=iso>. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 80 A DIALÉTICA NO PROCESSO EDUCACIONAL: O QUE SE REPRODUZ E O QUE SE PRODUZ NA EDUCAÇÃO ATUALMENTE POR MEIO DO EMBATE ENTRE AS TEORIAS TRADICIONAL E CRÍTICA 104 Leandro Freitas Menezes Resumo: A formação da escola tal qual se conhece atualmente é o resultado de diversos embates ideológicos. Dentre eles o de cunho dominante e tradicional permanece, mesmo sofrendo com as ações contrárias das teorias críticas. Nesse sentido, pretende-se destacar na área educacional as características que contribuem para manter a reprodução do existente e, por outro lado, aspectos que contribuem para produzir o novo. A investigação foi feita por meio de uma pesquisa bibliográfica. A importância dessa pesquisa reside no fato de se poder compreender o resultado do confronto entre a teoria tradicional versus a teoria crítica em relação à área educacional. A investigação mostrou que esses dois aspectos dialéticos e complementares na educação vigente. Palavras-chave: Educação. Teoria tradicional. Teoria Crítica. 1 INTRODUÇÃO É demasiadamente complexo tentar entender, olhando para a educação atual, qual a sua origem. Algumas teorias tentam dar conta disso, entre as quais, a de que na pré-história os homo erectus cada qual tinham um tipo de conhecimento que até então não havia sido partilhado. Mas, tão logo partilharam o que sabiam, os conhecimentos foram se tornando complexos 105 de tal forma que precisava de alguém que os dominasse e que pudesse ensiná-los abertamente. Foi então que surgiu a figura do sábio, do mestre e do professor. Dessa forma, com a evolução do homem e dos processos educacionais formou-se a escola com sua configuração tal qual se conhece nos dias atuais106. Mas a configuração da escola foi sem dúvida o resultado de diversas escolhas em detrimento de outras. Sendo assim, em que intenções se basearam essas escolhas? E quais fenômenos elas produzem e reproduzem na educação atual? O desejo de responder a essas questões leva a dizer hipoteticamente que 104 Licenciado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira / Línguistica Aplicada na Educação pela Universidade Cândido Mendes – RJ. 105 Brandão (1981) discute que com a separação do “saber” e do “fazer” tornou-se necessário o surgimento da pedagogia, da instrução especializada e da escola. 106 BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 81 as intenções são de cunho dominante, por isso tem o intuito de manter o sistema tradicional. Porém, esse é um sistema falho, e é aproveitando essas falhas que a crítica, especialmente a de Paulo Freire que é de cunho marxista, contra o sistema hegemônico se instaura. Assim, em observação a esse cenário dialético entre a teoria tradicional versus a teoria crítica, nosso objetivo é mostrar que embora a teoria tradicional e hegemônica tenha deixado suas marcas presentes na configuração da escola tal qual a conhecemos, o embate com a teoria crítica na verdade contribui para a criação das novidades. Pretende-se alcançar o objetivo proposto fazendo uma pesquisa bibliográfica acerca do assunto, observando o cenário educacional brasileiro. 2 IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO O que significa o termo ideologia? Esse termo possui dois significados: um neutro e outro advindo da crítica. De acordo com o senso comum, o primeiro significa um ideário ou discussão de ideias, conjunto de doutrinas etc. No entanto, para a teoria crítica é uma ferramenta usada para ofuscar a realidade e promover a dominação não por meio da força física, mas do convencimento e da alienação. A dominação sobre o ser humano e sobre o meio pode ter surgido acerca de sete mil anos na passagem da cultura matrística107 para a patriarcal. Na primeira, a relação com as pessoas da comunidade e de outros povos era estabelecida por limites e de forma harmônica e não baseadas nas questões materiais. No segundo, a cultura patriarcal surgiu na Mesopotâmia, quando o homem começou a desejar dominar o meio e outros povos. Dessa forma, a história mostra que o que move a humanidade é o desejo de dominar a fim de obter lucros materiais. Nesse sentido, o saber se tornou um dos principais meios de submeter pessoas a um determinado regime que interessasse aos dominadores108 com o propósito de manter esse sistema109. 107 O termo vem da palavra matriz e se refere à mulher. 108 Jean-Jacques Rouseau (1712-1778) acreditava que a dominação começou a partir do momento em que uma pessoa cercou um pedaço de terra como propriedade sua. Ele dizia, onde está o homem que não chutou aquelas estacas. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 82 Mas o que é educação? Enquanto a educação tradicional insiste em preconizar um tipo apenas de educação, a partir de um pensamento crítico podese dizer que não existe apenas um tipo de educação, mas diversos e isso independe de escola. Por exemplo, nas aldeias indígenas, os nativos recebem orientação não apenas de um adulto, mas de vários. De certa forma, tudo aquilo que envolve o saber envolver também educação e, por meio disso, pode-se chegar a conclusão de que a educação vigente é hegemônica e está atrelada à política e à economia. Sendo assim, é aplicada de acordo com a necessidade do mercado e, por conseguinte, produz indivíduos para suprir a carência desses mercados. Essa nova forma crítica de pensar a educação pode ser fundamentado em diversas épocas da história. Por exemplo, na Idade Clássica, a educação era um privilégio dos nobres. Entretanto, quando os romanos passaram a se dedicar a vida política, foram abertas escolas também para os plebeus. Mas isso teve motivação política e econômica110. É interessante como, o conhecimento, uma ferramenta exercida por escravos111, porque não interessava aos reis, tenha se tornado algo de extremo valor. Por exemplo, na Idade Média os reis não dominavam a arte de ler e de escrever. A atividade intelectual era exercida pela igreja, mas tão logo descobriram que com isso podiam ser mais superiores passaram a investir nela. Se por um lado o conhecimento era cultivado pelos nobres, por outro o povo vivia alienado pelo regime feudal, não enxergando outra possibilidade de vida. No fim da Idade Média, os burgueses desejaram um regime liberal, objetivando obter mais lucros, por isso, aliaram-se aos servos para lutarem pela liberdade. O fim do regime feudal deu ao início do regime republicano (nacionalista). Com implantação desses regimes foram providenciadas escolas para o povo, mas com intenções mercadológicas e financeiras. É notório como Karl Marx (1818-1883) notou esses aspectos para elaborar sua tese sobre o Materialismo Histórico, mostrando que em diversos períodos os regimes foram sucumbindo porque outro se levantava, 109 MENDONÇA, R. O educador ambiental ensina por suas atitudes. Revista Nova Escola. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/rita-mendonca-educadorambiental-ensina-suas-atitudes-426107.shtml. Acessado em: 03 de abril de 2012. 110 BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. 111 Os escravos a que se refere são os sábios presentes nas cortes no período da Idade Média. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 83 culminando assim com o advento do capitalismo. Atualmente, o capital globalizado ou hiper-liberalismo. Essa nova ordem econômica passou por diversos momentos de crises112 até os dias atuais, entretanto, sobreviveu porque se alimenta e se realimenta por meios de seus próprios mecanismos de dominação. 3 ESCOLA, CURRÍCULO E SOCIEDADE Como foi destacado, o saber é algo importante para os sistemas de dominação, pois ele orienta as massas o modelo que devem seguir. Nesse sentido, a escola é a mola mestra para esse sistema de modo que ela veio incorporando uma configuração tradicional e arbitrária. Assim, aquilo que parece banal ou natural quando se observa a repartição do espaço físico escolar, a constituição do corpo pedagógico, do corpo administrativo e outros mais, fazem parte de um modelo autoritário o qual não se pode questionar sem antes o conhecer historicamente113. Um bom exemplo disso é a influência do modelo fordista na educação. Os horários na escola são regulados pela sirene, os alunos usam uniformes, as carteiras são dispostas, assim como em uma linha de produção, o processo escolar é dividido em séries, assim como na produção: 1ª série, 2ª série, 3ª série...etc. Nota-se, com esse comentário, que a intenção da classe dominante é utilizar a escola basicamente para formar a mão-de-obra trabalhadora para ocupar os postos de trabalho. Há algo sobre a escola que merece ser dito. A educação é institucionalizada e de massas, ou seja, controlada por uma máquina estatal que dita normas e restringe o processo educacional delas. Essa é mais uma característica da escola tradicional e arbitrária que pouco se percebe. Mas isso toca em outro ponto chave em que se pode verificar a desigualdade social promovida pela escola tradicional. Esse ponto o qual se refere é a diferença entre as escolas. Dependendo da localização e da classe social 112 São elas: a) crise da organização taylorista do trabalho; b) crise do Estado de bem-estar corporativista; c) crise do Estado intervencionista; d) crise ecológica; e) crise do fordismo global; f) crise do indivíduo fordista. 113 DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela, conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 84 haverá também uma seleção para a matrícula. Além disso, no caso brasileiro existe a disputa entre escola pública versus escolas privadas. Os liberalistas defensores da privatização do ensino combatem contra o ensino público, democrático e de “qualidade” oferecido pelos governos, pois veem a educação apenas como um objeto que pode ser negociado, isso é prejudicial à sociedade. Mas não se pode falar de processo escolar sem antes falar de currículo escolar. Mas qual o significado de currículo? Existem várias definições de diferentes autores. O termo significa organização do ensino ou disciplina114. Esse vocábulo é recente, embora realidade escolar e currículo convivam desde a idade clássica. A constituição do currículo é marcada por inúmeras propostas pedagógicas. Dessa forma, uma vez que toda proposta curricular é uma construção social historicizada e depende de inúmeros condicionantes será sempre algo marcado por conflitos e interesses 115. Ou seja, pela dialética116. Assim, nota-se que o currículo tem essa característica dual da mesma maneira que a sociedade. Observando esse detalhe não é difícil notar que um está para o outro117. Ou, diga-se de passagem, o currículo é o espelho da sociedade, pois ele vai gerir os atos pedagógicos que formarão o futuro cidadão. Entretanto, embora seja dividido o modelo tradicional ainda persiste, pois ele é “oculto”. Isso quer dizer que os hábitos dominantes estão presentes nele, mas de forma velada, tanto que, seria necessário rever conceitos, práticas e outras relações para se extraí-lo118. Nota-se que a ideologia tradicional tem proeminência em se tratando de decidir os rumos do currículo e da escola, porque está inculcado na vida social, regulando pensamento e ações. E ainda que se negue essa forma de pensamento, inconscientemente se estará concordando com ela e fazendo uso de suas práticas. Elas se materializam na medida em que se confirma nos hábitos 114 PACHECO, J. A. O que se entende por currículo? In:______. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 30-41 115 PACHECO, J. A. O que se entende por currículo? In:______. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 30-41 116 A mesma dialética entre teoria tradicional de origem capitalista e a teoria crítica de Paulo Freire oriunda de Karl Marx. 117 De acordo com Silva (1995), a estratificação do conhecimento escolar é a estratificação da sociedade. 118 DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela, conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 85 escolares e se institucionaliza na família119. Mas por qual motivo se elaboraria um currículo com o objetivo de manter um sistema hegemônico e uma massa alienada a ele? Poder-se-ia dizer que é com o intuito de conservar uma mão-de-obra manual. Por outro lado forma-se também uma mão-de-obra mental. Em suma, dizendo de outra forma, é um currículo que tem a finalidade de reproduzir a desigualdade social. Outro ponto é a teorização. Teorizou-se demasiadamente acerca da educação, mas, preocupou-se muito pouco com as questões relacionadas à sala de aula: as necessidades individuais dos educandos, situação dos educadores, métodos e práticas120. Um último assunto é em relação aos livros didáticos. Os livros didáticos ainda são uma ferramenta para promoção da desigualdade social. Por meio de uma pesquisa relacionada à Literatura Brasileira constou-se que os livros didáticos trazem diversos assuntos que discriminam e minimizam etnia, sexo e nacionalidade121. Além disso, o que se pode pensar até pouco tempo acerca do descobrimento do Brasil nos livros de história? Ou o fato dos livros dessa mesma disciplina trazer gravuras sobre a escravatura negra e explicações que denegriam uma cultura tão rica, que, aliás, contribuiu para a formação da cultura Brasileira? Sem dúvida fica evidente a resposta de que o livro didático está a serviço do sistema hegemônico. 3 A FALIBILIDADE NO SISTEMA HEGEMÔNICO E A CRÍTICA Um sistema político, econômico, social, educacional etc. qualquer que seja apresenta falhas. Em relação ao sistema capitalista, que intenciona subjugar o 119 DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela, conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110. 120 DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela, conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110. 121 CONCEIÇÃO, L. C.; MENEZES, L. F. A mulher brasileira na lírica amorosa de Castro Alves: Um estudo sobre a poesia lírica como recurso de ensino e aprendizagem no livro didático. Revista Fronteira Digital. Ano II, n. 03, jan/ago 2011. Disponível em: www.unemat.br/revistas/.../docs/.../fronteira_digital_n3_2011_art_2.pdf. Acessado em: 30 de maio de 2012. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 86 social, o cultural, a política por meio da economia, comete absurdos na área educacional que a Teoria Crítica torna visível. Por exemplo, pode-se observar denúncias acerca dos principais problemas gerados pelas políticas educacionais vigentes, nos últimos quarenta anos122, valendo-se da teoria crítica do educador Paulo Freire (1921-1997)123. [...] bilhões de analfabetos absolutos, funcionais, digitais e políticos; precária escolarização das camadas sociais subalternas; privilégio da educação das elites; educação bancária; reprodução dos processos opressivos em sala de aula; necessidade de reeducação dos educadores e de oferta de condições de trabalho adequadas e qualitativamente melhores [...] 124. Nota-se que é no cerne da questão, nas falhas apresentadas pelo sistema hegemônico na educação que se instaura a crítica. Observando o cenário educacional atualmente, nota-se como está melhorando, os números apresentados pelo governo são espetaculares: o analfabetismo está diminuindo, mais crianças na escola, capacitação de professores. No entanto, os números não correspondem à verdade, pois o ensino ainda é de péssima qualidade, os professores são mal pagos, as escolas estão sucateadas. Desse modo, formamse cidadãos que não sabem ler e entender o conteúdo da leitura. Isso se confirma com a declaração da seguinte pesquisa: “Segundo o Instituto Brasileiro de Alfabetização Funcional (INAF), apenas 26% dos brasileiros entre 15 e 64 anos mostram-se capazes de ler, entender e resumir textos longos” 125. Esse problema traz outras implicações. Se o cidadão não tem acesso à leitura que é a ferramenta que o integrará ao mundo126, como lançará mão dos meio tecnológicos, da participação política, etc. Além disso, o trato tradicional com os educandos em 122 SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN: Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai). 123 O Scocuglia (2008) a fim de realizar seu estudo sobre a Pedagogia Crítica utilizou as principais obras de Freire, entre elas: Pedagogia do oprimido, Pedagogia da esperança, Política e educação, Pedagogia da autonomia. 124 SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN: Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai), p. 13. 125 RIBEIRO, V. M. Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional – Brasil. . Disponível em: http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub= T&db=caldb&comp=Biblioteca&docid=395FFC0868D770C483256EA0006B1CBE. Acessado em: 30 de maio de 2012. 126 Acerca disso, Paulo Freire (1921-1997) argumenta que o indivíduo privado da capacidade de leitura é castrado da vida social. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 87 sala minimiza-os na forma de falar, de agir e de se expressar. Essas ações de muitos educadores tiram do aluno a autonomia que ele precisa para o aprendizado e, consequentemente, para integrá-lo à sociedade. Por outro lado, mostra que os educadores que usam tais práticas estão precisando de preparação pedagógica. Essas ações denunciadas pela pedagogia crítica de Freire advertem a necessidade de se construir uma educação mais igualitária, diferente da vigente que privilegia as camadas mais favorecidas. Nesse sentido, o estudioso inscreve em sua pedagogia respostas e propostas que visam dar mais condições ao oprimido: [...] importância das ações dialógicas na educação; impossibilidade da educação neutra e ênfase da politicidade da educação; necessidade da conquista da educação crítica pelas vias/estágios da consciência; aparato educacional voltado para os interesses, valores e necessidades das camadas oprimidas; combate aos determinismos práticos e teóricos; busca da consciência da realidade nacional; a educação e a cultura como exercícios da liberdade; os direitos dos oprimidos ao conhecimento; o trabalho como uma das matrizes do conhecimento político; a esperança e a ousadia que combatem o fatalismo e o medo; a construção da pedagogia da autonomia; as construções dos inéditos viáveis e da utopia da denúncia e o anúncio; enfim, a educação na história como possibilidade de mudança127. Observando as denúncias que a Pedagogia Crítica traz, nota-se que enquanto esta propõe evidenciar a realidade ao educando e futuro cidadão, a pedagogia tradicional, ao contrário, procura aliená-lo. Mas além das denúncias, as respostas e as propostas mostram o porquê e como fazer. Por exemplo, ao propor uma educação dialógica o educador se contrapõe a imposição de que a educação está centrada no professor. Ao contrário, a educação está centrada no educando. Além disso, para haver uma relação dialógica é preciso que se desconstrua a hierarquia de certo modo, e também se admita os conhecimentos do educando como válidos para que se construa o saber. Nesse sentido, o professor servirá como um orientador do educando, deixando-o a vontade para pensar e se expressar, mas como orientador deverá sempre fazer os ajustes necessários128. Após explorar os 127 SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN: Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai), p. 13. 128 Essa fala deixa muito clara a questão da autonomia que Paulo Freira defende. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 88 conhecimentos do educando ao máximo, caberá ao professor aguçar as noções adquiridas apresentando-o outras novidades. Esse exemplo faz pensar como a pedagogia de Freire é dinâmica e atuante, ao contrário da tradicional que é cristalizada e estagnada. Não admite outras estratégias e métodos. Ao contrário, a pedagogia freireana está aberta a novas formas de trabalho, desde que seja para o benefício do educador e do educando. É certo que tanto uma atitude quanto a outra produzirão efeitos para a vida social. A tradicional formará um cidadão estagnado, conformado e alienado. Entretanto, a crítica formará um cidadão dinâmico, atuante, autônomo e crítico. Observando a área educacional atualmente, nota-se que a crítica tem avançado com suas propostas de mudança. Por exemplo, os PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais) foram formulados de acordo com a Teoria Crítica, Tendência Progressista129. Além disso, as universidades federais formam profissionais de educação mais conscientes quanto à escolha das tendências para o uso diário na sala de aula. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao estudar os aspectos de constituição da educação e da escola, notou-se que nas diversas épocas estavam sempre a serviço do pensamento autoritário e arbitrário. Uma ideologia dominante que visa alienar os indivíduos, ofuscando-lhes a realidade com finalidades de obter lucros financeiros. Entretanto, pode-se observar por meio da pedagogia Crítica de Paulo Freire que esse tipo de regime é falho, por isso, se aproveitando dessas lacunas é possível desenvolver políticas educacionais que possam fazer um efeito contrário ao que a ideologia dominante produz, no caso, formar um cidadão conhecedor de sua realidade, identidade, atuante e crítico. Considerando esses dois aspectos, verifica-se que a educação atual funciona a partir dessa dialética: e embora a Teoria Crítica tenha avançado, o modelo e o pensamento tradicional estão alicerçados de tal modo que para os cidadãos parece natural. Assim, não existe outro modo de questioná-los sem que 129 MEC/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio – Brasília: MEC, 2002. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 89 se conheça sua constituição histórica. Por meio do embate entre as teorias tradicional e críticas podem-se perceber continuidades e descontinuidades no processo educacional. Com esse contexto dialético, conclui-se, portanto, que enquanto a educação tradicional procura conservar seus aspectos homogeneizantes e arbitrários, a Pedagogia Crítica procura estabelecer o novo onde encontra falhas. Summary: The school training as it is known today is the result of many ideological clashes. Among them the dominant and traditional nature remains, even suffering the contrary actions of critical theories. Accordingly, it is intended to highlight the educational area features that help to maintain the existing playback and, on the other hand, all of which contribute to produce the new. The research was done through a literature search. The importance of this research lies in the fact that we can understand the result of the clash between the traditional theory versus critical theory in relation to the educational area. Research has shown that these two dialectical and complementary aspects in the current education. Keywords: Education. Traditional theory. Critical Theory. REFERÊNCIA BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981. CONCEIÇÃO, L. C.; MENEZES, L. F. A mulher brasileira na lírica amorosa de Castro Alves: Um estudo sobre a poesia lírica como recurso de ensino e aprendizagem no livro didático. Revista Fronteira Digital. Ano II, n. 03, jan/ago 2011. Disponível em: www.unemat.br/revistas/.../docs/.../fronteira_digital_n3_2011_art_2.pdf. Acessado em: 30 de maio de 2012. DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela, conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110. MEC/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio – Brasília: MEC, 2002. MENDONÇA, R. O educador ambiental ensina por suas atitudes. Revista Nova Escola. Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/rita-mendonca-educador-ambientalensina-suas-atitudes-426107.shtml. Acessado em: 03 de abril de 2012. PACHECO, J. A. O que se entende por currículo? In:______. Escritos curriculares. São Paulo: Cortez, 2005. p. 30-41 SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN: Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai). RIBEIRO, V. M. Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional – Brasil. . Disponível em: http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub= T&db=caldb&comp=Biblioteca&docid=395FFC0868D770C483256EA0006B1CBE. Acessado em: 30 de maio de 2012. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 90 A IMPORTANCIA DA EDUCAÇÃO SISTEMATIZADA PARA PENITENCIÁRIOS 130 Mariuza Paiva Reis Jaqueline Maissiat (orientadora) 131 Resumo: Este art. tem por finalidade abordar a importância da pedagogia para as pessoas privadas de liberdade, que por diversas razões tiveram seu direito de ir e vir livremente suspenso por tempo determinado pela lei, mas que não perderam, contudo, seus direitos ao respeito, à dignidade, à privacidade, ao desenvolvimento social e pessoal, à integridade física, psicológica e moral. A metodologia usada nesta pesquisa será Estudo de Caso, sendo o instrumento de coleta de dados um questionário que teve como alvo principal os alunos da rede carcerária, com os professores também abordados, uma vez que a educação é tida como uma das formas de promover a integração social e a aquisição de conhecimento que permitem aos privados de liberdade assegurar um futuro melhor quando tiverem de volta a liberdade. Palavras chave: Pedagogia. Educação. Prisão. Penitenciários. Liberdade. INTRODUÇÃO “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.132 Estes escritos partem do pressuposto: O homem é ainda considerado como provedor da família, mas ele agora se encontra encarcerado. Ele já teve oportunidades de estudo na infância, na adolescência, mas por razões diversas não pôde ou não quis usar o direito adquirido por lei de estudar, de ter uma formação. Agora, preso em uma cela, recebe uma nova oportunidade. A educação sistematizada será capaz de mudar o rumo de suas vidas? Qual a importância disso para ele agora? É relevante? Por quê? Qual a diferença que isso vai fazer na vida dele de agora em diante? Qual a razão que o levou a sala de alua depois de tantos atropelos? 130 Pedagoga – Faculdade CNEC Vila Velha. Doutora em Informática na Educação (UFRGS), Mestre e Pedagoga – Multimeios e Informática Educativa (PUCRS). Professora da Faculdade CNEC de Vila Velha/ES. 132 FREIRE, Paulo. Desafios da educação de adultos frente à nova reestruturação tecnológica. Seminário Internacional Educação e Escolarização de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 1997, p. 267. 131 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 91 A educação oferecida no sistema prisional vem sendo discutida em sua importância no sentido de contribuir com o processo de reinserção social e a autonomia dos apenados, evitando sua anulação como cidadão de uma sociedade. Assim sendo, a finalidade deste estudo é responder a seguinte questão: qual a importância da educação sistematizada para os presos da Penitenciária Estadual de Vila Velha I do Complexo do Xuri? O objetivo geral aborda a questão da educação no sistema prisional no Espírito Santo, focando exclusivamente a Penitenciária Estadual de Vila Velhos I no Complexo do Xuri, uma vez que a mesma é um direito fundamental de todo ser humano, e a Constituição lhes assegura este direito. Para alcançar o objetivo proposto, foram feitas pesquisas documentais, que entre eles estão os que nos foram cedidos pela equipe do núcleo de Educação da SEJUS em parceria com a SEDU\ES, além de dados estatísticos sobre a educação em presídios no estado. A metodologia que será utilizada é uma investigação por estudo de caso, que consiste em um: “[...] método que implica a recolha de dados sobre um caso ou casos, e a preparação de um relatório ou apresentação do mesmo” 133, ou ainda, se refere a uma maneira ou uma forma que se utiliza para fazer uma investigação de algum fato, acontecimento um método de investigação usado para descobrir, compreender e até descrever fatos, acontecimentos que por algum motivo desperta nossa curiosidade. Nesse sentido será realizada, além da pesquisa documental, uma pesquisa de campo. PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO NAS PRISÕES Anexo a Resolução nº 3134, está o documento Anexo I do Seminário Nacional pela Educação nas Prisões, realizado em 2006 em Brasília. É resultado do empenho do Ministério da Educação, Ministério da Justiça e da UNESCO no 133 STENHOUSE, 1990, citado em GOMEZ, Gregorio R; FLORES, Javier; JIMÈNEZ, Eduardo. Metodologia de La Investigacion Cualitativa. Malaga: Ediciones Aljibe, 1996, p. 92. 134 BRASIL. ______. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Disponível em: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817>. Acesso em: 10 set. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 92 Brasil. Desde 2005, estão em parceria em torno do Projeto Educando para a Liberdade, no sentido de buscar saídas, possibilidades de encarar a crítica situação que envolve a inclusão social das pessoas privadas de liberdade do sistema prisional do nosso país. Entre as propostas contidas no Anexo I está a de que cada estado elabore seus próprios projetos para educação nas prisões. Sobre este assunto, no Espírito Santo, a Secretaria Estadual da Justiça do ES (SEJUS) e a Secretaria Estadual de Educação (SEDU) trabalham conjuntamente a educação nas unidades prisionais (Portaria nº 042 de 21/06/05). Assim garantiu a criação de salas de aulas nos presídios, dando a possibilidade dos presos voltarem a estudar. A SEJUS informou que essa parceria criou em 2005, o programa “Portas Abertas para Educação” buscando uma educação para transformação de vidas. Segundo dados obtidos pela Gerente do Núcleo de Educação da SEJUS, o perfil da população carcerária em 2005 era formado de pessoas jovens com menos de seis anos de escolarização e que neste mesmo ano contava apenas com 80 alunos divididos em dois presídios apenas. NÚMERO DE UNIDADES PRISIONAIS COM OFERTA EDUCACIONAL. Em 2009 o programa chegou as 16 unidades onde havia espaço físico para adequar uma sala de aula. Em 2010, com a reestruturação do sistema prisional, inauguraram os primeiros presídios com espaço específico para pedagogia, de 2 presídios apenas em 2005, em 2011 pulou para 24 presídios e em 2014 para 30 unidades educacionais em presídios, com 3.600 apenados matriculados, entre masculino e feminino. Já no Complexo do Xuri em Vila Velha que se divide em PEVV I, PEVV II, PEVV III, PEVV IV, PEVV V e o CDPVV I, existem 3.876 pessoas presas, mas apenas o CDPVV I não tem aula para os presos e apesar do número de internos nessas penitenciárias, apenas 987 internos estão estudando. Segundo informações também da SEJUS\SEDU, está previsto para ser publicado ainda no ano de 2014 o Plano Estadual de Educação nas Prisões do Espírito Santo, resultado da proposta do Anexo I do Seminário Nacional Pela Educação nas Prisões. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 93 O Governo do Estado tem um programa de ressocialização, com cursos de qualificação profissional, que vão desde os mais simples, como jardinagem e panificação, até outros como gestão em petróleo e gás. São cursos presenciais e a distância que acontecem através da Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia, com o SENAI, além de convênios com empresas que utilizam sua mão de obra. Todos os internos que estudam ou trabalham têm direito a remissão de pena. As principais Leis referentes à Educação no sistema prisional Está na Constituição Federal135, em seu art. 5º que todos, sem qualquer diferenciação ou exclusão, são iguais perante a Lei, e no art. 205, assegura que a educação é direito de todos nós e que o Estado e a família são responsáveis por isso. Não podemos deixar de mencionar também a da Lei de Diretrizes e Base da Educação de 1996136. No art. 37, um dos princípios é a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola para todos inclusive para as pessoas que não tiveram condições ou oportunidade de estudar em sua infância e adolescência ela assegura esse direito através da modalidade EJA – educação de Jovens e Adultos. No ano de 1984 a Lei de Execução Penal, 7.210137, chega para os presos como o ECA chega para as crianças e adolescentes, ou seja, como um estatuto, trazendo direitos e deveres para as pessoas privadas de liberdade. Ela visa a sua ressocialização e seu acesso a sociedade, e para isso no seu art. 17, assegura ao preso não só o acesso ao trabalho, mas também a educação. Já no art. 10 ela define que é dever do estado à assistência ao preso e ao internado (adolescente) 135 BRASIL. Constituição (1988). Vademercum Saraiva. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Id. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei 9394/96. Brasília: Imprensa Oficial, 1996. 137 Id. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. 136 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 94 privados de liberdade, seja homem ou mulher, e no art. 11, diz que essa assistência será da saúde, social, religiosa, jurídica e entre essas, a educacional. Essa mesma Lei, em 2011, passa por uma alteração em seus art.s 126, 127, 128 através da Lei nº 12.433138, que faz uma alteração dispondo sobre a remissão de parte do tempo de execução da pena do preso por estudo ou por trabalho. Ficando assim: 1 dia a menos de pena para cada 12 horas de frequência escolar e menos um dia de pena para cada 3 dias trabalhados. Isso veio como um estímulo e incentivo ao estudo e ao trabalho que além de contar como pena cumprida. A Resolução nº 03 de 2009139, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) estabelece as orientações nacionais para oferta da educação nos presídios, dispondo de ações que devem estar de acordo com a legislação em vigor no País e também na Lei de Execução Penal. Essas orientações buscam estabelecer ações que irão dar condições para o país enfrentar as grandes dificuldades encontradas no sistema prisional com a inclusão social dos presos na sociedade. Suas principais ações: buscar um envolvimento dos gestores federais, estaduais e municipais e bem como da sociedade; buscar a participação de todas as áreas do governo para juntos pensarem em alternativas que visem não só a educação não formal e profissional nas penitenciarias, mas também a possibilidade de implementar a modalidade de educação a distância. Destaca também a importância de atender aos três eixos principais estabelecidos no Seminário Nacional pala Educação em prisões realizadas em 2006, que estão no anexo I dessa Resolução. O primeiro fala de Gestão, Articulação e Mobilização, e para que isso aconteça é de fundamental relevância que se busque parcerias entre os governos, federal, estadual e municipal e que o Estado busque parceria entre as secretarias da justiça e da educação para que 138 Id. Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12433.htm>. Acesso em: 10 set. 2014. 139 ______. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Disponível em: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817>. Acesso em: 10 set. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 95 juntos ofereçam uma educação de qualidade para o sistema prisional de seus estados. O segundo eixo trata da formação e valorização dos profissionais envolvidos, visando à formação continuada não só dos professores, mas que envolva também todos os profissionais que trabalham no sistema penitenciário. E que incluam a formação para a EJA nos cursos de licenciatura em Pedagogia. Além disso, que os professores e também os educandos tenham apoio psicológico, terapêuticos, ajudando assim no desempenho de ensino- aprendizagem. O terceiro eixo trata dos aspectos Pedagógicos, em que cada estado possa elaborar seus próprios projetos pedagógicos levando em consideração a realidade do sistema prisional de seu estado. Ainda, incentiva a gestão local a criação de material didático voltados para a EJA e que se faça um currículo específico para educação nas prisões. Quanto ao professor, que ele possa ter autonomia na avaliação do seu aluno, entre outros. Tudo isso para que o professor e demais funcionários tenham qualificação e preparação para o trabalho e, os educandos recebam uma educação de qualidade e saiam para a liberdade preparada para o convívio em sociedade. A Resolução nº 2140 do Conselho Nacional de Educação/2010 discorre sobre as direções na EJA privados de liberdade, nos estabelecimentos prisionais. Nunca esquecendo que qualquer ação deve estar de acordo com a legislação vigente e a Lei de Execução Penal. Devendo a Secretaria de a Educação ser responsável pela oferta de educação prisional, bem como favorecer a realização de ensino em todos os turnos. A educação nos presídios seguirá as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação e também ao tratar de estágio supervisionado. Propõe também que haja um calendário único entre os presídios e, as ações para oferta de educação da EJA venha a público por meio do relatório anual. Estabelece que as autoridades competentes providenciem espaço físico adequado para que se 140 BRASIL. Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_ content&view=article&id=17460&Itemid=817>. Acesso em: 04 out. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 96 possam colocar em prática as atividades educacionais, e mais, que os educadores, gestores e técnicos que trabalham nas penitenciárias deverão participar de programas de formação inicial e continuada observando as particularidades da Lei de Execução Penal. Já na Lei 10.172/2001141 do Plano Nacional de Educação que prevê a implantação em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que atendam adolescentes e jovens em conflito com a lei, de programas de EJA de nível fundamental e médio, formação profissional com fornecimento de material didático pedagógico pelo Ministério de Educação, além da oferta de educação a distância. Vemos ainda que o Decreto nº 7.626 de 2011142, institui o Plano Estratégico de Educação no sistema prisional, tendo como objetivo a ampliação e a qualificação do ensino dentro das instituições carcerárias, não só com a EJA, mas com a educação profissional e tecnológica, e a educação superior. O decreto orienta que por meio da educação haja reintegração do apenado, além de possibilitar atendimento educacional para as crianças em que as mães estão presas. Encoraja a criação de planos estaduais de educação prisional tendo como meta tanto a formação educacional dos alunos, quanto a formação e capacitação dos professores e profissionais envolvidos e para que isso aconteça é imprescindível integração entre a SEDU e a SEJUS. EDUCAÇÃO SISTEMATIZADA NAS PRISÕES De acordo com os dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informação Penitenciário – InfoPen, no mês de junho de 2011 o Sistema Penitenciário Brasileiro contava com mais de meio milhão de pessoas encarceradas. No Espírito Santo, neste mesmo período, eram 12.108 entre homens e mulheres. O perfil dessas pessoas como informa o Departamento Penitenciário Nacional e o IBGE é na sua grande maioria, formado por aqueles de baixa renda, vivendo em condição 141 Id. Lei 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. aprova o Plano Nacional de Educação. Id. Decreto 7.626, de 24 de novembro de 2011. Institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional. 142 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 97 de pobreza e com pouca ou nenhuma escolarização. Como assim sinaliza Julião143, O perfil dos presos reflete a parcela da sociedade que fica fora da vida econômica. É uma massa de jovens, do sexo masculino (96%), pobres (95%), não brancos (afrodescendentes) e com pouca escolaridade. Acredita-se que 70% deles não chegaram a completar o Ensino Fundamental e 10% são analfabetos absolutos. Cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente ativa — e, em sua maioria, estavam desempregados quando foram presos e viviam nos bolsões de miséria das cidades (p.23). As prisões eram para ser um lugar de recuperação e ressocialização para que as pessoas, quando saíssem, tivessem condições de reintegração na sociedade. Porém não é assim, a vida nos presídios brasileiros, em sua maioria não traz benefício algum. A convivência nos presídios é de hostilidade, frieza, violência e maus tratos, enfim, um ambiente sub-humano como vemos frequentemente nos noticiários nacionais e locais sobre o caos no sistema prisional. Segundo Coelho144: A nossa realidade é arcaica, os estabelecimentos prisionais, na sua grande maioria, representam para os reclusos um verdadeiro inferno em vida, onde o preso se amontoa a outros em celas (seria melhor dizer em jaulas) sujas, úmidas, anti-higiênicas e super lotadas, de tal forma que, em não raros exemplos, o preso deve dormir sentado, enquanto outros revezam em pé. Com a Lei de Execução Penal 7.210/84145 o sistema prisional ganhou novas diretrizes que veio garantir legalmente direitos as pessoas privadas de liberdade, e entre esses direitos está o direito a educação. Como podemos ver nos artigos, Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrandose no sistema escolar da Unidade Federativa. 143 JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Educação para jovens e adultos privados de liberdade: desafios para a política de reinserção social. IN: BRASIL. Salto para o futuro: EJA e Educação Prisional. Brasília: SEED-MEC, 2007. 144 COELHO, D. V.. A crise no sistema penitenciário brasileiro. [on line]. Disponível em: <http://neofito.com.br/artigos/penal134.htm>. Acesso em: 02 fev. 2003, p.. 1 145 BRASIL. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 98 Na visão de muitos da sociedade, o presidiário é um indivíduo destituído de todo o direito, que não deveria ter qualquer acesso a direitos assegurado as pessoas de bem, já que ele cometeu crime e fez a opção de ser “bandido”, e a educação é vista como um privilégio. Devido a isto questionamo-nos: mas como trazer de volta esse indivíduo para o convívio com a sociedade sem que ele tenha tido uma assistência adequada? Na opinião de Julião146: “A opção por tirar da ociosidade uma grande massa da população carcerária, levando-a a sala de aula, não constitui privilégio, como querem alguns, mas, sim uma proposta que responde ao direito de todos a educação”. A educação nos cárceres é tanto para a escolarização e profissionalização, bem como para desenvolver o processo de humanização, ela vai além dos direitos declarados na lei. Ela é o caminho para a reinserção a sociedade e ao mundo do trabalho e uma forma mais digna para as pessoas privadas de liberdade, e o objetivo da pesquisa é saber a importância da pedagogia para essas pessoas. Além dos benefícios da instrução escolar, o preso pode vir a participar de um processo de modificação capaz de melhorar sua visão de mundo, contribuindo para a formação de senso crítico, principalmente resultando no entendimento do valor da liberdade e melhorando o comportamento na vida carcerária.147 Baseada nas sansões legais e com apoio da literatura, aqui mencionadas, será realizada uma análise em que tanto os reclusos quanto o professor do sistema prisional irão expor suas impressões, tendo por base suas experiências, para que então possa se fazer uma relação entre a teoria e a prática. Estudo de caso Essa pesquisa foi realizada no Complexo Penitenciário do Xuri, em Vila Velha, formado por 6 presídios, todos masculinos e com um total de 3.876 146 JULIÃO, 2007, p. 30. Id. O impacto da educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de execução penal do Rio de Janeiro. Rev. Bras. Educ, Rio de Janeiro, v.15, n. 45. set./dez. 2010, p. 3. 147 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 99 condenados. Destes, apenas 987 estudam atualmente, sendo que dos 6 presídios que compõe o Complexo do Xuri, um não tem aula, que é o CDPVV I – Centro de Detenção Provisória de Vila Velha. A Educação no Sistema Prisional é realizada por meio da modalidade EJA, que Vieira148 entende como: “A educação carcerária se realiza em um contexto de educação de jovens e adultos (EJA)”. Esse direito, como já vimos anteriormente, está garantido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Base de 1996 e na Lei de Execução Penal. A realização da pesquisa foi especificamente na Unidade I do Xuri, que como nas outras unidades do Complexo as aulas acontecem somente de manhã e a tarde, no Xuri não tem aula à noite. São 116 alunos no turno matutino, com ensino médio e séries iniciais e 114 no turno vespertino, com ensino fundamental, num total de 230 alunos nessa unidade. O espaço educacional é dividido em seis salas, cinco são salas de aula e uma a sala dos professores e pedagogos. Não foi possível aplicar questionário para todos os detentos aprendizes, mas os resultados obtidos permitiram conhecer e refletir sobre o tema pesquisado. Segundo Gil149 Por essa razão, o mais frequente é trabalhar com uma amostra, ou seja, com uma pequena parte dos elementos que compõem o universo. Quando essa amostra é rigorosamente selecionada, os resultados obtidos no levantamento tendem a aproximar-se bastante dos que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar todos os elementos do universo. No entanto, foi aplicado questionário a uma professora que também exerce a função de pedagoga da unidade e a 42 estudantes encarcerados. As perguntas contidas nos questionários buscaram saber das pessoas presas e da professora sobre a importância da educação formal para a vida deles (presos). É um questionário semiaberto com 13 perguntas para os apenados e outro questionário com 10 perguntas abertas para a professora\pedagoga. 148 VIEIRA, Elizabeth de Lima Gil. Trabalho Docente: de portas abertas para o cotidiano de uma escola prisional. 2008. 136f. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008, p. 37. 149 GIL, A. C. Como elaborar projetos de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 121. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 100 Seguem os resultados da pesquisa com a participação de 18,26% dos jovens e adultos que frequentam as aulas na Unidade I do Xuri. Para preservar a identidade dos penitenciários, seus nomes foram substituídos por letras e números, por exemplo: P15. O mais jovem dos estudantes encarcerados tem 20 anos e o mais velho, 42 anos, tendo uma média por idade de 29,6 anos, que segundo Julião 150, é uma massa de jovens, do sexo masculino e cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente ativa. A grande parte dos estudantes está presa há 3 e 5 anos, o que equivale a 45% dos entrevistados. E estes são a maioria que ainda ficará por 3 e 5 anos cumprindo pena no presídio. Perguntado aos alunos sobre o grau de escolaridade antes de entrar na prisão, o que observamos foi que praticamente 50% deles haviam entrado com o ensino fundamental incompleto. Vale ressaltar que esses alunos hoje, participam da classe de ensino médio, e foi por indicação da pedagoga que se fizesse o questionário com as turmas do ensino médio, devido ao grau de dificuldade que os alunos do ensino fundamental teriam para responde o questionário. Quanto ao tempo que frequentam as aulas oferecidas no presídio e 30% respondeu que entre seis meses a mais de um ano, sendo que um dos alunos frequenta há uma semana apenas. Conforme o sociólogo Salla151, é importante à procura pelo ensino dentro do sistema prisional: “[...] por mais que a prisão seja incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar”. Apesar de ter várias opções, o que foi mais evidenciado nas respostas como motivo que os levaram a frequentar as aulas foi “Quero ter melhores chances de vida quando sair daqui” seguido por “Gosto de aprender”. Ainda outros motivos elencado como cita P02, “Incentivar a minha família”, ou ainda como cita P22, “Ajudar as pessoas da minha família”. “Trabalhar cedo para ajudar a família”, motivo escolhido como a principal razão de não ter frequentado a escola na idade certa. Cinco dos alunos que participaram da pesquisa responderam que “Não 150 JULIÃO, 2007. SALLA, Fernando Afonso. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Annablume, 1999, p. 67. 151 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 101 acreditava que o estudo fosse ajudar em alguma coisa”, já outros responderam que foi por ter se envolvido no crime, envolvimento com drogas e roubos, influências ruins, e isso inclusive fez com que eles estivessem onde estão hoje, na prisão. [...] dentre as características mais importantes dessa política econômica liberal desatacam-se o individualismo, o consumismo, a alta taxa de desemprego, forte exclusão social, marginalização de grande parcela da população, ausência de políticas públicas na área da educação, saúde, lazer, etc. Parece não haver dúvida que todos esses fatores influenciam decisivamente na criminalidade urbana [...] o jovem consegue superar duas ou três dessas características negativas, mais que isso, seu ingresso na via criminosa é quase inevitável l[...].152 A grande maioria, ou seja, 71% acha ótima a forma de dar aula de sua professora, vindo depois com 24% os que acham boa, seguidos dos que acham regular com 5% das respostas. Destaca-se, ainda, que apenas 7% dos alunos acham que a metodologia usada pela professora não facilita a aprendizagem, contra todo o restante, 93% dizendo que sim. Vemos logo abaixo os porquês dos sim e dos nãos assinalados pelos alunos do presídio. Entre as razões que os levaram a marcar o sim, destacamos: P14 “Eles são especiais da educação, na verdade são mais que isso, são mestres da educação.”, P04 “O desempenho dos professores aumenta a vontade de aprender para quando sair, saber viver na sociedade”. Embora esteja em um espaço repressivo, o, professor mantém na sala de aula a valorização da dimensão social e afetiva no relacionamento com os alunos, uma vez que a riqueza da relação pedagógica fundamenta-se, independentemente do espaço em que a escola esteja inserida, nas ‘formas dialógicas de interação’. 153 Ao serem questionados como se consideravam como alunos, todos foram unanimes em dizer que se consideravam bons alunos. Destaca-se ainda na análise dos dados, o principal motivo que contribuiu para que eles estivessem na 152 GOMES, Luis Flávio. Neoliberalismo, Urbanização desordenada e Miséria = Criminalidade e Violência. Disponível em: <http://www.proomnis.com.br/publique_html/article.php? store=20040705160644153>. Acesso em: 26 set. 2006. 153 ONOFRE, E.M.C. Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar. 2007, p. 26. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 102 situação que se encontram hoje, o que vem somar com a pergunta anterior. Quando questionados da razão que os impediram de estudar na idade certa, responderam que, não estudaram na idade certa por tem sidos obrigados a trabalhar para ajudar na sobrevivência da família, e consequentemente tiveram poucas oportunidades e hoje onde estão, atrás das grades. Dos 33 dos 42 alunos que participaram da pesquisa disseram acreditar que a vida vai melhorar agora que estão estudando, 6 dos 42 que participaram, disseram que vai facilitar um pouco, 2 dos 42 não souberam dizer e apenas 1 disse que não vai fazer diferença os estudos na vida dele. E finalizando o questionário de pesquisa com os alunos encarcerados, temos uma pergunta que é muito pessoal, que mexe com as emoções, os sonhos e esperanças. Você acredita que sua vida vai melhorar agora que está estudando? Falas de alguns: P19 “Porque todo mundo tem chance de mudar e o estudo abre a mente para varias formas de vida mais adequadas, e quem sabe um estudo superior”. P22 assim se posiciona: “Esse é o primeiro passo e a minha primeira chance de provar para todos e a mim mesmo que sou capaz de mudar e de me regenerar”. Já P30 dá foco à família: “Porque tenho dois filhos que estão crescendo longe de mim, e pretendo ser um pai melhor, um filho melhor e um marido, ou seja, um cidadão melhor”. Pelas respostas podemos observar que apesar de estarem numa prisão, alguns com uma semana, outros com quatro, cinco, dez anos presos, carregam consigo a esperança e o desejo de uma vida melhor, com mais oportunidades e mais justa. Para a professora foi elaborado um questionário com dez perguntas abertas. Iniciamos perguntando sobre o seu tempo de atuação na educação prisional, ao que ela nos respondeu que há três anos atua como professora e pedagoga no sistema prisional, ela trabalha na PEVVI que foi o local de nossa pesquisa de campo e também trabalha no IASES, e não dar aulas em outras escolas. Questionada se fez algum curso especializado para dar aulas em presídios, ela nos respondeu que não, mas que é pós-graduada em alfabetização da EJA e nos informou ainda que existe formação para professores nesta área. Sobre a Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 103 metodologia utilizada com os alunos da penitenciária I do Xuri, a professora disse ser diferente, pois “cada unidade tem seu método, procedimento”. Em seguida perguntamos qual a metodologia mais indicada para o ensino na penitenciária do Xuri. Ela destacou a metodologia de Paulo Freire, onde o professor e aluno discutem suas expectativas de vida, busca saber o que é importante para o aluno, procura conhecer suas dificuldades, seus conflitos e realidade para dai leva-los a terem uma visão critica e compreensão do mundo. Na opinião dela, essa metodologia não se aplica apenas na penitenciária do Xuri, mas em qualquer outra. Bem diferente das respostas dada pela maioria dos alunos ao serem questionados sobre a motivação dos mesmos para assistiram as aulas, para a professora os jovens e adultos dos presídios frequentam a sala de aula por causa da remissão de pena. De acordo com a professora, a medida que os alunos começam a frequentar as aulas o seu comportamento muda, amadurecem psiquicamente e o perfil dos que frequentam as aulas é de bom comportamento e se interessam. “Educar é preparar para pensar certo, no sentido de tornar apto a agir, a mudar, a criar, a inovar, criticar, cooperar, a recomeçar ou voltar atrás se for preciso, a ter esperança e comprometimento com o futuro e, ainda, conhecimento”. 154 Por último perguntamos se ela acreditava que os estudos poderiam mudar a vida dos presos, e ela respondeu: Sim. Se não acreditasse não estaria aqui. Acredito que são alunos comuns que mesmo com os problemas que tiveram lá fora são muito capazes de crescimento mental, estrutural. Alguns deles estão aqui por falta de perspectiva de vida, e nós professores estamos aqui para fazer a diferença na vida de cada um que aqui se encontra, que faça com que tenham curiosidades, fatos do momento, pois os mesmos estão privados de liberdade e por ficarem muito tempo trancados minorizam seus crescimento e conhecimentos comportamental e psíquico. 154 LORENZI, G. M. A. C. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EDUCAR OU INFORMAR? Visão Acadêmica, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 129-136, Jul.- Dez./2003. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 104 Ambas as partes questionadas concordam que a educação faz a diferença em nossas vidas, em nossa sociedade, e vimos o entusiasmo deles não só nas respostas escritas, mas, em suas falas, olhares e gestos pela chance recebida, e que foi curioso. Cabe ressaltar que em nenhum momento foi mencionado que a educação é um direito de todos, mesmo que esse direito não tenha chegado a todos. Acreditar é o primeiro passo para que mudanças aconteçam, e acreditamos que a educação contribuirá para ressocialização e reintegração dessas pessoas a sociedade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora o número da oferta pela educação nos presídios seja insuficiente, pois de acordo com os dados das pesquisas a maioria dos encarcerados está fora das salas de aula, ainda que a educação nos cárceres caminhe lentamente; já podemos vislumbrar o início do que pode vir a ser, o que na verdade já deveria ocorrer, todos os presídios com salas de alua e vagas suficientes para todos que quisessem uma chance de uma vida melhor. Não podemos dizer que apenas a educação resolverá a questão da criminalidade e nem mesmo que poderá resolver a desigualdade social mas podemos dizer que ela é um caminho para e que todos deveriam ter o direito de caminhar por ele, pois, assim, como Paulo Freire, cabe a nós envolvidos nesse processo, contribuir para a ressocialização social das pessoas presas. Acredito que seja nosso dever criar meios de compreensão de realidades políticas históricas que deem origem a possibilidades de mudanças. Penso que seja nosso papel desenvolver métodos de trabalho que permitam aos oprimidos (as), pouco apouco, revelarem sua própria realidade.155 Qual a importância da educação formal na vida das pessoas privadas de liberdade afinal? A importância é que a educação o qualifica para o trabalho, a educação traz de volta o sentimento de dignidade, porque com educação ao sair 155 FREIRE, Paulo. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2001, p. 35. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 105 da prisão serão melhores do que quando entraram. Porque a educação devolve o direto de sonhar com uma vida melhor, porque a educação o insere na sociedade. Porque com a educação ele se valoriza e tem valor no mercado. Porque com a educação ele eleva sua autoestima, ele se sente incluído e não mais excluído. Porque com a educação um novo horizonte se abre e sonhos começam a ser possíveis. Abstract: This papers main objective is to address the importance of pedagogy to liberty deprived individuals, which for any reason, had the right of come and go suspended by the law, but which did not loose however the right to respect, dignity, privacy, and physical, psicological and moral integrity. The methodology used in this paper was Case Study, with the data gathering instrument a questionary targeted to encarcerated students - with the teachers also approached -, given that education education is seen as a form to promote social integrity, and knowledge acquisition that allow convicts to ensure a better future for when they return to freedom. Keywords: pedagogy. Education. Prison. Convicts. Freedom. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto 7.626, de 24 de novembro de 2011. Institui o Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei 9394/96. Brasília: Imprensa Oficial, 1996. ______. Constituição (1988). Vademercum Saraiva. 5. Ed. São Paulo, 2011 ______. Ministério da Educação e Cultura- MEC. Plano Nacional de Educação. PNE / Ministério da Educação. Brasília: Inep, 2001. ______. Lei 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. aprova o Plano Nacional de Educação. ______. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 15 out. 2014. ______. Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12433.htm>. Acesso em: 10 set. 2014. ______. Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817> . Acesso em: 04 out. 2014. ______. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Disponível em: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817>. Acesso em: 10 set. 2014. COELHO, D. V.. A crise no sistema penitenciário brasileiro. [on line]. Disponível em: <http:.neofito.com.br/ art.s/penal134.htm>. Acesso em: 02 fev. 2003. FREIRE, Paulo. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2001. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 106 ______. Desafios da educação de adultos frente à nova reestruturação tecnológica. Seminário Internacional Educação e Escolarização de Jovens e Adultos. Brasília: MEC, 1997. FREITAS, Ana Lucia Souza de. Pedagogia da conscientização: um legado de Paulo Freire à formação de professores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001. 250 p. GIL, A. C. Como elaborar projetos de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. GOMES, Luis Flávio. Neoliberalismo, Urbanização desordenada e Miséria = Criminalidade e Violência. Disponível em: <http://www.proomnis.com.br/publique _html/article.php?store=20040705160644153>. Acesso em: 26 set. 2006. GOMEZ, Gregorio R; FLORES, Javier; JIMÈNEZ, Eduardo. Metodologia de La Investigacion Cualitativa. Malaga: Ediciones Aljibe, 1996 378p. JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Educação para jovens e adultos privados de liberdade: desafios para a política de reinserção social. IN: BRASIL. Salto para o futuro: EJA e Educação Prisional. Brasília: SEED-MEC, 2007. JULIÃO, Elionaldo Fernandes. O impacto da educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de execução penal do Rio de Janeiro. Rev. Bras. Educ, Rio de Janeiro, LORENZI, G. M. A. C. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EDUCAR OU INFORMAR? Visão Acadêmica, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 129-136, Jul.- Dez./2003. ONOFRE, E.M.C. Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar. 2007. SALLA, Fernando Afonso. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Annablume, 1999. VIEIRA, Elizabeth de Lima Gil. Trabalho Docente: de portas abertas para o cotidiano de uma escola prisional. 2008. 136f. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 107 O DIREITO À EDUCAÇÃO: CONDICIONANTES DO ACESSO À ESCOLA PÚBLICA DE QUALIDADE NO ESPAÇO RURAL NO MUNICÍPIO DA SERRAES 156 Michele Pazolini Marcelo Lima 157 Mizael Fernandes de Oliveira 158 Resumo: O artigo relaciona o histórico da conquista dos direitos sociais, políticos e civis no Brasil, ressaltando o direito à educação, que se constitui em pressuposto do exercício da cidadania e para o uso consciente dos demais direitos. A metodologia pautou-se em um estudo exploratório qualitativo. Este trabalho objetiva evidenciar a realidade da oferta educativa no contexto dos limites do direito à educação para àqueles que vivem no campo no está município da Serra – Espírito Santo. Essa é uma cidade integrante da região metropolitana que em pleno desenvolvimento econômico, mas que ainda possui graves problemas sociais. A pesquisa revelou que o direito à educação para a população do campo ainda é um grande desafio, pois muitas são as precariedades no funcionamento das instituições escolares. Palavras-chave: Direito à educação. Educação do campo. Qualidade social. Introdução Numa sociedade cada vez mais complexa, as diferenças econômicas e desigualdades não se resolvem pelo processo de acumulação. É na esfera pública, por meio da institucionalização de direitos que a coletividade reconhece que todos devem participar não só da política, mas também da produção da riqueza e do conhecimento. É por meio do Estado, com o fornecimento de determinados serviços públicos que o poder público coloca todos os indivíduos na mesma condição de cidadania. A educação escolar, componente fundamental da democracia está situada na condição direito social que se insere no conjunto de bens imateriais necessários e decisivos na inserção social de todos os indivíduos. Além disso, a educação é elemento básico e imprescindível ao pleno exercício da cidadania, 156 Graduanda no Curso de Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo. ([email protected]) 157 Professor Doutor no Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Membro do OBEDUC- CAPES e PPGE-UFES ([email protected]) 158 Professor Mestre no Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Nova Venécia. ([email protected]) Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 108 bem como ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e usufruir a igualdade de oportunidades. A educação escolar é um direito, certificado, principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, que tem sido tema de muitas elaborações e investigações entre os pesquisadores que indicam alguns avanços, mas na maioria das vezes destacam as inúmeras desigualdades de acesso à educação de qualidade social. Buscando enfrentar esta problemática, este trabalho baseou-se numa metodologia pautada em um estudo exploratório qualitativo e teve como objetivo evidenciar a realidade da oferta educativa no contexto dos limites do direito à educação para àqueles que vivem no campo situado no contexto urbano, no município da Serra – Espírito Santo. O crescimento urbano com incremento nos números da economia e da população local podem não garantir uma oferta escolar e uma estrutura educacional adequadas, sobretudo no que diz respeito às modalidades e para certos segmentos sociais que historicamente tem seu direito negligenciado por parte do poder público nos vários níveis. Na educação do campo é possível identificar um dos setores da oferta escolar que tanto em nível local, como em nível nacional, evidencia várias precariedades que tem a ver com as condições objetivas, mas também pedagógicas das escolas do campo. Neste sentido, cabe dar relevo à oferta das modalidades de ensino que na realidade indicam a incompletude e precariedade do direito à educação escolar para evidenciar os grandes desafios que a educação escolar ainda possui para sua consolidação na condição de direito. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 109 Direito à educação no Brasil Ao longo dos séculos, o direito à educação vem se ampliando nas diversas sociedades e países. No Brasil, encontra-se ainda inconcluso e a educação se constituiu em um processo lento, ambíguo e contraditório (Horta) 159. Já na primeira Constituição (1824) foi prescrita na sua forma gratuita, mas em termos muitos restritos a todos os cidadãos num processo histórico de avanços e recuos. O direito à educação não era descrito e a determinação da gratuidade escolar, sem as devidas prescrições, não era suficiente para assegurar a freqüência e a matrícula. Deste modo, tornou-se necessário determinar, além de gratuita, obrigatória a educação, conceitos esses essenciais para afirmar o direito à “instrução primária”. Ao fim do Império, os embates sobre a gratuidade e obrigatoriedade não avançaram e o poder público não estava interessado em assumir essa obrigação. Na Primeira República, o ensino primário foi definido como gratuito e obrigatório. A educação no Brasil é impulsionada a partir da década de 1930, o Manifesto dos Pioneiros da Educação (1932), que segundo Saviani (2006) 160, propunha-se realizar a reconstrução social pela reestruturação educacional, entendendo, a educação como uma função essencialmente pública, baseando-se os princípios da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade; tem forte influência sobre esse avanço na legislação, bem como a industrialização que começou a ser impulsionada nesta época, se tornam agentes ativos para que os cidadãos fossem minimamente instruídos. A gratuidade, a obrigatoriedade e a educação como um direito são asseguradas na Constituição Federal de 1934, obrigando o poder público a ofertar o ensino primário, bem como fixando a ideia de um sistema nacional de educação. Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrado, pela família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva 159 HORTA, J S B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Caderno de pesquisa nº 104. P. 5-34, Jul. 1998. 160 SAVIANI, DERMEVAL. ET AL. O legado educacional do século XX no Brasil. Autores Associados 2º Ed., 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 110 num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. (BRASIL, 161 CF. 1934, Art.149) Pela primeira vez na história do país a educação passa a ser reconhecida como um direito de todos os cidadãos, sendo designada a sua oferta por parte do pelo poder público e responsabilidade da família. A educação é um direito em si e pressuposto básico para o usufruto dos demais direitos (Carvalho, 2006)162, se constitui enquanto um elo de acesso aos mais variados tipos de bens culturais. A educação também propicia a emancipação do indivíduo, já que por meio dela os indivíduos têm acesso a diversos saberes e conhecimentos que o permitirão participar de maneira autônoma e plena nos diferentes espaços da sociedade (Saveli; Tenreiro, 2012)163. A educação está situada enquanto um direito social. Marshall, em seus estudos históricos sobre os direitos, descreve que os direitos sociais são aqueles que garantem um bem-estar econômico e social mínimo, onde o cidadão pode levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. A educação é elemento básico e imprescindível ao pleno exercício da cidadania, bem como ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e usufruir a igualdade de oportunidades. Segundo Marshall: A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania, e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este tem em mente sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como direito da criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido educado (...). A educação é pré-requisito necessário da liberdade civil 164 (Marshall, 1967, p.73) . 161 BRASIL. Constituição Federal 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 dez. 2014 162 CARVALHO, J M de. Cidadania no Brasil. O Longo Caminho. 3ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, p. 33. 163 SAVELI, E de L. TENREIRO, M O V. A educação enquanto um direito social: Aspectos históricos e Constitucionais. Revista Teoria e prática da Educação, v. 15, n° 2, p. 51-57, maio/agosto. 2012. 164 MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. p.73. Rio de Janeiro: Zahar.1967. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 111 Dessa forma, a educação se constitui como direito genuíno atrelado ao conceito de cidadania, que está direitamente ligado aos direitos sociais, políticos e civis. O direito social refere-se aos direitos ao bem comum, incluem o direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao salário justo. Os direitos civis dizem respeito ao direito à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos políticos como afirma Carvalho (2006)165, “consiste na capacidade de fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar e ser votado” (p. 09) Marshall problematiza a ordem do surgimento dos direitos na Europa, segundo este autor, há uma ordem lógica e cronológica, de tal modo que a introdução de um direito estaria acoplada ao exercício pleno de outro. A conquista destes direitos se deu de grande mobilização nacional, ocorrendo revoluções e reivindicações para que chegassem ao alcance pleno desses direitos. Em grande parte dos países da Europa, o primeiro direito a ser conquistado foi o direito civil no século XVIII, seguido de reivindicação pelos direitos políticos e conquistados no século XIX, e por fim, o exercício da liberdade e a participação política tornaram possível a conquista dos direitos sociais no século XX. José Murilo de Carvalho, em sua obra clássica “Cidadania no Brasil – O longo caminho” compara a ordem do surgimento dos direitos no Brasil com a Europa, atestando que a introdução dos direitos no Brasil, ao contrário de como aconteceu na Europa, não foi resultado de lutas ou mobilizações nacionais. Os primeiros direitos a serem introduzidos foram os direitos sociais na década de 1930, durante a Era Vargas. Nesta fase, os direitos sociais eram tomados como favor à população e serviam a determinados interesses políticos restritos, destoando de uma concepção mais ampla de direito como tal e mais ainda, excluindo a população do campo (Carvalho, 2006) 166. Ao descrever sobre o surgimento dos direitos sociais na década de 1930, o autor destaca a exclusão dos trabalhadores rurais, que na época representavam a maioria da população brasileira, e que não foram contemplados com os privilégios 165 166 CARVALHO, J M de. Op. Cit. p. 09. CARVALHO, J M de. Op. Cit. p. 88. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 112 inerentes das políticas sociais. Somente em 1963 os trabalhadores rurais passam a serem incluídos na legislação social. Contudo, ainda hoje, estes cidadãos têm limitados os seus direitos se comparados aos cidadãos da área urbana, uma vez que as precárias condições de infraestrutura, como estradas, rodovias, ferrovias, hospitais, escolas e demais equipamentos públicos acabam por prejudicar o acesso aos bens coletivos comuns. Isso implica limitar estes cidadãos. Assim, o homem do campo, se torna menos titular de direito que a maioria dos homens na cidade. A Educação Rural: breve contextualização O tema da educação rural apresenta uma ampla discussão e por muito tempo não foi sequer citado nas constituições do Brasil. Por muitos anos, observou-se uma luta para que as políticas públicas pudessem também atender a educação do campo. Os avanços na legislação para a educação do campo são recentes. Nem mesmo na Constituição Federal de 1988 foram assegurados de forma direta os direitos para a educação dos que vivem no campo. Mas, o direito à educação para todos, incluía de forma indireta a população do campo. É consenso que é dever do Estado ofertar uma educação pública de qualidade para todos, mas quando visto de perto, sabemos que as escolas rurais são marcadas por contradições acerca desse direito básico. A educação rural apresenta problemas graves de origem; ou seja, planejada a partir da escola urbana, a escola rural parece tão alienada do seu meio quanto o são também as escolas urbanas para as classes 167 populares (WILLIS, 1991, P. 4) . Neste sentido, observamos certa inadequação das unidades escolares rurais com a realidade do campo, uma vez que, como citado acima, as escolas ali localizadas não são pensadas e planejadas para atender as especificidades e singularidades do público em questão. 167 WILLIS, P. Aprendendo a ser trabalhador Porto Alegre: Artes Médicas, 1991, p.4. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 113 Isso faz com que estas escolas se tornem lugares pouco atrativos e desconectados das reais necessidades dos alunos do meio rural, deixando de atender efetivamente os objetivos para a educação pública do campo, como a LDB propõe em seu artigo 28: Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL, 1996)168. Apesar de a LDB 9394/96, mencionar, pela primeira vez de maneira direta a singularidade da oferta da educação básica no campo, ainda existe uma grande disparidade entre o plano teórico e a realidade educacional vivenciada nas zonas rurais do Brasil. É consenso que é preciso pensar e criar políticas efetivas que atendam as singularidades da população do campo, colocando o homem rural no centro da discussão, como explicita Kolling: O propósito é conceber uma educação básica do campo, voltada aos interesses e ao desenvolvimento sócio-cultural e econômico dos povos que habitam e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças históricas e culturais para que vivam com dignidade e para que, organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação. Não basta ter escolas do campo, ou seja, é necessário escolas com um projeto políticopedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à 169 cultura do povo trabalhador do campo (KOLLING, 1999, p. 29) . Por mais que no campo teórico as discussões e debates acerca das necessidades e especificidades do homem do campo levantem os problemas e carências deste grupo social, a realidade face às prescrições legais ainda se apresenta enquanto contraditória e injusta. Salvo que ainda não conseguimos 168 Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 169 KOLLING, E J. Por uma educação básica no campo. Fundação Universidade de Brasília, 1999, p.29. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 114 observar uma real aplicabilidade efetiva e eficaz dos ricos debates do campo teórico acerca das questões levantadas acima. Como veremos a seguir, os desafios para a educação do campo, nos possibilitarão a compreender como vem sendo assegurado o direito à educação para os moradores que vivem na zona rural do município da Serra - Espírito Santo. A realidade da Educação Rural no município da Serra O município da Serra está localizado na Região Metropolitana da Grande Vitória170 e compreende um território de aproximadamente 551,687 Km² de extensão, se destacando por ser o maior município em tamanho territorial dessa região. Esse município, localizado ao norte de Vitória, distante 28 quilômetros da capital, faz fronteira ao norte com o município de Fundão, ao sul com Cariacica e Vitória, a oeste com Santa Leopoldina e a leste com o Oceano Atlântico. É cortado pela BR 101 a qual favorece seu fluxo de ligação com os principais centros econômicos, industriais e financeiros do país. Este município é dividido em 05 regiões administrativas: Queimado, Calogi, Nova Almeida, Serra–Sede e Carapina. O município da Serra, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é o mais populoso do estado do Espírito Santo com uma população, em 2010, de 409.267171 habitantes com localização 172 predominantemente urbana, 99,3% do total (IBGE, 2010) . Quanto à sua participação no PIB estadual, o município é o segundo mais rico do Espírito Santo. Apresentou, segundo o Instituto Jones dos Santos Neves 170 A Região Metropolitana da Grande Vitória, constituída pelos municípios de Fundão, Serra, Vitória, Vila Velha, Viana, Cariacica e Guarapari, se destaca por ser a região mais urbanizada, populosa e desenvolvida do Espírito Santo. 171 De acordo com a estimativa feita pelo IBGE para o ano de 2014, a população do município da Serra, chegou próximo de 476.428. 172 IBGE. Censo demográfico 2010/2012. Vitória: IBGE, 2012. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=320500&search=espirito-santo|serra> <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=es>. Acesso em: 10 dez. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 115 (IJSN) para o ano de 2012, uma participação de 13,84% do PIB capixaba, ficando atrás apenas da capital Vitória (IJSN, 2012)173. Em contrapartida, em dados sociais, este município apresenta uma discrepância considerável quanto aos dados econômicos. O município da Serra é o município com a maior taxa de homicídios do estado. O Espírito Santo, segundo os dados do Mapa da Violência 2013, o qual informou sobre os homicídios que envolvem a Juventude no Brasil, é o segundo estado do país com maior taxa de homicídios, chegando a 47,4 assassinatos por 100 mil habitantes. Entre os homicídios de jovens no Brasil, o município da Serra ocupa o 10° lugar, com 187 homicídios para cada 100 mil habitantes (WAISELFISZ, 2013)174. Podemos observar que esse vigoroso desenvolvimento econômico não vem sendo acompanhado pelo desenvolvimento social e humano. A partir dessa constatação geral acerca da realidade deste município, voltaremos à atenção, de maneira pontual, para a educação rural, como veremos a seguir. A pesquisa foi realizada durante o mês de Fevereiro de 2013, na Escola Municipal de Belvedere, com o consentimento da diretora desta escola. Para a realização desta, foram utilizados instrumentos como máquina fotográfica, gravador e diário de campo. A Escola Municipal de Belvedere está situada no distrito de Calogi, zona rural do município da Serra, ficando, aproximadamente, apenas 5 km do centro da cidade. Conta com as seguintes modalidades de ensino: Educação Infantil e Ensino Fundamental (anos iniciais). Assim como nas demais escolas rurais deste município, esta escola não oferta o ensino fundamental anos finais e o ensino médio. 173 IJSN.. Estudos econômicos. PIB Municipal. Vitória, 2012. Disponível em: http://ijsn.es.gov.br/Sitio/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=51&Itemi d=126. Acesso em: 30 dez 2014. 174 WAISELFISZ, J J Homicídios e Juventude no Brasil – Mapa da violência 2013. Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos - CEBELA. Rio de Janeiro 2013. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf. Acesso em: 31 dez. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 116 A Escola Municipal de Belvedere, funciona como “núcleo” de outras 6 escolas rurais dessa região na Serra. Putiri, Santiago, Muribeca, Itaiobaia, Parque Residencial Nova Almeida e Chapada Grande, são as chamadas “classes”, atendendo um quantitativo de aproximadamente 500 alunos, oriundos de famílias de trabalhadores do campo e moradores que trabalham na zona urbana do município. No Brasil, as escolas rurais são marcadas pela alta taxa de abandono e reprovação, denunciando a histórica precariedade do ensino nessas regiões. De acordo com o Censo Escolar de 2012, existiam 75.678 centros de ensino na zona rural. Estudo divulgado pelo Instituto CNA, com base no levantamento do censo, deste total, 508 escolas apresentavam problemas graves de infraestrutura, em que, dentre outros problemas, não apresentavam água filtrada, esgoto sanitário e energia elétrica. (ICNA, 2012)175. Esse descaso do Estado brasileiro para com as escolas rurais tem comprometido a sua manutenção e bom funcionamento. De acordo com o Censo Escolar (2000 – 2011), 40.935 estabelecimentos de ensino localizados na zona 175 ODSC / IEPSA Observatório das desproteções sociais no campo. Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais e do Agronegócio. Escolas Esquecidas. Edição 2014. Disponível em: http://icna.org.br/sites/default/files/artigo/escolas_esquecidas_edicao2014.pdf. Acesso em: 01 jan. 2015. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 117 rural do país deixaram de funcionar entre os anos analisados, correspondendo a 35% do total (BRASIL, 2011)176. O Espírito Santo, neste contexto, figura entre os 10 estados brasileiros que mais tiveram escolas fechadas entre os anos de 2000 a 2011, correspondendo a 45,28% das escolas rurais capixabas (BRASIL, 2011)177. Esse movimento de esvaziamento da educação do campo agrava um processo mais amplo de migração econômica que também passa a ter um componente escolar importante. Para os que ficam nas localidades longe das unidades que permanecem funcionando constata-se a imposição de longos percursos que na maioria das vezes não conta com o devido suporte logístico do poder público regional ou local. Esta situação conflita com as prescrições legais contidas na LDB e no Estatuto da Criança e do Adolescente, que determinam que os alunos tenham o direito de estudarem próximos aos seus domicílios. No município da Serra, esta situação parece ser mais latente, uma vez que dado o baixo número de estabelecimentos de ensino na zona rural (7 unidades), poderá provocar a vinda forçada destes alunos do campo para estudarem nas escolas urbanas, aumentando ainda mais a dificuldade de acesso à educação. O referido município tem aproximadamente, 2817 moradores, segundo o censo demográfico (IBGE, 2010)178, vivendo na área rural e apresenta cada vez mais dificuldade de fixação do homem do campo, dadas as especificidades do setor primário, e, ao mesmo tempo apresenta um vertiginoso processo de crescimento populacional urbano. A realidade encontrada pelas escolas rurais da Serra, neste contexto, merece atenção especial e urgente por parte do poder público municipal. Sem o devido respeito ao direito à educação dos alunos e correspondente investimento 176 BRASIL, Censo Escolar 2000-2011 Educação Básica Disponível em: <http://dados.gov.br/dataset/microdados-do-censo-escolar> <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_c enso_educacao_basica_2012.pdf>. Acesso em: 01 jan. 2015. 177 BRASIL, Censo Escolar 2000-2011 Educação Básica. op. cit.10. 178 IBGE. Censo demográfico 2010/2012. Vitória: IBGE, 2012. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=320500&search=espirito-santo|serra> <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=es>. Acesso em: 10 dez. 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 118 público no espaço escolar, as unidades de ensino tornar-se-ão ainda mais vulneráveis, podendo vir a fechar as portas tanto por falta de alunos quanto por falta de condições que retroalimentam a própria evasão. Durante a ida a unidade de ensino, pode-se observar situações precárias. A escola em questão não possui uma área fixa destinada à biblioteca, possui um refeitório pequeno; não possui nenhuma área recreativa para os alunos; não possui sala de professores, forçando-os a planejar suas aulas no corredor da escola; não dispõe de um funcionário que exerce a função de porteiro, dentre outras. Segundo a diretora desta escola, essas condições de precariedade, somadas a outras, como o escasso fluxo de transporte público coletivo nesta região, acaba, de certa forma, prejudicando a atratividade por parte dos profissionais da educação da rede municipal em querer trabalhar na área rural deste município. Se nesta escola, que é núcleo, encontramos estes agravantes, nas classes (demais escolas rurais) a situação era ainda mais alarmante. As aulas dessas escolas, até o dia 28/02/2013 sequer haviam começado e as aulas da Escola Municipal de Belvedere iniciaram no dia 25/02/2013. Vale ressaltar que as atividades das escolas municipais do município da Serra, haviam começado no dia 04/02/2013. A diretora da Escola Municipal de Belvedere, também administrava as outras seis escolas rurais existentes no município da Serra. Segundo a diretora, se houvesse pelo menos mais um diretor (a), um para ficar na parte pedagógica e outro para a parte administrativa, talvez fosse essa a “solução” para essas escolas rurais. Segundo ela, o seu trabalho se torna difícil, já que a mesma tem que responder por todas as classes e o núcleo, ressaltando que nem todas estão localizadas próximas uma das outras. Ao observarmos a infraestrutura das escolas rurais do município da Serra, constatamos que algumas escolas dependem, exclusivamente, do abastecimento de água através de carros-pipas, como no caso das escolas de Putiri e Santiago. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 119 Segundo a diretora, quando as escolas não são atendidas por este serviço, ficam impossibilitadas de funcionar, uma vez que não possuem o abastecimento mais elementar de água para beber, para limpeza e para preparo de merenda escolar. No que diz respeito ao deslocamento dos alunos, observamos que a maioria mora longe da escola, e conta com o sistema de transporte da prefeitura, que contratam Kombis para o seu deslocamento. Contudo, dada a especificidade da zona rural, em períodos chuvosos o transporte desses alunos fica comprometido, pois as vias rurais se caracterizam por estradas não asfaltadas ou calçadas. A partir da realidade relatada acima acerca das escolas rurais do município da Serra, inferimos que estas estão sendo esquecidas e desfavorecidas se comparadas ás escolas urbanas pela administração pública municipal. Tornandose, assim, espaços defasados e carentes de intervenções eficazes para o desenvolvimento e progresso do ensino ofertado na zona rural deste município. Estes condicionantes podem de certa forma, comprometer a efetividade do direito à educação, já que o acesso, a permanência e a qualidade são violadas de forma ainda mais evidente nas zonas rurais. Tais dificuldades impõem aos alunos muitos obstáculos logísticos e de ordem estrutural que tem origem administrativa e política que estão a minar o direito do aluno de ter uma educação de qualidade. Conclusão Como foi exposto neste trabalho, apesar dos progressos presenciados nas legislações no Brasil acerca dos diferentes direitos dos cidadãos e, especificamente, no campo da educação, observamos uma disparidade entre a teoria e a realidade vivenciada. É sabido que a educação, situada enquanto um direito social se constitui como um ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e usufruir a igualdade de oportunidades. O direito à educação, neste sentido, é entendido como direito fundamental dos cidadãos e assinalado por diferentes teóricos como direito humano. O Estado, Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 120 neste contexto, tem o dever de assegurar a todos a garantia do acesso a este direito fundamental. Contudo, ainda hoje, observamos certa exclusão ao acesso aos direitos de todos os cidadãos. Esta situação se agrava quando direcionamos nossa análise à realidade vivida pela população rural, a qual tem violados, de maneira mais acentuada, os seus direitos básicos. As dificuldades que foram e ainda são encontradas pelos povos do campo na luta por uma educação de qualidade (BREITENBACH, 2011) 179, infelizmente estão longe de serem superadas. Na zona rural do município da Serra, objeto desta pesquisa, pode-se constatar situação discrepante das escolas rurais em relação às demais escolas localizadas na zona urbana. Tal situação se agrava quando se trata do município mais populoso, um dos mais ricos do Espírito Santo cujo crescimento econômico tem sido o maior do estado. Não obstante, este elevado desenvolvimento econômico, não vem sendo acompanhado pelo desenvolvimento humano e social. A educação, neste contexto, parece também não acompanhar este progresso municipal, já que a realidade educacional encontrada, principalmente, na zona rural reforça esta constatação. Ou seja, dadas as condições que estão postas aos alunos e aos demais profissionais da educação do campo, em que os problemas graves de infraestrutura básica das instituições públicas de ensino municipal, somadas as precárias vias de circulação e transporte, bem como à falta de saneamento básico em algumas escolas desta região, acabam por prejudicar diretamente o acesso, a permanência, e de maneira mais acentuada a qualidade da educação oferecida neste contexto rural. 179 BREITENBACH, F V Educação do Campo no Brasil: uma história que se escreve entre avanços e retrocessos. Revista espaço acadêmico, nº 121.jun/2011. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/12304/7068 .Acesso em: 29 dez 2014. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 121 Não estaria, neste contexto, o direito à educação sendo negado a estes alunos? Nossa resposta caminha para validar tal inferência, uma vez que não são dadas as condições mínimas que garantam o acesso e a permanência dos alunos nas escolas municipais da zona rural do município da Serra. Em nossa análise, fica evidente a negligência do poder público em não garantir, de maneira digna, uma educação de qualidade, bem como aparatos necessários para o pleno desenvolvimento da educação rural neste município. Concluímos que a implementação do direito à educação só será possível se existir uma equidade no trato da educação do campo face à educação urbana. Não basta, como vem ocorrendo neste município, transferir os alunos da zona rural para estudarem nas escolas urbanas, diminuindo os já escassos investimentos na manutenção da educação do campo. A nosso ver, esse direito só será garantido e contemplado, se as unidades de ensino rurais passassem a ser pensadas a partir da realidade do campo, reconhecendo os alunos da zona rural como sujeitos dos mesmos direitos dos demais cidadãos, fornecendo a estes no mínimo condições dignas de acesso e permanência nas instituições públicas de ensino. Ou seja, a partir da realidade observada nas escolas da zona rural do município da Serra, inferimos que o direito à educação para a população do campo num espaço majoritariamente urbano ainda é um grande desafio. Identificamos ainda muitas precariedades no funcionamento das instituições escolares que comprometem o acesso do alunado do campo ao direito à educação numa cidade integrante da região metropolitana em pleno desenvolvimento econômico, mas que possui ainda graves problemas sociais. Abstract: The article relates the history of the conquest of the social, political and civil in Brazil, emphasizing the right to education, which constitutes a condition for the exercise of citizenship and the conscious use of other rights. The methodology was characterized in a qualitative exploratory study. This work aims at identifying the reality of educational provision in the law limits the context to education for those living in rural areas in the municipality is of Serra - Holy Spirit. This is a city member of the metropolitan region in full economic development, but also has serious social problems. The survey revealed that the right to education for the rural population is still a big challenge, because many are the precariousness in the functioning of schools. Keywords: Right to education. Rural education. Social quality. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 122 Referências BRASIL. Constituição Federal 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19 dez. 2014 ______. Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. ______. Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009. BRASIL, Censo Escolar 2000-2011 Educação Básica Disponível em: <http://dados.gov.br/dataset/microdados-do-censo-escolar> <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_c enso_educacao_basica_2012.pdf>. Acesso em: 01 jan. 2015. BREITENBACH, F V Educação do Campo no Brasil: uma história que se escreve entre avanços e retrocessos. Revista espaço acadêmico, nº 121.jun/2011. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/12304/7068 .Acesso em: 29 dez 2014. CARVALHO, J M de. Cidadania no Brasil. O Longo Caminho. 3ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. HORTA, J S B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Caderno de pesquisa nº 104. P. 534, Jul. 1998. IBGE. Censo demográfico 2010/2012. Vitória: IBGE, 2012. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=320500&search=espirito-santo|serra> <http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=es>. Acesso em: 10 dez. 2014. IJSN.. Estudos econômicos. PIB Municipal. Vitória, 2012. Disponível em: http://ijsn.es.gov.br/Sitio/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=51&Itemi d=126. Acesso em: 30 dez 2014. KOLLING, E J. Por uma educação básica no campo. Fundação Universidade de Brasília, 1999. MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar.1967. ODSC / IEPSA Observatório das desproteções sociais no campo. Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais e do Agronegócio. Escolas Esquecidas. Edição 2014. Disponível em: http://icna.org.br/sites/default/files/artigo/escolas_esquecidas_edicao2014.pdf. Acesso em: 01 jan. 2015. SAVELI, E de L. TENREIRO, M O V. A educação enquanto um direito social: Aspectos históricos e Constitucionais. Revista Teoria e prática da Educação, v. 15, n° 2, p. 51-57, maio/agos. 2012. SAVIANI, D. História das Ideias Pedagógicas no Brasil. Campinas, SP. Autores Associados, 2007. Coleção memórias da educação. SAVIANI, DERMEVAL. et AL. O legado educacional do século XX no Brasil. Autores Associados 2º Ed., 2006. WAISELFISZ, J J Homicídios e Juventude no Brasil – Mapa da violência 2013. Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos - CEBELA. Rio de Janeiro 2013. Disponível em: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf. Acesso em: 31 dez. 2014. WILLIS, P. Aprendendo a ser trabalhador Porto Alegre: Artes Médicas, 1991. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 123 ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL: ALGUNS ESTUDOS E APONTAMENTOS 180 Paulo da Silva Rodrigues Rogério Drago181 Israel Rocha Dias182 Resumo Este artigo é um recorte da pesquisa intitulada “O programa nacional de alimentação escolar no Espírito Santo: tensões entre estado e mercado no processo pioneiro de terceirização” e tem como objetivo discutir, por meio de um estudo teórico-bibliográfico, sobre o panorama de pesquisa referente a alimentação escolar no Brasil, objetivando, assim, traçar uma parte do “estado da arte” acerca da temática, contribuindo, para que outras pesquisas sejam realizadas com tal foco, uma vez que a temática Alimentação Escolar tem feito parte do debate educativo nacional e internacional tanto no sentido de qualificar os gastos com a alimentação quanto no sentido de mostrar/denunciar a ingerência de muitos recursos. Palavras-chave: Alimentação escolar. Merenda escolar. Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE. Palavras Iniciais Este artigo tem como objetivo discutir, por meio de um estudo teóricobibliográfico, sobre o panorama de pesquisa referente à alimentação escolar no Brasil, objetivando traçar uma parte do “estado da arte” acerca da temática, contribuindo, assim, para que outras pesquisas sejam realizadas com tal foco, já que a temática Alimentação Escolar tem feito parte do debate educativo nacional e internacional tanto no sentido de qualificar os gastos com a alimentação quanto no sentido de mostrar/denunciar a ingerência de muitos recursos. Para tanto, partimos do pressuposto de que os problemas relacionados à alimentação de modo geral sempre estiveram presentes na vida do brasileiro. De acordo com Coimbra et al. (1982)183, é no momento mesmo que se começa a povoar o território, surgindo as primeiras vilas e cidades, que se inaugura o 180 Mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Professor e Diretor de Escolar do Sistema Municipal de Ensino de Vitória-ES. 181 Mestrando em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Pedagogo. Bolsista Capes. 182 Doutor em Educação PUC-Rio. Professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES. 183 COIMBRA, M. A. S. et al. Comer e aprender: uma história da alimentação escolar no Brasil. Belo Horizonte - MG, INAE/MEC, 1982. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 124 “problema de abastecimento” no Brasil. Este problema foi provocado pela escassez da oferta de alimentos localmente produzidos, pois as unidades agrárias dedicavam seu esforço principal às culturas de exportação de alta rentabilidade, e os preços elevados dos alimentos importados. É nesse contexto, em virtude dos problemas causados pela ausência da alimentação dos escolares brasileiros, que, no ano de 1954, foi criado o Programa Nacional de Alimentação Escolar, considerado um dos maiores programas de alimentação escolar do mundo, que, de acordo com Chaves; Brito (2006) 184, tem como principal objetivo atender as necessidades nutricionais dos alunos durante sua permanência em sala de aula, contribuindo não só para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, mas também para promover a formação de hábitos alimentares saudáveis. Percebemos que este Programa, no decorrer de sua história, assume diferentes contornos que estão ligados ao desenvolvimento de políticas inseridas num contexto histórico e social conflituoso e complexo, inerente das sociedades coordenadas pelo Estado e também pelo mercado, refletindo muito as particularidades daqueles que estão no poder. Alimentação escolar: alguns estudos Os anos 1990 representam um marco na história do nosso país no que se refere às mudanças ocorridas no contexto político e econômico. Esse período de transformações e de redefinição do papel do Estado, em defesa do Estado mínimo, colocou o mercado como o agente principal do desenvolvimento social e econômico, o que provocou um aumento das demandas sociais, causadas pela abertura do mercado para um mundo globalizado e pela reestruturação dos sistemas de produção. No decorrer da história do Programa Nacional de Alimentação Escolar, percebemos que as relações entre as instituições, Estado e mercado exerceram 184 CHAVES, L. G.; BRITO, R. R. Políticas de alimentação escolar. Brasília: Centro de Educação à Distância-CEAD, Universidade de Brasília, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 125 fortes influências no desenvolvimento do Programa que, segundo Pereira (1999)185, são instituições criadas pela sociedade para coordenar e controlar a vida social e a produção de bens e serviços, realizada por indivíduos e empresas. O caminho percorrido pelos programas alimentares no contexto histórico brasileiro e mundial se dá de modo complexo decorrente, dentre outros aspectos, do modo como se enxerga a proposta de governabilidade ou assistência. Buscando entender um pouco mais sobre este processo e como ele está sendo visto pelo meio acadêmico, assim como seus possíveis avanços e/ou retrocessos, apresentamos alguns estudos que tiveram, como foco analítico, a merenda escolar, seus programas, modalidades de gestão, dentre outros aspectos correlatos, em diferentes contextos. Nessa perspectiva, Stefanini (1997)186 desenvolveu estudo intitulado “Merenda Escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança no município de Santos”. A partir da reconstituição da história do Programa de Alimentação Escolar no Brasil, a autora investiga, mais especificamente, as contribuições que essa política pública, executada desde a década de cinquenta, ofereceu aos escolares no que tange ao atendimento de suas necessidades nutricionais. Esse estudo abordou também a capacidade potencial da merenda no atendimento de necessidades nutricionais específicas de escolares. Stefanini (1997, p. 85) enfatiza que “a reconstituição da história do Programa de Merenda Escolar permitiu conhecer o seu forte componente político e entender interesses econômicos que sempre o cercaram”. A autora salienta que o principal objetivo do Programa era o de melhorar a qualidade da alimentação e nutrição do escolar, e que “suas metas foram 185 PEREIRA L. C. B. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: PEREIRA, L. C. B.; WILHEIM, J.; SOLA, L. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 1999. 186 STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 126 praticamente constantes ao longo de sua existência: fornecer de 15% a 30% das necessidades energéticas e protéicas dos escolares de 7 a 15 anos de idade” (1997, p. 85)187. Mas, para o alcance desses objetivos, seria necessário oferecer quantitativos diferentes, já que é preciso observar aspectos como idade, sexo e atividade física, e isso não ocorre. O Programa quase sempre apontou a merenda como um meio eficaz para diminuir a prevalência da desnutrição, entretanto as avaliações elaboradas no decorrer de sua existência somente levaram em conta os números das merendas distribuídas e das escolas atendidas, não havendo preocupação com aceitação e eficácia do programa (STEFANINI, 1997, p. 85). Já, os estudos de Arruda e Almeida (2005)188, na tentativa de entender qual é a função de um programa dessa natureza e, ainda, identificar se sua implementação pode possibilitar a ampliação e o consumo de mercadorias, estabeleceram um paralelo entre a fome e o Programa Nacional de Alimentação Escolar em nosso País, procurando não só identificar as necessidades que determinam a sua implementação, as razões indicadas para que a instituição escolar assuma a distribuição de alimentos, bem como apontar a importância e o lugar que o PNAE assume numa sociedade produtora de mercadorias. Segundo as autoras, [...] é certo que a classe trabalhadora tem fome e muito pouco para saciá-la, de vez que, em nossa época, nem sempre consegue vender a “única riqueza” de que dispõe: sua força de trabalho; é certo, também, que o capital tem “fome” (quem sabe mais voraz!) de ampliação de capital, de lucro (ARRUDA; ALMEIDA, 2005, p. 90). A partir dos dados apresentados no estudo, as autoras constatam que “a história do atendimento alimentar de crianças, não por mera coincidência, esteve sempre determinada por interesse de mercado, ou seja, a resposta à fome constituiu sempre um grande negócio” (p. 108). 187 STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997. 188 ARRUDA, E. E.; ALMEIDA, C. M. A mercantilização do Programa Nacional de Merenda Escolar. Intermeio: Revista do Mestrado em Educação. Campo Grande-MS, 2005. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 127 Outro fato importante apontado no estudo de Arruda e Almeida (2005) está relacionado à maneira cínica como a fome é tratada, como se fosse possível combatê-la com a implementação e execução de programas assistencialistas como o PNAE, Programa de Segurança Alimentar, Vales de todo tipo, dentre outros. Arruda e Almeida (2005, p. 109)189 salientam ainda que “a forma de combate à fome consiste, na sociedade capitalista, em oportunidade de expansão do mercado” [...], e, se a escola da atualidade não tem conseguido cumprir com suas funções de ordem pedagógica, cobradas veementemente por todos nós, por que essa instituição tem que assumir mais esta responsabilidade, a de distribuição de alimentos aos escolares? Diante do exposto, podemos considerar que, de qualquer maneira, seja qual for a modalidade de gestão na execução do PNAE, centralizada ou descentralizada, este Programa estabelece fortes vínculos com a questão do mercado. Acreditamos que enquanto houver fome haverá sempre alguém muito interessado em supostamente combatê-la, mas não em saciá-la. Precisamos ressaltar que, além do interesse do mercado, há também os interesses políticoseleitoral-partidários. Exemplo disto é a forma como PNAE vem sendo desenvolvido em quase todo o País, oferecendo apenas uma refeição diária, igualmente servida aos escolares, sem levar em consideração as reais necessidades energéticas e protéicas de cada um, inviabilizando dessa forma o alcance do seu principal objetivo, que segundo Chaves e Brito (2006, p. 19) 190 é “[...] atender às necessidades nutricionais dos estudantes, durante sua permanência em sala de aula, contribuindo para o crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes”. 189 ARRUDA, E. E.; ALMEIDA, C. M. A mercantilização do Programa Nacional de Merenda Escolar. Intermeio: Revista do Mestrado em Educação. Campo Grande-MS, 2005. 190 CHAVES, L. G.; BRITO, R. R. Políticas de alimentação escolar. Brasília: Centro de Educação à Distância-CEAD, Universidade de Brasília, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 128 Entretanto, segundo Stefanini (1997, p. 86)191 Observa-se nos cardápios e nos alimentos oferecidos nas diversas épocas até a atualidade, que nutrientes de importância no quadro epidemiológico da população brasileira, têm sido frequentemente esquecidos, três deles podem ser destacados nesta análise: o ferro, a vitamina C e a vitamina A. Os dois primeiros por serem fatores determinantes da anemia e a vitamina A cuja carência se constitui em um dano social muito presente em áreas do Nordeste se estendendo aos bolsões de pobreza em Minas, Rio de Janeiro, São Paulo e outros. A Declaração do III Congresso internacional de Alimentação Escolar para a América Latina Carta do Recife (CARTA DO RECIFE, 2007)192 recomenda aos gestores públicos e privados, parlamentares, técnicos e sociedade que “a oferta de alimentos no ambiente escolar deve estar adequada às necessidades alimentares e nutricionais específicas de cada faixa etária e as condições de saúde dos escolares”. Sobre essa questão, queremos acrescentar que, se o objetivo principal do Programa é atender às necessidades nutricionais dos estudantes, não seria necessário a realização de um diagnóstico para conhecimento da realidade nutricional dos escolares em cada Município em que o Programa é desenvolvido e, a partir daí, oferecer a alimentação de acordo com suas reais necessidades? A partir do exposto, considerando os objetivos do Programa e a forma como vem sendo desenvolvido, podemos dizer que com a realização de um diagnóstico dessa natureza ficasse evidente a necessidade de um atendimento com refeições diferenciadas, de acordo com as reais carências nutricionais dos alunos, mediante um maior acompanhamento, controle e fiscalização das ações do PNAE, em vez de um suposto atendimento universalizado que desconhece as deficiências nutricionais dos estudantes, em que há oferta da alimentação, mas não há atendimento a todos os escolares. 191 STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997. 192 CARTA DO RECIFE. Declaração do III congresso internacional de alimentação escolar para a América Latina carta do Recife. Recife, de 29 a 31 out., 2007. Disponível em <www.larae.org/doc/cartadorecife.pdf>. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 129 Outro estudo que merece destaque foi desenvolvido por Nogueira (2005) 193 que, objetivando entender acerca do Programa Nacional de Alimentação Escolar como política pública na cidade de Campinas – SP, faz um estudo em que aborda a visão histórica do Programa, sua contextualização histórica, a terceirização e a implementação do programa de alimentação escolar na referida cidade, dentre outras questões que contribuem para o entendimento e estudo aprofundado da proposta de aplicação do programa de merenda. Nessa pesquisa, a autora destaca que historicamente o programa de alimentação escolar, [...] foi o primeiro a utilizar sistematicamente a suplementação alimentar, apresentava-se como um programa organizado, coerente e de grande importância social à medida que atuava como proteção à futura mão-deobra trabalhadora (NOGUEIRA, 2005, p. 18)194. Isso mostra claramente o caráter compensatório que o programa apresentava em sua gênese. No que se refere ao desenvolvimento do Programa em Campinas, a autora destaca que sua implementação foi complexa, pois foi dificultada pela irregularidade de envio dos produtos alimentícios, o que causou grande desperdício desses gêneros, que se estragavam em virtude da expiração dos prazos de validade; pouca aceitação pelo corpo discente dos produtos formulados; falta de infraestrutura material, física e de profissionais capacitados ao desenvolvimento do programa e alto custo; além de uma série de outras dificuldades que inviabilizaram o processo, que seguia um padrão de parceria entre o Governo Estadual e Federal. Diante desse cenário o governo do Estado de São Paulo, em cumprimento à política de descentralização e em iniciativa anterior ao 193 NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, 2005. 194 NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, 2005. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 130 governo federal, desenvolveu o Programa de Municipalização da Merenda Escolar, firmando com os Municípios o Convênio de Municipalização da Merenda Escolar (NOGUEIRA, 2005, p. 45). Esse estudo aponta que o documento norteador da política de descentralização apresenta algumas vantagens relativas ao processo de municipalização do Programa. Dentre as vantagens, o documento destaca a possibilidade de elaboração de cardápio compatível com o hábito alimentar dos alunos, variedade e incorporação de produtos in natura, aquisição de produtos típicos e produzidos na região, impulso na geração de empregos, agilidade na distribuição dos alimentos, dentre outros, que incidiam sobre a diminuição do valor unitário de cada refeição. Apesar disso, a municipalização do Programa não logrou o êxito esperado, pois vários entraves foram detectados, inclusive no próprio corpo do texto legal, contribuindo para o fracasso da proposta, dada a escassez de recursos financeiros a cargo dos Municípios. A autora destaca, ainda, que alguns dos objetivos propostos da municipalização/descentralização não foram atingidos, como por exemplo, a superficialidade da incorporação de alimentos in natura, não incremento do comércio e produção local, além de não envolver a comunidade no Programa. Esses, dentre outros fatores, levaram à proposta de terceirização na gestão do programa em Campinas, a partir de 1997. O governo municipal de Campinas, quando optou em um período da gestão do Programa de Alimentação Escolar, pela terceirização dos serviços, [...], talvez tenha tido a visão empresarial, mais do que a visão da política pública de caráter educacional que representa a prestação desse serviço aos alunos da escola pública (NOGUEIRA, 2005, p. 141)195. A autora salienta que a implementação do modelo de gestão terceirizado do Programa teve inúmeras desvantagens, inclusive com o fato de que os cardápios eram elaborados por empresas sem definição de quantidade per capita dos alimentos; falta de especificação técnica cujas cozinheiras terceirizadas eram 195 NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, 2005. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 131 responsáveis pelo controle da alimentação oferecida; ausência de fiscalização e controle quanto ao recebimento e repetição dos produtos recebidos; salários inferiores das cozinheiras aos pagos pela prefeitura, dentre outros, que culminaram com a ineficiência e ineficácia do programa na modalidade de gestão terceirizada. A autora considera ainda que: Os diversos entraves na implementação da terceirização ocorreram por inexistência de um plano de gestão que contemplasse o elo entre o plano de desenvolvimento e os resultados; adequação das estruturas dos processos, das pessoas e dos sistemas de informação e de capacitação (NOGUEIRA, 2005, p. 143). Nesse mesmo caminho, Camargo (2009)196 desenvolveu, no Rio de Janeiro, um estudo intitulado “Contratação de Serviços em Alimentação Escolar: terceirização, um novo conceito de gestão em merenda”, que abordou a terceirização como uma alternativa às formas de gestão do Programa Nacional de Alimentação Escolar. De acordo com Camargo (2009), com a demanda criada pela abrangência do programa, o fornecimento de refeições aos escolares despertou o interesse das empresas especializadas, neste tipo de serviço, que já atuavam junto ao Programa de Alimentação do Trabalhador. O estudo buscou comparar duas formas de gestão de merenda: a terceirizada, modalidade implementada recentemente no município de Barra Mansa (RJ), e a escolarizada, processo de gestão que se caracteriza pela autogestão das escolas no que concerne à produção de refeições para os escolares, processo adotado nas instituições de ensino da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro. A autora salienta que os gestores foram unânimes em afirmar a vantagem da contratação de empresa para a produção da merenda, uma vez que possibilitou aos gestores maior disponibilidade para dar mais atenção às práticas pedagógicas. Mas, no que se refere à adesão à merenda por parte dos alunos, 196 CAMARGO, M. de L. M. Contratação de serviços em alimentação escolar: terceirização, um novo conceito de gestão em merenda. Dissertação, (Mestrado Profissional em Gestão e Estratégia em Negócios). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2009. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 132 nas três escolas pesquisadas foi semelhante, situando-se abaixo do que seria considerado ideal. Entretanto, os motivos que levam a não aceitação da refeição escolar divergem, evidenciando a necessidade de adequação dos cardápios e de promoção de atividades que têm por finalidade a educação alimentar. Outro estudo que merece destaque pela sua abrangência e, ao mesmo tempo, especificidade, foi o realizado por Pipitone (1997) 197. A pesquisa intitulada “Programa de Alimentação Escolar: um estudo sobre descentralização, escola e educadores”, teve como objetivo central “identificar e problematizar qual tem sido o papel reservado à escola e aos educadores no desenvolvimento do PNAE, pelos órgãos oficiais propositores desse Programa e pelos intelectuais que publicam suas ideias sobre o tema”. Além disso, a autora buscou entender as inovações relativas à administração no processo de consolidação da descentralização do Programa no Estado de São Paulo. Para tanto, a autora fez um estudo em várias cidades do estado de São Paulo, considerando tanto a legislação em vigor, como documentos oficiais numa íntima associação com a pesquisa de campo, realizada através de questionários enviados a um número relativo de cidades paulistas. O estudo em questão aborda a história do Programa, situando-a em quatro décadas a partir de uma análise dos arquivos brasileiros de nutrição; os dados coletados na pesquisa de campo realizada nos Municípios paulistas com foco na descentralização do PNAE, como fenômeno que marca a política social brasileira a partir dos anos 1980; finaliza enfocando/analisando o papel que a escola e os educadores têm desempenhado na história do Programa Nacional de Alimentação Escolar. De acordo com a autora, uma análise mais atenta do Programa e a implementação da proposta de descentralização requer o estabelecimento de ações que observe atentamente as complexidades dos processos que decorrem de tal perspectiva, pois, 197 PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas, 1997. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 133 É preciso considerar que um programa público de cunho social, que vem conseguindo acumular quatro décadas de continuidade num país que de modo geral, apresenta indicadores sociais sofríveis demonstra, ao mesmo tempo, sua importância junto à sociedade e junto ao poder público. Ambos os setores devem se dar conta desta importância e dos esforços necessários para a promoção do programa de merenda escolar em termos de qualidade e justiça social (PIPITONE, 1997, p. 117118)198. Dentre as principais conclusões do estudo, Pipitone salienta que há uma ambiguidade entre os modos como a proposta de descentralização é executada. Segundo a autora, A merenda escolar, [...], originou-se no Brasil com a função política de resolver dois problemas, a educação e a saúde com uma só medida pública. [Por um lado] despejar sobre a merenda escolar a função de corrigir quadros de desnutrição, em tempo de salvar a infância brasileira é, por assim dizer, uma missão impossível. [Pois] a campanha nacional de merenda escolar, por força de suas características próprias, institui no Brasil a falsa premissa de que a criança desnutrida não aprende e, consequentemente, de nada adianta ensinar aquele que é desnutrido. Esta premissa trouxe graves consequências ao meio escolar e ao trabalho dos educadores, tendo em vista que a mesma transmite uma interpretação imobilista e fatalista do desempenho escolar de grande parcela das crianças brasileiras (p. 125). Por outro lado, é preciso salientar que, Por ser um programa oneroso, de grande cobertura e de influência junto à economia dos municípios, constata-se que os dirigentes municipais têm valorizado pouco as atividades de avaliação, controle e regulação das atividades da merenda escolar. A descentralização repercutiu, favoravelmente, na melhoria dos cardápios e na aceitação por parte dos escolares. Isto vem ocorrendo em função do aumento do uso de produtos in natura na elaboração das preparações servidas nas escolas. Em corolário a este fato é detectada a diminuição do desperdício dos gêneros adquiridos para a alimentação 199 escolar (PIPITONE, 1997, p. 127) . 198 PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas, 1997. 199 PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas, 1997. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 134 Essa relação complexa e, por que não dizer paradoxal apresentada pela autora, vem mostrar que ainda residem diferentes visões acerca da merenda/alimentação escolar. Ora é vista como uma proposta de salvaguardar a população estudantil dos efeitos da desnutrição, ora é uma possibilidade de incrementar a economia de cidades, estados e até mesmo regiões com a produção e consumo de seus próprios produtos e mão-de-obra. Alguns apontamentos Os estudos teóricos até aqui realizados permitem inferir que o Programa Nacional de Alimentação Escolar tem seu surgimento marcado pela característica suplementar, a partir da necessidade de suprir a carência nutricional da população de baixa renda que frequentava a escola. Porém, os estudos atuais mostram que este Programa, embora não tenha o mesmo caráter, continua como um dos principais programas de governo presentes em todas as esferas governamentais, inclusive com um atendimento universalizado e segundo informações contidas no site do FNDE, “com orçamento previsto em 3 bilhões de reais, para beneficiar cerca de 47 milhões de estudantes, para o ano de 2010” (FNDE, 2010)200. Além disso, pode-se inferir que, no decorrer de sua história, os programas de alimentação escolar assumem diferentes contornos que estão estritamente associados às diversas características regionais dos Estados e Municípios brasileiros e ao desenvolvimento de determinadas políticas, inseridas num contexto histórico e social conflituoso e complexo, refletindo muito as particularidades daqueles que estão no poder que, em muitos casos, agem de acordo com seus próprios interesses ou transferem para as mãos dos agentes do mercado o controle da situação, como aconteceu nos últimos anos com a política de descentralização no Brasil e, segundo Przeworsky (1995) 201, isso tem 200 FNDE, Alimentação escolar. Disponível em <http: www.fnde.gov.br> acesso em 20 de outubro de 2010. 201 PRZEWORSKY, A. Estado e economia no capitalismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 135 provocado não só uma tensão entre as principais esferas da sociedade, mas também uma diminuição do poder de intervenção do Estado. Finalizando, acreditamos que a alimentação escolar poderá contribuir de forma significativa para o desenvolvimento de um trabalho educativo coletivo, envolvendo os Conselhos de Escolas, as Secretarias de Educação, os alunos, os profissionais que atuam nas unidades de ensino, enfim, toda a comunidade escolar no sentido não só de se preocupar em oferecer uma refeição diária aos escolares de todo País, mas também de aproveitar a oportunidade que surge com a execução do Programa, através do importante e prazeroso ato de se alimentar e desenvolver, a partir dessa perspectiva, um conjunto de ações que tenham como objetivo oferecer uma boa refeição aos escolares, formar hábitos alimentares saudáveis e também cuidar da formação plena desses cidadãos. Abstract This article is part of a research entitled "The national school feeding program in the Holy Spirit: tensions between state and market in pioneering process outsourcing" (RODRIGUES, 2011) and aims to discuss, through a theoretical and bibliographical study, the panorama of research related to school feeding in Brazil, aiming thereby to draw a part of the "state of the art" on the theme, contributing so that further research be carried out with such a focus, since the school Feeding theme has done part of the national and international educational debate both in order to qualify as expenditure on food in order to show / denounce the interference of many resources. Keywords: School feeding. School meals. National School Feeding Program PNAE. Referências ARRUDA, E. E.; ALMEIDA, C. M. A mercantilização do Programa Nacional de Merenda Escolar. Intermeio: Revista do Mestrado em Educação. Campo Grande-MS, 2005. CAMARGO, M. de L. M. Contratação de serviços em alimentação escolar: terceirização, um novo conceito de gestão em merenda. Dissertação, (Mestrado Profissional em Gestão e Estratégia em Negócios). Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2009. CARTA DO RECIFE. Declaração do III congresso internacional de alimentação escolar para a América Latina carta do Recife. Recife, de 29 a 31 out., 2007. Disponível em <www.larae.org/doc/cartadorecife.pdf>. CHAVES, L. G.; BRITO, R. R. Políticas de alimentação escolar. Brasília: Centro de Educação à Distância-CEAD, Universidade de Brasília, 2006. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 136 COIMBRA, M. A. S. et al. Comer e aprender: uma história da alimentação escolar no Brasil. Belo Horizonte - MG, INAE/MEC, 1982. FNDE, Alimentação escolar. Disponível em <http: www.fnde.gov.br> acesso em 20 de outubro de 2010. NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de Campinas, 2005. PEREIRA L. C. B. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: PEREIRA, L. C. B.; WILHEIM, J.; SOLA, L. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP, 1999. PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas, 1997. PRZEWORSKY, A. Estado e economia no capitalismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995. STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997. Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014 137 Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014