1
FINANÇAS MUNICIPAIS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS: AS
DESIGUALDADES NA OFERTA EDUCACIONAL DO ESTADO DO ESPÍRITO
SANTO
1
Andreza Alves Ferreira
Flávia Costa Lima Dubberstein
2
RESUMO: Este trabalho tem como objetivo avaliar a distribuição dos gastos com educação nos
municípios do estado do Espírito Santo entre os anos de 2011 e 2012, para isso utilizaremos como
metodologia a análise das receitas, buscando responder como as desigualdades encontradas nos
municípios interferem nos gastos com educação. Desse modo, faremos uma correlação entre a
receita corrente per capita e o gasto por aluno em cada município. Corroborando os estudos sobre
financiamento da educação e os limites da atual política de fundos, no caso do Espírito Santo,
ainda que se possa afirmar que os gastos com educação por aluno estejam acima do mínimo
estabelecido pela média nacional, apresentam assimetrias em consequência do sistema tributário
vigente no país. Assim, de maneira geral, quanto menor a receita líquida per capita, menor o gasto
por aluno. O estudo mostrou ainda que nos municípios mais populosos o gasto por aluno é menor,
visto que concentram o maior número de matrículas.
Palavras chave: Finanças municipais, Políticas educacionais, Direito à educação.
INTRODUÇÃO
Na atual Constituição brasileira, a distribuição de competências legislativa e
arrecadatória entre os entes combinou a existência de competências privativas de
União, Estados e Municípios, ao lado de competência comum de execução e,
finalmente, competência legislativa concorrente para os dois primeiros. Todavia,
essa
normativa
constitucional
não
veio
acompanhada
da
necessária
regulamentação das responsabilidades dos entes subnacionais, principalmente no
que concerne ao provimento das políticas sociais. Especialmente no caso da
educação, vem atualmente suscitando intensos debates em torno dessa
regulamentação visto que, a sua ausência compromete a garantia do direito à
educação com qualidade social para todos.
1
Aluna do Doutorado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Espírito Santo (PPGE-UFES).
2
Aluna do Mestrado em Educação no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do
Espírito Santo (PPGE-UFES).
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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Conforme analisam Fernando Luiz Abruscio e Cláudio Couto (1996)3, o
processo de descentralização das políticas sociais empreendido nos anos 1990,
se deu de forma bastante heterogênea tendo em vista que o País vive grandes
desigualdades regionais e é dividido em vários municípios pequenos. A grande
maioria desses municípios caracteriza-se por baixa densidade econômica, são
dependentes de transferências fiscais e sem tradição administrativa e burocrática.
Os entes locais se tornaram os principais provedores das políticas públicas que
mais diretamente atingem o bem-estar dos cidadãos, como saúde, educação
básica, coleta de lixo, transporte público e infraestrutura urbana.
Com isso, o processo de descentralização das receitas promovido pela
Constituição de 1988, reverteu à expectativa de sua maior distribuição, haja vista
que a execução das políticas públicas também foi descentralizada (ARRETCHE,
2012)4. Somado a isso, o movimento de ampliação da porção das receitas fiscais
da União compartilhadas com os governos subnacionais, será acompanhado pela
“expansão dos recursos do Governo Federal por meio das contribuições sociais,
cujo objetivo deveria ser o financiamento das políticas sociais”. Na prática a
Constituição implantou um federalismo fiscal duplo: por um lado criou mecanismos
de transferência de grande parte dos recursos arrecadados por meio dos
principais tributos federais – IR e IPI – para estados e municípios; por outro, criou
contribuições sociais para financiar as responsabilidades sociais da União (LEITE,
2009, p. 318)5.
Todas essas mudanças além de reduzirem o espaço de autonomia
financeira e fiscal dos entes federativos não incluíram a União nos rigores da lei.
Esse quadro, segundo Maria Hermínia Tavares de Almeida (2005, p. 38) 6 gerou
3
ABRÚCIO, Fernando Luiz e COUTO, Cláudio. A Redefinição do Papel do Estado em Âmbito
Local. São Paulo: São Paulo em Perspectiva. 10(3):40-47, 1998.
4
ARRETCHE. Marta Tereza da Silva. Democracia, federalismo e centralização no Brasil. Rio
de Janeiro: FGV; Editora Fiocruz, 2012.
5
LEITE, Cristiane Kerches da Silva. Descentralização das Políticas Sociais no Brasil: o lugar dos
estados no processo de municipalização. Revista de Política hoje, vol. 18, n. 2, 2009. P. 306-340.
Disponível em: < file:///C:/Users/USUARIO/Downloads/33-128-2-PB%20(1).pdf>. Acesso em 12 de
janeiro de 2013.
6
ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de. Rescentralizando a federação? Revista de Sociologia
Política,
Curitiba,
nº
24,
jun.,
2005,
p.
29-40.
Disponível
em:<
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782005000100004>. Acesso em
10 de abril de 2013.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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“tendências descentralizadoras e impulsos centralizadores que se materializam
em instituições que fizeram da federação um arranjo cooperativo complexo”, no
qual governo federal, estados e municípios se articularam de maneiras diversas
nas diferentes áreas de ação governamental. Ademais, o padrão de relação fiscal
que predomina privilegia as articulações entre o governo central e cada um dos
governos municipais, o que dificulta a integração de políticas e a formação de
redes de serviço. Isto ocorre porque da receita final dos municípios, 80% dos
recursos são derivados de transferências e, dessas, 50% são derivados da União
(ABRUCIO, 2010)7.
Apesar da autonomia advogada pela Carta Magna, os finais dos anos 1990
serão marcados pela atuação centralizada e verticalizada da União no processo
de definição das políticas educacionais e, principalmente no que se refere à
divisão das responsabilidades e competências das esferas em relação às etapas
da Educação Básica. Essa ação de cunho indutor visou não somente este
ordenamento, mas claramente denotou uma forma da União reduzir seus custos
com a Educação Básica. Para tanto, utilizou-se de artifícios dos quais os governos
subnacionais se viram praticamente obrigados a aceitar.
Não é nosso objetivo neste estudo aprofundar a dimensão do financiamento
da educação. Contudo, esta é uma dimensão relevante, visto que a gestão fiscal e
tributária afeta a relação entre os entes federados bem como o desempenho dos
sistemas federais (ANDERSON, 2009)8. Afeta ainda diretamente a qualidade da
oferta educacional. As disparidades presentes nos sistemas de ensino da
educação básica se repercutem nos aspectos relativos à infraestrutura dos
estabelecimentos,
à
formação,
remuneração
e
condição de trabalho dos docentes, bem como no desempenho dos estudantes.
Visando equalizar essas disparidades, foram implementadas algumas
medidas legislativas por meio das Emendas Constitucionais (EC) 14, de 12 de
setembro de 1996, a EC 53 de 19 de dezembro de 2006 e a EC 59, de 11 de
7
ABRUCIO, Fernando Luiz. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas
de aperfeiçoamento. In OLIVEIRA, Romualdo P. SANTANA, Wagner. Educação e federalismo no
Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNESCO, 2010.
8
ANDERSON, George. Federalismo: uma introdução. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
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novembro de 2009. A EC 14 foi responsável pela instituição do Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do
Magistério (FUNDEF) que, ainda na década de 1990, provocou alterações no
arranjo institucional das políticas educacionais. Esse modelo de financiamento,
conforme analisa Cury (2002, p. 175)9, foi instituído com o objetivo de assegurar a
manutenção e o desenvolvimento do Ensino Fundamental e, ao mesmo tempo,
manter esse nível de ensino como foco das políticas educacionais com o
envolvimento das três esferas federadas, com a prioridade dessa etapa atribuída
aos Municípios. Sendo o seu maior desafio, universalizar o ensino fundamental
que, após ser alcançado, lançou outro desafio: a garantia da qualidade da
educação. Assim, o debate acerca do direito à educação, ultrapassou a fronteira
do acesso, avançando no sentido da permanência com sucesso.
A partir de 2006, com a EC 53, a educação básica foi contemplada por meio
do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação, o FUNDEB. Esse fundo de natureza
contábil teve início no ano de 2007 alcançando sua plenitude em 2009, quando
atingiu todo universo dos alunos da educação básica da rede pública presencial, e
os percentuais de receitas que o compõe auferiram os 20% de contribuição.
Para José Marcelino de Rezende Pinto (2012)10, houve um retrocesso da
atual política de financiamento, o FUNDEB, em relação ao FUNDEF, dado que
este não apresenta, ainda que em perspectiva, em seu cálculo de custo aluno, a
noção de uma educação de qualidade. Esta é uma das variáveis que mais tem
motivado os debates em torno da questão do financiamento da educação
atualmente. No entanto, admite-se que o atual Fundo tem desempenhado um
importante papel na redução das disparidades entre as unidades federadas,
conforme veremos no caso do ES.
Em nossa pesquisa, daremos enfoque ao território do Espírito Santo e seus
municípios, tomando por base o financiamento e o direito à educação pública,
9
CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação Básica no Brasil. Educação & Sociedade, Campinas, v.
23, nº 80 (set. 2002) 168-200.
10
PINTO, José Marcelino de Rezende. Financiamento da educação básica: a divisão
responsabilidades. Revista Retratos da Escola, Brasília, v.6, n.10, p.155-172, jan./jun. 2012.
Disponível em: <http//www.esforce.org.br>. Acesso em 19 de abril de 2013.
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conforme o contexto acima citado, que desde já aponta para um desequilíbrio na
arrecadação e distribuição dos tributos entre os entes federados. Assim, este
trabalho tem como objetivo avaliar a distribuição dos gastos com educação nas
redes municipais de ensino desse Estado entre os anos de 2011 e 2012, por meio
de uma correlação entre a receita corrente per capita e o gasto por aluno em cada
município, além de análise bibliográfica sobre o tema. Os dados sobre as finanças
dos municípios do ES foram coletados no site do Tribunal de Contas do Estado do
Espírito Santo (TCEES) e da Revista “Finanças dos Municípios Capixabas” em
sua edição de 2013.
O período escolhido justifica-se em razão do desempenho das receitas
municipais do Estado que foi de 8,1%, em 2011, e de 8,3%, em 2012. A despeito
desse crescimento, conforme veremos, as duas principais fontes de receita dos
municípios capixabas que são o Fundo de Participação dos Municípios (FPM),
vindos da União, e as receitas do Imposto sobre circulação de mercadorias e
Prestação de Serviços - ICMS, vindos do governo estadual, tiveram desempenho
muito fraco em 2011 e 2012. Afora os royalties, a receita municipal cresceu por
conta dos aumentos ocorridos em outras receitas, como a tributária própria, o
saldo FUNDEB e as transferências para o Sistema Único de Saúde (SUS).
Considerações sobre a descentralização da educação no estado do Espírito
Santo
Os governos do estado do ES, já na década de 1970, alçaram algumas
ações no sentido de criar e estruturar junto às prefeituras seus Órgãos Municipais
de Educação de modo que os Municípios fossem progressivamente assumindo o
ensino de 1º grau, mediante assistência técnica e financeira do Estado
(FERREIRA; COSTA, 2003)11. Porém, esse processo somente efetivar-se-á no
Estado no final da década de 1990, com a implantação, pelo Governo Federal, do
11
FERREIRA, Andreza Alves; COSTA, Everaldo Francisco. O processo de municipalização do
ensino fundamental no Estado do Espírito Santo. 2003. Monografia (Pós-graduação em Gestão
Municipal de Políticas Públicas) - Instituto Saber & Cidadania e as Faculdades Integradas de
Vitória (FDV), 2003.
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Fundef. O estado do ES, neste período, transferiu mais matrículas do Ensino
Fundamental do que previa para os municípios, efetivando a municipalização de
55.000 (cinquenta e cinco mil) alunos de modo que o limite colocado foi
exatamente o cálculo feito pelos envolvidos, da capacidade de financiamento
dentro dos parâmetros estabelecidos pelo Fundef, o que não contribuiu para o
estabelecimento de um processo de cooperação entre Estado e Municípios, avalia
Marluza Ballarini (1999, p. 220)12.
Prova disso é o decréscimo da rede estadual na oferta de matrículas no
Ensino Fundamental entre os anos de 1991 a 2002. Em 1991, a rede estadual de
ensino possuía 57,24% do total das matrículas e a rede municipal 30,4%, no ano
de 2002 esse quadro praticamente é invertido - a rede estadual cai para 40,51% e
a rede municipal aumenta sua participação para 50,25% do total das matrículas
ofertadas para esse nível de ensino. Em 2011, a participação da rede municipal na
oferta das matrículas na Educação Básica chega a 67% e a 73,54% na oferta do
Ensino Fundamental, conforme mostra a tabela abaixo:
TABELA 1: Matrículas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Ensino Médio das redes estadual e
municipal do ES – 2011
Educação Infantil
Rede Escolar
Estadual
Municipal
Total:
Creche
PréEscola
Total
0
0
53.979 79.922
53.979 79.922
0
133.901
133.901
Ensino Fundamental
1ª a 4ª/
Anos
Iniciais
45.747
212.138
257.885
5ª a 8ª/
Anos
Finais
79.807
136.896
216.703
Total
125.554
349.034
474.588
Ensino
Médio
112.592
129
112.721
Total Geral
238.146
483.064
721.210
13
FONTE: ESPÍRITO SANTO (2012)
Em 2013, conforme dados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - 2014)14, a rede municipal do Estado
respondeu por 65,52 % das matrículas no Ensino Fundamental, sendo que a rede
12
BALLARINI, Marluza de Moura. A integração de Ações de Estado e Município. In: Gestão
Educacional: Tendências e Perspectivas. São Paulo: Cenpec, 1999. Série Seminários CONSED. p.
220-223.
13
ESPÍRITO SANTO (estado). Censo Escolar. Vitória, SEDU/GEIAA, 2012
14
INEP. Censo Escolar 2014. Disponível em: <http//www.portal.inep.gov.br/basica-censo>. Acesso
em 15 de abril de 2014 .
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privada ofertou 11,86% do total de 522.376 matrículas nesta etapa. Neste mesmo
ano, os dados nacionais apontam que para um total de 29.069.281 matrículas no
Ensino Fundamental, 55,57% estão sob a responsabilidade dos municípios.
Ficando os municípios capixabas, portanto, acima da média nacional.
Considerando esse cenário, faz-se necessário o estudo acerca da capacidade
financeira dos municípios do Estado no que diz respeito à garantia da oferta
educacional. Para tanto, será nosso propósito, analisar a distribuição das receitas
municipais e sua relação com os gastos com educação.
O cenário da economia capixaba e seus rebatimentos nas finanças
municipais
Os 78 municípios capixabas vivenciaram um período de grande expansão
em suas receitas entre 2004 e 2008, alcançando taxas de crescimento acima de
15% ao ano, período de expansão da economia brasileira e mundial. Todavia,
esse crescimento sofreu uma queda a partir da crise financeira internacional
atingindo a receita total dos municípios capixabas que alcançaram um decréscimo
de -6,3% em 2009, mais intensa que a sentida pelo conjunto dos municípios
brasileiros, que foi de -1,4%, no mesmo ano. Ocorrendo em 2010, uma breve
recuperação da economia e o retorno do crescimento da receita municipal.
No entanto, a crise mundial que estava restrita aos mercados financeiros
desnudou problemas de dívidas nacionais em diversos países europeus, o que
afetou a economia mundial e a nacional, em 2011 e 2012. Além disso, os Estados
Unidos estavam com seu crescimento comprometido e a China, grande
compradora das commodities brasileiras, reduziu o seu ímpeto de crescimento.
Esse contexto causou uma desaceleração na economia do Brasil e arrefeceu a
expansão da receita municipal (FINANÇAS DOS MUNICÍPIOS CAPIXABAS,
2012).15
15
VILLELA, Tania Mara Cursino (org.). Finanças dos Municípios Capixabas. Vitória, v.19, jul. 2013.
Disponível em: <http//www.financasdosmunicipios.com.br>. Acesso em 19 de abril de 2013.
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Contrariando em parte esse quadro, no ES, houve uma explosão nos
valores recebidos a título de royalties e participações especiais de petróleo e gás
natural em 2011 e 2012 em função do aumento da produção nos campos
marítimos localizados ao longo de sua plataforma continental e da elevação do
preço internacional do barril de petróleo. Os royalties contribuíram muito para que
o conjunto dos municípios apresentasse elevadas taxas de crescimento da receita
nesses dois anos. Entretanto, os royalties beneficiam alguns poucos municípios
capixabas. Apenas dez cidades recebem montantes significativos que chegam a
representar mais de 10% de suas receitas.
De acordo com informações a respeito dos municípios, coletadas no
TCEES, desconsiderando-se os valores dos royalties e das participações
especiais, o crescimento da receita municipal no ES foi de 8,1%, em 2011, e de
8,3%, em 2012, taxas consideradas boas. No entanto as duas principais fontes de
receita dos municípios capixabas que são o Fundo de Participação dos Municípios
(FPM), vindos da União, e as receitas do ICMS, vindos do governo estadual,
tiveram desempenho muito fraco em 2011 e 2012. Afora os royalties, a receita
municipal cresceu por conta dos aumentos ocorridos em outras receitas, como a
tributária própria, o saldo FUNDEB e as transferências para o SUS.
O Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ficou praticamente estável
em 2012, com uma alta real de apenas 0,3%. Como os recursos que compõem o
FPM provêm da arrecadação federal do Imposto de Renda (IR) e do Imposto
sobre Produtos Industrializados (IPI), o fraco desempenho desses tributos
impactou diretamente nos repasses municipais do Fundo, em 2012. A
arrecadação do IPI apresentou uma retração real de 7%, em relação a 2011, e o
IR ficou relativamente estável com uma queda de -0,1%, no mesmo período. O
fraco desempenho do IR e do IPI estão relacionados à estagnação da economia
brasileira e às desonerações de IPI concedidas pelo governo federal como medida
de estímulo para alguns setores produtivos.
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Finanças Municipais e as desigualdades na oferta educacional no ES nos
anos de 2011 e 2012
Em 2012, os municípios capixabas receberam R$ 1,38 bilhão do FUNDEB e
repassaram R$ 750,5 milhões para a sua formação. A diferença entre os valores
recebidos e enviados, ou seja, o saldo FUNDEB foi de R$ 627,4 milhões, 7,1% a
mais do que no ano anterior. Os valores repassados por meio do Fundo
repercutiram nos gastos com educação neste mesmo período, implicando numa
elevação de 11,4%, sendo que a capital Vitória foi responsável pelo aumento com
22,4% de todo o conjunto dos municípios do Estado.
Neste ano, o gasto médio com educação por aluno apresentou um
crescimento acentuado em relação a 2011, de 11,4%, passando de R$ 4.514,24
para R$ 5.029,28. Dentre os municípios com os maiores gastos com educação por
aluno,
destacam-se:
Anchieta
(R$
12.569,52),
Presidente
Kennedy
(R$
10.321,51), Governador Lindemberg (R$ 8.108,45), Brejetuba (R$ 7.568,72) e São
Domingos do Norte (R$ 7.549,62). Em contrapartida, Pedro Canário (R$
4.071,56), Sooretama (R$ 3.996,92), Cariacica (R$ 3.928,01), Viana (R$ 3.744,89)
e Guarapari (R$ 3.696,87), ocuparam os últimos lugares no ranking (FINANÇAS
DOS MUNICÍPIOS CAPIXABAS, 2013)16.
Conforme se observa no quadro 1, os dados apontam ainda, que não há
uma diferença significativa entre as regiões no que diz respeito à receita corrente
líquida per capita, tampouco, entre os municípios, sendo que a média entre eles é
de R$ 2.578,53 (dois mil, quinhentos e setenta e oito reais e cinquenta e três
centavos). As regiões Central e Sul apresentaram uma per capita superior à
média, considerando que há um município (Anchieta e Presidente Kennedy
respectivamente) em cada uma delas que possui uma arrecadação entre seis e
quinze vezes maior que os demais.
16
VILLELA, Tania Mara Cursino (org.). Finanças dos Municípios Capixabas. Vitória, v.19, jul.
2013. Disponível em: <http//www.financasdosmunicipios.com.br>. Acesso em 19 de abril de 2013.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
10
Quadro 1 – Receita líquida per capita e gasto por aluno com educação nos municípios do ES – 2012
Gasto com educação por aluno da rede
municipal - 2012 em R$
Regiões e municípios
Receita total
Guarapari
2.049,72
3.926,24
Viana
1.965,04
3.977,24
Cariacica
1.378,20
4.171,72
Sooretama
2.175,16
4.244,90
Pedro Canário
1.782,24
4.324,17
Conceição da Barra
2.626,18
4.328,68
Pancas
1.818,82
4.370,54
Ibatiba
1.989,31
4.570,71
Pinheiros
2.333,59
4.580,38
Irupi
2.263,02
4.584,31
Barra de São Francisco
1.843,21
4.621,52
São Gabriel da Palha
1.974,38
4.648,79
Iúna
1.875,40
4.654,97
Marechal Floriano
2.671,46
4.666,29
Vila Velha
1.679,85
4.700,44
Serra
2.150,25
4.705,18
Cachoeiro de Itapemirim
1.704,11
4.707,66
Iconha
2.732,85
4.752,34
Jaguaré
2.919,72
4.840,70
Nova Venécia
1.998,84
4.872,73
Guaçuí
2.148,53
4.914,03
Colatina
2.068,30
4.949,64
João Neiva
2.563,62
4.973,66
Água Doce do Norte
2.586,10
4.984,89
Castelo
2.087,63
5.064,75
Baixo Guandu
2.127,72
5.106,92
Domingos Martins
2.419,79
5.113,51
Linhares
3.275,24
5.149,22
Apiacá
2.921,59
5.171,82
Atílio Vivácqua
2.908,37
5.197,36
Mimoso do Sul
1.984,89
5.199,25
Piúma
São Mateus
2.952,94
5.210,01
5.227,87
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
11
2.165,57
Santa Teresa
2.624,84
5.241,82
Conceição do Castelo
2.777,36
5.270,36
Ibitirama
2.739,72
5.287,58
Itaguaçu
2.500,85
5.379,17
Vargem Alta
2.666,56
5.461,87
Mantenópolis
2.191,24
5.498,26
Ecoporanga
2.241,33
5.499,23
Marilândia
2.406,50
5.505,33
Mucurici
3.967,36
5.513,25
Rio Bananal
3.044,60
5.556,31
Vila Pavão
2.567,96
5.572,28
Afonso Cláudio
2.041,53
5.584,59
Fundão
2.809,21
5.650,13
Marataízes
3.199,72
5.703,57
Governador Lindenberg
2.593,38
5.712,91
Alfredo Chaves
2.625,90
5.724,60
Aracruz
3.660,72
5.730,26
Dores do Rio Preto
3.097,43
5.740,34
Montanha
2.441,54
5.807,12
São José do Calçado
2.958,49
5.842,84
Santa Leopoldina
2.314,11
5.849,53
Ponto Belo
3.249,13
5.893,74
Rio Novo do Sul
2.259,84
5.976,52
Jerônimo Monteiro
2.629,30
6.024,21
Bom Jesus do Norte
2.269,78
6.126,30
São Roque do Canaã
2.352,69
6.162,51
Santa Maria de Jetibá
2.223,22
6.186,90
Vila Valério
2.649,02
6.201,96
Venda Nova do Imigrante
2.513,72
6.249,11
Boa Esperança
2.707,99
6.288,77
Muniz Freire
2.436,53
6.291,09
Alto Rio Novo
2.733,10
6.296,16
Ibiraçu
2.868,28
6.348,60
Muqui
2.167,58
6.569,80
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12
Laranja da Terra
2.607,15
6.757,84
Itarana
2.738,06
7.027,80
Itapemirim
9.108,09
7.261,84
Vitória
4.530,60
7.722,22
Alegre
2.144,15
7.797,95
Divino de São Lourenço
3.569,72
7.991,33
São Domingos do Norte
2.922,95
8.018,03
Brejetuba
2.654,33
8.038,30
Águia Branca
3.087,91
8.611,52
Presidente Kennedy
30.164,78
Anchieta
TOTAL
11.561,74
10.961,89
2.578,53
13.349,38
5.341,31
Fonte: Elaboração das autoras a partir dos dados do TCEES, 2014.
Conforme se observa, há uma significativa variação dos gastos com
educação entre os municípios capixabas e essa variação guarda relação com
suas receitas líquidas per capita, denotando uma disparidade na oferta
educacional. A respeito disto, é importante lembrar que de acordo com o artigo
211 da Constituição, o papel da União é garantir um padrão mínimo de qualidade
na oferta educacional, de modo que haja uma redução nas desigualdades
existentes no território brasileiro.
Após um esforço para definição do que seria esse padrão, na tentativa de
se fazer real o que descreve o inciso IX do Art. 4º conforme a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB, 9.394/1996), a Campanha Nacional pelo
Direito a Educação17 juntamente com o apoio da sociedade civil construiu o
mecanismo CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial). Este foi compreendido,
conforme Parecer da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação (CEB/CNE) nº8 de 2010, como a materialização do conceito de padrão
mínimo descrito na Carta Magna e na LDB. No entanto, o Parecer ainda aguarda
17
A Campanha Nacional pelo Direito a Educação surgiu em 1999, impulsionada por um conjunto
de organizações da sociedade civil. Instituição que articula mais de 200 grupos e entidades
distribuídas pelo Brasil, tendo como missão atuar pela efetivação e ampliação dos direitos
educacionais gratuitos e de qualidade para todos.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
13
homologação do Ministério da Educação, com fins de que se torne uma
Resolução.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Corroborando as análises sobre financiamento da educação no Brasil e os
limites da atual política de fundos, o caso do ES reforça a ideia de que quanto
maior o número de matrículas, menor o gasto por aluno. Esta situação pode ser
constatada quando analisamos a variável população. Do total de 3.578.067
habitantes, metade (1.707.691) concentra-se na Região Metropolitana da Grande
Vitória (RMGV). Esta região concentra aproximadamente 50% do total de
matrículas, ou seja, 233.021, do total de 505.989 matrículas. À exceção da capital
Vitória, que apresenta um gasto aluno de R$ 7.722,22, acima da média do Estado
(5.341,31), os demais municípios dessa região estão abaixo da média estadual.
Essa situação também de reproduz na região sul, a segunda mais
populosa, com 571.100 habitantes. Ela possui a maioria de seus municípios com
gasto por aluno na média ou acima dela, à exceção de Cachoeiro de Itapemirim
que possui uma população de 192.156 habitantes. Consequentemente, este
município também possui um elevado número de matrículas, um total de 21.838,
representando seis vezes a média de matrículas da região. Dessa forma, cidades
com níveis de receita corrente per capita mais elevados ou com reduzido número
de alunos matriculados na rede municipal tendem a ter as maiores despesas com
estudante, em função da exigência constitucional de vinculação de parte das
receitas à educação.
A partir dos dados relatados e tomando por base o ano de 2011, o estado
do ES não necessitou de complementação de recursos pela União, haja vista que
o valor mínimo nacional gasto por aluno dos anos iniciais do ensino fundamental
foi de R$1.729 (mil setecentos e vinte e nove reais). Todavia, conforme ressalta
Marcelino Pinto (2012), esse valor investido anualmente por aluno, matriculado na
rede pública municipal, se aproxima do gasto mensal de um aluno em uma escola
privada de elite. Por isso a necessidade de uma avaliação que considere o custo
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14
aluno qualidade, caso contrário, os estados que atualmente ultrapassam o mínimo
nacional continuarão sem repasses de recursos necessários para uma educação
de qualidade social. Para uma melhor compreensão da correlação entre gasto e
qualidade, faz-se necessário, portanto, estudos que avancem nesta direção.
ABSTRACT: This study aims to evaluate the distribution of spending on education in municipalities
in the state of Espírito Santo between the years 2011 and 2012, for it will use as the methodology
analysis of revenues, seeking to respond to the inequalities found in the municipalities interfere in
spending with education. Thus, we will make a correlation between current income and per capita
spending per student in each municipality. Corroborating studies on education funding and the
limits of current policy funds, in the case of the Holy Spirit, although it can be said that spending on
education per student are above the minimum established by the national average, have
asymmetries as a result of the tax system prevailing in the country. Thus, in general, the lower the
per capita net income, the lower the per-pupil spending. The study also showed that in more
populated municipalities spending per student is lower, since the highest number of enrollments.
Keywords: Municipal Finance, Educational Policies, Right to education.
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16
IMPLICAÇÕES DOS PROCESSOS DE GESTÃO DEMOCRÁTICA NAS
POLÍTICAS INSTITUCIONAIS DE INCLUSÃO ESCOLAR: O CONSELHO DE
ESCOLA COMO FIGURAÇÃO ESPECÍFICA
Beatriz de Oliveira Andrade – PPGE/UFES18
19
Edson Pantaleão – PPGE/UFES
Reginaldo Celio Sobrinho20
RESUMO
O presente trabalho traz os resultados parciais de um estudo de mestrado que objetiva analisar a
constituição dos conselhos de escola pertencentes ao município de Cariacica/ES – BRA que, no
curso da última década contou com a matrícula de estudantes, público-alvo da Educação Especial.
Buscamos compreender em que medida a presença desses estudantes na escola comum, vem
provocando reflexões e encaminhamentos de cunho pedagógico e político em âmbito institucional.
A pesquisa é de natureza qualitativa, em que assumimos como procedimento principal de coleta de
dados o estudo de documentos oficiais. No desenvolvimento do estudo utilizamos os conceitos de
figuração e poder desenvolvidos por Norbert Elias na obra: “A sociedade de corte”. Decorre daí
nossa compreensão de que os conselhos de escola devam se constituir em espaços formativos e
de ampliação de saberes sobre temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto
escolar.
Palavras-chave: Civilização. Figuração. Gestão Democrática. Inclusão. Poder,
Introdução
No presente artigo busca compreender em que medida a presença de
estudantes, público-alvo da educação especial, na escola comum, vem
provocando reflexões e encaminhamentos de cunho pedagógico e político em
âmbito institucional, por parte do Conselho de Escola vinculado às decisões no
contexto da gestão escolar. Esse movimento refere-se às implicações dos
18
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito
Santo. Professora das Redes Municipais de Educação de Vila Velha e Cariacica/ES-BRA.
[email protected]
19
Doutor em Educação. Professor adjunto do Departamento de Educação, Política e Sociedade, e
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito SantoBRA. [email protected]
20
Doutor em Educação. Professor adjunto do Departamento de Educação, diversidades e práticas
educacionais inclusivas,do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Espírito Santo-BRA. [email protected]
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
17
processos de gestão democrática nas políticas institucionais de inclusão escolar.
Especificamente, o conselho de escola constitui aspecto importante da
mobilização de indivíduos e grupos em torno de interesses diferenciados e
interdependentes.
No que concerne ao debate sobre o processo de inclusão dos estudantes
público-alvo da educação especial, é importante compreender que o conselho de
escola deva se constituir em espaço formativo e de ampliação de saberes sobre
temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto escolar, e
possibilitam a concretização desse processo.
Neste texto, por meio de estudos de documentos oficiais, são destacados
aspectos relativos às políticas implementadas, no percurso da última década, no
município de Cariacica-ES/Bra. Ao longo das discussões, o foco principal foi as
implicações do conselho de escola no processo de escolarização do sujeito
público-alvo da educação especial.
Nas figurações sociais do contexto brasileiro, materializadas nas políticas
recentes, o conselho de escola tem sido convocado para o enfrentamento de
desafios e dilemas decorrentes da sua constituição e de sua dinâmica de
funcionamento.
Para discutir essas questões o aporte teórico está nos estudos de Norbert
Elias, em especial na obra intitulada “Sociedade de Corte”, os conceitos de poder
e figuração, considerando-os como noções fundamentais para compreender
alguns aspectos dos processos de gestão democrática que permeiam a
escolarização dos estudantes público-alvo da Educação Especial em território
brasileiro. Bem como, a partir dessa reflexão, compreender como se estrutura o
conselho de escola na dinâmica do seu funcionamento, em busca do propósito da
inclusão escolar.
Metodologicamente, em contato com a secretaria de educação municipal,
foi realizado o levantamento de documentos que possibilitassem compreender o
processo de inclusão escolar de pessoas com deficiência naquele município.
Especificamente, estudamos aspectos do senso escolar, objetivando sistematizar
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
18
dados relativos ao quantitativo de estudantes com deficiência matriculados no
ensino comum.
Importante destacar que nossa discussão também toma como referência
documentos que tratam da política nacional de inclusão escolar, bem como da
literatura que versa sobre as políticas no campo da gestão democrática.
Na sequência do texto, apresentamos, inicialmente, conceitos apresentados
por Norbert Elias sustentarão os debates e reflexões acerca da temática estudada.
Posteriormente, esses conceitos contextualizados com o município de CariacicaES/Bra em sua configuração política de sistema de ensino, articulada às
possibilidades de implementação de gestão democrática, pela via da atuação dos
Conselhos de Escola. Nesse contexto, trazemos dados relativos à educação
especial, a fim de compreendermos como a escolarização dos sujeitos públicoalvo dessa modalidade de educação tem sido assumida pela política local. Por fim,
sinalizamos alguns indicativos e considerações emergidos do estudo realizado.
Contribuição de conceitos elisianos no debate sobre Conselho de Escola e
suas implicações nos processos de inclusão escolar.
Neste item procuramos trabalhar os conceitos de figuração e poder
desenvolvidos por Norbert Elias21 na obra “Sociedade de Corte”, a fim de
problematizarmos a configuração e atuação dos Conselhos de Escola no contexto
político de inclusão dos alunos público-alvo da educação especial.
Na obra “sociedade de corte”, Elias (2001) nos remete a uma perspectiva
histórico-sociológica como tentativa de compreender, por meio da figuração da
corte, os papeis que cada indivíduo assume nas inter-relações estabelecidas.
Nesse debate, Elias ressalta que nos estudos que objetivam compreender
aspectos da dinâmica que delineia as figurações sociais no curso do tempo,
encontramos certa dificuldade em “[...] falar sobre indivíduos que formam juntos
uma sociedade, ou de sociedades que se constituem de homens singulares [...]”
(ELIAS, 2001, p. 43).
21
ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
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19
Ao desenvolver essa noção, o autor afirma que
[...] os indivíduos singulares que formam uma figuração social específica
entre si podem de fato desaparecer, dando lugar a outros; entretanto, seja
como for essa substituição, a sociedade, e com isso a própria figuração,
será sempre formada por indivíduos [...] (ELIAS, 2001, p. 50).
O autor destaca ainda que as figurações “[...] têm uma relativa
independência em relação a indivíduos singulares determinados, mas não aos
indivíduos em geral [...]” (ELIAS, 2001, p.51).
Apresentando a noção de figuração, Elias (2001) destaca que a existência
social somente é possível a partir das interdependências que os indivíduos
estabelecem. Essas interdependências expressam um equilíbrio de poder que, no
curso do tempo e a partir das tensões e conflitos vividos, pode ser mais estável,
difuso ou mais elástico. No caso específico da sociedade de corte, Elias
exemplifica o papel do rei e suas relações com a corte. Na discussão apresentada
pelo autor, “[...] com auxílio de tais modelos é possível verificar o espaço de
decisão de um único indivíduo dentro de sua cadeia de interdependências, o
âmbito de sua autonomia e a estratégia individual de suas tendências de
comportamento” (Elias, 2001, p. 56).
Estudando as estruturas particulares da sociedade de corte, Elias (2001, p.
27) observa “[...] uma população já bastante diferenciada em suas funções,
ocupando um território relativamente vasto, que era governada a partir de um
mesmo ponto central [...]”. Essa percepção evidencia uma forte tendência das
sociedades ocidentais medievais em concentrar o poder em uma única posição
social. Contudo, o autor observa que, em sociedades de outras épocas e lugares,
por exemplo, “[...] nos grandes reinos da Antiguidade em que o governo era
centralizado, na China, na Índia, assim como na França pré-revolucionária de
tempos mais recentes [...]” a tendência em constituir uma elite poderosa e cheia
de prestígio também se faz evidente (ELIAS, 2001, p. 28).
Desse modo, a sociedade francesa não é a única e certamente não foi a
primeira sociedade europeia em que essa mudança estrutural se realizou. De fato,
para o autor, é possível observar esse processo em períodos anteriores,
sobretudo na Espanha e na Itália. Essas sociedades também vivenciaram
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
20
movimentos de centralização e de formação de corte, em conexão com as
distribuições de oportunidades financeiras pelos soberanos e seus representantes.
Contudo, o movimento de centralização francês do século XVII, constituiu a
maior e mais numerosa unidade de corte da Europa, com controles centrais que
funcionavam efetivamente. Essa condição social e histórica alcançada pela corte
francesa pode ser observada, com grande clareza, nas cenas registradas por Elias
(2001) que toma aquela corte como seu objeto para compreender o surgimento de
uma sociedade que tem como centro seu próprio cenário, ditando as regras e
condutas sociais das monarquias que colaboram para a manutenção do poder e
da honra.
O autor nos reporta ao cenário de sociedade de corte onde o rei Luís XIV
exerce e demonstra seu poder ao se relacionar de maneira estratégica com seus
súditos, desenvolvendo neles uma dependência de favores reais e de prestigio por
sua gloria, mantendo o centro do poder das sociedades do antigo regime. As
relações vividas nessa sociedade em busca do poder e do prestigio também
apontam o casamento como um ato simbólico para manter a nobreza e a fortuna.
Ao longo da obra, é possível perceber que a preservação do poder do rei se
dá na sociedade de corte a partir da amplitude de seu poder, e “[...] quanto maior a
dependência direta de todos os cortesãos em relação a ele, mais pessoas se
concentravam em torno do rei. Ele amava, desejava tal concentração, que
também era uma maneira de glorificar sua existência” (ELIAS, 2001, p. 151).
Para o rei sustentar a sua margem de poder e certo distanciamento de seus
súditos, a etiqueta e o cerimonial constitui elementos fundamentais no
entrelaçamento de dependências mútuas e disputas entre os cortesãos.
De modo semelhante, as habitações e suas diferentes caracterizações na
corte também determinam o poder e a posição social, oferecendo segurança,
conforto, beleza e mantendo a centralidade do rei naquela figuração.
Nos termos do autor, “[...] cada um dos hotéis foi construído, originalmente,
para um determinado cliente, para uma determinada ‘casa’; e o arquiteto esforçouse em tornar visível de imediato, na configuração e na ornamentação do hotel, a
posição social de seu habitante” (ELIAS, 2001, p. 79).
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
21
Assim, Luís XIV mantinha as articulações, para que a unidade do seu reino
não se perdesse com o equilíbrio das tensões que balizavam o cotidiano da corte
na qual vivia. O grau de seu poder perante a corte deixava visível para seus
súditos que ele sempre seria o primeiro dos nobres; que sua hierarquia estava
presente tanto nos modelos de figurações expressas na própria arquitetura dos
espaços físicos do palácio e no equilíbrio de poder vivido nas inter-relações
sociais. Neste ponto, vale destacar que os processos de distribuições de chances
de poder entre indivíduos e grupos não existem em si mesmos, isolados das
tensões, conflitos e dilemas que fundamentam as inter-relações humanas. O
poder é um elemento constitutivo das figurações. Em Elias, toda relação é relação
de poder. Seja mais ampliada ou mais restrita, um indivíduo sempre ocupa uma
margem de poder nas inter-relações que constituem.
No trabalho investigativo que realizou, Elias (2001) compara essa forte
pressão existente na competição por prestigio em sociedade de corte, com as
competições pelo acúmulo de capital que fundamentam a existência social nas
sociedades industrializadas. A consolidação do Estado Moderno pautou-se na
legitimidade de instituições sociais que colaboraram tanto no controle da
população, quanto no controle da máquina e seus cargos administrativos,
justificando a pertinência de um estado moderno capitalista e burocrático cada vez
mais centralizado.
Nesse processo, algumas crenças ganharam maior centralidade e,
portanto, passaram a delinear as “regras” do jogo social vivido. Em nossas
sociedades recentes, marcadas pela noção de Estado de direito, essas crenças e
concepções podem ser sistematizadas por meio de leis. A lei se constitui, então,
em um aspecto importante do processo de legitimidade e de consolidação de
determinadas expectativas de vida em sociedade. Uma vez que, entre outros
diversos fatores, ela tem a função de nortear, motivar e organizar os patamares
das sociedades independente dos níveis sociais e da estrutura econômica do
indivíduo.
Esse debate nos reporta a uma concepção de política como a ação ou o
conjunto de ações que realizamos para manter ou superar uma situação social
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22
específica. Nesse sentido, a política não tem fim em si mesmo, pois é processual.
Ela emerge num fluxo de tensões que se expressa na ação dos indivíduos e
grupos, quando se colocam o desafio de solucionar e/ou de dar encaminhamentos
às tensões vividas.
Com as argumentações de Elias (2001), fica evidente que com a
constituição do estado de direito vivenciamos um processo crescente de
alargamento da participação popular nas organizações de massas de caráter
partidário e político. Essa dinâmica vem provocando uma série de alterações mais
globais na sociedade, delineando novos conflitos e tensões na arena social. É
que, paulatinamente, um número cada vez mais amplo de indivíduos passa a ter
acesso às instâncias formais de elaboração dos projetos e das legislações que
fundamentam a organização social, redimensionando suas chances de intervir
mais diretamente na concretização dos direitos sociais. A educação escolar
assume importância cada vez maior nesses debates. Decorre daí a acentuada
preocupação em garantir, por meio de legislação específica, uma gestão
democrática da escola pública. Expectativa que se concretiza na participação da
comunidade local nos debates em torno da “escola desejada”.
No item seguinte apresentamos dados que nos ajudam a compreender o
contexto do município, foco do nosso estudo, nos aspectos relativos à sua
configuração como sistema de ensino, às possibilidades de implementação da
gestão democrática, à configuração dos Conselhos de Escola, e aos dados
relativos à educação especial, com o propósito de compreendermos como a
escolarização dos sujeitos público-alvo dessa modalidade de educação tem sido
assumida pela política local.
A educação especial nas figurações da política municipal: o lugar do
Conselho de Escola.
O município de Cariacica-ES/Bra integra a região metropolitana da Grande
Vitória, que é composta por sete municípios, a saber: Vitória, Vila Velha, Serra,
Cariacica, Viana, Guarapari e Fundão. Com uma área territorial de 279,98 km²,
Cariacica tem uma população estimada para o ano 2014 de 378.915 habitantes,
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
23
de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
É um município que tem tido um crescimento populacional significativo nos últimos
anos. O Censo Demográfico do ano de 2010 apresentou uma população de
348.738 habitantes. Tal crescimento tem provocado tensões nas figurações que
constituem as políticas públicas municipais. Entre elas, a oferta de educação
pública para a população.
Em 2013, o município contou com 47.942 matrículas de alunos nas escolas
de sua dependência administrativa. Entre os quais, 1.663 são estudantes públicoalvo da educação especial.
Na
trajetória
das
transformações
sociais,
econômicas
e
políticas
percebemos que os governos locais expressam preocupações mais evidentes
relativas à necessidade de atender às demandas de escolarização das pessoas
com deficiência. Foi nesse percurso histórico que o município de Cariacica, a partir
da política nacional, instituiu seu Sistema de Ensino, incorporando o Conselho
Municipal de Educação nas articulações das políticas locais vinculadas à oferta de
educação para a população.
Sobre os sistemas de ensino, vale ressaltar que a Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96)22, em seus artigos 14 e 15, dispõe
que estes definirão as normas da gestão democrática do ensino público na
educação básica, assegurando às unidades escolares que os integram,
progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão
financeira.
Além disso, a LDBEN afirma que a União é responsável pela coordenação
da política nacional de educação, e da articulação entre os diferentes níveis e
sistemas de ensino. A educação nacional está, pois, organizada em três sistemas
de ensino distintos: federal, estadual e municipal, conforme a dependência
político-administrativa. Cada um deles é responsável pela organização e
manutenção das instituições de ensino de seu sistema e, também, pela
elaboração e execução de políticas e planos educacionais.
22
BRASIL. Lei n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da
educação
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
24
Nesse contexto, o município de Cariacica se configurou como sistema de
ensino, a partir da Lei nº 4.373 de 10/01/2006, passando a assumir, além da
responsabilidade
da
oferta,
a
responsabilidade
de
regulamentação,
acompanhamento e fiscalização dos serviços educacionais ofertados pelos
estabelecimentos que compõem o seu sistema.
Fica instituído o Sistema Municipal de Ensino no Município de Cariacica,
incumbindo à Administração Municipal de coordenar a política Municipal de
Educação e a gestão da educação básica, integrando-as às políticas e aos
23
planos educacionais da União e do Estado (Lei nº 4.373, art.1º) .
A instituição de normas e parâmetros legais para a regulamentação e
regulação do funcionamento da ordem social nas figurações das sociedades
recentes, remete-nos aos argumentos de Norbert Elias (1993) sobre a sociedade
industrial, quando destaca que
[...] A cristalização de formas legais gerais por escrito, que é parte integral
das relações de propriedade na sociedade industrial, pressupõe um grau
muito alto de integração social e a formação de instituições centrais
capazes de dar à mesma lei validade universal em todas as áreas que
controlam [...] (ELIAS, 1993, p. 62).24
Nesse percurso, para atender à crescente demanda escolar, há no
município de Cariacica escolas públicas e privadas. No setor das instituições
privadas de ensino, existem escolas que ofertam desde a educação infantil ao
ensino superior. No setor público, há escolas tanto da rede municipal, estadual e
federal, atuando em diferentes níveis de ensino.
Para atender à demanda das 47.942 matrículas na rede municipal de
educação em 2013, o município contou com 43 centros de educação infantil e 59
escolas de ensino fundamental. Desse contingente de matrículas, como já
destacamos, os 1.663 alunos público-alvo da educação especial estão distribuídos
nas diferentes escolas, comungando com a política nacional de educação
inclusiva.
23
CARIACICA lei nº. 4.373, de 10 de janeiro de 2006. Institui o sistema municipal de ensino de
Cariacica e dá outras providências.
24
NOBERT ELIAS O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Tradução: Ruy
Jungman. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1993, 2º v.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
25
O quadro abaixo sintetiza o número de matrículas dessa população de
estudantes por tipologia e etapa de ensino da educação básica, destacando
aqueles que frequentam a educação de jovens e adultos e os que são atendidos
pela Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em atendimento
educacional especializado, na modalidade complementar e/ou suplementar.
Quadro 1 – Matrículas de alunos público-alvo da educação especial em 2013.
Altas Habilidades
01
Matrículas
Ens.
Fundamental
14
Deficiência Física
11
41
01
08
Deficiência Mental
44
243
36
137
Deficiência Múltipla
20
71
04
95
Surdez
11
34
05
01
Transt. Globais do
Desenvolvimento
Deficiência Visual
51
101
07
34
13
44
00
02
Nec. Ed. Esp. - Sem
especificação
Total de alunos
155
721
35
00
306 alunos
1.269 alunos
88 alunos
277 alunos
TIPOLOGIAS
Matrículas
Ed. Infantil
Matrículas
Ed. Jovens
e Adultos
00
Atendidos na
APAE
00
Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Cariacica-ES/Bra.
O levantamento das matrículas dos alunos público-alvo da Educação
Especial, disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação, evidenciou que
esses dados nos apontam diferentes possibilidades de análise. Inicialmente
focamos no que se refere ao diagnóstico tardio desses sujeitos, muitas vezes
fundamentados em expectativas que confundem deficiência e doença por um lado,
e a necessidade de assistência social, por outro.
Na constituição de um Estado moderno industrial, às vezes, as famílias
destes estudantes se colocam numa condição de interdependência com a
organização estatal que se configura na perspectiva da filantropia e solidariedade.
Pois, como características das sociedades recentes, parece que somente quando
esses sujeitos passam a compor grupos que participam mais intensivamente do
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26
meio produtivo, suas habilidades e competências passam a constituir o quadro
identificador de suas limitações.
Nesse contexto do debate que emergem as discussões em torno da
constituição e atuação dos Conselhos de Escola como instâncias políticas de
mobilização da comunidade local para suas reivindicações dos direitos sociais
educacionais. Conforme prerrogativas da LDBEN nº 9.394/96, em seu artigo 14,
determina que os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática
tendo como um dos princípios a participação das comunidades escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes.
Constituindo-se com essa figuração específica, o Conselho de Escola se
estrutura em aspecto importante na mobilização de indivíduos e grupos em torno
de
interesses
diferenciados
e
interdependentes.
Sendo
composto
por
representantes da comunidade escolar, tem a possibilidade de se configurar com
determinada margem de poder. Principalmente no que se refere às decisões no
âmbito da gestão da escola e dos processos de escolarização dos alunos públicoalvo da educação especial, a partir de debates que tencionam as noções de
deficiência, infância e o papel do Estado na garantia dos direitos sociais.
Assim, ao refletir sobre o quantitativo de estudantes, o sistema de ensino
necessita articular políticas que possam garantir a escolarização dos indivíduos a
partir da primeira etapa da educação básica. Nesse caso, há de se pensar as
dificuldades enfrentadas por esse sistema em termo de recursos financeiros,
condições de trabalho dos profissionais da educação, ausência de vagas nas
unidades de ensino, situação arquitetônica dos espaços escolares e o lugar que
estes estudantes ocupam nas perspectivas de desenvolvimento do governo.
Quadro que retrata a figuração estrutural, política e histórica do município de
Cariacica no atendimento às suas demandas.
Com
o
contexto
apresentado,
percebemos
a
necessidade
da
implementação de políticas locais para atender aos sujeitos da educação especial
no cotidiano das escolas, possibilitando-os o acesso, a sua permanecia e
aprendizagem no decorrer de seus estudos. Pois, concordamos com os
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27
argumentos de Ferreira e Ferreira (2004, p. 24)
25
ao afirmarem que “[...] essas
políticas mais amplas mostram certo nível de compromisso com as pessoas com
deficiência [...]”. Entretanto, continuam argumentando os autores, “[...] em outros
momentos parece prevalecer a questão quantitativa de atendimento mais
compatível com uma política de resultados para justificar compromissos
governamentais no âmbito internacional”
Focalizando, então, o Conselho de Escola na reflexão sobre essas
questões, há que se considerar sua relevância como órgão administrativo que
integra a estrutura da gestão escolar. Com o indicativo de exercer funções
normativas,
deliberativas,
fiscalizadoras e
de
planejamento,
acabam se
configurando com certa margem de poder nas decisões da escola, além da
possibilidade de estabelecer relação política com o órgão central do sistema de
ensino.
O município de Cariacica seguindo o que dispõe o decreto municipal de nº
111, de setembro de 200426, assume as funções descritas acima. E nessa
configuração, cabe a ele encaminhar, quando for o caso, à autoridade
competente, proposta de instauração de sindicância para os fins de destituição do
diretor da Unidade Escolar, em decisão tomada pela maioria de seus membros e
com razões fundamentadas e registradas formalmente.
O mesmo decreto sustenta, em seu artigo 3º, que “os Conselhos de Escola
são centros permanentes de debates e órgãos articuladores de todos os setores
escolares e comunitários, constituindo-se em cada escola, de um colegiado,
formado por representantes dos segmentos da comunidade escolar, de acordo
com as normas estabelecidas neste Decreto”.
25
FERREIRA, Maria C. C; FERREIRA, Júlio R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas
pedagógicas. In: Góes, M. C. R. de; LAPLANE, A. L. F. de. (Orgs.). Políticas e práticas de
educação inclusiva. São Paulo: Autores Associados, 2004, p. 24.
26
CARIACICA, Decreto nº 111, de 01 de setembro de 2004 - regulamenta a implantação dos
conselhos de escola das unidades de ensino da rede municipal de Cariacica e dá outras
providências.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
28
A margem de poder que é evidenciada para o Conselho de Escola no
decreto citado, configurar-se-á a partir das interdependências dos membros da
comunidade escolar que o integrarão. Pois, conforme nos aponta Elias (2001)
essas interdependências expressam um equilíbrio de poder que, no curso do
tempo e a partir das tensões e conflitos vividos, pode ser mais estável, difuso ou
mais elástico.
Assim, as figurações constitutivas do Conselho de Escola terão uma “[...]
relativa independência em relação a indivíduos singulares determinados, mas não
aos indivíduos em geral [...]” (ELIAS, 2001, p.51). Com essa noção, Elias (2001)
destaca que a existência social somente é possível a partir das interdependências
que os indivíduos estabelecem.
O Conselho de Escola, então, numa figuração específica da comunidade
local, estará vinculado às interdependências dos seus membros, e da sua própria
interdependência na relação com o órgão central do sistema de ensino. Fato que,
nas articulações políticas, expressará determinado equilíbrio de poder, mais
estável, difuso ou mais elástico, no curso do tempo e a partir das tensões e
conflitos que viverá. Já que os processos de distribuições de chances de poder
entre indivíduos e grupos não existem em si mesmos, isolados das tensões,
conflitos e dilemas que fundamentam as inter-relações humanas. Pois o poder é
um elemento constitutivo de qualquer figuração (ELIAS, 2001).
No debate sobre inclusão escolar das pessoas com deficiência, o Conselho
de Escola precisa balizar as discussões em espaços democráticos de
participação. Nesse processo, acaba vivenciando significativas tensões no
cotidiano escolar.
Considerando
que
uma
comunidade
escolar
é
heterogênea,
compreendemos que o processo de inclusão não deve buscar uma categorização
dos alunos com ou sem deficiência, pois
A educação inclusiva caracteriza-se como um novo princípio educacional,
cujo conceito fundamental defende a heterogeneidade na classe escolar,
como situação provocadora de interações entre crianças com situações
pessoais as mais diversas. Além dessa interação, muito importante para
o fomento das aprendizagens recíprocas, propõe-se e busca-se uma
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29
pedagogia que se dilate frente às diferenças dos alunos (BEYER, 2006,
27
p. 73).
Esse debate articulado às concepções de deficiência, de infância e de
Estado, acaba imprimindo uma direção específica nas decisões e nos
encaminhamentos políticos e pedagógicos no âmbito das instituições de ensino. O
que também balizam, em grande medida, o equilíbrio de poder entre os membros
do conselho e entre este órgão e a equipe de gestão escolar.
CONSIDERAÇÕES EMERGIDAS DO ESTUDO.
Das reflexões que realizamos até o momento da pesquisa, podemos
observar que nas sociedades recentes, o conselho de escola constitui aspecto
importante da mobilização de indivíduos e grupos em torno de interesses
diferenciados e interdependentes. Nesse sentido, precisa lidar com desafios e
dilemas decorrentes da sua constituição e de sua dinâmica de funcionamento.
Há que se considerar que esse órgão administrativo local se configura
como parte importante das diferentes dimensões sociais e civis que compõem a
comunidade escolar, que no fluxo das tensões cotidianas a respeito de
concepções sobre deficiência, infância e estado, acaba imprimindo uma direção
específica nas decisões e nos encaminhamentos políticos e pedagógicos no
âmbito da instituição de ensino.
Esse debate também baliza, em grande medida, o equilíbrio de poder entre
os membros do conselho e entre este órgão, a equipe de gestão escolar e a
administração
central
do
sistema
de
ensino
municipal,
a
partir
das
interdependências estabelecidas entre os indivíduos nas respectivas figurações.
Nos debates relativos à escolarização de estudantes com deficiência, via de
regra, os conselheiros que representam o segmento do magistério acabam
assumindo centralidade nas decisões, já que são eles que trabalham diretamente
27
BEYER, Hugo O. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In:
BAPTISTA, C. R. (Org.). Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre:
Mediação, 2006, p. 73.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
30
com esses sujeitos. Decorre daí nossa compreensão de que os conselhos de
escola devam se constituir em espaços formativos e de ampliação de saberes
sobre temáticas que, de maneira recorrente, emergem no contexto escolar.
Temáticas sobre as quais, todos os integrantes do conselho devem opinar e
participar efetivamente de seus encaminhamentos.
ABSTRAT
This paper presents the partial results of a study that aims to analyze the Masters formation of
school councils belonging to the municipality of Cariacica / ES - BRA that in the course of the last
decade had the registration of students, special education audience. We seek to understand to
what extent the presence of these students in regular schools, has led to reflections and
pedagogical and political nature of referrals in the institutional framework. The research is
qualitative, in which we take as the main procedure of data collection study of official documents. In
preparing the study used the concepts of figuration and power developed by Norbert Elias in the
work: "The court society" It follows our understanding that school councils should constitute
formative spaces and expansion of knowledge on themes that recurrently emerge in the school
context
KEYWORDS: Civilization. Democratic Management. Figuration. Inclusion. Power.
REFERÊNCIAS
BEYER, Hugo O. Da integração escolar à educação inclusiva: implicações pedagógicas. In:
BAPTISTA, C. R. (Org.). Inclusão e escolarização: múltiplas perspectivas. Porto Alegre:
Mediação, 2006, p. 73.
BRASIL. Lei n° 9394 de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as diretrizes e bases da educação
nacional. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dezembro de 1996.
CARIACICA, decreto nº 111, de 01 de setembro de 2004- regulamenta a implantação dos
conselhos de escola das unidades de ensino da rede municipal de Cariacica e dá outras
providências.
______. Lei nº. 4.373, de 10 de janeiro de 2006 - institui o sistema municipal de ensino de
Cariacica e dá outras providências.
ELIAS, Norbert. A sociedade de Corte. Investigação sobre a sociologia da realeza e da
aristocracia de corte. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
______. O Processo Civilizador: Formação do Estado e Civilização. Tradução: Ruy Jungman. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, Ed. 1993, 2º v.
FERREIRA, Maria C. C; FERREIRA, Júlio R. Sobre inclusão, políticas públicas e práticas
pedagógicas. In: Góes, M. C. R. de; LAPLANE, A. L. F. de. (Orgs.). Políticas e práticas de
educação inclusiva. São Paulo: Autores Associados, 2004, p. 24.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
31
A PERCEPÇÃO DOS DISCENTES SOBRE AS DIFICULDADES DO ENSINO EM
UM CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS DO OESTE DO PARANÁ
Glaucia Daniela Dias28
29
Eduardo Alves Gomes
30
Deisy Cristina Corrêa Igarashi
Wagner Igarashi31
RESUMO: Este estudo identifica e descreve as dificuldades mais frequêntes relacionadas ao
ensino, em um curso de Ciências Contábeis, segundo a ótica dos acadêmicos. O estudo apresenta
perfil qualitativo, exploratório e descritivo, uma vez que busca analisar os elementos apontados
pelos discentes como possíveis dificuldades relacionadas ao ensino da contabilidade. Os
resultados obtidos são decorrentes da correlação entre elementos teóricos que apoiaram na
estruturação do questionário desenvolvido e aplicado na pesquisa. A pesquisa evidencia que
elementos teóricos, são confirmados empiricamente, por exemplo, falta de: conhecimento e
didática por parte do corpo docente, correlação entre a teoria e a prática, e incentivo por parte do
corpo docente para a prática da produção e pesquisa científica. Além da necessidade de melhoria
nas instalações físicas da universidade.
Palavras Chave: Discentes; Ciências contábeis; Dificuldades no ensino.
INTRODUÇÃO
O mercado de trabalho para os contadores é amplo e abrange diversas
áreas, considerando a realidade das demais profissões. Por isso, o bacharel
contábil precisa aprimorar seu conhecimento, não limitando sua capacidade de
evolução profissional e sempre buscar diferencial, ou seja, ser mais do que um
mero prestador de serviço, atuando como elo imprescindível entre as informações
e seus usuários.
Para que os estudantes da área contábil obtenham diferencial frente ao
mercado de trabalho, se faz necessário aliar aspectos advindos da teoria e da
prática, a fim de sanar a lacuna entre o ensino e prática. Para minimizar tal lacuna
28
Graduada em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Graduado em Ciências Contábeis pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
30
Doutorado em Engenharia de Produção (UFSC), Mestrado em Engenharia de Produção (UFSC),
Mestrado em Contabilidade (UFSC), Graduação em Ciências Contábeis (UEM), atua como docente
no DCC e PPA, CSA, UEM;
31
Doutorado em Engenharia do Conhecimento (UFSC), Mestrado em Engenharia de Produção
(UFSC), Graduação em Informática (UEM), atua como docente no DIN, CTC, UEM;
29
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32
é necessário que as faculdades e universidades estejam em evolução contínua e
alinhadas à demanda de mercado. Além disso, cabe aos estudantes não restringir
sua formação ao conteúdo acadêmico.
A realidade do ensino da contabilidade em universidades e faculdades
brasileiras é complexa de ser pesquisada, pois apresentam variáveis desiguais32,
como contexto regional, realidade sócio-educacional dos alunos, diferentes níveis
de especialização do conhecimento do corpo docente, existência de pósgraduação na instituição, dentre outros.
A
partir
do
exposto
este
estudo
busca
responder
ao
seguinte
questionamento: Quais são as dificuldades mais frequentes relacionadas ao
ensino, em um curso de Ciências Contábeis, segundo a ótica dos discentes?.
Frente a este questionamento, o estudo busca atender ao seguinte objetivo:
identificar e descrever, segundo a ótica dos discentes, as dificuldades mais
frequentes em relação ao ensino, no curso Ciências Contábeis, objeto de estudo.
Como limitação do estudo, salienta-se que este se trata de um estudo de
caso exploratório, portanto os resultados obtidos neste estudo não podem ser
adotados como uma realidade para os demais cursos de Ciências Contábeis do
estado do Paraná. A não ser que esta pesquisa venha a ser reaplicada nas
demais instituições e os resultados ora obtidos se confirmem.
REFERENCIAL TEÓRICO - OS DESAFIOS DO ENSINO DA CONTABILIDADE
NAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR
A contabilidade emerge da necessidade prática de controlar objetos,
animais, alimentos e outros utensílios. Essa utilização da contabilidade, para
controle, se aperfeiçoou com o surgimento de técnicas e métodos contábeis, para
atender uma sociedade em constante evolução. Neste processo evolutivo algumas
técnicas perderam hegemonia e outras foram aprimoradas ou estruturadas.
O ensino da contabilidade também vem sofrendo modificações e superando
desafios, tais como: desenvolver habilidades e competências aos futuros
32
LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G. A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de
Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças – USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005.
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33
profissionais, proporcionar ao futuro profissional competências não apenas
técnicas, mas, também, de análise e posicionamento diante de diversas situações
que lhes serão expostas33. Além dos desafios apresentados, existem outras
barreiras a serem superadas no âmbito das Ciências Contábeis. Dentre as quais
se destaca a correlação entre a prática e a teoria34.
Nesse contexto, as instituições de ensino superior possuem um papel
fundamental, pois cabe a estas proporcionar aos discentes condições para um
aprendizado de qualidade e adequado à realidade de mercado. Nesse sentido, o
Conselho Federal de Contabilidade (CFC) publicou uma Proposta Nacional de
Conteúdo para os Cursos de Graduação em Ciências Contábeis. A proposta
apresenta matriz curricular, que além das disciplinas de conhecimento específico
contêm disciplinas que englobam aspectos mais amplos como: economia,
administração,
direito, dentre
outros35.
A matriz
também prevê
estágio
supervisionado obrigatório e trabalho de conclusão de curso.
A importância da matriz curricular na atualização do ensino contábil passa
por uma associação de interesses entre educadores e instituições de ensino
superior, no sentido de especificar habilidades e conhecimentos necessários para
o profissional36. Para que isso ocorra há diversos desafios a serem vencidos.
Dentre eles o estudo aborda os vinculados ao ensino da contabilidade, segundo a
ótica dos discentes.
Considerando que a integração entre discentes, docentes, instituições de
ensino superior e sociedade seja a base estrutural para uma formação acadêmica
de qualidade para futuros profissionais, é necessário que as instituições reúnam a
33
LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G.A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de
Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças –USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005.
34
PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem
na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação
Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006.
35
CARNEIRO, J. D.; RODRIGUES, A. T. L., BUGARIM, M. C. C., MORAIS, M. L. S., FRANÇA, J.
A. Proposta nacional de conteúdo para o curso de graduação em ciências contábeis.
Brasília: Fundação Brasileira de Contabilidade, 2008.
36
FAHL, A. C.; MANHANI, L. P. S. As perspectivas do profissional contábil e o ensino da
contabilidade. Revista de Ciências Gerenciais, v.10, n 12, p. 25-33, 2006.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
34
teoria e a prática e contribuam para o crescimento e valorização da profissão37.
Nesse sentido, destaca-se o papel do professor em apresentar os
elementos que gerem encadeamento entre teoria e prática. Além disso, a estrutura
física em algumas instituições, muitas vezes, deficitária ou inoperante, também,
dificulta o processo de ensino. Todavia, não é coerente limitar os problemas das
instituições de ensino apenas às deficiências de estrutura física, uma vez que, em
muitos casos, a qualidade no ensino superior também tem relação com a
capacitação e qualificação do corpo docente das instituições.
Todavia, para haver melhora na qualidade de ensino de modo incisivo é
necessário, além de mudanças curriculares e estruturais o comprometimento
assumido por professores e pelos acadêmicos.
Neste contexto, o ensino voltado ao simples repasse de conhecimento entre
professor e aluno, o distanciamento entre as novas necessidades da profissão
contábil e o ensino universitário, como também as deficiências na formação
pedagógica de muitos professores, são fatores que demonstram a necessidade de
mudanças no ensino da Contabilidade38.
Neste sentido, ao se pesquisar sobre o ensino da contabilidade e suas
deficiências, um ponto comum foi abordado nos textos e obras analisadas, o corpo
docente das instituições de ensino, sejam elas públicas ou privadas. Isto porque a
qualificação e o comprometimento dos professores são fundamentais na formação
de futuros profissionais.
Algumas das críticas tecidas aos docentes são devido a elementos como:
(a) expansão dos cursos, (b) descaso com a educação, (c) falta de investimentos
por parte das instituições, (d) falta de incentivo à carreira acadêmica, (e)
contratação de professores descomprometidos com as instituições, (f) falta de
37
ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de
ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São
Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008.
38
PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem
na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação
Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
35
pesquisas e pouco conhecimento em cultura geral39.
Além disso, com o aumento da quantidade de instituições de ensino
superior na área Contábil surgiram professores que, muitas vezes, não possuem:
suporte pedagógico, comprometimento, dedicação ao ensino, preparo para o
magistério e interesse em se aprimorar para a docência40. Cabe observar que a
prática didática do docente reflete as próprias relações organizacionais, e
implicam nas formas de construir o conhecimento41.
Além disso, é válido observar que em sala de aula não devem ser
trabalhados apenas conteúdos teóricos. Em sala de aula cabe incentivar as
aptidões humanas, como: criatividade, flexibilidade e capacidade de relacionar-se
em equipe42. Para tanto, o professor pode utilizar-se de estratégias para
desenvolver o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, e incluir métodos e
técnicas de ensino diversificadas, como por exemplo: aula expositiva, estudo de
texto, estudo dirigido, discussão e debates, seminário, estudo de caso, estudo do
meio, laboratórios e oficinas43. Todavia caso essas estratégias não sejam
utilizadas de forma coerente e dentro do contexto dos discentes, elas perdem seu
caráter de auxílio no processo de ensino44.
Neste contexto, outro aspecto a ser considerado é a formação técnico
científica do corpo docente, ou seja, o professor universitário deve possuir
competência técnica em sua especialidade e competência científica, voltada para
a construção do novo conhecimento. Aqui está incluso a habilidade de pesquisar,
seja pelo o incentivo à extensão ou à pesquisa dentro das instituições de ensino
39
NOSSA, V. Formação do corpo docente dos cursos de graduação em contabilidade no Brasil:
uma análise crítica. Caderno de Estudos, São Paulo, FIPECAFI, São Paulo, v. 11, n. 21, p. 74-92,
maio/ago. 1999.
40
LOUSADA, A. Z.; MARTINS, G. A. Egressos como fonte de informação à gestão dos cursos de
Ciências Contábeis. Revista Contabilidade e Finanças – USP, São Paulo, n.73-84, jan/abr. 2005.
41
MOEN, D.; DAVIES, T.; DYKSTRA, D. Student perceptions of instructor classroom management
practices. College Teaching Methods & Styles Journal. Littleton, v. 6, n. 1, p. 21-32, 2010.
42
ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de
ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São
Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008.
43
PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem
na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação
Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006.
44
PARISOTTO, I. R. S.; GRANDE, J. F.; FERNANDES, F. C. O processo ensino e aprendizagem
na formação do profissional contábil: uma visão acadêmica. In: Congresso USP de Iniciação
Científica em Contabilidade, 3, 2006, São Paulo. São Paulo:USP, 2006.
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36
superior. Em relação às atividades de pesquisa o profissional deve buscar: o
aprendizado, o conhecimento e estar atualizado45. Neste caso, “a aquisição de
conhecimentos através da pesquisa e da prática deve ocorrer não somente com a
titulação, mas também por meio de outras fontes de conhecimento, como por
exemplo, cursos seminários, congressos leituras especializadas, pesquisas, entre
outras”46.
Além dos aspectos mencionados cabe observar a importância do
relacionamento entre as instituições de ensino e as empresas, pois essa relação
possibilita o aperfeiçoamento do ensino47 e o alinhamento com o mercado.
METODOLOGIA
Este estudo reúne características de pesquisa exploratória e descritiva. E
utiliza-se das seguintes técnicas de pesquisa: bibliográfica, estudo de caso e
questionário, seleção de amostra e análise de frequência. A pesquisa bibliográfica
aborda um tema ou problema com base em referências teóricas previamente
publicadas em livros, revistas, periódicos e artigos científicos. O estudo de caso
está concentrado em um único caso48, ou seja, abrange uma IES específica, onde
se pretende relacionar, descrever e analisar as principais deficiências do ensino
no curso de Ciências Contábeis.
Para seu desenvolvimento a pesquisa conta com questionário, o qual serve
como fonte de informação junto aos discentes do curso. E representa a forma
mais usada para coletar dados, pois possibilita medir com melhor exatidão o que
se deseja49. A elaboração do questionário exige cuidado na seleção e formulação
45
ANDERE, M. A.; ARAUJO, A. M. P. Aspectos da formação do professor de ensino superior de
ciências contábeis: uma análise dos programas de pós-graduação. Rev. contab. finanç., São
Paulo, v. 19, n. 48, p. 91-102, dec., 2008.
46
MARKS, R. B. Determinants of student evaluations of global measures of instructor and course
value. Journal of Marketing Education, v. 22, n. 2, p. 108 – 119, aug. 2000.
47
JACQUES FILHO, A. J. O mercado de trabalho para o contador empreendedor. Revista
Acadêmica da FACECA, Varginha, v.1, n.1, p. 23-27, ago./dez. 2001. Disponível em:
<http://www.faceca.br/raf/documentos/omercadodetrabalhoparaocontador.doc>. Acesso em: 06
set. 2014.
48
RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In:
BEUREN, Ilse Maria (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e
prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.76-97.
49
CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. 4.ed. São Paulo: Makron Books, 1996.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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das questões50. Neste estudo o questionário foi estruturado pelos pesquisadores
depois de realizada a análise da pesquisa teórica, e está apresentado no Anexo A.
A partir do questionário a pesquisa busca descrever e analisar o ensino no
curso em estudo, suas variáveis e os desafios, a fim de adequar-se com base em
níveis de qualidade e excelência.
O estudo, para a seleção da amostra, com base no tamanho da população
do curso (200 alunos) utilizou-se da seguinte expressão n0 = N*n0/N+n051. Deste
modo, o estudo assumiu 6% como taxa de erro plausível, e identificou a
necessidade de sua amostra ser composta por aproximadamente 116,28 alunos.
Para tal, foram selecionados aleatoriamente, de modo equivalente, 24 alunos em
cada uma das 5 séries do curso, resultando em 120 participantes.
Uma vez definida a amostra, e aplicados os questionários, foi realizada a
análise qualitativa dos dados segundo a estatística descritiva, a partir da
distribuição de frequência, a qual compreende a organização dos dados conforme
a ocorrência dos diferentes resultados observados. Deste modo, o estudo
enquadra-se como qualitativo, pois descreve e analisa a interação entre as
variáveis.
RESULTADOS
O curso de Ciências Contábeis, objeto de estudo, é reconhecido pelo MEC
desde 1983 e oferece anualmente 40 vagas no período noturno, tendo como prazo
mínimo para integralização do curso de cinco anos e no máximo de sete anos.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) do curso, estruturado em 2007,
estabelece questões como os elementos que devem ser compreendidos pelos
acadêmicos enquanto parte de um contexto social global. Para tanto, o PPP
destaca a importância da preocupação com a problemática vinculada aos
condicionamentos sociais e às relações educacionais. O curso procura entender
as relações sociais para estabelecer as ações de formação dos acadêmicos, de
50
RAUPP, F. M.; BEUREN, I. M. Metodologia da pesquisa aplicável às ciências sociais. In:
BEUREN, Ilse Maria (Org.). Como elaborar trabalhos monográficos em contabilidade: teoria e
prática. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.76-97.
51
BARBETA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis. Ed. da UFSC, 2002.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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modo que este seja um profissional que se preocupe com o ambiente, busque o
aperfeiçoamento não apenas técnico ou científico, mas, também, humano.
O PPP do curso objeto de estudo faz menção a elementos relacionados ao
perfil esperado dos acadêmicos, dentre os quais se destacam: (a) habilidade em
identificar e apresentar soluções para problemas contábeis e gerenciais; (b)
consciência
da
necessidade
de
busca
permanente
de
atualização
e
aperfeiçoamento; (c) conhecimento das práticas contábeis, societárias, fiscais,
tributárias e atuariais; (d) conhecimento e busca de fontes de pesquisa e
ferramentas que possam subsidiar o desenvolvimento; (e) interesse pela pesquisa
contábil e por estudos sócio-culturais e econômicos; e (f) comprometimento com a
sociedade, e aplicação de conhecimentos em prol de seu engrandecimento.
Com o intuito de identificar e descrever as dificuldades mais frequêntes
relacionadas ao ensino no curso Ciências Contábeis, objeto de estudo, aceitando
uma taxa de erro de 6%, o questionário foi aplicado a 24 alunos de cada série do
curso. Para isso, foram escolhidas aulas vinculadas a matérias da base do curso e
o questionário foi aplicado ao longo de uma semana.
Uma vez aplicado o questionário foram analisadas as respostas obtidas, as
quais foram segmentadas em três categorias. A primeira enfoca o perfil geral dos
acadêmicos, questões 1 a 6. A segunda categoria aborda a percepção dos
acadêmicos em relação ao curso, questões 8, 10, 11, 13, 15 a 19. A terceira
categoria abrange a percepção dos acadêmicos em relação à atuação no
mercado, questões 7, 9, 12, 14 e 20.
A tabulação do questionário foi realizada em planilha eletrônica. Tabulados,
os dados foram analisados e o resultado é apresentado na sequência.
Perfil geral do acadêmico
Observou-se que 62% dos acadêmicos têm faixa etária entre 21 a 30 anos.
Quanto à proporção de acadêmicos do sexo feminino e masculino matriculados no
curso, observou-se que 51% são do sexo feminino e 49% do masculino. Em
relação aos motivos pelos quais os acadêmicos optaram pela escolha do curso,
observou-se que 58% dos acadêmicos optaram pelo curso em função de
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oportunidades futuras de empregabilidade. O curso conta com maior concentração
numérica de discentes nas séries iniciais, com queda gradativa no decorrer dos
anos.
Esta etapa evidenciou que 30% dos acadêmicos do 5º ano tiveram ao longo
do curso algum tipo de pendência em disciplinas, o que gerou atraso na conclusão
do curso. Observou-se que atualmente 16% dos acadêmicos (2º, 3º, 4º e 5º ano)
possuem pendência em alguma das disciplinas do curso.
Percepção do acadêmico em relação ao curso
As disciplinas que compõe a grade curricular do curso foram avaliadas
pelos acadêmicos, e a respeito destas 9% consideraram o item ótimo, 83% bom e
8% ruim. Com relação ao conhecimento técnico e a didática dos docentes, 56%
dos acadêmicos os consideraram adequados, ao passo que os demais os
consideraram inadequados.
Devido ao elevado percentual de acadêmicos que consideraram o
conhecimento técnico e a didática dos docentes inadequados, foi solicitado a
estes acadêmicos que indicassem os motivos que os levaram a considerar este
quesito como inadequado. Observou-se que 33% consideram que há falta de
didática, 24% consideram que os docentes não dominam conteúdo, 13% atribuem
falta de compromisso por parte dos docentes, e outros 13% consideram os
docentes desmotivados e despreparados. Foram, também, citados outros
elementos com menor grau de recorrência, tais como: falta de interesse em passar
o conteúdo, falta de qualificação dos docentes, sobrecarga de trabalho por falta de
professores e a falta de investimento no corpo docente.
No item que trata da percepção do acadêmico em relação ao curso,
observou-se, no que se refere às estratégias de ensino utilizadas em sala de aula,
que as mais utilizadas foram: discussão e debates, estudo de texto, aula
expositiva
e
estudo
de
caso.
Estas
estratégias
foram
mencionadas
respectivamente por 23%, 17%, 15%, 14% dos acadêmicos. O questionário
evidenciou que 63% dos acadêmicos consideram não existir incentivo por parte do
corpo docente à prática da produção e da pesquisa científica.
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40
Ao analisar as questões abertas que compõem o agrupamento observou-se
que 25% dos discentes consideram necessária uma melhor qualificação do corpo
docente, 18% fazem menção a melhoria na estrutura física, 11% apontam a
necessidade
de
alterar
a
grade
e
10% consideram necessário
maior
comprometimento dos docentes. Os acadêmicos puderam expressar opinião em
relação às disciplinas ofertadas pelo curso e sua compatibilidade com a realidade
do mercado. Neste quesito, 54% dos acadêmicos consideram que há falta de
correlação entre teoria e prática; 22% consideram que as disciplinas ministradas
são desatualizadas, e 13% fazem menção à necessidade de revisão da grade.
As questões abertas evidenciaram que 51% dos acadêmicos consideram
existir pouco incentivo do corpo docente para a prática da produção e pesquisa
científica e 45% consideram que não existe tal incentivo. Os demais 4% observam
que além da falta de incentivo, as poucas oportunidades que surgiram foram
apenas para acadêmicos sem vínculo empregatício.
Finalmente, em relação ao agrupamento, foi solicitada a ordenação em
modo crescente de importância dos elementos que se caso fossem ajustados,
poderiam gerar aprimoramento do ensino no curso, de modo efetivo. Observou
que 55% dos acadêmicos priorizaram como mais importante a qualificação do
corpo docente; seguida em 18% pela melhoria das instalações físicas
(laboratórios, e acervo bibliográfico); e 13% consideram a alteração na grade
curricular.
Percepção do acadêmico em relação à atuação no mercado
Observou-se que 57% dos acadêmicos consideram como diferencial o fato
de o mercado de trabalho ser amplo, diversificado e abranger diversas áreas de
atuação; 22% dos acadêmicos mencionam que os conteúdos das disciplinas do
curso são fundamentais para concursos públicos; e 17% apontam diferencial em
termos de posicionamento estratégico da função contábil dentro das organizações.
Neste agrupamento foi considerada a percepção dos acadêmicos em
relação a compatibilidade das disciplinas ofertadas pelo curso com a realidade do
mercado de trabalho. Observou-se que 77% dos acadêmicos acreditam que as
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disciplinas são parcialmente compatíveis com o mercado de trabalho e carecem
de aperfeiçoamento, ao passo que 19% acreditam que elas estão compatíveis.
O agrupamento explora as intenções dos acadêmicos em aprofundar ou
ampliar seus conhecimentos na pós-graduação após o término da graduação.
Observou-se que 84% têm intenção de cursar uma pós-graduação, sendo que
destes 69% optariam pela especialização, 15% pelo MBA e 16% pelo mestrado.
Ainda em relação à pós-graduação foi solicitado que os acadêmicos indicassem a
área pela qual eles tinham interesse. Em relação às áreas observou-se que 36%
têm intenção de aprofundar seus conhecimentos em auditoria; 17% em
contabilidade gerencial, 12% em tributos e 12% em gestão de pessoas. Foram
mencionados, ainda, como área de interesse com melhor índice os segmentos de:
perícia, marketing, finanças, ensino, contabilidade pública, custos, controladoria,
recursos humanos e gerenciamento de projetos.
Foi solicitado, também, aos acadêmicos que estes enumerassem em ordem
crescente de importância os elementos em relação à qualificação profissional de
um bacharel em Ciências Contábeis. Na hierarquização, 55% indicaram que o
conhecimento técnico da teoria e legislação contábil seria o elemento mais
primordial, 18% consideram que o essencial é o conhecimento estratégico e
gerencial das organizações; 15% fazem menção a facilidade de comunicação e
integração com os demais componentes da organização e 13% optaram por
elementos relativos a postura ética do profissional dentro da organização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da pesquisa teórica, bem como da aplicação do questionário junto
aos discentes do curso de Ciências contábeis, objeto de estudo, considera-se ser
possível tecer comentários em relação ao objetivo de pesquisa deste estudo, bem
como em relação à questão de pesquisa.
Na pesquisa identificou-se que há maior concentração de discentes nas
séries iniciais, e esse número decresce com o passar dos anos, o que indica
evasão no curso. Observou-se que 16% possuem pendências em disciplinas, com
destaque à disciplina de matemática financeira, a qual obteve o número mais
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significativo de acadêmicos com pendência, no período analisado. Em relação à
faixa etária observou que 62% dos acadêmicos possuem entre 21 a 30 anos, e
que há equilíbrio entre os acadêmicos do sexo feminino e masculino.
A pesquisa evidencia que 58% dos acadêmicos buscam o curso pelas
oportunidades futuras que são oferecidas. Em relação à composição das
disciplinas que compõe a grade curricular observou-se que 83% dos acadêmicos
conceituaram essa composição como adequada. Contudo, quando se analisa o
conhecimento e a didática apresentados em sala de aula pelo corpo docente
observa-se que 56% dos discentes consideram tais elementos adequados. Ao se
revisar a literatura sobre o assunto corpo docente observou-se que os docentes
das IES exercem papel essencial na formação dos acadêmicos.
A fim de minimizar o impacto que a interação do corpo docente de modo
não adequado pode causar, alguns elementos foram observados, tais como:
desenvolver ferramentas de avaliação docente; e orientar, acompanhar e gerar
capacitação pedagógica. Tais mecanismos podem incentivar os docentes e
envolver a comunidade acadêmica nas decisões. Por outro lado, alguns elementos
são críticos, e necessitam de planos de ação, como por exemplo: qualificação
docente; falta de envolvimento e comprometimento; falta de qualificação
pedagógica; e atuação na docência como segundo emprego.
O questionário indica que as estratégicas de ensino apresentadas na
revisão teórica foram elencadas pelos acadêmicos como utilizadas pelos
docentes, 23% consideram que as disciplinas fazem uso de discussões e os
debates; 17% de estudo de caso, e 15% de aula expositiva. Além disso, observouse que há pouco incentivo do corpo docente na prática da produção e pesquisa
científica. Isto vai ao encontro do descrito na revisão de literatura, de que a
pesquisa e produção científica na área contábil são limitadas e impacta
indiretamente na correlação entre os elementos teóricos e práticos. Afirmação,
também, evidenciada com as respostas ao questionário, uma vez que 54% dos
acadêmicos consideram que existe falta de correlação entre a teoria e a prática.
A pesquisa também evidenciou (18% dos acadêmicos) a necessidade de
melhoria nas instalações físicas da universidade, as quais podem dificultar o
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processo de ensino, questão também confirmada na pesquisa teórica do estudo.
Quanto aos elementos primordiais na qualificação profissional do bacharel
em contabilidade, considera-se conservadora a concepção dos acadêmicos. Isto
porque eles hierarquizaram como item mais importante do conhecimento: (a)
questões técnicas da teoria e legislação contábil, (b) conhecimento estratégico
dentro das organizações, (c) facilidade de comunicação e integração com os
demais componentes da organização; e (d) postura ética do profissional.
O questionário possibilitou identificar itens que os acadêmicos julgam
importantes para a qualidade do ensino no curso, e para a qualificação
profissional. Uma das principais preocupações dos discentes é a qualificação do
corpo docente, e isso não engloba apenas titulação. Aqui foi elencado:
conhecimento técnico, comprometimento, motivação, didática entre outros.
Reconhecendo que a temática apresenta múltiplas variáveis e que este
estudo não esgota o assunto, sugere-se para a continuidade da pesquisa que
sejam realizados estudos para analisar as dificuldades e desafios do ensino no
curso sobre outra ótica, a do corpo docente, por exemplo. Pode ser realizado
também um estudo similar em outras universidades, abordando novamente a
percepção dos acadêmicos para observar se os problemas listados, em relação às
dificuldades encontradas, são regionais, ou apenas da instituição, objeto de
estudo.
THE STUDENTS PERCEPTION OF TEACHING DIFFICULTIES IN A
ACCOUNTING SCIENCES COURSE IN THE PARANA WEST
ABSTRACT: This study identify and describe the most frequent difficulties of education in an
Accounting Sciences course, from the perspective of academics. Regarding methodological
aspects, this study presents qualitative, exploratory and descriptive profile, since it seeks to analyze
the factors cited by students as possible difficulties related to accounting education. The results
were obtained from correlation between theoretical elements that supported the questionnaire
developed by the authors, as well as practical aspects identified in the analysis of these
questionnaires. The research shows that elements identified in the theoretical research are
confirmed empirically, for example,lack of: knowledge and didactic by teachers, correlation between
theory and practice, incentives for the production and scientific research practice, and deficient
infrastructure in the university.
KEY WORDS: Academics; Accounting Sciences; Teaching difficulties.
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44
REFERÊNCIAS
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NOSSA, V. Formação do corpo docente dos cursos de graduação em contabilidade no Brasil: uma
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45
Axeno A - Questionário estruturado para obtenção de dados junto aos discentes
1. Qual o ano de seu ingresso no curso?
( ) após 2009
( ) 2006
( ) 2008
( ) 2005
(
) Outro, especifique qual?
____________
( ) 2007
( ) 2004
2. Qual série o curso está cursando atualmente:
( ) 1º ano
( ) 4º ano
( ) 2º ano
( ) 5º ano
( ) 3º ano
3. Você cursa apenas as disciplinas dessa série do curso atualmente? Se a resposta for
negativa descreva quais são as essas disciplinas.
( ) Sim
(
)
Não.
Quais
disciplinas?____________________________________________________
4.
Qual
sua
idade?
_________________________________________________________________
5. Qual seu sexo?
( ) Feminino
( ) Masculino
Nas questões a seguir podem ser assinadas APENAS UMA DAS ALTERNATIVAS,
recomenda-se que o acadêmico selecione a alternativa que melhor expresse sua percepção.
6. Qual o motivo o levou a escolher o curso de Ciências Contábeis?
( ) Qualidade do ensino e imagem da instituição.
( ) Pelas oportunidades futuras que o curso oferece.
( ) Por atuar na área .
( ) Por influência de terceiros.
( ) Por ser um curso gratuito.
(
)
Outros
motivos,
Quais?
___________________________________________________
7. Quais desses pontos você acredita ser o diferencial do curso de Ciências Contábeis e que
possibilita maior vantagem competitiva no mercado de trabalho?
( ) Conteúdo fundamental nos principais concursos públicos.
( ) Mercado amplo e diversificado, abrangendo diversas áreas de atuação.
( ) Remuneração financeira .
( ) Posicionamento estratégico nas organizações e no auxílio a tomada de decisão.
(
)
Outros
motivos,
Quais?
___________________________________________________
8. Qual a sua avaliação da composição das disciplinas que compõe a grade curricular do
curso de Ciências Contábeis?
( ) Ótima
( ) Boa
( ) Ruim
( ) Péssima.
9. Você acredita que as disciplinas ofertadas pelo curso de Ciências Contábeis são
compatíveis com a realidade do mercado de trabalho brasileiro?
( ) Totalmente compatíveis.
( ) Parcialmente compatíveis, precisam ser aperfeiçoadas.
( ) Não são compatíveis.
10. Atribua um conceito ao conhecimento técnico das disciplinas ministradas e da didática
apresentadas em sala de aula, pelo corpo docente do curso de Ciências Contábeis.
( ) Ótima
( ) Regular
( ) Boa.
( ) Ruim
11. Existe incentivo por parte do corpo docente ou pela Instituição de Ensino Superior para
a prática da produção científica e da pesquisa na área contábil?
( ) Sim.
( ) Não.
12. Após o término do curso você pretende realizar algum tipo de pós-graduação?
( ) Não
( ) Sim, se sim qual tipo de pós-graduação é de seu interesse
( ) Especialização.
( ) MBA.
( ) Mestrado.
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Nas questões a seguir solicita-se que você ENUMERE em ordem crescente de importância
os elementos que caso sejam ajustados gerariam ao curso uma melhoria mais significativa
13. Em relação ao aprimoramento do ensino de Ciências Contábeis.
( ) Grade curricular do curso.
( ) Distribuição da carga horária das disciplinas.
( ) Qualificação do corpo docente.
( ) Prédios e instalações das dependências da Universidade.
( ) Atualização da Biblioteca Universitária.
( ) Infra-estrutura dos Laboratórios disponíveis para estudos e pesquisas.
14. Em relação à qualificação profissional do bacharel contábil para atender ao mercado de
trabalho.
( ) Conhecimento técnico da teoria e legislação contábil.
( ) Conhecimento estratégico e gerencial das organizações.
( ) Postura ética do profissional dentro da organização.
( ) Facilidade de comunicação e integração com os demais componentes da organização.
Na questão a seguir PODE ser assinada MAIS DE UMA OPÇÃO
15. Quais estratégias de ensino já foram utilizadas pelos seus professores em sala de aula?
( ) Aula expositiva.
( ) Estudo de texto.
( ) Estudo dirigido.
( ) Discussão e debates.
( ) Seminário.
( ) Estudo de caso.
( ) Estudo do meio.
( ) Laboratório e oficinas.
( ) Jogo de empresas.
( ) Outra, qual? _______________________________
16. Quais as sugestões ou críticas que você possui com relação ao ensino no curso de
Ciências Contábeis, que julgue serem importantes para possibilitar o crescimento e a
melhora
na
qualificação
dos
acadêmicos
do
curso?
____________________________________________
17. Justifique os motivos que o levaram a assinalar o conceito na questão 9, a qual trata
sobre o conhecimento técnico das disciplinas ministradas e da didática apresentadas em
sala
de
aula,
pelo
corpo
docente
do
curso
de
Ciências
Contábeis.
_______________________________
18. Justifique os motivos que o levaram a assinalar a opção escolhida na questão 8, a qual
trata sobre as disciplinas ofertadas pelo curso de Ciências Contábeis serem compatíveis
com
a
realidade
do
mercado
de
trabalho
brasileiro.
_________________________________________
19. Justifique os motivos que o levaram a assinalar a opção escolhida na questão 10, a qual
trata sobre existir incentivo por parte do corpo docente ou pela Instituição de Ensino
Superior para a prática da produção científica e da pesquisa na área contábil.
______________________
20. Se na questão 12, a qual trata sobre ao seu interesse de ao término do curso realizar
algum tipo de pós-graduação na área contábil, se você assinalou sim e indicou o tipo de
curso, agora aponte em qual instituição você pretende realizar a pós, e em qual área
pretende fazer a pós (auditoria, tributos, gerencial, gestão de pessoas, marketing, ...).
_________________________
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47
A COMPLEXIDADE E O FAZER DOCENTE: INTERCONEXÕES COM AS
TECNOLOGIAS DIGITAIS
Jaqueline Maissiat
52
Resumo: O presente estudo partiu do interesse de identificar quais são as ações necessárias, em
um ambiente virtual de ensino e de aprendizagem, para capacitar um professor de arte a fim de
que ele possa ser entendido como um sujeito complexo. Para tal, a pesquisa traz o paradigma da
complexidade descrito por Morin, e conceitos de Bakhtin, fazendo interlocuções com a arte,
tecnologia e educação. A metodologia é de caráter qualitativo, com levantamento bibliográfico e
pesquisa-ação. Pretende-se que os resultados obtidos sirvam como aliados dos professores de
arte que atuam na educação básica, para que estes se reconheçam e atuem como sujeitos
complexos e enriqueçam suas práticas com o auxilio das tecnologias digitais.
Palavras-chave: formação continuada do professor, sujeito complexo, tecnologias
digitais, educação a distância.
1 INTRODUÇÃO
A Sociedade do Conhecimento marcada pelas descobertas e progressos
científicos, possui acesso cada vez mais rápido e a grande quantidade de
informações. As tecnologias digitais atuam como mediadoras na construção do
conhecimento. Nesse sentido, é desejável um professor preparado para interagir
com uma geração mais dinâmica e curiosa, como discutido por Veen e Vrakking 53,
denominada “Homo Zappiens”. Pensando desenvolver um trabalho que pudesse
levar este docente a pensar e questionar o seu fazer docente, buscamos no
Paradigma da Complexidade54, a base teórica para ajudar a entender esses
processos de dentro de um campo de ação que engloba: fazer docente, educação
a distância (EaD) e arte-educação.
52
Doutora em Informática na Educação (UFRGS), Mestre e Pedagoga – Multimeios e Informática
Educativa (PUCRS). Professora da Faculdade Cenecista de Vila Velha/ES.
53
VEEN, Wim; VRAKKING, Ben. Homo Zappiens: educando na era digital. Porto Alegre: Artmed,
2009.
54
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
Id. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.
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48
Do universo de 5185 cursos consultados, na modalidade a distância, nos
níveis de extensão, graduação e especialização – levantamento realizado em
2011 com base no catálogo de curso da Associação Brasileira de Educação a
Distância (ABED)55 –, verificou-se a inexistência da oferta de cursos, específicos
para professores de arte, envolvendo as temáticas de tecnologias digitais e arte
contemporânea. Delineamos, então, o foco desta pesquisa a formação continuada
de professores de arte, baseada nos saberes do campo da complexidade.
Esta pesquisa realiza interconexões entre a definição do ser complexo, que
é aquele auto(geno-feno)eco-(re)organizador56 e alguns conceitos de Bakhtin57
como: ato, autor, cronótopo, polifonia, intertextualidade e enunciação. Este duplo
olhar se consolida no momento em que os aspectos da complexidade, inerentes a
fazeres contemporâneos, pudessem apontar para uma possibilidade de novo
entendimento desse professor nas ações de formação continuada.
Em virtude da relação transversal entre arte, educação, tecnologias digitais
e formação continuada de professores, pergunta-se: Como atividades e
estratégias de curso em EaD poderiam contribuir para que o professor de
arte se entenda como um ser atuante considerando as premissas da
complexidade? Para tal, definiu-se o objetivo principal que consiste em:
identificar como e quais são as ações necessárias, em um ambiente virtual de
ensino e de aprendizagem (AVEA) para capacitar um professor de arte,
entendendo-se que este habita em um universo complexo. O que se espera é
reconhecer um ser-professor aberto a uma perspectiva dialógica na busca de
autonomia dentro do seu fazer docente. Para atingir essa meta, foram traçados
objetivos específicos: organizar um curso de formação continuada de professores
de arte em um AVEA, considerando que vivemos em um paradigma da
complexidade; identificar durante o curso de formação continuada se e como estas
características da complexidade manifestam-se; apontar quais são os elementos
da complexidade transversais em um curso de formação em EaD. Diante da
55
ANUÁRIO Brasileiro Estatístico de Educação Aberta e a Distância (AbraEAD). Disponível: em:
<http://www.abraead.com.br/noticias.cod=x1.asp>. Acesso em: 05 maio 2011.
56
MORIN, Edgar . O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre:
Sulina, 1998.
57
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e a Filosofia da Linguagem. 12. ed. [s.l.]: Hucitec, 2006.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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questão problema e dos objetivos formulados, contextualizou-se a temática que
será desenvolvida ao longo deste estudo.
2 MORIN: COMPLEXIDADE DO SER, DO CONHECER E DO APRENDER
O ensino na Era da Mobilidade exige um novo paradigma. De acordo com
Morin58, o novo paradigma que vem atender aos pressupostos necessários ao que
se tem hoje é chamado de paradigma da complexidade. Este paradigma está
para além da visão educacional, ele é o paradigma em que toda a sociedade está
imersa, englobando todos seus âmbitos, seja educacional, político, ecológico...
A complexidade compreende as incertezas, o acaso faz parte do seu
repertório enfim, uma mistura de ordem e desordem, “... o simples é apenas um
momento, um aspecto entre várias complexidades”59. Pode-se dizer que o
problema humano é hipercomplexo. “O sujeito e o objeto aparecem assim como
as
duas
divergências
últimas
inseparáveis
da
relação
sistema
auto-
60
organizador/ecossistema” . Só irá existir um objeto em relação a um sujeito e
vice-versa.
Um dos requisitos para que se possa aprender como se aprende, é que o
ser humano se autoconheça, ou seja, de como se auto-organiza. Morin61 concebe
o sujeito como auto(geno-feno)eco-(re)organizador, tendo como base os seguintes
pressupostos: a) organização permanente de um sistema que tende a
desorganizar-se pela interação com outros sujeitos e com objetos; b)
reorganização permanente de si a partir da autorreferência, isto é, autoorganização; c) nos seres vivos, essa organização está vinculada à geratividade
(organização genética que comporta o genótipo) e à fenomenalidade (organização
das atividades e comportamentos do fenótipo); d) organização dependente das
interações com o ambiente, sob a forma de ecossistema que oferece ao indivíduo
58
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
Id., op. cit., p. 54.
60
Id., op. cit., p. 58.
61
Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
59
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alimento e informações para gerir sua auto-organização. Ou seja, este esquema é
um continuum como numa espiral ascendente, portanto não se segue
necessariamente os esquemas conforme a organização da nomenclatura descrita,
as características podem ser evidenciadas de maneira aleatória.
O sujeito complexo é aquele que é mesmo tempo autônomo e
dependente, por exemplo: o ser humano possui vínculos indissociáveis aos
nossos genes, pois são eles que ditam o ritmo para se continuar existindo. “Somos
uma mistura de autonomia, de liberdade, de heteronímia e direi mesmo de
possessão por forças ocultas que não são simplesmente as do inconsciente
reveladas pela psicanálise”62. Ou ainda, o sujeito é constituído de características
que se mostram como antagônicas, mas na verdade são complementares em si.
O sujeito apresenta uma estrutura cognitiva, que se mostra como um
complexo organizado, resultante dos processos cognitivos através dos quais os
indivíduos adquirem, organizam, e utilizam os conhecimentos, sendo que os
conceitos devem ser relevantes e inclusivos. Há, portanto, uma estrutura
hierárquica dos conceitos que comunica o significado de alguma coisa, representa
uma série de características, propriedades, atributos, regularidades e/ou
observações, fenômeno ou evento. E isto, pode ser contemplado em um
hiperdocumento em atividades de experimentação em sala de aula.
Morin63 em Método 4, intitulado “As ideias: habitat, vida, costumes e
organização”, traz o conceito de noologia, que consiste na organização das ideias
que se faz através do uso da linguagem.
Polivalente e polifuncional, a linguagem humana exprime, constata,
transmite, argumenta, dissimula, proclama, prescreve (os
enunciados ‘performáticos’ e ‘ilocutórios’). Está presente em todas
as operações cognitivas, comunicativas, práticas. É necessária à
conservação, transmissão, inovações culturais. Consubstancial à
organização de toda sociedade, participa necessariamente da
constituição e da vida da noosfera. [...] Precisamos pensar
circularmente que a sociedade faz a linguagem que a faz, que o
homem faz a linguagem que o faz e fala a linguagem que o
exprime.
62
MORIN, Edgar. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre:
Sulina, 1998, p. 98.
63
Id., op. cit., p. 203-204.
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51
A apropriação das linguagens da comunicação, seja para exprimir ou
interpretar, busca entender os processos desenvolvidos ao longo deste estudo,
em que os sujeitos se expressam pela linguagem no AVEA. A dialogia
Bakhtiniana, também foi buscada para ajudar a compreender este sujeito. As
relações entre os sujeitos dependem “das interações entre indivíduos, as quais
dependem da linguagem. Esta depende dos espíritos humanos, os quais
dependem dela para emergir enquanto espíritos. É, logo, necessário que
linguagem seja concebida ao mesmo tempo como autônoma e dependente”64.
Será através da linguagem que o sujeito irá se expressar e terá a
possibilidade de comunicar-se com outro sujeito. Com isso, o sujeito será capaz
de estabelecer relações com outro sujeito e acabar se reconhecendo a partir dar
relações oriundas dessas trocas.
3 INTERLOCUÇÕES COM ARTE, TECNOLOGIA E EDUCAÇÃO: UMA
PERSPECTIVA DIALÓGICA
Bakhtin dedicou seus escritos à questão da linguagem e suas articulações.
Compreendia que o ato da linguagem vinha carregado de significado, incorporado,
por vezes, no enunciado. O que nos interessou neste estudo foi tentar um ponto
de encontro da dialogia Bakhtiniana com as características da complexidade nas
ações/processos desenvolvidos em um curso de formação continuada a distância.
Esses campos de ideias foram utilizados na análise.
A arquitetura dialógica bakhtiniana, segundo Sobral 65, diz que “todo o
enunciado cria o novo, mas só o pode fazer a partir do existente, sob pena de não
ser compreendido”. Aqui se remete a uma das hipóteses deste estudo, em que o
professor a partir do que já possui mais aproximação, no caso o vídeo como
64
______. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina,
1998, p. 98, p. 205.
65
SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3.
reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 25.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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recurso tecnológico, irá se apropriar de novos recursos, como os informáticos,
com mais propriedade.
Partindo do sujeito do paradigma da complexidade, a
fig. 01 apresenta possíveis interlocuções relacionadas aos conceitos de Bakhtin.
Figura 01 – Complexidade e Bakhtin
As interlocuções surgem quando a teorias desses autores se convergem e
encontram pontos em comum, como mostrado esquematicamente na figura.
Algumas características perpassam mais de um conceito, pois se relacionam.
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53
Ao pensamento sobre o ato no campo educativo, entende-se que o
professor ATUando em sala de aula encena a concretude do conceito. A
responsabilidade deste ato, o de ensinar, é tratada em Bakhtin quando diz que
“ato responsável envolve o conteúdo do ato, seu processo, e, unindo-os, a
valoração/avaliação do agente com respeito a seu próprio ato, vinculada com o
pensamento participativo (uchastroye, myshlenie)”66. O autor é quem concebe e
pratica o ato. Ao falar de sua vivência, este se posiciona axiologicamente frente a
esta, pois: “... precisa dar a ela um certo acabamento, o que ele alcançará se
distanciar-se dela, se olhá-la de fora, de tornar-se um outro em relação a si
mesmo” 67.
Bakhtin68 traz a noção de cronótopo fazendo relação com o tempo-espaço,
o espaço relaciona-se ao social e o tempo à história. Assim sendo, pode-se
considerar que os cronótopos se relacionam e permitem fazer surgir outros
cronótopos. Cada um tem o seu tempo-espaço, e nestas conversas de cronótopos
nascem outras relações. No momento em que se reconhece que cada indivíduo
tem suas particularidades – daí o significado de indivíduo –, é que ele irá
desencadear estratégias para orientar-se e conviver com o outro; então
poderemos nos aproximar das características de “geno-feno”, “eco” e o
“(re)organizar” da complexidade para descrevê-lo.
O discurso em Bakhtin69 consiste na maneira de comunicar-se, falar e
escrever, podendo ser monológico ou polifônico. O primeiro diz respeito ao
acabado, ao autoritário, algo linear e com fim previsto, descarta o outro. Já o
segundo, expressa a realidade em formação, o não acabamento, o dialogismo, a
polifonia, o continuum, um crescente ascendente. A polifonia é multiplicidade de
vozes. Ela se aproxima da complexidade na medida em que torna possível a
mudança, contempla a incerteza e as possibilidades que surgem das relações.
66
SOBRAL, Adail. Ato/atividade e evento. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3.
reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 21.
67
FARACO, Carlos Alberto. Autor e autoria. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: palavras-chave. 4. ed. 3.
reimp. São Paulo: Contexto, 2010, p. 43.
68
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
69
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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54
Há que se considerar, também, a intertextualidade70, que vem a ser a
incorporação de um elemento discursivo a outro. Isso ocorre quando se faz
referências, ou seja, no momento em que há incorporação de ideias de outros
autores, imagens, sons, obras a nossa fala. A intertextualidade apresenta um
caráter multifacetado. Aparece presente na atuação do professor no momento em
que o professor faz a transposição didática do conteúdo, assim como no ATO.
Cada sujeito gera sentidos e atribui significados próprios. Diferentes são as
interpretações dadas a determinado conceito, estrutura, objeto... Pode-se ter um
mesmo texto apresentado em contextos distintos, tendo conotações também
distintas, tudo dependerá de como é dito e por quem é dito. Bakhtin chama isto de
enunciação, que é o “processo dialógico em que não só o locutor ou escritor
estão envolvidos, mas também o ouvinte ou destinatário implícito ou efetivo” 71.
4 EDUCAÇÃO: INTERCONEXÕES COM AS TECNOLOGIAS DIGITAIS
Este estudo está voltado para as aprendizagens em um AVEA. Como
modalidades distintas, presencial e a distância, algumas particularidades existem,
e é importante que sejam observadas. Como é o caso do aluno que faz um curso
a distância. Ele deve organizar-se para acessar o ambiente virtual, fazer as
atividades propostas, sem ter um espaço e pessoa física (professor) em um dado
local e tempo dedicado ao ensino. O ensino a distância requer uma autonomia por
parte do aluno e, também, dedicação. Salienta-se que os cursos de capacitação
são procurados pelo interesse em aperfeiçoamento, ou seja, é uma busca
voluntária, oriunda de uma necessidade pessoal.
Entende-se que a formação do professorado, embebida da vertente da
complexidade Imbernón72, mudaria a atual linearidade das ações educativas,
apresentando problemáticas reais, considerando a incerteza e o imprevisto.
70
Id., op. cit..
CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Mikhail Bakhtin. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 185.
72
IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São
Paulo: Cortez, 2009.
71
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55
Compreender o mundo sobre este prima faz com que se consiga compreender os
fenômenos que ocorrem no campo educativo, e as relações surgidas daí.
Um dos meios para se oportunizar essa formação continuada, que é o
enfoque estabelecido, é a EaD. Opta-se por esta modalidade de curso, pois já
favorece alguns aspectos a serem trabalhados com os professores, que fazem
parte da estrutura de um curso a distância, tais como: o desenvolvimento da
autonomia, flexibilidade e cooperação. Alia-se a isto o fato de se poder atingir uma
quantidade maior de professores de vários lugares do país, favorecendo a troca
de experiência entre os pares.
5 PERCURSOS: METODOLOGIA DA PESQUISA
O paradigma que norteia este estudo é o da complexidade, esta prevê além
da racionalidade objetiva, a subjetivação e as relações daí emergentes, portando
possui caráter qualitativo. Conforme a fundamentação, o método utilizado foi o de
pesquisa-ação, que vem a ser a participação direta do pesquisador junto aos
participantes da pesquisa, “toda pesquisa-ação é singular e define-se por uma
situação precisa concernente a um lugar, a pessoas, a um tempo, a práticas e a
valores sociais e à esperança de mudança possível”73.
O público-alvo foram os professores de Arte do Ensino Básico que
pertenciam à rede pública da região sul do Brasil, que tivessem acesso aos DVD’s
do Instituto Arte na Escola74 (distribuído pelo Ministério da Educação - MEC à 100
mil escolas) e aos polos da Rede Arte na Escola. Além disso, solicitou-se que os
participantes possuíssem noções básicas de informática para navegação na
internet e conta de e-mail. Foram no total 83 cursistas, sendo 61 concluintes. Os
dados foram coletados através de questionário identificador, fóruns, diário,
materiais produzidos e questionário de avaliação do curso.
73
BARBIER, René. Pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007, p. 119.
INSTITUTO ARTE NA ESCOLA. Disponível em: <http://www.artenaescola.org.br/>. Acesso em:
20 jan. 2011.
74
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56
5.1 Desenvolvimento do Campo de Experimentação
Este curso de atualização foi desenvolvido no AVEA Moodle CINTED,
devido à possibilidade de acesso e disponibilidade de suporte, com carga horária
de 120h, certificados emitidos pela UFRGS. O curso ocorreu durante 12 semanas
em três módulos. O primeiro foi para ambientação do professor aprendiz (PA) ao
AVEA. O segundo teve como base os oito territórios (linguagens artísticas,
patrimônio, materialidade, conexões, forma e conteúdo, processo criativo, saberes
estáticos e culturais e mediação cultual), em que o PA optou por cinco e escolheu
qual o caminho a percorrer. Para que isto fosse viável, o segundo módulo deixou à
disposição o conteúdo de todos os territórios. A cada semana, o aluno teve que
mencionar em seu diário qual era o território escolhido e qual o motivo. Já no
terceiro, todos voltaram-se para a mesma temática, como no primeiro módulo, e
percorreram o território zarpando, que significa que a partir do que foi apropriado
durante o curso, desenvolvessem um projeto que contemplasse em parte ou em
um todo as temáticas escolhidas durante o curso.
A fig. 02 remete ao mapa que foi disponibilizado para que o cursista
pudesse navegar pelo curso de forma não linear. Pequenos ajustes foram
realizados no formato do curso, tal como retirar do Moodle a numeração que
segue ao lado de cada espaço de inclusão de conteúdos, para retirar o caráter de
sequencialidade. Este é um mapa no qual para cada uma das esferas coloridas –
recortes de aquarelas produzidas por Simone Fogazzi–, existe o vínculo chave
que é remetido ao território selecionado. Após o clic, era remetido ao espaço
correspondente ao território, e toda uma faixa de aquarela ilustrava aquele
espaço. O objetivo aqui era deixar o ambiente para o cursista, mais integrado
possível a sua atuação profissional. A linha que segue a imagem não tem início,
apenas um “fim” que é o terceiro módulo, o “Território Zarpando”, cujo intuito era
que
o
professor
a
partir
dali
seguisse
para
novas
aprendizagens
experimentações.
Figura 02 – Esquema do Curso – mapa clicável
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
e
57
À medida que o conteúdo de arte lhes era apresentado, em alguns
territórios eram indicados softwares livres e/ou gratuitos para utilização da entrega
das atividades. E nisto, os saberes eram reforçados para que os professores se
apropriassem de um novo recurso, já fazendo sua utilização.75
Os professores, principalmente na rede pública, não possuem formação
superior, traz o Anuário Brasileiro da Educação Básica 76 que dos 2.005.734
(100%), são 1.381.909 (69,89%) que possuem formação superior. Na região Sul
do país, o índice é superior a média nacional, dos 290.924 (100%) professores,
230.630 (79,27%) possuem curso superior. Isto não quer dizer que por possuírem
ensino superior estejam atuando diretamente nas disciplinas correlatas a sua
formação.
75
IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São
Paulo: Cortez, 2009.
76
ANUÁRIO Brasileiro da Educação Básica. Disponível em:
<http://todospelaeducacao.org.br//arquivos/biblioteca/anuario_finaleducacao_prova06_ok_capas.p
df> Acesso em: 20 ago. 2012.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
58
Segundo o portal ‘Todos Pela Educação’77, vinculado ao MEC, “Quase 40%
dos Professores que dão aulas nas Escolas de Ensino fundamental e médio da
rede estadual não têm formação adequada na disciplina que lecionam”. Em virtude
disso, programas do governo como os Pró-Licenciaturas são criados para formar
professores sem ensino superior nas suas respectivas áreas de formação. Na
região Sul do Brasil até 2009, segundo o INEP 78, dos 6.216 professores formados
em Arte, 2.116 estão alocados no PR, 1.588 em SC e 2.512 no RS.
Diante do exposto na metodologia, foi realizada a análise dos dados
coletados.
6 ANÁLISE DOS DADOS
O sujeito complexo, é aquele nomeado auto(geno-feno)eco-(re)organizador.
As categorias foram baseadas nas características que o professor necessita ter
e/ou aperfeiçoar para se (re)conhecer-se como sujeito complexo, baseado nas
leituras de Morin79 e de Imbernón80 que ressalta a importância do professor se
formar para a complexidade. São elas: metacognição; resiliência; autonomia;
subjetivação;
criatividade;
transdisciplinaridade;
afetividade;
cooperação
e
flexibilidade.
A metacognição, que está relacionada aos movimentos necessários para a
aprendizagem, envolve compreender como se aprende ou: “se refere à
capacidade do indivíduo pensar sobre os seus próprios pensamentos, levando em
77
TODOS pela Educação – Portal. Professores: 40% não são formados na área em que ensinam.
Disponível em: <http://www.todospelaeducacao.org.br/comunicacao-e-midia/educacao-namidia/22908/professores-40-nao-sao-formados-na-area-em-que-ensinam/>. Acesso em: 20 ago.
2012.
78
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA –
INEP. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012.
79
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
Id. Ciência com consciência. 6. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
Id. O Método 4 – As ideias: habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.
80
IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São
Paulo: Cortez, 2009.
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59
conta alcançar níveis mais altos de autoconsciência”81. Esta evidência esteve
presente na maioria dos professores, principalmente quando apresentados a um
novo software. Alguns professores se mostraram temerosos com o Gimp (software
de edição de imagens). (PA38) assim se posiciona: “Quando iniciei o curso vi o
Gimp, gelei! (...)tarefa compreendi o uso das ferramentas. Fiquei feliz em conhecer
esta ferramenta gratuita que posso repassar ao aluno. Vitória!”.
Em tempos de incertezas, muitas estratégias se fazem necessárias, como a
resiliência. Esta é caracterizada como uma forma de enfrentamento e superação,
relativo ao inesperado é comum quando há convivência com outras pessoas,
principalmente no âmbito educacional. Um dos momentos em que a resiliência
pode ser observada no curso de formação, foi determinado pela dificuldade na
utilização de tecnologias digitais. Os professores aprendizes expuseram as
dificuldades que tiveram na utilização de um dos softwares, tal como coloca
(PA39): “Depois de muito quebrar a cabeça (bendito o comando ‘desfazer’)
consegui alguns efeitos, pelo menos interessantes”. Estes percursos mostraram o
professor aprendiz refletindo, diante do novo, em busca de novas maneiras de
aprender.
O caminho da autonomia está permeado pelas escolhas individuais. A fim
de que o exercício da autonomia pudesse ser exercido, no segundo módulo do
curso foi proposta a escolha de cinco entre oito territórios, em que pudessem
trilhar o caminho de maneira livre e, também, percorrer outros que assim
desejassem. No início houve certo estranhamento quanto à liberdade de escolha,
muitos entraram em contato querendo confirmar esta proposta. No decorrer do
curso ocorreram manifestações positivas quando a esta didática, tal como: “Gostei
das atividades propostas e do formato em que se escolhem livremente os
territórios” (PA06).
Profissional-professor/ser-professor configuram apenas um sujeito, ou seja,
as características e concepções pessoais interferem no fazer docente. Isto recebe
a denominação de subjetivação ou subjetividade, que vem a ser compreendida,
81
BERTOLINI, Eni A. Sivera; SILVA, Miguel A. de Mello. Metacognição e Motivação na
Aprendizagem: relações e implicações educacionais. Revista Técnica IPEP, São Paulo, v. 5, n. ½,
p. jan./dez. 2005, p. 53.
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60
como “uma emergência produzida na inter-relação entre o social, o cultural e o
biológico; uma experiência fenomenal, individual e coletiva a um só tempo,
pressupondo a autonomia e a dependência na interação com o outro para a
produção de sujeitos”82. Para que o cursista pudesse se colocar de maneira
pessoal diante de uma dada circunstância, foi solicitado, em uma atividade, que
fizesse uma seleção de imagens baseadas em uma coleção pessoal,
posteriormente era indicada a elaboração de um pequeno vídeo e trilha sonora
que tivesse relação com a seleção estabelecida. Para exemplificar, (PA39)
elaborou um material com fotos que tirou durante um ano, sendo uma por dia,
mostrando o seu cotidiano e as coisas que lhe inquietavam e faziam bem.
A criatividade deveria ser própria do fazer docente do professor. As
tecnologias digitais mostram-se como agentes favorecedores ao estimulo a estes
processos, uma vez que possibilitam o acoplamento de várias mídias. Os
processos de criação são muito valorizados no ensino da arte, o material dos
DVDs do Arte na Escola dedicou um dos seus territórios a isto, tanto que a partir
dele foi indicada uma atividade em que seria feita uma manipulação digital de uma
imagem. (PA16/exc48) coloca como compreende a criação: “Aprendi que a
criação é prazerosa, é uma expressão subjetiva que aflora para o coletivo”. A
criatividade é vital à prática educativa, é com ela que se enriquece e se faz
multiplicar as ações nos contextos educativos.
A transdisciplinaridade no campo das artes “significa, precisamente, a
capacidade
de
dialogar
e
articular
a
multirreferencialidade
e
a
83
multidimensionalidade do mundo e da vida, isto é, dos níveis de realidade” . Um
dos territórios dos DVDs do Arte na Escola, utilizados como material do curso está
vinculado a conexões, ou ainda, a transdisciplinaridade. (PA28) comenta que fez
jus à apropriação do nome ‘conexões’ para que remetesse a transdisciplinaridade:
“Falar em conexões é transitar por espaços não lineares (...), onde as fronteiras se
deslocam e possibilitam a cartografia de nossos saberes”.
82
ALVES, Miriam Cristiane e SEMINOTTI, Nedio. O Pequeno Grupo e o Paradigma da
Complexidade de Edgar Morin. Psicologia, USP, v. 17, n. 2, 2006, p. 120-121.
83
ROSENTHAL, Dália. Prática Transdisciplinar na Formação do Professor de Arte. São Paulo:
USP, 2010 (relatório de pesquisa), p. 3.
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61
Quanto
a
afetividade
é
necessário
pensar
que
ela
acontece
fundamentalmente na relação com outro, ou seja, ela é produto das relações entre
sujeitos e também com o contexto social. Não se pode dissociar a afetividade do
professor, pois ele é sujeito se relacionando com outros sujeitos em sala de aula.
Assim como na categoria subjetivação, se pensou na tarefa das coleções,
baseada em uma composição sonora e visual para aprofundar o aspecto da
afetividade, isto porque esta coleção, mesmo sendo elaborada naquele instante,
remeteria a uma memória afetiva. Os cursistas elogiavam as produções dos
colegas, como segue a declaração de (PA75) “Prof. Parabéns pela imagem criada,
é muito criativa mesmo! Perfeita para a lenda escolhida!”.
A cooperação, neste estudo, é entendida como a disposição de um grupo
de pessoas trabalhando por algo comum. Morin84 lembra que complexus do latim
significa: o que tece em conjunto. A presente característica surgiu como estratégia
presente e futura, em que os professores formassem uma rede de cooperação
onde pudessem fazer trocas de experiências sobre os mais variados temas dentro
do ensino da arte. Cabe ressaltar que, para algumas das professoras, era o único
momento de troca com os seus pares, tendo em vista que eram os únicos
professores de seus respectivos municípios a lecionam a disciplina de artes.
A flexibilidade, vista por Morin85 como um dos princípios da organização
da vida, quando se identifica alguma situação imprevista e tem que se pensar em
alguma solução para dar andamento ao que foi proposto. O próprio ambiente do
universo da EaD já está envolto no que tange à flexibilidade quanto ao tempo e ao
espaço, pois os alunos ali inscritos vivenciam este conceito. Uma das professoras
formadoras (PF) do curso trouxe um relato sobre o fazer docente: “(...) podemos
traçar caminhos – o planejamento de ser minucioso e preciso – o que deve
prevalecer é a flexibilidade para as mudanças conforme o que vier e aparecer”
relataram (PF3).
Assim sendo, o professor complexo é aquele disponível a situações de
imprevistos e mudanças, que podem ser geradas tanto por uma intervenção de
84
85
MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. 4. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2003.
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62
um aluno quanto por uma curiosidade ou questionamento, ou ainda, quanto à
indisponibilidade de algum material que veja como importante para a sua aula.
Para tal, o professor necessita ter claro em sua mente os conteúdos relacionados
à disciplina para poder pensar em alternativas viáveis e condizentes com as suas
intenções de ensino.
O curso a distância permitiu a participação de professores de estados e
cidades diferentes e por fim criar uma rede de relações. Teve muitos espaços de
criação e de deslumbramento por parte dos participantes, o que enriqueceu o
trabalho. A avaliação do curso foi positiva, 72% manifestaram seu grau de
satisfação do curso como ótimo. Como um dos objetivos do curso foi trazer para a
formação do professor o uso de tecnologias digitais (celular, computador, câmera
digital, filmadora, internet, televisão, vídeo...) como recurso pedagógico no
processo de ensino e aprendizagem, perguntou-se como eles perceberam a
utilização de tais recursos em suas práticas. A maioria dos respondentes
acreditava ser muito apraz, 60% marcaram a opção ‘ótimo’.
Após o curso, alguns professores se inscreveram para o concurso ‘XIII
Prêmio Arte na Escola Cidadã 2012’, promovido pelo Instituto Arte na Escola. Isso
foi feito a partir do trabalho final solicitado, que foi a criação de um projeto e
aplicação baseado em um dos DVDs a que tinham acesso da DVDteca e que não
tivesse sido trabalhado até então nos territórios (atividade proposta no Território
Zarpando). Destes professores inscritos, cinco foram pré-selecionados para
concorrer aos projetos finalistas.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se atua na formação continuada de professores a mudança que se
pretende por si só já é um processo complexo, pois o que se quer é gerar novos
métodos incorporados em fazeres docentes, fundamentado numa cultura
profissional baseada na interpretação de sua realidade86. Considerando as ações
86
IMBERNÓN, Francisco. Formação Permanente do Professorado: novas tendências. São
Paulo: Cortez, 2009.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
63
para a elaboração, execução e finalização do curso no AVEA, afirmamos que a
complexidade permeou todos esses processos. Quando da elaboração, as
propostas possuíam características da complexidade, e foram a partir delas que
os demais encaminhamentos foram realizados. Alguns resultados quantitativos:
num universo de 83 professores matriculados, houve apenas 7% de evasão,
sendo que os dados de evasão que o Censo EaD Brasil (2010) apresenta são de
29% em média, para cursos de extensão; 39% dos professores de arte não são
formados na disciplina que lecionam, o que permitiu, além de uma atualização,
uma formação com ênfase em recursos digitais e arte contemporânea.
Pode-se destacar como contribuições desta tese: importância do AVEA
possuir uma arquitetura baseada na complexidade para que a formação docente
tenha possibilidade de ser integral; mostrar caminhos de como as características
do sujeito complexo podem ser trabalhadas e vivenciadas em um AVEA; indicação
de caminhos para a formação de um professor de arte visando a complexidade;
possibilidade de formação continuada totalmente a distância do professor de arte,
através de um AVEA, considerando atividades voltadas à prática; formação
continuada de professores de arte que se encontram em atuação; formação para
os que não possuem formação superior em artes visuais e lecionam na respectiva
área na educação básica; capacitação para utilização de recursos das tecnologias
digitais como possibilidade de fazer arte e ampliar as maneiras de atuação em
sala de aula; criação de uma comunidade de profissionais que possam trocar
experiências e fazer trabalhos em cooperação, mesmo a distância.
Acredita-se que na medida em que for disponibilizada aos professores de
arte uma formação continuada, tendo previsto o uso das tecnologias digitais,
teremos professores mais complexos. A possibilidade da EaD permite uma
interação e mediação entre professores de arte de maneira síncrona e assíncrona,
o que irá proporcionar a troca de experiências e materiais com seus pares. Além
dos professores de arte, que este propósito possa ser ampliado a professores de
outras áreas de conhecimento, promovendo então a transdisciplinaridade entre
áreas a partir de uma visão complexa.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
64
Abstract: This study starts with the interest in identifying necessary actions in a virtual learning and
teaching environment to enable arts teachers to be understood as Complex subjects. This research
brings the Paradigm of Complexity described by Morin and adds to Bakhtin’s concepts to establish
connections with the fields of art, technology and education. It adopts a qualitative approach
encompassing literature review and action research design. It is expected that results can serve as
allies to arts teachers working in elementary schools upon the realization and action as Complex
subjects who enrich their practices supported by digital technologies.
Keywords: Continuing teacher education, Complex subject, digital technologies,
distance education.
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Complexidade de Edgar Morin. Psicologia, USP, v. 17, n. 2, p. 113-133, 2006.
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66
O CONSELHO MUNICIPAL DE VITÓRIA/ES: ESPAÇO DEMOCRÁTICO
PARA DEFINIÇÃO DE POLITICAS PÚBLICAS
Juliana Oliveira Pereira87
Luciana Pereira Almeida Caló88
89
Meiriane Linhaus de Sousa Barros
RESUMO: O presente artigo busca explorar o papel do Conselho Municipal de Educação em
Vitória, Espírito Santo/BR no que o confere como espaço democrático para definição de políticas
públicas. A metodologia utilizada foi de cunho exploratório com embasamento teórico para analise
na pedagogia histórico-critica de Saviani. Analisa o olhar dos conselheiros a respeito do papel do
Conselho junto à sociedade civil na elaboração de políticas públicas educacionais. Constata-se
que os conselheiros propõem ações democráticas articulando da melhor maneira possível o
diálogo entre sociedade, escola e Governo. Ressalta-se o processo que o COMEV viveu durante o
ano de 2014, de elaboração do Plano Municipal de Educação.
PALAVRAS CHAVES: Conselho, Espaço Democrático, Elaboração, Políticas
Públicas.
INTRODUÇÃO
As questões que envolvem os estudos a respeito dos Conselhos Municipais
de Educação se desdobram diante a estrutura de uma sociedade democrática, em
benefício da qual, as discussões a respeito da educação a ser oferecida poderiam
decorrer de uma gestão participativa. Ultimamente, o debate sobre estes órgãos
do
sistema
de
ensino
brasileiro
vem
aumentando,
manifestando-se,
primordialmente, nas constantes batalhas dos movimentos sociais, em seus
empenhos históricos para a superação da centralização do poder.
Neste contexto o objetivo principal deste artigo é apresentar e refletir sobre
o papel da gestão democrática do Conselho Municipal de Educação em Vitória ES e, sua influência durante parte do processo elaboração das políticas
educativas do município, a partir, da análise de dados obtidos por meio de
entrevista com membro do COMEV. Compreendendo como problemática pensar
87
Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo.
Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo.
89
Graduanda do curso de Pedagogia/Licenciatura da Universidade Federal do Espirito Santo.
88
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
67
quais as reais condições para que o órgão seja de fato um espaço democrático
para definição de políticas públicas.
A metodologia usada baseou-se no preceito da pesquisa qualitativa de
natureza exploratória, que envolve levantamento documental e entrevista não
padronizada, por entender que este tipo de pesquisa, de acordo com Moreira e
Caleffe (2008)
90
, “[...] tem como objetivo proporcionar uma visão geral,
aproximada de determinado fenômeno, com a finalidade de tornar o problema
mais esclarecido, passível de investigação mediante procedimentos mais
sistematizados”. Sua tipologia se define no Estudo de Caso.
REVISÃO DE LITERATURA
Através do processo de luta em favor da redemocratização, organizado no
Brasil, particularmente adiante os anos de 1980, validou-se a importância da
participação popular na gestão e no controle social das políticas públicas, como
forma de assegurar a universalização dos direitos sociais, que fomentam o
exercício da cidadania. Em âmbito educacional, a base da gestão democrática,
tornou-se uma condição constitucional por ser uma requisição ética e política
sustentada pela participação da sociedade civil na definição, fiscalização e
avaliação de suas políticas.
Argumentando sobre modelo democrático centrado no voto, Navarro apud
Natal (2011)91 discorre que estão baseados no modelo agregativo onde as
preferencias já estão dadas. Não há diálogo com a base, portanto decide-se por
aquilo que lhe é mais conveniente enquanto interesse de um determinado grupo
ou até mesmo, interesse individual.
Contudo, Ferrazapud Natal (2011) afirma que a democracia representativa
pode até promover mecanismos de controle da sociedade e assegurar as
liberdades de expressão e associação, no entanto, as decisões políticas, quando
90
MOREIRA, H.; CALEFFE L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2
ed.RJ: Lamparina, 2008.p. 69.
91
NATAL, C. M. O conselho municipal de educação como espaço de produção das políticas
educacionais: a constituição de uma esfera pública?. 2011, 164f. Dissertação (Mestrado em Educação).
Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espirito Santo, 2011.
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68
essa representação não tem legitimidade, ficam restritas ao corpo dos eleitos e
aos espaços institucionais destinados ao processamento das decisões.
Para propiciar essa participação, fez-se necessária a criação ou
ressignificação
de
mecanismos
institucionais
de
participação
direta
e
representativa nos órgãos públicos educacionais, dentre eles estão os Conselhos
Municipais de Educação (CMEs), que desempenham a função de intermediação
entre Estado e Sociedade. São reconhecidos como espaços para auxiliar o
exercício do poder político pela sociedade podendo garantindo o aprendizado
democrático nas densas estruturas de poder estabelecidas.
Teixeira (2004)92 analisando o significado do vocábulo Conselho, afirma
que em sua origem etimológica greco-latina, refere-se aos conceitos de “ação de
deliberar”, “cuidar”, “cogitar”, “refletir”, “exortar”, “ajuntamento de convocados”,
uma suma, ouvir e ser ouvido, dialogar, fazer intermediação. Portanto, quando o
Conselho participa na elaboração das políticas públicas educacionais, aponta
como fundamento a publicidade significando que os atos e decisões efetivadas na
esfera pública são do interesse geral, influenciando a vida social.
Ainda, refletindo sobre a participação popular alcançada e que a população
entenda o direito e responsabilidade que possui, Natal discorre:
O que nos leva a compreensão de que a “participação nos negócios
públicos” exige de cada indivíduo o sentido da construção de algo que
pertença a todos e que tem diretamente a ver com o compromisso e com
a responsabilidade individual de cada um com o mundo (2011).93
O que se percebe é um silêncio e desmotivação do aluno e representantes
nessa dinâmica de discussões nas reuniões pela dificuldade por causa da
quantidade de pessoas. Todas as pessoas têm um saber e tem sua importância
no Conselho de Educação, e numa sociedade civil capitalista democrática,
92
TEIXEIRA, L. H. G. Conselhos municipais de educação: autonomia e democratização do
ensino. Cad. Pesqui., São Paulo , v. 34, n. 123, dez. 2004.
93
NATAL, C. M. O conselho municipal de educação como espaço de produção das políticas
educacionais: a constituição de uma esfera pública?. 2011, 164f. Dissertação (Mestrado em Educação).
Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espirito Santo, 2011.
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69
segundo Saviani (2003)94, Pedagogia Histórico Crítico, é preciso encontrar saídas
para uma solução não numa teoria, mas juntamente com uma prática, pessoas
críticas que possam solucionar e ajudar nas discussões por diferentes temas nas
políticas públicas educacionais. E não apenas reconhecer a opinião do outro, e
aceitá-lo e reproduzir sem que haja uma liberdade de expressão.
Com a Constituição Federal de 1988, foi outorgado aos Municípios o direito
de proferir normas e de estabelecer políticas, facilitando, a implantação do Regime
de colaboração e não mais a perpetuação de relações de hierarquia entre as três
esferas políticas do poder (Federal, Estadual e Municipal), ao menos legalmente.
Em 1996, resultante de exigências constitucionais, a Lei nº 9.394/96
estabeleceu as diretrizes e bases da educação nacional vigente. Nela, a
autonomia do Município é reiterada, autorizando a organização de seu sistema de
ensino, permitindo a criação de órgãos colegiados para a fiscalização.
Porém, ressaltasse que a definição claradas competências dos Municípios
para a elaboração do seu próprio sistema de ensino ocorre das definições
previstas na nova LDB (Lei nº 9.394/96) do que na Constituição de 1988.
Segundo a LDB, Lei nº 9.394/199695. "Os sistemas de ensino são
constituídos, a partir do princípio da autonomia dos entes federados (Art. 211,
CF/1988)96" e, compreende-se também observar o princípio da gestão
democrática do ensino público (Art. 206 VI CF/1988). Destacando o princípio
democrático na gestão do Sistema Municipal de Ensino, concebe-se a existência
de espaços públicos para discussões, formulações e decisões das demandas
educacionais.
A organização do Sistema de Ensino prevê a existência de órgãos
94
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP:
Autores associados, 2003
95
BRASIL. [Lei Darcy Ribeiro (1996)]. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: lei
no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.
– 5. ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Coordenação Edições Câmara, 2010.
96
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: texto
constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas Emendas
Constitucionais nos 1/1992 a 68/2011, pelo Decreto Legislativo nº186/2008 e pelas Emendas
Constitucionais de Revisão nos 1 a 6/1994. – 35.ed. – Brasília : Câmara dos Deputados, Edições
Câmara, 2012.
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70
executivos e normativos que, no caso da educação, tem sido a presença de
secretarias e conselhos de educação. É normal diferenciar os órgãos pelo seu
caráter, seja executivo, normativo, fiscalizador etc., sem que essa diferenciação
delimite o conjunto dos variados órgãos, tanto uns quanto outros cumprem o que a
lei determina e o que lhes compete em matéria de atribuições.
A nova legislação que promove a criação de Sistemas Municipais de
Ensino, os Conselhos Municipais de Educação começam a desempenhar novas
funções, tornando-se um dos principais mediadores das demandas da população
sobre educação junto ao Poder Executivo, elaborando em parceria o Plano
Municipal de Educação. Assim sendo, a criação e consolidação dos Conselhos
caracterizam-se como processo de confirmação da cidadania local, onde os
cidadãos vivem e atuam o município. Buscando informações especificas a respeito
das funções definidas para os Conselhos Municipais:
A Legislação editada a partir desta Constituição, isto é, na década de 90,
acrescenta às tradicionais funções consultiva, normativa e deliberativa as
funções de fiscalização e/ou controle social, propositiva e mobilizadora.
Em consequência, como outros Conselhos sociais criados na mesma
década (os Conselhos de Saúde, dos Direitos da Criança e do
Adolescente, de Alimentação Escolar, etc.), os Conselhos de Educação
deveriam atuar, agora, na área das políticas públicas, com um novo
papel:
órgãos
de
participação,
mobilização
e
controle
97
social.(BRASIL,2013).
A PEDAGOGIA HISTÓRICO CRÍTICA COMO FUNDAMENTO
Partindo, desse panorama inicial, tomamos como referencial a pedagogia
histórico-crítica de Saviani para abordar o papel da gestão democrática do
COMEV e, sua influência durante parte do processo elaboração das políticas
educativas do município.
[...]a necessidade de se compreender a educação no seu
desenvolvimento histórico-objetivo e, por consequência, a possibilidade
de se articular uma proposta pedagógica cujo ponto de referência, cujo
97
BRASIL. Programa Nacional de Capacitação de Conselheiros Municipais de Educação
Proconselhos: módulo II, Princípios, estrutura e funcionamento dos conselhos municipais de
educação – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2009.
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71
compromisso, seja a transformação da sociedade e não sua manutenção,
a sua perpetuação. Este é o sentido básico da expressão pedagogia
histórico-crítica (SAVIANI, 2003).98
Destarte, podemos analisar perante as influências recebidas dentro de sua
obra (materialismo histórico dialético), e os conceitos elaborados por tal, que o
papel democrático dos órgãos de educação, é fundamental para uma educação de
qualidade. Haja a ver, que:
A escola existe, pois, para propiciar a aquisição dos instrumentos que
possibilitam o acesso ao saber elaborado (ciência), bem como o próprio
acesso aos rudimentos desse saber. As atividades da escola básica
99
devem organizar-se a partir dessa questão (SAVIANI, 2003).
Apresentando a teoria que teremos como base, pontuaremos a relação
estabelecida entre o materialismo de Marx e a pedagogia histórico-crítica. Saviani
apud Marsiglia (2012)100 esclarece “No livro Escola e democracia, Saviani expõe
sua proposição metodológica partindo da prática social e retornando a ela, tendo
como momentos “intermediários” a problematização, instrumentalização e
catarse”.
A autora ainda destaca que esses “passos” de Saviani, buscam a
superação por incorporação de outras pedagogias, pois tendo a lógica dialética
como referência não se pode tratar de uma sequência linear.
A relação entre o Materialismo e a Pedagogia histórico-crítica, ocorre aos
observamos que a prática social como ponto de partida é a aparência do
fenômeno, onde através dos momentos intermediários, seriam a busca da teoria
para alcançar a essência do fenômeno.
Tomamos por questão-problema de nosso artigo o fenômeno inicial do
COMEV, nos instrumentamos de bibliografia que seria base para nossa então
análise da questão e suas possíveis ramificações.
98
Página 93.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP:
Autores associados, 2003
100
MARSIGLIA, A. C. G. Contribuições para os fundamentos teóricos da prática pedagógica
histórico-crítica. In: MARSIGLIA, A. C. G. (Org.). Infância e pedagogia histórico-crítica: desafios
e perspectivas para uma educação transformadora. Campinas: Autores Associados, 2012. P. 109 –
146.
99
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
72
Por via, então, dessa abordagem metodológica e como referencial Saviani
e os demais acadêmicos que trabalham com a perspectiva da pedagogia histórico
crítica, analisaremos o Conselho Municipal de Educação em Vitória/ES. Buscando
descobrir suas reais condições como espaço democrático para definição de
políticas públicas.
ESPAÇO DEMOCRÁTICO E DE POLÍTICAS PÚBLICAS
Ao mês de maio em 2014, realizamos uma entrevista com algumas
conselheiras do COMEV, cuja a intenção era entender sobre o Conselho de
Educação, suas atribuições e suas especificidades, olhando além da lei, os pontos
mais relevantes dentro da entrevista estarão organizados dentro de nossa análise.
Acerca da importância da participação da sociedade dentro do Conselho
obtivemos a seguinte resposta dos representantes:
É fundamental a participação e essa representação da sociedade num
ponto como esse. Entendendo que o COMEV é um órgão que normatiza
a educação, o nosso interesse é a qualidade da educação, entendendo
que a qualidade da educação passa por diversas perspectivas de quem
está na sociedade. Então a qualidade depende da participação de todos
esses fatores. Buscar o espaço da escola, dos profissionais, dos pais,
dos alunos, então o Conselho tenta aglutinar os mais variados
seguimentos encontrados na sociedade para fazer esse debate e
conseguir políticas públicas que a gente possa garantir a qualidade na
educação(CONSELHEIRA B, 2014).
Afirmamos então, que o Conselho está ciente do seu papel junto a
sociedade, para diálogo em busca de uma educação homogênea, visando a
qualidade, essa, que depende da participação de todos da esfera popular. Ver a
escola como espaço que contempla variados alunos, cada um com sua
especificidade, e buscar uma homogeneização da educação, não perdendo de
vista a heterogeneidade presente na sociedade. Esse diálogo se faz necessário
para obtenção de uma escola que corresponda aos interesses da população, que
para Saviani, é o motivo da necessidade da escola para o povo. “O povo precisa
da escola para ter acesso ao saber erudito, ao saber sistematizado e, em
consequência, para expressar de forma elaborada os conteúdos da cultura
popular que correspondem seus interesses”. (2003)
101
101
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 8 ed. Campinas, SP:
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73
Porém, o papel democrático só se concretiza de maneira efetiva, quando a
população tem informação sobre esses espaços. Que podem acioná-los a
qualquer momento, para se fazer ouvir, conhecer e debater os problemas
presentes. Entramos então nos questionamentos a respeito das funções reais dos
Conselhos Municipais de Educação, especificados na lei 4046/98, alterada pela
7124/2007, e recentemente alterada no ano de 2013, onde o conselho exerce
também função consultiva.
Para, além disso, o Conselho, ele pode ser acionado a qualquer
momento, por qualquer pessoa, sujeito mesmo ou via essas composições
que nós temos aí a fora para além do Conselho. O Conselho ele é
consultivo, tem alguma dúvida? Não. Eu vou perguntar se isso existe, se
isso pode, como isso é se dado, qual é a lei que fundamenta, isso que é
ser consultivo, ele é normativo principalmente falando, é ele quem
delibera através de resoluções, como realmente as coisas têm que
acontecer cuja pauta é educação, ele é mobilizador, ele tem por si só
fazer campanhas de, digamos assim, para sensibilizar, para se fazer
conhecido, para se fazer transparente, as pessoas têm esse acesso, têm
essa abertura de virem aqui, não precisar de vinte anos para poder
conhecer, ele tem que ser mobilizador nesse sentido. Ele é também um
órgão de controle social, ele fiscaliza, ele acompanha (se está tudo certo
se não está), atendeu aqui, não atendeu lá. Então assim dentro dessas
atribuições e do que ele é composto, as demandas, as situações
problemas elas são debatidas, elas são trabalhadas e tenta se chegar ao
seu foco maior que para além das unidades de ensino, o sujeito maior
que são os alunos. O foco sempre são eles. (CONSELHEIRA A, 2014)
Infelizmente, a esses órgãos tem sido atribuídas questões além de sua
competência. Compreendemos aqui, que uma política social defasada é o motivo
desse aglutinamento de funções sobre os conselhos.
[...] aqui é um local que a pensa para implementar as políticas e
acompanha para saber se está dando certo ou não está dando certo,
mas essa relação... À faltou água! Ó precisa de professor! Nessa relação
por exemplo da falta de professor, aonde o COMEV poderia entrar como
um órgão de controle? Numa unidade de ensino que tem 70%, 80% de
professores contratados, não têm professores efetivos, precisa sentar,
estudar, analisar a situação e pensar a política para que essa escola
tenha profissional efetivo ali dentro. Porque a gente vai na Secretaria de
Educação, e me mostra o mapeamento porque essa escola não está
criando raízes aqui, ah é uma região de violência e tal... Então vamos
trabalhar. Precisa de quê para além da educação? Ah, precisa de
segurança, precisa de assistente social, a gente entra, mas o que é a
nossa necessidade é pensar uma política para a valorização do
profissional ali dentro, aí a gente entra. Articulação de outras secretarias,
o Prefeito tem que entrar em algum ponto, criar uma lei não sei das
quantas, a Câmara precisa entrar, ou seja, adentramos, mas a nossa
necessidade é normatizar a oferta. Nossa cobrança no caso de uma
Autores associados, 2003.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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denúncia, por exemplo, nunca é a própria escola, é a secretaria. Porque
quem tem que supervisionar o funcionamento da escola, é a Secretaria.
Somos sim um sistema de educação para atender a
sociedade(CONSELHEIRA B, 2014).
Ficamos então, intrigados a respeito da relação entre o Conselho e a
Secretaria de Educação, já que o sistema por completo, deve trabalhar de forma
coesa e articulada. Contudo, sabemos da deficiência, do nosso sistema de
educação, com relação à falta de legislação que não dê abertura para diferentes
interpretações.
[...]a definição clara da competência dos municípios para instituir os
próprios sistemas de ensino flui da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) e não da Constituição Federal. Portanto, não
parece procedente a posição daqueles que entendem que a LDB, ao
tornar opcional a organização dos sistemas municipais de ensino, teria
enfraquecido a norma constitucional, pois, em sua interpretação, a
Constituição não apenas permite, mas teria determinado aos municípios
a tarefa de organizar os próprios sistemas[...](ROMÃO apud SAVIANI,
2009).102
Esse déficit atrapalhando funcionamento do Conselho e no seu papel de
normatizador, de ação permanente visando garantir tanto a qualidade do processo
quanto a qualidade do produto. Como ficou salientado na entrevista:
[...] Então, nós não temos uma normatização, não é que fique ai à deriva,
porque tem a política nacional, tem a proposta do Governo, tem um
Programa, tal, tal e tal. Mas fica vulnerável, uma hora eu faço, uma hora
eu não faço. Eu faço de um jeito, outro faz de outro jeito. Precisa ter a
Política do Município pra que todos possam trabalhar, e ter o direito,
acesso e sucesso "comum para todo mundo. Então, a lei por si só, ela
também não se basta, a todo um conjunto de fatores, para poder
realmente a coisa acontecer. Não é que, existe a Lei que regulamenta o
ensino fundamental do Município e achar que todos os problemas
acabaram. Lógico que não, precisa de mais normatizações inclusive para
não dar margem para outras questões. Ou as atualizações mesmo que
são necessárias. Hoje não é um ensino de 8 anos e sim de 9 anos, nós
temos o 1º ano que não está no EMEF está ainda lá no CMEI, mas a lei
diz assim, mas na prática não aconteceu, então, a lei por si só ela não se
basta, mas ela tem que existir para dar um parâmetro, pra dar um
rumo(CONSELHEIRA A, 2014).
Diante dessa primeira problemática observada, onde a própria lei, não nos
oferece algo substancial para deliberar de forma tranquila, cremos que o Poder
102
SAVIANI, D. Sistema de Educação: subsídios para a conferência nacional de educação. Texto
organizado a pedido da Assessoria do MEC, 2009.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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Executivo, deve exercer sua função não tendo resistência a novas ideias, surgidas
em tornos de debates com a população. Pois dela provém às demandas, e ela que
precisa ser suprida em suas questões educacionais.
Ao conselheiro cabe cumprir seus deveres, como estar no espaço do
Conselho, participar efetivamente das reuniões de debates, entretanto, a relação
de trabalho do conselheiro muitas vezes o impede de garantir sua participação
nesses momentos.
[...]a questão da participação do conselheiro, a lei diz que é prioridade: foi
convocado tem que ir, e o currículo que você tem te concede o direito de
estar aqui, garante sua participação aqui. A gente sabe que na prática
isso não acontece. No público que é uma relação direta que nós temos
com a Prefeitura, que a maioria é servidor da Prefeitura. É servidor,
chamou vem, não vem, na relação de trabalho dele também não tem
como ser liberado. Imagina no privado, a lei está lá garantindo, a lei da
convenção da relação dele com o patrão, do profissional, que tem que
participar do Conselho tal, não adianta, não vai, não é assim. Então
garantir a participação maior é algo difícil.[...](CONSELHEIRA B, 2014).
Desse modo, pensamos então que a falta de uma remuneração poderia
desestimular essa frequência obrigatória dentro do espaço físico do Conselho.
Entretanto, através da fala da representante do Conselho, observamos que isso
poderia então, se tornar outro problema. Esse de aspecto mais preocupante, o de
corrupção dentro de um órgão de participação popular, destruindo assim um
mecanismo conquistado pelas lutas sociais históricas.
“[...] falando, se você é pago, você tem por obrigação e o
regimento seria o melhor, eu não acredito nisso. Principalmente, por que
nisso ocorre: eu pago, então, você vai fazer o que eu quero que se faça.
Há uma manipulação, há um jogo de poder pra isso daí. Então conselho,
participação popular, participação social foi algo muito lutado, nos
movimentos sociais que nós temos na nossa história. Eu defendo essa
autonomia, essa liberdade e que não é gratuito ao pé da letra, porque
sou servidora, porque se estou aqui eu estou remunerada, não estou
mais remunerada, mas eu estou remunerada, saio do meio local de
trabalho pra está aqui no meu horário, porque quando a gente marca
depois, aí não pode. Então “estou remunerada” sim, mas há gente
defende, há um grupo que defende que tem que ter lá o GETON,
município X tem GETON, tal lugar tem GETON, mas sabemos que
internamente que tem situações terríveis, que o Estado está sendo pago
ali. E o rendimento em si, a produção não está na relação.” direta, eu
pago o produto, não é, vocês sabem que “N’s” coisas perpassam por aí
[...] eu dependo a ideia de que, não! O conselho é participação popular, é
algo que eu, com as minhas concepções políticas contextuais. Eu tenho
que ocupar esses espaços, sujeitos da banca, então, eu não dependo da
remuneração (CONSELHEIRA A,2014).
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Tendo como pressuposto que os membros do conselho são indicados, em
sua maioria, ao invés de pleitearem o cargo por meio de eleição, ainda nos paira a
dúvida sobre o ideal de participação popular. Visto o histórico de descontinuidade
de políticas públicas, onde a cada governo que entra, novas políticas são
abordadas, a preocupação com o risco de manipulação não esvai.
São eleitos ou são indicados, a maioria das entidades requer processo de
eleição da sua constituição lá, para ser encaminhados os nomes pra o
prefeito poder nomear. Então ele publica lá tal e nomeia direitinho. O
prefeito ou a secretaria de educação indica representantes da secretaria
da educação. Não há uma eleição lá dentro. Ridículo! Há não ser pra
você (indicando ao alguém). Unidade científica, também não há uma
eleição, o prefeito é que indica, mas professor do magistério é eleito, do
sindicato dos servidores é eleito, dos estudantes eleito, dos pais é eleito
tem que ter uma assembleia, uma convocação própria, uma assembleia e
elege. O conselho tutelar não é eleição é indicado entre eles lá indica.
Então, não tem esse vinculo assim, são eleitos ou indicados pelas suas
entidades. (CONSELHEIRA B, 2014)
Retornando aos problemas, apresentados pelos representantes, foi
pontuada a questão da formação técnica dos Conselheiros.
Ao que diz:
[...] Na ideia, todo mundo que é Conselheiro, subentende-se que colocou
lá o seu nome não só por disponibilidade, mas também por conhecimento
prévio não é verdade também. Então não é uma regra, só vem pra cá
quem é conhecedor. Não é uma regra, não é isso. Quem dera se todos
nós tivéssemos uma formação desde a graduação de participação
política, de participação social, ter uma boa formação mesmo, do que é
ser cidadão, sujeito ativo, crítico e político e, quem dera não é assim.
Então quando vem pra cá, não tem o conhecimento específico ali. É
preciso ter formação. E aí como que a gente garante formação para
todos no tempo necessário nosso. Uma parte são dois anos, podendo ser
prorrogado por mais dois, são quatro anos, formação em cima, na hora
em que ele está bom, aí ele sai e entra o novo. Aí começa tudo de novo.
Então assim, a participação, a frequência dele aqui e a formação do
conhecimento específico, o que que era pra está aqui, conhecer políticas,
debater políticas, conhecer leis, isso são dois pontos bem importantes
(CONSELHEIRA B, 2014).
Os conselheiros da COMEV precisam de uma formação específica para
obtenção do devido conhecimento e assim ocupar os cargos com competência
técnica, garantindo assim a qualidade do seu exercício. No Brasil esse
descompromisso com a formação, é um problema histórico, ainda presente em
muitas universidades que “[...]não tem interesse pelo problema da formação de
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professores, o que se está querendo dizer é que ela nunca se preocupou com a
formação específica[...]” (SAVIANI, 2008)103
Se então, não há essa preocupação durante a formação dos profissionais,
a formação dos conselheiros flui pelo mesmo rumo. Apesar, dos imensos esforços
durante sua atuação, os cursos a ele promovidos. Acreditamos que, a preparação
deveria ocorrer, antes e não durante a gestão do conselheiro.
Antes de concluirmos sobre o Conselho como espaço democrático para
definição de políticas públicas, nos interessa ressaltar sobre o movimento de
elaboração do Plano Municipal de Educação, que o conselho está participando
nesse momento.
Por meio dos desdobramentos acarretados pelo 1º CONAE, foi criado o
primeiro fórum municipal permanente na cidade de Vitória, onde todos os
representantes dos conselhos em suas diversas áreas podem discutir a respeito
de um plano municipal de educação interdisciplinar e inclusivo.
O governo federal dá sustento para que o fórum trabalhe e fica a cargo da
Secretaria de Educação auxiliar na construção do plano, visto que é lei e intenção
do setor federal que cada município elabore seu próprio plano de educação
abrindo plenária para a população participar do processo.
Sendo grande desafio para a nação como um todo esse movimento
nacional enquanto municípios.
[...]ninguém está esperando seu plano ser aprovado, todos estamos
trabalhando no seu processo de construção, até porque pra você garantir
a participação de muitos e como muita gente pensa de determinada
coisa, é um processo mais longo [...] Pode haver corte, município
entregue o ensino fundamental, o menino não vai começar do nada, leva
uma carga pra o ensino médio e vai adiante. Então isso aí, até o final do
ano, espero que agente cumpra todas essas plenárias e novembro uma
nova conferencia municipal que agente fecha a etapa do documento,
fecha a minuta de lei que é encaminhada pra câmara que é a câmara de
fato que vai publicar a lei e fazer valer uma expectativa de 2015, isso ser
oficializado. Então o município está trabalhando, o conselho está atuando
muito próximo, acompanhando a participação da escrita mesmo, da
formação do plano. (CONSELHEIRA A, 2014)
Esse momento histórico, onde os conselhos representando a população
estão dialogando com todas as esferas da educação, para a elaboração de um
103
SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto
brasileiro. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.14, n.40, jan./abr. 2008 p 143 – 155.
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Plano Municipal, coeso, abrangente, e direcionado as demandas mais explicitadas
pela população.
DISPOSIÇÕES FINAIS
Concluímos então, baseados nas falas das conselheiras, conjuntamente
com Saviani e os estudos abordados até o momento sobre o papel democrático
dos Conselhos. O Conselho busca articular de maneira tal, que lhe é possível,
fazer a intermediação da população com o Estado e sua inversa. Buscando meios,
como mobilização, consultas, abertura de debates, formação dos conselheiros
juntamente com a legislação vigente e participação efetiva na elaboração das
políticas públicas.
Sabemos que o caminho para uma gestão democrática requer tempo e que
vários obstáculos perpassam sobre o trajeto das instituições representativas
porém, obstante disso, acreditamos que o Conselho Municipal de Educação em
Vitória/ES, continua até o atual momento, esforçando-se para realizar suas
funções em prol da solução das demandas sociais. Atentando-se para realizar
suas funções e cumprir suas atribuições com criticidade.
Almejamos que a elaboração do Plano Municipal de Educação, seja mais
um passo dado em direção a uma educação que emane do povo, atendendo suas
prerrogativas e construindo um cidadão pleno, completo, e crítico.
ABSTRACT: This article aims to explore the role of the City Board of Education in Vitoria, Espirito
Santo / BR in which lends as a democratic space for public policy-making. The methodology used
was exploratory with theoretical basis to analyze the historical-critical pedagogy of Saviani.
Analyzes the look of directors regarding the Council role with civil society in developing educational
policies. It appears that the directors propose democratic actions articulating the best possible
dialogue between society, school and government. We highlight the process that COMEV lives
during 2014, development of the Municipal Education Plan.
KEYWORDS: Council, Democratic Space, Development, Public Policy.
REFERÊNCIAS:
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organizado
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pedido
da
Assessoria
do
MEC,
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Último acesso 19/07/2014
SAVIANI, D. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto
brasileiro. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, v.14, n.40, jan./abr. 2008 p 143 – 155.
Último acesso 19/07/2014
Disponível
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Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
80
A DIALÉTICA NO PROCESSO EDUCACIONAL: O QUE SE REPRODUZ E O
QUE SE PRODUZ NA EDUCAÇÃO ATUALMENTE POR MEIO DO EMBATE
ENTRE AS TEORIAS TRADICIONAL E CRÍTICA
104
Leandro Freitas Menezes
Resumo: A formação da escola tal qual se conhece atualmente é o resultado de diversos embates
ideológicos. Dentre eles o de cunho dominante e tradicional permanece, mesmo sofrendo com as
ações contrárias das teorias críticas. Nesse sentido, pretende-se destacar na área educacional as
características que contribuem para manter a reprodução do existente e, por outro lado, aspectos
que contribuem para produzir o novo. A investigação foi feita por meio de uma pesquisa
bibliográfica. A importância dessa pesquisa reside no fato de se poder compreender o resultado do
confronto entre a teoria tradicional versus a teoria crítica em relação à área educacional. A
investigação mostrou que esses dois aspectos dialéticos e complementares na educação vigente.
Palavras-chave: Educação. Teoria tradicional. Teoria Crítica.
1 INTRODUÇÃO
É demasiadamente complexo tentar entender, olhando para a educação
atual, qual a sua origem. Algumas teorias tentam dar conta disso, entre as quais, a
de que na pré-história os homo erectus cada qual tinham um tipo de conhecimento
que até então não havia sido partilhado. Mas, tão logo partilharam o que sabiam,
os conhecimentos foram se tornando complexos 105 de tal forma que precisava de
alguém que os dominasse e que pudesse ensiná-los abertamente. Foi então que
surgiu a figura do sábio, do mestre e do professor. Dessa forma, com a evolução
do homem e dos processos educacionais formou-se a escola com sua
configuração tal qual se conhece nos dias atuais106.
Mas a configuração da escola foi sem dúvida o resultado de diversas
escolhas em detrimento de outras. Sendo assim, em que intenções se basearam
essas escolhas? E quais fenômenos elas produzem e reproduzem na educação
atual? O desejo de responder a essas questões leva a dizer hipoteticamente que
104
Licenciado em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa pela
Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira / Línguistica Aplicada na Educação pela Universidade Cândido
Mendes – RJ.
105 Brandão (1981) discute que com a separação do “saber” e do “fazer” tornou-se necessário o
surgimento da pedagogia, da instrução especializada e da escola.
106
BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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as intenções são de cunho dominante, por isso tem o intuito de manter o sistema
tradicional. Porém, esse é um sistema falho, e é aproveitando essas falhas que a
crítica, especialmente a de Paulo Freire que é de cunho marxista, contra o sistema
hegemônico se instaura. Assim, em observação a esse cenário dialético entre a
teoria tradicional versus a teoria crítica, nosso objetivo é mostrar que embora a
teoria tradicional e hegemônica tenha deixado suas marcas presentes na
configuração da escola tal qual a conhecemos, o embate com a teoria crítica na
verdade contribui para a criação das novidades. Pretende-se alcançar o objetivo
proposto fazendo uma pesquisa bibliográfica acerca do assunto, observando o
cenário educacional brasileiro.
2 IDEOLOGIA E EDUCAÇÃO
O que significa o termo ideologia? Esse termo possui dois significados: um
neutro e outro advindo da crítica. De acordo com o senso comum, o primeiro
significa um ideário ou discussão de ideias, conjunto de doutrinas etc. No entanto,
para a teoria crítica é uma ferramenta usada para ofuscar a realidade e promover
a dominação não por meio da força física, mas do convencimento e da alienação.
A dominação sobre o ser humano e sobre o meio pode ter surgido acerca
de sete mil anos na passagem da cultura matrística107 para a patriarcal. Na
primeira, a relação com as pessoas da comunidade e de outros povos era
estabelecida por limites e de forma harmônica e não baseadas nas questões
materiais. No segundo, a cultura patriarcal surgiu na Mesopotâmia, quando o
homem começou a desejar dominar o meio e outros povos. Dessa forma, a
história mostra que o que move a humanidade é o desejo de dominar a fim de
obter lucros materiais. Nesse sentido, o saber se tornou um dos principais meios
de submeter pessoas a um determinado regime que interessasse aos
dominadores108 com o propósito de manter esse sistema109.
107 O termo vem da palavra matriz e se refere à mulher.
108 Jean-Jacques Rouseau (1712-1778) acreditava que a dominação começou a partir do
momento em que uma pessoa cercou um pedaço de terra como propriedade sua. Ele dizia, onde
está o homem que não chutou aquelas estacas.
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Mas o que é educação? Enquanto a educação tradicional insiste em
preconizar um tipo apenas de educação, a partir de um pensamento crítico podese dizer que não existe apenas um tipo de educação, mas diversos e isso
independe de escola. Por exemplo, nas aldeias indígenas, os nativos recebem
orientação não apenas de um adulto, mas de vários. De certa forma, tudo aquilo
que envolve o saber envolver também educação e, por meio disso, pode-se
chegar a conclusão de que a educação vigente é hegemônica e está atrelada à
política e à economia. Sendo assim, é aplicada de acordo com a necessidade do
mercado e, por conseguinte, produz indivíduos para suprir a carência desses
mercados. Essa nova forma crítica de pensar a educação pode ser fundamentado
em diversas épocas da história. Por exemplo, na Idade Clássica, a educação era
um privilégio dos nobres. Entretanto, quando os romanos passaram a se dedicar a
vida política, foram abertas escolas também para os plebeus. Mas isso teve
motivação política e econômica110.
É interessante como, o conhecimento, uma ferramenta exercida por
escravos111, porque não interessava aos reis, tenha se tornado algo de extremo
valor. Por exemplo, na Idade Média os reis não dominavam a arte de ler e de
escrever. A atividade intelectual era exercida pela igreja, mas tão logo
descobriram que com isso podiam ser mais superiores passaram a investir nela.
Se por um lado o conhecimento era cultivado pelos nobres, por outro o povo vivia
alienado pelo regime feudal, não enxergando outra possibilidade de vida. No fim
da Idade Média, os burgueses desejaram um regime liberal, objetivando obter
mais lucros, por isso, aliaram-se aos servos para lutarem pela liberdade. O fim do
regime feudal deu ao início do regime republicano (nacionalista). Com implantação
desses regimes foram providenciadas escolas para o povo, mas com intenções
mercadológicas e financeiras. É notório como Karl Marx (1818-1883) notou esses
aspectos para elaborar sua tese sobre o Materialismo Histórico, mostrando que
em diversos períodos os regimes foram sucumbindo porque outro se levantava,
109
MENDONÇA, R. O educador ambiental ensina por suas atitudes. Revista Nova Escola.
Disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/ciencias/fundamentos/rita-mendonca-educadorambiental-ensina-suas-atitudes-426107.shtml. Acessado em: 03 de abril de 2012.
110
BRANDÃO, C. R. O que é educação? São Paulo: Brasiliense, 1981.
111 Os escravos a que se refere são os sábios presentes nas cortes no período da Idade Média.
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culminando assim com o advento do capitalismo. Atualmente, o capital globalizado
ou hiper-liberalismo. Essa nova ordem econômica passou por diversos momentos
de crises112 até os dias atuais, entretanto, sobreviveu porque se alimenta e se
realimenta por meios de seus próprios mecanismos de dominação.
3 ESCOLA, CURRÍCULO E SOCIEDADE
Como foi destacado, o saber é algo importante para os sistemas de
dominação, pois ele orienta as massas o modelo que devem seguir. Nesse
sentido, a escola é a mola mestra para esse sistema de modo que ela veio
incorporando uma configuração tradicional e arbitrária. Assim, aquilo que parece
banal ou natural quando se observa a repartição do espaço físico escolar, a
constituição do corpo pedagógico, do corpo administrativo e outros mais, fazem
parte de um modelo autoritário o qual não se pode questionar sem antes o
conhecer historicamente113. Um bom exemplo disso é a influência do modelo
fordista na educação. Os horários na escola são regulados pela sirene, os alunos
usam uniformes, as carteiras são dispostas, assim como em uma linha de
produção, o processo escolar é dividido em séries, assim como na produção: 1ª
série, 2ª série, 3ª série...etc. Nota-se, com esse comentário, que a intenção da
classe dominante é utilizar a escola basicamente para formar a mão-de-obra
trabalhadora para ocupar os postos de trabalho.
Há
algo
sobre a
escola
que
merece
ser
dito.
A educação é
institucionalizada e de massas, ou seja, controlada por uma máquina estatal que
dita normas e restringe o processo educacional delas. Essa é mais uma
característica da escola tradicional e arbitrária que pouco se percebe.
Mas isso toca em outro ponto chave em que se pode verificar a
desigualdade social promovida pela escola tradicional. Esse ponto o qual se refere
é a diferença entre as escolas. Dependendo da localização e da classe social
112 São elas: a) crise da organização taylorista do trabalho; b) crise do Estado de bem-estar
corporativista; c) crise do Estado intervencionista; d) crise ecológica; e) crise do fordismo global; f)
crise do indivíduo fordista.
113
DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela,
conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110.
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haverá também uma seleção para a matrícula. Além disso, no caso brasileiro
existe a disputa entre escola pública versus escolas privadas. Os liberalistas
defensores da privatização do ensino combatem contra o ensino público,
democrático e de “qualidade” oferecido pelos governos, pois veem a educação
apenas como um objeto que pode ser negociado, isso é prejudicial à sociedade.
Mas não se pode falar de processo escolar sem antes falar de currículo
escolar. Mas qual o significado de currículo? Existem várias definições de
diferentes autores. O termo significa organização do ensino ou disciplina114. Esse
vocábulo é recente, embora realidade escolar e currículo convivam desde a idade
clássica. A constituição do currículo é marcada por inúmeras propostas
pedagógicas. Dessa forma, uma vez que toda proposta curricular é uma
construção social historicizada e depende de inúmeros condicionantes será
sempre algo marcado por conflitos e interesses 115. Ou seja, pela dialética116.
Assim, nota-se que o currículo tem essa característica dual da mesma maneira
que a sociedade. Observando esse detalhe não é difícil notar que um está para o
outro117. Ou, diga-se de passagem, o currículo é o espelho da sociedade, pois ele
vai gerir os atos pedagógicos que formarão o futuro cidadão. Entretanto, embora
seja dividido o modelo tradicional ainda persiste, pois ele é “oculto”. Isso quer dizer
que os hábitos dominantes estão presentes nele, mas de forma velada, tanto que,
seria necessário rever conceitos, práticas e outras relações para se extraí-lo118.
Nota-se que a ideologia tradicional tem proeminência em se tratando de decidir os
rumos do currículo e da escola, porque está inculcado na vida social, regulando
pensamento e ações. E ainda que se negue essa forma de pensamento,
inconscientemente se estará concordando com ela e fazendo uso de suas
práticas. Elas se materializam na medida em que se confirma nos hábitos
114
PACHECO, J. A. O que se entende por currículo? In:______. Escritos curriculares. São Paulo:
Cortez, 2005. p. 30-41
115
PACHECO, J. A. O que se entende por currículo? In:______. Escritos curriculares. São
Paulo: Cortez, 2005. p. 30-41
116 A mesma dialética entre teoria tradicional de origem capitalista e a teoria crítica de Paulo
Freire oriunda de Karl Marx.
117 De acordo com Silva (1995), a estratificação do conhecimento escolar é a estratificação da
sociedade.
118
DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela,
conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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escolares e se institucionaliza na família119. Mas por qual motivo se elaboraria um
currículo com o objetivo de manter um sistema hegemônico e uma massa alienada
a ele? Poder-se-ia dizer que é com o intuito de conservar uma mão-de-obra
manual. Por outro lado forma-se também uma mão-de-obra mental. Em suma,
dizendo de outra forma, é um currículo que tem a finalidade de reproduzir a
desigualdade social.
Outro ponto é a teorização. Teorizou-se demasiadamente acerca da
educação, mas, preocupou-se muito pouco com as questões relacionadas à sala
de aula: as necessidades individuais dos educandos, situação dos educadores,
métodos e práticas120.
Um último assunto é em relação aos livros didáticos. Os livros didáticos
ainda são uma ferramenta para promoção da desigualdade social. Por meio de
uma pesquisa relacionada à Literatura Brasileira constou-se que os livros didáticos
trazem diversos assuntos que discriminam e minimizam etnia, sexo e
nacionalidade121. Além disso, o que se pode pensar até pouco tempo acerca do
descobrimento do Brasil nos livros de história? Ou o fato dos livros dessa mesma
disciplina trazer gravuras sobre a escravatura negra e explicações que denegriam
uma cultura tão rica, que, aliás, contribuiu para a formação da cultura Brasileira?
Sem dúvida fica evidente a resposta de que o livro didático está a serviço do
sistema hegemônico.
3 A FALIBILIDADE NO SISTEMA HEGEMÔNICO E A CRÍTICA
Um sistema político, econômico, social, educacional etc. qualquer que seja
apresenta falhas. Em relação ao sistema capitalista, que intenciona subjugar o
119
DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela,
conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110.
120
DA SILVA, T. T. Qué se produce e qué se reproduce en educación. In:______ Escuela,
conocimiento y currículo. Edic. Miño y Dávila- Bs. As.: 1995. p. 93-110.
121
CONCEIÇÃO, L. C.; MENEZES, L. F. A mulher brasileira na lírica amorosa de Castro Alves: Um
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Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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social, o cultural, a política por meio da economia, comete absurdos na área
educacional que a Teoria Crítica torna visível. Por exemplo, pode-se observar
denúncias acerca dos principais problemas gerados pelas políticas educacionais
vigentes, nos últimos quarenta anos122, valendo-se da teoria crítica do educador
Paulo Freire (1921-1997)123.
[...] bilhões de analfabetos absolutos, funcionais, digitais e políticos;
precária escolarização das camadas sociais subalternas; privilégio da
educação das elites; educação bancária; reprodução dos processos
opressivos em sala de aula; necessidade de reeducação dos educadores
e de oferta de condições de trabalho adequadas e qualitativamente
melhores [...] 124.
Nota-se que é no cerne da questão, nas falhas apresentadas pelo sistema
hegemônico na educação que se instaura a crítica. Observando o cenário
educacional
atualmente,
nota-se
como
está
melhorando,
os
números
apresentados pelo governo são espetaculares: o analfabetismo está diminuindo,
mais crianças na escola, capacitação de professores. No entanto, os números não
correspondem à verdade, pois o ensino ainda é de péssima qualidade, os
professores são mal pagos, as escolas estão sucateadas. Desse modo, formamse cidadãos que não sabem ler e entender o conteúdo da leitura. Isso se confirma
com a declaração da seguinte pesquisa: “Segundo o Instituto Brasileiro de
Alfabetização Funcional (INAF), apenas 26% dos brasileiros entre 15 e 64 anos
mostram-se capazes de ler, entender e resumir textos longos” 125. Esse problema
traz outras implicações. Se o cidadão não tem acesso à leitura que é a ferramenta
que o integrará ao mundo126, como lançará mão dos meio tecnológicos, da
participação política, etc. Além disso, o trato tradicional com os educandos em
122
SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN:
Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai).
123 O Scocuglia (2008) a fim de realizar seu estudo sobre a Pedagogia Crítica utilizou as principais
obras de Freire, entre elas: Pedagogia do oprimido, Pedagogia da esperança, Política e educação,
Pedagogia da autonomia.
124
SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN:
Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai), p. 13.
125
RIBEIRO, V. M. Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional – Brasil. . Disponível em:
http://www.ibope.com.br/calandraWeb/servlet/CalandraRedirect?temp=5&proj=PortalIBOPE&pub=
T&db=caldb&comp=Biblioteca&docid=395FFC0868D770C483256EA0006B1CBE. Acessado em:
30 de maio de 2012.
126 Acerca disso, Paulo Freire (1921-1997) argumenta que o indivíduo privado da capacidade de
leitura é castrado da vida social.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
87
sala minimiza-os na forma de falar, de agir e de se expressar. Essas ações de
muitos educadores tiram do aluno a autonomia que ele precisa para o aprendizado
e, consequentemente, para integrá-lo à sociedade. Por outro lado, mostra que os
educadores que usam tais práticas estão precisando de preparação pedagógica.
Essas ações denunciadas pela pedagogia crítica de Freire advertem a
necessidade de se construir uma educação mais igualitária, diferente da vigente
que privilegia as camadas mais favorecidas. Nesse sentido, o estudioso inscreve
em sua pedagogia respostas e propostas que visam dar mais condições ao
oprimido:
[...] importância das ações dialógicas na educação; impossibilidade da
educação neutra e ênfase da politicidade da educação; necessidade da
conquista da educação crítica pelas vias/estágios da consciência; aparato
educacional voltado para os interesses, valores e necessidades das
camadas oprimidas; combate aos determinismos práticos e teóricos;
busca da consciência da realidade nacional; a educação e a cultura como
exercícios da liberdade; os direitos dos oprimidos ao conhecimento; o
trabalho como uma das matrizes do conhecimento político; a esperança e
a ousadia que combatem o fatalismo e o medo; a construção da
pedagogia da autonomia; as construções dos inéditos viáveis e da utopia
da denúncia e o anúncio; enfim, a educação na história como
possibilidade de mudança127.
Observando as denúncias que a Pedagogia Crítica traz, nota-se que
enquanto esta propõe evidenciar a realidade ao educando e futuro cidadão, a
pedagogia tradicional, ao contrário, procura aliená-lo.
Mas além das denúncias, as respostas e as propostas mostram o porquê e
como fazer. Por exemplo, ao propor uma educação dialógica o educador se
contrapõe a imposição de que a educação está centrada no professor. Ao
contrário, a educação está centrada no educando. Além disso, para haver uma
relação dialógica é preciso que se desconstrua a hierarquia de certo modo, e
também se admita os conhecimentos do educando como válidos para que se
construa o saber. Nesse sentido, o professor servirá como um orientador do
educando, deixando-o a vontade para pensar e se expressar, mas como
orientador deverá sempre fazer os ajustes necessários128. Após explorar os
127
SCOCUGLIA, A. C. Globalizações, política educacional e pedagogia contrahegemônica, IN:
Revista Iberoamericana de Educación, v. 48, p. 9-25, 2008. (Montividéo: Uruguai), p. 13.
128
Essa fala deixa muito clara a questão da autonomia que Paulo Freira defende.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
88
conhecimentos do educando ao máximo, caberá ao professor aguçar as noções
adquiridas apresentando-o outras novidades.
Esse exemplo faz pensar como a pedagogia de Freire é dinâmica e atuante,
ao contrário da tradicional que é cristalizada e estagnada. Não admite outras
estratégias e métodos. Ao contrário, a pedagogia freireana está aberta a novas
formas de trabalho, desde que seja para o benefício do educador e do educando.
É certo que tanto uma atitude quanto a outra produzirão efeitos para a vida social.
A tradicional formará um cidadão estagnado, conformado e alienado. Entretanto, a
crítica formará um cidadão dinâmico, atuante, autônomo e crítico.
Observando a área educacional atualmente, nota-se que a crítica tem
avançado com suas propostas de mudança. Por exemplo, os PCN’s (Parâmetros
Curriculares Nacionais) foram formulados de acordo com a Teoria Crítica,
Tendência Progressista129. Além disso, as universidades federais formam
profissionais de educação mais conscientes quanto à escolha das tendências para
o uso diário na sala de aula.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao estudar os aspectos de constituição da educação e da escola, notou-se
que nas diversas épocas estavam sempre a serviço do pensamento autoritário e
arbitrário. Uma ideologia dominante que visa alienar os indivíduos, ofuscando-lhes
a realidade com finalidades de obter lucros financeiros.
Entretanto, pode-se observar por meio da pedagogia Crítica de Paulo Freire
que esse tipo de regime é falho, por isso, se aproveitando dessas lacunas é
possível desenvolver políticas educacionais que possam fazer um efeito contrário
ao que a ideologia dominante produz, no caso, formar um cidadão conhecedor de
sua realidade, identidade, atuante e crítico.
Considerando esses dois aspectos, verifica-se que a educação atual
funciona a partir dessa dialética: e embora a Teoria Crítica tenha avançado, o
modelo e o pensamento tradicional estão alicerçados de tal modo que para os
cidadãos parece natural. Assim, não existe outro modo de questioná-los sem que
129
MEC/SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio – Brasília: MEC, 2002.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
89
se conheça sua constituição histórica. Por meio do embate entre as teorias
tradicional e críticas podem-se perceber continuidades e descontinuidades no
processo educacional.
Com esse contexto dialético, conclui-se, portanto, que enquanto a
educação tradicional procura conservar seus aspectos homogeneizantes e
arbitrários, a Pedagogia Crítica procura estabelecer o novo onde encontra falhas.
Summary: The school training as it is known today is the result of many ideological clashes.
Among them the dominant and traditional nature remains, even suffering the contrary actions of
critical theories. Accordingly, it is intended to highlight the educational area features that help to
maintain the existing playback and, on the other hand, all of which contribute to produce the new.
The research was done through a literature search. The importance of this research lies in the fact
that we can understand the result of the clash between the traditional theory versus critical theory in
relation to the educational area. Research has shown that these two dialectical and complementary
aspects in the current education.
Keywords: Education. Traditional theory. Critical Theory.
REFERÊNCIA
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30 de maio de 2012.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
90
A IMPORTANCIA DA EDUCAÇÃO SISTEMATIZADA PARA PENITENCIÁRIOS
130
Mariuza Paiva Reis
Jaqueline Maissiat (orientadora)
131
Resumo: Este art. tem por finalidade abordar a importância da pedagogia para as pessoas
privadas de liberdade, que por diversas razões tiveram seu direito de ir e vir livremente suspenso
por tempo determinado pela lei, mas que não perderam, contudo, seus direitos ao respeito, à
dignidade, à privacidade, ao desenvolvimento social e pessoal, à integridade física, psicológica e
moral. A metodologia usada nesta pesquisa será Estudo de Caso, sendo o instrumento de coleta
de dados um questionário que teve como alvo principal os alunos da rede carcerária, com os
professores também abordados, uma vez que a educação é tida como uma das formas de
promover a integração social e a aquisição de conhecimento que permitem aos privados de
liberdade assegurar um futuro melhor quando tiverem de volta a liberdade.
Palavras chave: Pedagogia. Educação. Prisão. Penitenciários. Liberdade.
INTRODUÇÃO
“Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes
brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a
educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.132
Estes escritos partem do pressuposto: O homem é ainda considerado como
provedor da família, mas ele agora se encontra encarcerado. Ele já teve
oportunidades de estudo na infância, na adolescência, mas por razões diversas
não pôde ou não quis usar o direito adquirido por lei de estudar, de ter uma
formação. Agora, preso em uma cela, recebe uma nova oportunidade.
A educação sistematizada será capaz de mudar o rumo de suas vidas?
Qual a importância disso para ele agora? É relevante? Por quê? Qual a diferença
que isso vai fazer na vida dele de agora em diante? Qual a razão que o levou a
sala de alua depois de tantos atropelos?
130
Pedagoga – Faculdade CNEC Vila Velha.
Doutora em Informática na Educação (UFRGS), Mestre e Pedagoga – Multimeios e Informática
Educativa (PUCRS). Professora da Faculdade CNEC de Vila Velha/ES.
132
FREIRE, Paulo. Desafios da educação de adultos frente à nova reestruturação
tecnológica. Seminário Internacional Educação e Escolarização de Jovens e Adultos. Brasília:
MEC, 1997, p. 267.
131
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
91
A educação oferecida no sistema prisional vem sendo discutida em sua
importância no sentido de contribuir com o processo de reinserção social e a
autonomia dos apenados, evitando sua anulação como cidadão de uma
sociedade. Assim sendo, a finalidade deste estudo é responder a seguinte
questão: qual a importância da educação sistematizada para os presos da
Penitenciária Estadual de Vila Velha I do Complexo do Xuri? O objetivo geral
aborda a questão da educação no sistema prisional no Espírito Santo, focando
exclusivamente a Penitenciária Estadual de Vila Velhos I no Complexo do Xuri,
uma vez que a mesma é um direito fundamental de todo ser humano, e a
Constituição lhes assegura este direito. Para alcançar o objetivo proposto, foram
feitas pesquisas documentais, que entre eles estão os que nos foram cedidos pela
equipe do núcleo de Educação da SEJUS em parceria com a SEDU\ES, além de
dados estatísticos sobre a educação em presídios no estado.
A metodologia que será utilizada é uma investigação por estudo de caso,
que consiste em um: “[...] método que implica a recolha de dados sobre um caso
ou casos, e a preparação de um relatório ou apresentação do mesmo” 133, ou
ainda, se refere a uma maneira ou uma forma que se utiliza para fazer uma
investigação de algum fato, acontecimento um método de investigação usado para
descobrir, compreender e até descrever fatos, acontecimentos que por algum
motivo desperta nossa curiosidade. Nesse sentido será realizada, além da
pesquisa documental, uma pesquisa de campo.
PLANO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO NAS PRISÕES
Anexo a Resolução nº 3134, está o documento Anexo I do Seminário
Nacional pela Educação nas Prisões, realizado em 2006 em Brasília. É resultado
do empenho do Ministério da Educação, Ministério da Justiça e da UNESCO no
133
STENHOUSE, 1990, citado em GOMEZ, Gregorio R; FLORES, Javier; JIMÈNEZ, Eduardo.
Metodologia de La Investigacion Cualitativa. Malaga: Ediciones Aljibe, 1996, p. 92.
134
BRASIL. ______. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Do Conselho Nacional de
Política
Criminal
e
Penitenciária.
Disponível
em:
Disponível
em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817>.
Acesso em: 10 set. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
92
Brasil. Desde 2005, estão em parceria em torno do Projeto Educando para a
Liberdade, no sentido de buscar saídas, possibilidades de encarar a crítica
situação que envolve a inclusão social das pessoas privadas de liberdade do
sistema prisional do nosso país. Entre as propostas contidas no Anexo I está a de
que cada estado elabore seus próprios projetos para educação nas prisões.
Sobre este assunto, no Espírito Santo, a Secretaria Estadual da Justiça do
ES (SEJUS) e a Secretaria Estadual de Educação (SEDU) trabalham
conjuntamente a educação nas unidades prisionais (Portaria nº 042 de 21/06/05).
Assim garantiu a criação de salas de aulas nos presídios, dando a possibilidade
dos presos voltarem a estudar. A SEJUS informou que essa parceria criou em
2005, o programa “Portas Abertas para Educação” buscando uma educação para
transformação de vidas. Segundo dados obtidos pela Gerente do Núcleo de
Educação da SEJUS, o perfil da população carcerária em 2005 era formado de
pessoas jovens com menos de seis anos de escolarização e que neste mesmo
ano contava apenas com 80 alunos divididos em dois presídios apenas.
NÚMERO DE UNIDADES PRISIONAIS COM OFERTA EDUCACIONAL.
Em 2009 o programa chegou as 16 unidades onde havia espaço físico para
adequar uma sala de aula. Em 2010, com a reestruturação do sistema prisional,
inauguraram os primeiros presídios com espaço específico para pedagogia, de 2
presídios apenas em 2005, em 2011 pulou para 24 presídios e em 2014 para 30
unidades educacionais em presídios, com 3.600 apenados matriculados, entre
masculino e feminino. Já no Complexo do Xuri em Vila Velha que se divide em
PEVV I, PEVV II, PEVV III, PEVV IV, PEVV V e o CDPVV I, existem 3.876
pessoas presas, mas apenas o CDPVV I não tem aula para os presos e apesar do
número de internos nessas penitenciárias, apenas 987 internos estão estudando.
Segundo informações também da SEJUS\SEDU, está previsto para ser publicado
ainda no ano de 2014 o Plano Estadual de Educação nas Prisões do Espírito
Santo, resultado da proposta do Anexo I do Seminário Nacional Pela Educação
nas Prisões.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
93
O Governo do Estado tem um programa de ressocialização, com cursos de
qualificação profissional, que vão desde os mais simples, como jardinagem e
panificação, até outros como gestão em petróleo e gás. São cursos presenciais e
a distância que acontecem através da Secretaria de Estado da Ciência e
Tecnologia, com o SENAI, além de convênios com empresas que utilizam sua
mão de obra. Todos os internos que estudam ou trabalham têm direito a remissão
de pena.
As principais Leis referentes à Educação no sistema prisional
Está na Constituição Federal135, em seu art. 5º que todos, sem qualquer
diferenciação ou exclusão, são iguais perante a Lei, e no art. 205, assegura que a
educação é direito de todos nós e que o Estado e a família são responsáveis por
isso. Não podemos deixar de mencionar também a da Lei de Diretrizes e Base da
Educação de 1996136. No art. 37, um dos princípios é a igualdade de condições
para o acesso e a permanência na escola para todos inclusive para as pessoas
que não tiveram condições ou oportunidade de estudar em sua infância e
adolescência ela assegura esse direito através da modalidade EJA – educação de
Jovens e Adultos.
No ano de 1984 a Lei de Execução Penal, 7.210137, chega para os presos
como o ECA chega para as crianças e adolescentes, ou seja, como um estatuto,
trazendo direitos e deveres para as pessoas privadas de liberdade. Ela visa a sua
ressocialização e seu acesso a sociedade, e para isso no seu art. 17, assegura ao
preso não só o acesso ao trabalho, mas também a educação. Já no art. 10 ela
define que é dever do estado à assistência ao preso e ao internado (adolescente)
135
BRASIL. Constituição (1988). Vademercum Saraiva. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
Id. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei 9394/96. Brasília: Imprensa Oficial, 1996.
137
Id. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 15 out. 2014.
136
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
94
privados de liberdade, seja homem ou mulher, e no art. 11, diz que essa
assistência será da saúde, social, religiosa, jurídica e entre essas, a educacional.
Essa mesma Lei, em 2011, passa por uma alteração em seus art.s 126,
127, 128 através da Lei nº 12.433138, que faz uma alteração dispondo sobre a
remissão de parte do tempo de execução da pena do preso por estudo ou por
trabalho. Ficando assim: 1 dia a menos de pena para cada 12 horas de frequência
escolar e menos um dia de pena para cada 3 dias trabalhados. Isso veio como um
estímulo e incentivo ao estudo e ao trabalho que além de contar como pena
cumprida.
A Resolução nº 03 de 2009139, do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) estabelece as orientações nacionais para oferta da
educação nos presídios, dispondo de ações que devem estar de acordo com a
legislação em vigor no País e também na Lei de Execução Penal. Essas
orientações buscam estabelecer ações que irão dar condições para o país
enfrentar as grandes dificuldades encontradas no sistema prisional com a inclusão
social dos presos na sociedade. Suas principais ações: buscar um envolvimento
dos gestores federais, estaduais e municipais e bem como da sociedade; buscar a
participação de todas as áreas do governo para juntos pensarem em alternativas
que visem não só a educação não formal e profissional nas penitenciarias, mas
também a possibilidade de implementar a modalidade de educação a distância.
Destaca também a importância de atender aos três eixos principais
estabelecidos no Seminário Nacional pala Educação em prisões realizadas em
2006, que estão no anexo I dessa Resolução. O primeiro fala de Gestão,
Articulação e Mobilização, e para que isso aconteça é de fundamental relevância
que se busque parcerias entre os governos, federal, estadual e municipal e que o
Estado busque parceria entre as secretarias da justiça e da educação para que
138
Id.
Lei nº 12.433, de 29 de junho de 2011. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12433.htm>. Acesso em: 10 set.
2014.
139
______. Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Do Conselho Nacional de Política
Criminal
e
Penitenciária.
Disponível
em:
Disponível
em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=17460&Itemid=817>.
Acesso em: 10 set. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
95
juntos ofereçam uma educação de qualidade para o sistema prisional de seus
estados.
O segundo eixo trata da formação e valorização dos profissionais
envolvidos, visando à formação continuada não só dos professores, mas que
envolva também todos os profissionais que trabalham no sistema penitenciário. E
que incluam a formação para a EJA nos cursos de licenciatura em Pedagogia.
Além disso, que os professores e também os educandos tenham apoio
psicológico,
terapêuticos,
ajudando
assim
no
desempenho
de
ensino-
aprendizagem.
O terceiro eixo trata dos aspectos Pedagógicos, em que cada estado possa
elaborar seus próprios projetos pedagógicos levando em consideração a realidade
do sistema prisional de seu estado. Ainda, incentiva a gestão local a criação de
material didático voltados para a EJA e que se faça um currículo específico para
educação nas prisões. Quanto ao professor, que ele possa ter autonomia na
avaliação do seu aluno, entre outros. Tudo isso para que o professor e demais
funcionários tenham qualificação e preparação para o trabalho e, os educandos
recebam uma educação de qualidade e saiam para a liberdade preparada para o
convívio em sociedade.
A Resolução nº 2140 do Conselho Nacional de Educação/2010 discorre
sobre as direções na EJA privados de liberdade, nos estabelecimentos prisionais.
Nunca esquecendo que qualquer ação deve estar de acordo com a legislação
vigente e a Lei de Execução Penal. Devendo a Secretaria de a Educação ser
responsável pela oferta de educação prisional, bem como favorecer a realização
de ensino em todos os turnos.
A educação nos presídios seguirá as Diretrizes Curriculares Nacionais de
Educação e também ao tratar de estágio supervisionado. Propõe também que
haja um calendário único entre os presídios e, as ações para oferta de educação
da EJA venha a público por meio do relatório anual. Estabelece que as
autoridades competentes providenciem espaço físico adequado para que se
140
BRASIL. Resolução nº 2, de 19 de maio de 2010, do Conselho Nacional de Educação –
Câmara de Educação Básica. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
content&view=article&id=17460&Itemid=817>. Acesso em: 04 out. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
96
possam colocar em prática as atividades educacionais, e mais, que os
educadores, gestores e técnicos que trabalham nas penitenciárias deverão
participar de programas de formação inicial e continuada observando as
particularidades da Lei de Execução Penal.
Já na Lei 10.172/2001141 do Plano Nacional de Educação que prevê a
implantação em todas as unidades prisionais e nos estabelecimentos que
atendam adolescentes e jovens em conflito com a lei, de programas de EJA de
nível fundamental e médio, formação profissional com fornecimento de material
didático pedagógico pelo Ministério de Educação, além da oferta de educação a
distância.
Vemos ainda que o Decreto nº 7.626 de 2011142, institui o Plano Estratégico
de Educação no sistema prisional, tendo como objetivo a ampliação e a
qualificação do ensino dentro das instituições carcerárias, não só com a EJA, mas
com a educação profissional e tecnológica, e a educação superior. O decreto
orienta que por meio da educação haja reintegração do apenado, além de
possibilitar atendimento educacional para as crianças em que as mães estão
presas. Encoraja a criação de planos estaduais de educação prisional tendo como
meta tanto a formação educacional dos alunos, quanto a formação e capacitação
dos professores e profissionais envolvidos e para que isso aconteça é
imprescindível integração entre a SEDU e a SEJUS.
EDUCAÇÃO SISTEMATIZADA NAS PRISÕES
De acordo com os dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informação
Penitenciário – InfoPen, no mês de junho de 2011 o Sistema Penitenciário
Brasileiro contava com mais de meio milhão de pessoas encarceradas. No Espírito
Santo, neste mesmo período, eram 12.108 entre homens e mulheres. O perfil
dessas pessoas como informa o Departamento Penitenciário Nacional e o IBGE é
na sua grande maioria, formado por aqueles de baixa renda, vivendo em condição
141
Id. Lei 10.172, de 9 de Janeiro de 2001. aprova o Plano Nacional de Educação.
Id. Decreto 7.626, de 24 de novembro de 2011. Institui o Plano Estratégico de Educação no
âmbito do Sistema Prisional.
142
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
97
de pobreza e com pouca ou nenhuma escolarização. Como assim sinaliza
Julião143,
O perfil dos presos reflete a parcela da sociedade que fica fora
da vida econômica. É uma massa de jovens, do sexo masculino
(96%), pobres (95%), não brancos (afrodescendentes) e com
pouca escolaridade. Acredita-se que 70% deles não chegaram a
completar o Ensino Fundamental e 10% são analfabetos absolutos.
Cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos — idade economicamente
ativa — e, em sua maioria, estavam desempregados quando foram
presos e viviam nos bolsões de miséria das cidades (p.23).
As prisões eram para ser um lugar de recuperação e ressocialização para
que as pessoas, quando saíssem, tivessem condições de reintegração na
sociedade. Porém não é assim, a vida nos presídios brasileiros, em sua maioria
não traz benefício algum. A convivência nos presídios é de hostilidade, frieza,
violência e maus tratos, enfim, um ambiente sub-humano como vemos
frequentemente nos noticiários nacionais e locais sobre o caos no sistema
prisional. Segundo Coelho144:
A nossa realidade é arcaica, os estabelecimentos prisionais, na
sua grande maioria, representam para os reclusos um verdadeiro
inferno em vida, onde o preso se amontoa a outros em celas (seria
melhor dizer em jaulas) sujas, úmidas, anti-higiênicas e super
lotadas, de tal forma que, em não raros exemplos, o preso deve
dormir sentado, enquanto outros revezam em pé.
Com a Lei de Execução Penal 7.210/84145 o sistema prisional ganhou novas
diretrizes que veio garantir legalmente direitos as pessoas privadas de liberdade, e
entre esses direitos está o direito a educação. Como podemos ver nos artigos,
Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado,
objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em
sociedade. Art. 17. A assistência educacional compreenderá a
instrução escolar e a formação profissional do preso e do
internado. Art. 18. O ensino de 1º grau será obrigatório, integrandose no sistema escolar da Unidade Federativa.
143
JULIÃO, Elionaldo Fernandes. Educação para jovens e adultos privados de liberdade: desafios
para a política de reinserção social. IN: BRASIL. Salto para o futuro: EJA e Educação Prisional.
Brasília: SEED-MEC, 2007.
144
COELHO, D. V.. A crise no sistema penitenciário brasileiro. [on line]. Disponível em:
<http://neofito.com.br/artigos/penal134.htm>. Acesso em: 02 fev. 2003, p.. 1
145
BRASIL. Lei de Execução Penal, nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7210.htm>. Acesso em: 15 out. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
98
Na visão de muitos da sociedade, o presidiário é um indivíduo destituído de
todo o direito, que não deveria ter qualquer acesso a direitos assegurado as
pessoas de bem, já que ele cometeu crime e fez a opção de ser “bandido”, e a
educação é vista como um privilégio. Devido a isto questionamo-nos: mas como
trazer de volta esse indivíduo para o convívio com a sociedade sem que ele tenha
tido uma assistência adequada? Na opinião de Julião146: “A opção por tirar da
ociosidade uma grande massa da população carcerária, levando-a a sala de aula,
não constitui privilégio, como querem alguns, mas, sim uma proposta que
responde ao direito de todos a educação”.
A educação nos cárceres é tanto para a escolarização e profissionalização,
bem como para desenvolver o processo de humanização, ela vai além dos direitos
declarados na lei. Ela é o caminho para a reinserção a sociedade e ao mundo do
trabalho e uma forma mais digna para as pessoas privadas de liberdade, e o
objetivo da pesquisa é saber a importância da pedagogia para essas pessoas.
Além dos benefícios da instrução escolar, o preso pode vir a
participar de um processo de modificação capaz de melhorar sua
visão de mundo, contribuindo para a formação de senso crítico,
principalmente resultando no entendimento do valor da liberdade e
melhorando o comportamento na vida carcerária.147
Baseada nas sansões legais e com apoio da literatura, aqui mencionadas,
será realizada uma análise em que tanto os reclusos quanto o professor do
sistema prisional irão expor suas impressões, tendo por base suas experiências,
para que então possa se fazer uma relação entre a teoria e a prática.
Estudo de caso
Essa pesquisa foi realizada no Complexo Penitenciário do Xuri, em Vila
Velha, formado por 6 presídios, todos masculinos e com um total de 3.876
146
JULIÃO, 2007, p. 30.
Id. O impacto da educação e do trabalho como programas de reinserção social na política de
execução penal do Rio de Janeiro. Rev. Bras. Educ, Rio de Janeiro, v.15, n. 45. set./dez. 2010, p.
3.
147
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99
condenados. Destes, apenas 987 estudam atualmente, sendo que dos 6 presídios
que compõe o Complexo do Xuri, um não tem aula, que é o CDPVV I – Centro de
Detenção Provisória de Vila Velha.
A Educação no Sistema Prisional é realizada por meio da modalidade EJA,
que Vieira148 entende como: “A educação carcerária se realiza em um contexto de
educação de jovens e adultos (EJA)”. Esse direito, como já vimos anteriormente,
está garantido na Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e Base de 1996 e na
Lei de Execução Penal.
A realização da pesquisa foi especificamente na Unidade I do Xuri, que
como nas outras unidades do Complexo as aulas acontecem somente de manhã e
a tarde, no Xuri não tem aula à noite. São 116 alunos no turno matutino, com
ensino médio e séries iniciais e 114 no turno vespertino, com ensino fundamental,
num total de 230 alunos nessa unidade. O espaço educacional é dividido em seis
salas, cinco são salas de aula e uma a sala dos professores e pedagogos.
Não foi possível aplicar questionário para todos os detentos aprendizes,
mas os resultados obtidos permitiram conhecer e refletir sobre o tema pesquisado.
Segundo Gil149
Por essa razão, o mais frequente é trabalhar com uma amostra, ou
seja, com uma pequena parte dos elementos que compõem o
universo. Quando essa amostra é rigorosamente selecionada, os
resultados obtidos no levantamento tendem a aproximar-se
bastante dos que seriam obtidos caso fosse possível pesquisar
todos os elementos do universo.
No entanto, foi aplicado questionário a uma professora que também exerce
a função de pedagoga da unidade e a 42 estudantes encarcerados. As perguntas
contidas nos questionários buscaram saber das pessoas presas e da professora
sobre a importância da educação formal para a vida deles (presos). É um
questionário semiaberto com 13 perguntas para os apenados e outro questionário
com 10 perguntas abertas para a professora\pedagoga.
148
VIEIRA, Elizabeth de Lima Gil. Trabalho Docente: de portas abertas para o cotidiano de uma
escola prisional. 2008. 136f. Dissertação (Mestrado em Educação). Pontifícia Universidade Católica
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008, p. 37.
149
GIL, A. C. Como elaborar projetos de Pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 121.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
100
Seguem os resultados da pesquisa com a participação de 18,26% dos
jovens e adultos que frequentam as aulas na Unidade I do Xuri. Para preservar a
identidade dos penitenciários, seus nomes foram substituídos por letras e
números, por exemplo: P15.
O mais jovem dos estudantes encarcerados tem 20 anos e o mais velho, 42
anos, tendo uma média por idade de 29,6 anos, que segundo Julião 150, é uma
massa de jovens, do sexo masculino e cerca de 60% têm entre 18 e 30 anos —
idade economicamente ativa. A grande parte dos estudantes está presa há 3 e 5
anos, o que equivale a 45% dos entrevistados. E estes são a maioria que ainda
ficará por 3 e 5 anos cumprindo pena no presídio.
Perguntado aos alunos sobre o grau de escolaridade antes de entrar na
prisão, o que observamos foi que praticamente 50% deles haviam entrado com o
ensino fundamental incompleto. Vale ressaltar que esses alunos hoje, participam
da classe de ensino médio, e foi por indicação da pedagoga que se fizesse o
questionário com as turmas do ensino médio, devido ao grau de dificuldade que os
alunos do ensino fundamental teriam para responde o questionário.
Quanto ao tempo que frequentam as aulas oferecidas no presídio e 30%
respondeu que entre seis meses a mais de um ano, sendo que um dos alunos
frequenta há uma semana apenas. Conforme o sociólogo Salla151, é importante à
procura pelo ensino dentro do sistema prisional: “[...] por mais que a prisão seja
incapaz de ressocializar, um grande número de detentos deixa o sistema
penitenciário e abandona a marginalidade porque teve a oportunidade de estudar”.
Apesar de ter várias opções, o que foi mais evidenciado nas respostas
como motivo que os levaram a frequentar as aulas foi “Quero ter melhores
chances de vida quando sair daqui” seguido por “Gosto de aprender”. Ainda outros
motivos elencado como cita P02, “Incentivar a minha família”, ou ainda como cita
P22, “Ajudar as pessoas da minha família”. “Trabalhar cedo para ajudar a família”,
motivo escolhido como a principal razão de não ter frequentado a escola na idade
certa. Cinco dos alunos que participaram da pesquisa responderam que “Não
150
JULIÃO, 2007.
SALLA, Fernando Afonso. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Annablume,
1999, p. 67.
151
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
101
acreditava que o estudo fosse ajudar em alguma coisa”, já outros responderam
que foi por ter se envolvido no crime, envolvimento com drogas e roubos,
influências ruins, e isso inclusive fez com que eles estivessem onde estão hoje, na
prisão.
[...] dentre as características mais importantes dessa política
econômica liberal desatacam-se o individualismo, o consumismo, a
alta taxa de desemprego, forte exclusão social, marginalização de
grande parcela da população, ausência de políticas públicas na
área da educação, saúde, lazer, etc. Parece não haver dúvida que
todos esses fatores influenciam decisivamente na criminalidade
urbana [...] o jovem consegue superar duas ou três dessas
características negativas, mais que isso, seu ingresso na via
criminosa é quase inevitável l[...].152
A grande maioria, ou seja, 71% acha ótima a forma de dar aula de sua
professora, vindo depois com 24% os que acham boa, seguidos dos que acham
regular com 5% das respostas. Destaca-se, ainda, que apenas 7% dos alunos
acham que a metodologia usada pela professora não facilita a aprendizagem,
contra todo o restante, 93% dizendo que sim. Vemos logo abaixo os porquês dos
sim e dos nãos assinalados pelos alunos do presídio. Entre as razões que os
levaram a marcar o sim, destacamos: P14 “Eles são especiais da educação, na
verdade são mais que isso, são mestres da educação.”, P04 “O desempenho dos
professores aumenta a vontade de aprender para quando sair, saber viver na
sociedade”.
Embora esteja em um espaço repressivo, o, professor mantém na
sala de aula a valorização da dimensão social e afetiva no
relacionamento com os alunos, uma vez que a riqueza da relação
pedagógica fundamenta-se, independentemente do espaço em
que a escola esteja inserida, nas ‘formas dialógicas de interação’.
153
Ao serem questionados como se consideravam como alunos, todos foram
unanimes em dizer que se consideravam bons alunos. Destaca-se ainda na
análise dos dados, o principal motivo que contribuiu para que eles estivessem na
152
GOMES, Luis Flávio. Neoliberalismo, Urbanização desordenada e Miséria = Criminalidade e
Violência.
Disponível
em:
<http://www.proomnis.com.br/publique_html/article.php?
store=20040705160644153>. Acesso em: 26 set. 2006.
153
ONOFRE, E.M.C. Educação escolar entre as grades. São Carlos: Edufscar. 2007, p. 26.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
102
situação que se encontram hoje, o que vem somar com a pergunta anterior.
Quando questionados da razão que os impediram de estudar na idade certa,
responderam que, não estudaram na idade certa por tem sidos obrigados a
trabalhar para ajudar na sobrevivência da família, e consequentemente tiveram
poucas oportunidades e hoje onde estão, atrás das grades.
Dos 33 dos 42 alunos que participaram da pesquisa disseram acreditar que
a vida vai melhorar agora que estão estudando, 6 dos 42 que participaram,
disseram que vai facilitar um pouco, 2 dos 42 não souberam dizer e apenas 1
disse que não vai fazer diferença os estudos na vida dele.
E finalizando o questionário de pesquisa com os alunos encarcerados,
temos uma pergunta que é muito pessoal, que mexe com as emoções, os sonhos
e esperanças. Você acredita que sua vida vai melhorar agora que está
estudando? Falas de alguns: P19 “Porque todo mundo tem chance de mudar e o
estudo abre a mente para varias formas de vida mais adequadas, e quem sabe
um estudo superior”. P22 assim se posiciona: “Esse é o primeiro passo e a minha
primeira chance de provar para todos e a mim mesmo que sou capaz de mudar e
de me regenerar”. Já P30 dá foco à família: “Porque tenho dois filhos que estão
crescendo longe de mim, e pretendo ser um pai melhor, um filho melhor e um
marido, ou seja, um cidadão melhor”. Pelas respostas podemos observar que
apesar de estarem numa prisão, alguns com uma semana, outros com quatro,
cinco, dez anos presos, carregam consigo a esperança e o desejo de uma vida
melhor, com mais oportunidades e mais justa.
Para a professora foi elaborado um questionário com dez perguntas
abertas. Iniciamos perguntando sobre o seu tempo de atuação na educação
prisional, ao que ela nos respondeu que há três anos atua como professora e
pedagoga no sistema prisional, ela trabalha na PEVVI que foi o local de nossa
pesquisa de campo e também trabalha no IASES, e não dar aulas em outras
escolas.
Questionada se fez algum curso especializado para dar aulas em presídios,
ela nos respondeu que não, mas que é pós-graduada em alfabetização da EJA e
nos informou ainda que existe formação para professores nesta área. Sobre a
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103
metodologia utilizada com os alunos da penitenciária I do Xuri, a professora disse
ser diferente, pois “cada unidade tem seu método, procedimento”.
Em seguida perguntamos qual a metodologia mais indicada para o ensino
na penitenciária do Xuri. Ela destacou a metodologia de Paulo Freire, onde o
professor e aluno discutem suas expectativas de vida, busca saber o que é
importante para o aluno, procura conhecer suas dificuldades, seus conflitos e
realidade para dai leva-los a terem uma visão critica e compreensão do mundo.
Na opinião dela, essa metodologia não se aplica apenas na penitenciária do Xuri,
mas em qualquer outra.
Bem diferente das respostas dada pela maioria dos alunos ao serem
questionados sobre a motivação dos mesmos para assistiram as aulas, para a
professora os jovens e adultos dos presídios frequentam a sala de aula por causa
da remissão de pena.
De acordo com a professora, a medida que os alunos começam a
frequentar as aulas o seu comportamento muda, amadurecem psiquicamente e o
perfil dos que frequentam as aulas é de bom comportamento e se interessam.
“Educar é preparar para pensar certo, no sentido de tornar apto a agir, a mudar, a
criar, a inovar, criticar, cooperar, a recomeçar ou voltar atrás se for preciso, a ter
esperança e comprometimento com o futuro e, ainda, conhecimento”. 154
Por último perguntamos se ela acreditava que os estudos poderiam mudar
a vida dos presos, e ela respondeu:
Sim. Se não acreditasse não estaria aqui. Acredito que são alunos
comuns que mesmo com os problemas que tiveram lá fora são
muito capazes de crescimento mental, estrutural. Alguns deles
estão aqui por falta de perspectiva de vida, e nós professores
estamos aqui para fazer a diferença na vida de cada um que aqui
se encontra, que faça com que tenham curiosidades, fatos do
momento, pois os mesmos estão privados de liberdade e por
ficarem muito tempo trancados minorizam seus crescimento e
conhecimentos comportamental e psíquico.
154
LORENZI, G. M. A. C. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EDUCAR OU INFORMAR? Visão
Acadêmica, Curitiba, v. 4, n. 2, p. 129-136, Jul.- Dez./2003.
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104
Ambas as partes questionadas concordam que a educação faz a diferença
em nossas vidas, em nossa sociedade, e vimos o entusiasmo deles não só nas
respostas escritas, mas, em suas falas, olhares e gestos pela chance recebida, e
que foi curioso. Cabe ressaltar que em nenhum momento foi mencionado que a
educação é um direito de todos, mesmo que esse direito não tenha chegado a
todos. Acreditar é o primeiro passo para que mudanças aconteçam, e acreditamos
que a educação contribuirá para ressocialização e reintegração dessas pessoas a
sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o número da oferta pela educação nos presídios seja insuficiente,
pois de acordo com os dados das pesquisas a maioria dos encarcerados está fora
das salas de aula, ainda que a educação nos cárceres caminhe lentamente; já
podemos vislumbrar o início do que pode vir a ser, o que na verdade já deveria
ocorrer, todos os presídios com salas de alua e vagas suficientes para todos que
quisessem uma chance de uma vida melhor.
Não podemos dizer que apenas a educação resolverá a questão da
criminalidade e nem mesmo que poderá resolver a desigualdade social mas
podemos dizer que ela é um caminho para e que todos deveriam ter o direito de
caminhar por ele, pois, assim, como Paulo Freire, cabe a nós envolvidos nesse
processo, contribuir para a ressocialização social das pessoas presas.
Acredito que seja nosso dever criar meios de compreensão de
realidades políticas históricas que deem origem a possibilidades de
mudanças. Penso que seja nosso papel desenvolver métodos de
trabalho que permitam aos oprimidos (as), pouco apouco,
revelarem sua própria realidade.155
Qual a importância da educação formal na vida das pessoas privadas de
liberdade afinal? A importância é que a educação o qualifica para o trabalho, a
educação traz de volta o sentimento de dignidade, porque com educação ao sair
155
FREIRE, Paulo. A Educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2001, p. 35.
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105
da prisão serão melhores do que quando entraram. Porque a educação devolve o
direto de sonhar com uma vida melhor, porque a educação o insere na sociedade.
Porque com a educação ele se valoriza e tem valor no mercado. Porque com a
educação ele eleva sua autoestima, ele se sente incluído e não mais excluído.
Porque com a educação um novo horizonte se abre e sonhos começam a ser
possíveis.
Abstract: This papers main objective is to address the importance of pedagogy to liberty deprived
individuals, which for any reason, had the right of come and go suspended by the law, but which did
not loose however the right to respect, dignity, privacy, and physical, psicological and moral
integrity. The methodology used in this paper was Case Study, with the data gathering instrument a
questionary targeted to encarcerated students - with the teachers also approached -, given that
education education is seen as a form to promote social integrity, and knowledge acquisition that
allow convicts to ensure a better future for when they return to freedom.
Keywords: pedagogy. Education. Prison. Convicts. Freedom.
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Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
107
O DIREITO À EDUCAÇÃO: CONDICIONANTES DO ACESSO À ESCOLA
PÚBLICA DE QUALIDADE NO ESPAÇO RURAL NO MUNICÍPIO DA SERRAES
156
Michele Pazolini
Marcelo Lima 157
Mizael Fernandes de Oliveira 158
Resumo: O artigo relaciona o histórico da conquista dos direitos sociais, políticos e civis no Brasil,
ressaltando o direito à educação, que se constitui em pressuposto do exercício da cidadania e para
o uso consciente dos demais direitos. A metodologia pautou-se em um estudo exploratório
qualitativo. Este trabalho objetiva evidenciar a realidade da oferta educativa no contexto dos limites
do direito à educação para àqueles que vivem no campo no está município da Serra – Espírito
Santo. Essa é uma cidade integrante da região metropolitana que em pleno desenvolvimento
econômico, mas que ainda possui graves problemas sociais. A pesquisa revelou que o direito à
educação para a população do campo ainda é um grande desafio, pois muitas são as
precariedades no funcionamento das instituições escolares.
Palavras-chave: Direito à educação. Educação do campo. Qualidade social.
Introdução
Numa sociedade cada vez mais complexa, as diferenças econômicas e
desigualdades não se resolvem pelo processo de acumulação. É na esfera
pública, por meio da institucionalização de direitos que a coletividade reconhece
que todos devem participar não só da política, mas também da produção da
riqueza e do conhecimento. É por meio do Estado, com o fornecimento de
determinados serviços públicos que o poder público coloca todos os indivíduos na
mesma condição de cidadania.
A educação escolar, componente fundamental da democracia está situada
na condição direito social que se insere no conjunto de bens imateriais
necessários e decisivos na inserção social de todos os indivíduos. Além disso, a
educação é elemento básico e imprescindível ao pleno exercício da cidadania,
156
Graduanda no Curso de Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo.
([email protected])
157
Professor Doutor no Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo. Membro
do OBEDUC- CAPES e PPGE-UFES ([email protected])
158
Professor Mestre no Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Nova Venécia.
([email protected])
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
108
bem como ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e usufruir a
igualdade de oportunidades.
A educação escolar é um direito, certificado, principalmente a partir da
Constituição Federal de 1988, que tem sido tema de muitas elaborações e
investigações entre os pesquisadores que indicam alguns avanços, mas na
maioria das vezes destacam as inúmeras desigualdades de acesso à educação de
qualidade social.
Buscando enfrentar esta problemática, este trabalho baseou-se numa
metodologia pautada em um estudo exploratório qualitativo e teve como objetivo
evidenciar a realidade da oferta educativa no contexto dos limites do direito à
educação para àqueles que vivem no campo situado no contexto urbano, no
município da Serra – Espírito Santo.
O crescimento urbano com incremento nos números da economia e da
população local podem não garantir uma oferta escolar e uma estrutura
educacional adequadas, sobretudo no que diz respeito às modalidades e para
certos segmentos sociais que historicamente tem seu direito negligenciado por
parte do poder público nos vários níveis.
Na educação do campo é possível identificar um dos setores da oferta
escolar que tanto em nível local, como em nível nacional, evidencia várias
precariedades que tem a ver com as condições objetivas, mas também
pedagógicas das escolas do campo.
Neste sentido, cabe dar relevo à oferta das modalidades de ensino que na
realidade indicam a incompletude e precariedade do direito à educação escolar
para evidenciar os grandes desafios que a educação escolar ainda possui para
sua consolidação na condição de direito.
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109
Direito à educação no Brasil
Ao longo dos séculos, o direito à educação vem se ampliando nas diversas
sociedades e países. No Brasil, encontra-se ainda inconcluso e a educação se
constituiu em um processo lento, ambíguo e contraditório (Horta) 159. Já na primeira
Constituição (1824) foi prescrita na sua forma gratuita, mas em termos muitos
restritos a todos os cidadãos num processo histórico de avanços e recuos.
O direito à educação não era descrito e a determinação da gratuidade
escolar, sem as devidas prescrições, não era suficiente para assegurar a
freqüência e a matrícula. Deste modo, tornou-se necessário determinar, além de
gratuita, obrigatória a educação, conceitos esses essenciais para afirmar o direito
à “instrução primária”. Ao fim do Império, os embates sobre a gratuidade e
obrigatoriedade não avançaram e o poder público não estava interessado em
assumir essa obrigação.
Na Primeira República, o ensino primário foi definido como gratuito e
obrigatório. A educação no Brasil é impulsionada a partir da década de 1930, o
Manifesto dos Pioneiros da Educação (1932), que segundo Saviani (2006) 160,
propunha-se realizar a reconstrução social pela reestruturação educacional,
entendendo, a educação como uma função essencialmente pública, baseando-se
os princípios da laicidade, gratuidade e obrigatoriedade; tem forte influência sobre
esse avanço na legislação, bem como a industrialização que começou a ser
impulsionada nesta época, se tornam agentes ativos para que os cidadãos fossem
minimamente instruídos.
A gratuidade, a obrigatoriedade e a educação como um direito são
asseguradas na Constituição Federal de 1934, obrigando o poder público a ofertar
o ensino primário, bem como fixando a ideia de um sistema nacional de educação.
Art 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrado, pela
família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la a
brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que possibilite
eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e desenvolva
159
HORTA, J S B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Caderno de pesquisa nº 104. P.
5-34, Jul. 1998.
160
SAVIANI, DERMEVAL. ET AL. O legado educacional do século XX no Brasil. Autores
Associados 2º Ed., 2006.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
110
num espírito brasileiro a consciência da solidariedade humana. (BRASIL,
161
CF. 1934, Art.149)
Pela primeira vez na história do país a educação passa a ser reconhecida
como um direito de todos os cidadãos, sendo designada a sua oferta por parte do
pelo poder público e responsabilidade da família.
A educação é um direito em si e pressuposto básico para o usufruto dos
demais direitos (Carvalho, 2006)162, se constitui enquanto um elo de acesso aos
mais variados tipos de bens culturais. A educação também propicia a
emancipação do indivíduo, já que por meio dela os indivíduos têm acesso a
diversos saberes e conhecimentos que o permitirão participar de maneira
autônoma e plena nos diferentes espaços da sociedade (Saveli; Tenreiro,
2012)163.
A educação está situada enquanto um direito social. Marshall, em seus
estudos históricos sobre os direitos, descreve que os direitos sociais são aqueles
que garantem um bem-estar econômico e social mínimo, onde o cidadão pode
levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na
sociedade.
A educação é elemento básico e imprescindível ao pleno exercício da
cidadania, bem como ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e
usufruir a igualdade de oportunidades. Segundo Marshall:
A educação das crianças está diretamente relacionada com a cidadania,
e, quando o Estado garante que todas as crianças serão educadas, este
tem em mente sem sombra de dúvida, as exigências e a natureza da
cidadania. Está tentando estimular o desenvolvimento de cidadãos em
formação. O direito à educação é um direito social de cidadania genuíno
porque o objetivo da educação durante a infância é moldar o adulto em
perspectiva. Basicamente, deveria ser considerado não como direito da
criança freqüentar a escola, mas como o direito do cidadão adulto ter sido
educado (...). A educação é pré-requisito necessário da liberdade civil
164
(Marshall, 1967, p.73) .
161
BRASIL.
Constituição
Federal
1934.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 dez. 2014
162
CARVALHO, J M de. Cidadania no Brasil. O Longo Caminho. 3ªed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2006, p. 33.
163
SAVELI, E de L. TENREIRO, M O V. A educação enquanto um direito social: Aspectos
históricos e Constitucionais. Revista Teoria e prática da Educação, v. 15, n° 2, p. 51-57,
maio/agosto. 2012.
164
MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. p.73. Rio de Janeiro: Zahar.1967.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
111
Dessa forma, a educação se constitui como direito genuíno atrelado ao
conceito de cidadania, que está direitamente ligado aos direitos sociais, políticos e
civis. O direito social refere-se aos direitos ao bem comum, incluem o direito à
educação, à saúde, ao trabalho, ao salário justo. Os direitos civis dizem respeito
ao direito à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei. Os direitos
políticos como afirma Carvalho (2006)165, “consiste na capacidade de fazer
demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar e ser votado” (p. 09)
Marshall problematiza a ordem do surgimento dos direitos na Europa,
segundo este autor, há uma ordem lógica e cronológica, de tal modo que a
introdução de um direito estaria acoplada ao exercício pleno de outro. A conquista
destes direitos se deu de grande mobilização nacional, ocorrendo revoluções e
reivindicações para que chegassem ao alcance pleno desses direitos.
Em grande parte dos países da Europa, o primeiro direito a ser conquistado
foi o direito civil no século XVIII, seguido de reivindicação pelos direitos políticos e
conquistados no século XIX, e por fim, o exercício da liberdade e a participação
política tornaram possível a conquista dos direitos sociais no século XX.
José Murilo de Carvalho, em sua obra clássica “Cidadania no Brasil – O longo
caminho” compara a ordem do surgimento dos direitos no Brasil com a Europa,
atestando que a introdução dos direitos no Brasil, ao contrário de como aconteceu
na Europa, não foi resultado de lutas ou mobilizações nacionais.
Os primeiros direitos a serem introduzidos foram os direitos sociais na
década de 1930, durante a Era Vargas. Nesta fase, os direitos sociais eram
tomados como favor à população e serviam a determinados interesses políticos
restritos, destoando de uma concepção mais ampla de direito como tal e mais
ainda, excluindo a população do campo (Carvalho, 2006) 166.
Ao descrever sobre o surgimento dos direitos sociais na década de 1930, o
autor destaca a exclusão dos trabalhadores rurais, que na época representavam a
maioria da população brasileira, e que não foram contemplados com os privilégios
165
166
CARVALHO, J M de. Op. Cit. p. 09.
CARVALHO, J M de. Op. Cit. p. 88.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
112
inerentes das políticas sociais. Somente em 1963 os trabalhadores rurais passam
a serem incluídos na legislação social.
Contudo, ainda hoje, estes cidadãos têm limitados os seus direitos se
comparados aos cidadãos da área urbana, uma vez que as precárias condições
de infraestrutura, como estradas, rodovias, ferrovias, hospitais, escolas e demais
equipamentos públicos acabam por prejudicar o acesso aos bens coletivos
comuns. Isso implica limitar estes cidadãos. Assim, o homem do campo, se torna
menos titular de direito que a maioria dos homens na cidade.
A Educação Rural: breve contextualização
O tema da educação rural apresenta uma ampla discussão e por muito
tempo não foi sequer citado nas constituições do Brasil. Por muitos anos,
observou-se uma luta para que as políticas públicas pudessem também atender a
educação do campo.
Os avanços na legislação para a educação do campo são recentes. Nem
mesmo na Constituição Federal de 1988 foram assegurados de forma direta os
direitos para a educação dos que vivem no campo. Mas, o direito à educação para
todos, incluía de forma indireta a população do campo.
É consenso que é dever do Estado ofertar uma educação pública de
qualidade para todos, mas quando visto de perto, sabemos que as escolas rurais
são marcadas por contradições acerca desse direito básico.
A educação rural apresenta problemas graves de origem; ou seja,
planejada a partir da escola urbana, a escola rural parece tão alienada do
seu meio quanto o são também as escolas urbanas para as classes
167
populares (WILLIS, 1991, P. 4) .
Neste sentido, observamos certa inadequação das unidades escolares
rurais com a realidade do campo, uma vez que, como citado acima, as escolas ali
localizadas não são pensadas e planejadas para atender as especificidades e
singularidades do público em questão.
167
WILLIS, P. Aprendendo a ser trabalhador Porto Alegre: Artes Médicas, 1991, p.4.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
113
Isso faz com que estas escolas se tornem lugares pouco atrativos e
desconectados das reais necessidades dos alunos do meio rural, deixando de
atender efetivamente os objetivos para a educação pública do campo, como a
LDB propõe em seu artigo 28:
Art. 28º. Na oferta de educação básica para a população rural, os
sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua
adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região,
especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural (BRASIL,
1996)168.
Apesar de a LDB 9394/96, mencionar, pela primeira vez de maneira direta a
singularidade da oferta da educação básica no campo, ainda existe uma grande
disparidade entre o plano teórico e a realidade educacional vivenciada nas zonas
rurais do Brasil.
É consenso que é preciso pensar e criar políticas efetivas que atendam as
singularidades da população do campo, colocando o homem rural no centro da
discussão, como explicita Kolling:
O propósito é conceber uma educação básica do campo, voltada aos
interesses e ao desenvolvimento sócio-cultural e econômico dos povos
que habitam e trabalham no campo, atendendo às suas diferenças
históricas e culturais para que vivam com dignidade e para que,
organizados, resistam contra a expulsão e a expropriação. Não basta ter
escolas do campo, ou seja, é necessário escolas com um projeto políticopedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à
169
cultura do povo trabalhador do campo (KOLLING, 1999, p. 29) .
Por mais que no campo teórico as discussões e debates acerca das
necessidades e especificidades do homem do campo levantem os problemas e
carências deste grupo social, a realidade face às prescrições legais ainda se
apresenta enquanto contraditória e injusta. Salvo que ainda não conseguimos
168
Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
169
KOLLING, E J. Por uma educação básica no campo. Fundação Universidade de Brasília,
1999, p.29.
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114
observar uma real aplicabilidade efetiva e eficaz dos ricos debates do campo
teórico acerca das questões levantadas acima.
Como veremos a seguir, os desafios para a educação do campo, nos
possibilitarão a compreender como vem sendo assegurado o direito à educação
para os moradores que vivem na zona rural do município da Serra - Espírito
Santo.
A realidade da Educação Rural no município da Serra
O município da Serra está localizado na Região Metropolitana da Grande
Vitória170 e compreende um território de aproximadamente 551,687 Km² de
extensão, se destacando por ser o maior município em tamanho territorial dessa
região.
Esse município, localizado ao norte de Vitória, distante 28 quilômetros da
capital, faz fronteira ao norte com o município de Fundão, ao sul com Cariacica e
Vitória, a oeste com Santa Leopoldina e a leste com o Oceano Atlântico. É cortado
pela BR 101 a qual favorece seu fluxo de ligação com os principais centros
econômicos, industriais e financeiros do país. Este município é dividido em 05
regiões administrativas: Queimado, Calogi, Nova Almeida, Serra–Sede e
Carapina.
O município da Serra, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) é o mais populoso do estado do Espírito Santo com uma
população,
em
2010,
de
409.267171
habitantes
com
localização
172
predominantemente urbana, 99,3% do total (IBGE, 2010)
.
Quanto à sua participação no PIB estadual, o município é o segundo mais
rico do Espírito Santo. Apresentou, segundo o Instituto Jones dos Santos Neves
170
A Região Metropolitana da Grande Vitória, constituída pelos municípios de Fundão, Serra,
Vitória, Vila Velha, Viana, Cariacica e Guarapari, se destaca por ser a região mais urbanizada,
populosa e desenvolvida do Espírito Santo.
171
De acordo com a estimativa feita pelo IBGE para o ano de 2014, a população do município da
Serra, chegou próximo de 476.428.
172
IBGE. Censo demográfico 2010/2012. Vitória: IBGE, 2012. Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=320500&search=espirito-santo|serra>
<http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=es>. Acesso em: 10 dez. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
115
(IJSN) para o ano de 2012, uma participação de 13,84% do PIB capixaba, ficando
atrás apenas da capital Vitória (IJSN, 2012)173.
Em contrapartida, em dados sociais, este município apresenta uma
discrepância considerável quanto aos dados econômicos. O município da Serra é
o município com a maior taxa de homicídios do estado.
O Espírito Santo, segundo os dados do Mapa da Violência 2013, o qual
informou sobre os homicídios que envolvem a Juventude no Brasil, é o segundo
estado do país com maior taxa de homicídios, chegando a 47,4 assassinatos por
100 mil habitantes. Entre os homicídios de jovens no Brasil, o município da Serra
ocupa o 10° lugar, com 187 homicídios para cada 100 mil habitantes
(WAISELFISZ, 2013)174.
Podemos observar que esse vigoroso desenvolvimento econômico não vem
sendo acompanhado pelo desenvolvimento social e humano. A partir dessa
constatação geral acerca da realidade deste município, voltaremos à atenção, de
maneira pontual, para a educação rural, como veremos a seguir.
A pesquisa foi realizada durante o mês de Fevereiro de 2013, na Escola
Municipal de Belvedere, com o consentimento da diretora desta escola. Para a
realização desta, foram utilizados instrumentos como máquina fotográfica,
gravador e diário de campo.
A Escola Municipal de Belvedere está situada no distrito de Calogi, zona
rural do município da Serra, ficando, aproximadamente, apenas 5 km do centro da
cidade. Conta com as seguintes modalidades de ensino: Educação Infantil e
Ensino Fundamental (anos iniciais). Assim como nas demais escolas rurais deste
município, esta escola não oferta o ensino fundamental anos finais e o ensino
médio.
173
IJSN.. Estudos econômicos. PIB Municipal. Vitória, 2012. Disponível em:
http://ijsn.es.gov.br/Sitio/index.php?option=com_content&view=category&layout=blog&id=51&Itemi
d=126. Acesso em: 30 dez 2014.
174
WAISELFISZ, J J Homicídios e Juventude no Brasil – Mapa da violência 2013. Centro
Brasileiro de Estudos Latino Americanos - CEBELA. Rio de Janeiro 2013. Disponível em:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2013/mapa2013_homicidios_juventude.pdf. Acesso em: 31
dez. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
116
A Escola Municipal de Belvedere, funciona como “núcleo” de outras 6
escolas rurais dessa região na Serra. Putiri, Santiago, Muribeca, Itaiobaia, Parque
Residencial Nova Almeida e Chapada Grande, são as chamadas “classes”,
atendendo um quantitativo de aproximadamente 500 alunos, oriundos de famílias
de trabalhadores do campo e moradores que trabalham na zona urbana do
município.
No Brasil, as escolas rurais são marcadas pela alta taxa de abandono e
reprovação, denunciando a histórica precariedade do ensino nessas regiões.
De acordo com o Censo Escolar de 2012, existiam 75.678 centros de
ensino na zona rural. Estudo divulgado pelo Instituto CNA, com base no
levantamento do censo, deste total, 508 escolas apresentavam problemas graves
de infraestrutura, em que, dentre outros problemas, não apresentavam água
filtrada, esgoto sanitário e energia elétrica. (ICNA, 2012)175.
Esse descaso do Estado brasileiro para com as escolas rurais tem
comprometido a sua manutenção e bom funcionamento. De acordo com o Censo
Escolar (2000 – 2011), 40.935 estabelecimentos de ensino localizados na zona
175
ODSC / IEPSA Observatório das desproteções sociais no campo. Instituto de Estudos e
Pesquisas Sociais e do Agronegócio. Escolas Esquecidas. Edição 2014. Disponível em:
http://icna.org.br/sites/default/files/artigo/escolas_esquecidas_edicao2014.pdf. Acesso em: 01 jan.
2015.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
117
rural do país deixaram de funcionar entre os anos analisados, correspondendo a
35% do total (BRASIL, 2011)176.
O Espírito Santo, neste contexto, figura entre os 10 estados brasileiros que
mais tiveram escolas fechadas entre os anos de 2000 a 2011, correspondendo a
45,28% das escolas rurais capixabas (BRASIL, 2011)177. Esse movimento de
esvaziamento da educação do campo agrava um processo mais amplo de
migração econômica que também passa a ter um componente escolar importante.
Para os que ficam nas localidades longe das unidades que permanecem
funcionando constata-se a imposição de longos percursos que na maioria das
vezes não conta com o devido suporte logístico do poder público regional ou local.
Esta situação conflita com as prescrições legais contidas na LDB e no
Estatuto da Criança e do Adolescente, que determinam que os alunos tenham o
direito de estudarem próximos aos seus domicílios.
No município da Serra, esta situação parece ser mais latente, uma vez que
dado o baixo número de estabelecimentos de ensino na zona rural (7 unidades),
poderá provocar a vinda forçada destes alunos do campo para estudarem nas
escolas urbanas, aumentando ainda mais a dificuldade de acesso à educação.
O referido município tem aproximadamente, 2817 moradores, segundo o
censo demográfico (IBGE, 2010)178, vivendo na área rural e apresenta cada vez
mais dificuldade de fixação do homem do campo, dadas as especificidades do
setor primário, e, ao mesmo tempo apresenta um vertiginoso processo de
crescimento populacional urbano.
A realidade encontrada pelas escolas rurais da Serra, neste contexto,
merece atenção especial e urgente por parte do poder público municipal. Sem o
devido respeito ao direito à educação dos alunos e correspondente investimento
176
BRASIL,
Censo
Escolar
2000-2011
Educação
Básica
Disponível
em:
<http://dados.gov.br/dataset/microdados-do-censo-escolar>
<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_c
enso_educacao_basica_2012.pdf>. Acesso em: 01 jan. 2015.
177
BRASIL, Censo Escolar 2000-2011 Educação Básica. op. cit.10.
178
IBGE. Censo demográfico 2010/2012. Vitória: IBGE, 2012. Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=320500&search=espirito-santo|serra>
<http://www.ibge.gov.br/estadosat/perfil.php?lang=&sigla=es>. Acesso em: 10 dez. 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
118
público no espaço escolar, as unidades de ensino tornar-se-ão ainda mais
vulneráveis, podendo vir a fechar as portas tanto por falta de alunos quanto por
falta de condições que retroalimentam a própria evasão.
Durante a ida a unidade de ensino, pode-se observar situações precárias. A
escola em questão não possui uma área fixa destinada à biblioteca, possui um
refeitório pequeno; não possui nenhuma área recreativa para os alunos; não
possui sala de professores, forçando-os a planejar suas aulas no corredor da
escola; não dispõe de um funcionário que exerce a função de porteiro, dentre
outras.
Segundo a diretora desta escola, essas condições de precariedade,
somadas a outras, como o escasso fluxo de transporte público coletivo nesta
região, acaba, de certa forma, prejudicando a atratividade por parte dos
profissionais da educação da rede municipal em querer trabalhar na área rural
deste município.
Se nesta escola, que é núcleo, encontramos estes agravantes, nas classes
(demais escolas rurais) a situação era ainda mais alarmante. As aulas dessas
escolas, até o dia 28/02/2013 sequer haviam começado e as aulas da Escola
Municipal de Belvedere iniciaram no dia 25/02/2013. Vale ressaltar que as
atividades das escolas municipais do município da Serra, haviam começado no dia
04/02/2013.
A diretora da Escola Municipal de Belvedere, também administrava as
outras seis escolas rurais existentes no município da Serra. Segundo a diretora, se
houvesse pelo menos mais um diretor (a), um para ficar na parte pedagógica e
outro para a parte administrativa, talvez fosse essa a “solução” para essas escolas
rurais.
Segundo ela, o seu trabalho se torna difícil, já que a mesma tem que responder
por todas as classes e o núcleo, ressaltando que nem todas estão localizadas
próximas uma das outras.
Ao observarmos a infraestrutura das escolas rurais do município da Serra,
constatamos que algumas escolas dependem, exclusivamente, do abastecimento
de água através de carros-pipas, como no caso das escolas de Putiri e Santiago.
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119
Segundo a diretora, quando as escolas não são atendidas por este serviço, ficam
impossibilitadas de funcionar, uma vez que não possuem o abastecimento mais
elementar de água para beber, para limpeza e para preparo de merenda escolar.
No que diz respeito ao deslocamento dos alunos, observamos que a
maioria mora longe da escola, e conta com o sistema de transporte da prefeitura,
que contratam Kombis para o seu deslocamento. Contudo, dada a especificidade
da zona rural, em períodos chuvosos o transporte desses alunos fica
comprometido, pois as vias rurais se caracterizam por estradas não asfaltadas ou
calçadas.
A partir da realidade relatada acima acerca das escolas rurais do município
da Serra, inferimos que estas estão sendo esquecidas e desfavorecidas se
comparadas ás escolas urbanas pela administração pública municipal. Tornandose, assim, espaços defasados e carentes de intervenções eficazes para o
desenvolvimento e progresso do ensino ofertado na zona rural deste município.
Estes condicionantes podem de certa forma, comprometer a efetividade do
direito à educação, já que o acesso, a permanência e a qualidade são violadas de
forma ainda mais evidente nas zonas rurais. Tais dificuldades impõem aos alunos
muitos obstáculos logísticos e de ordem estrutural que tem origem administrativa e
política que estão a minar o direito do aluno de ter uma educação de qualidade.
Conclusão
Como foi exposto neste trabalho, apesar dos progressos presenciados nas
legislações
no
Brasil
acerca
dos
diferentes
direitos
dos
cidadãos
e,
especificamente, no campo da educação, observamos uma disparidade entre a
teoria e a realidade vivenciada.
É sabido que a educação, situada enquanto um direito social se constitui
como um ponto de partida para o cidadão exercer os demais direitos e usufruir a
igualdade de oportunidades.
O direito à educação, neste sentido, é entendido como direito fundamental
dos cidadãos e assinalado por diferentes teóricos como direito humano. O Estado,
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
120
neste contexto, tem o dever de assegurar a todos a garantia do acesso a este
direito fundamental.
Contudo, ainda hoje, observamos certa exclusão ao acesso aos direitos de
todos os cidadãos. Esta situação se agrava quando direcionamos nossa análise à
realidade vivida pela população rural, a qual tem violados, de maneira mais
acentuada, os seus direitos básicos.
As dificuldades que foram e ainda são encontradas pelos povos do campo
na luta por uma educação de qualidade (BREITENBACH, 2011) 179, infelizmente
estão longe de serem superadas.
Na zona rural do município da Serra, objeto desta pesquisa, pode-se
constatar situação discrepante das escolas rurais em relação às demais escolas
localizadas na zona urbana. Tal situação se agrava quando se trata do município
mais populoso, um dos mais ricos do Espírito Santo cujo crescimento econômico
tem sido o maior do estado.
Não obstante, este elevado desenvolvimento econômico, não vem sendo
acompanhado pelo desenvolvimento humano e social. A educação, neste
contexto, parece também não acompanhar este progresso municipal, já que a
realidade educacional encontrada, principalmente, na zona rural reforça esta
constatação.
Ou seja, dadas as condições que estão postas aos alunos e aos demais
profissionais da educação do campo, em que os problemas graves de infraestrutura básica das instituições públicas de ensino municipal, somadas as
precárias vias de circulação e transporte, bem como à falta de saneamento básico
em algumas escolas desta região, acabam por prejudicar diretamente o acesso, a
permanência, e de maneira mais acentuada a qualidade da educação oferecida
neste contexto rural.
179
BREITENBACH, F V Educação do Campo no Brasil: uma história que se escreve entre
avanços e retrocessos. Revista espaço acadêmico, nº 121.jun/2011. Disponível em:
http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/download/12304/7068
.Acesso em: 29 dez 2014.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
121
Não estaria, neste contexto, o direito à educação sendo negado a estes
alunos? Nossa resposta caminha para validar tal inferência, uma vez que não são
dadas as condições mínimas que garantam o acesso e a permanência dos alunos
nas escolas municipais da zona rural do município da Serra.
Em nossa análise, fica evidente a negligência do poder público em não
garantir, de maneira digna, uma educação de qualidade, bem como aparatos
necessários para o pleno desenvolvimento da educação rural neste município.
Concluímos que a implementação do direito à educação só será possível se
existir uma equidade no trato da educação do campo face à educação urbana.
Não basta, como vem ocorrendo neste município, transferir os alunos da zona
rural para estudarem nas escolas urbanas, diminuindo os já escassos
investimentos na manutenção da educação do campo.
A nosso ver, esse direito só será garantido e contemplado, se as unidades
de ensino rurais passassem a ser pensadas a partir da realidade do campo,
reconhecendo os alunos da zona rural como sujeitos dos mesmos direitos dos
demais cidadãos, fornecendo a estes no mínimo condições dignas de acesso e
permanência nas instituições públicas de ensino.
Ou seja, a partir da realidade observada nas escolas da zona rural do
município da Serra, inferimos que o direito à educação para a população do
campo num espaço majoritariamente urbano ainda é um grande desafio.
Identificamos ainda muitas precariedades no funcionamento das instituições
escolares que comprometem o acesso do alunado do campo ao direito à
educação
numa
cidade
integrante
da
região
metropolitana
em
pleno
desenvolvimento econômico, mas que possui ainda graves problemas sociais.
Abstract: The article relates the history of the conquest of the social, political and civil in Brazil,
emphasizing the right to education, which constitutes a condition for the exercise of citizenship and
the conscious use of other rights. The methodology was characterized in a qualitative exploratory
study. This work aims at identifying the reality of educational provision in the law limits the context
to education for those living in rural areas in the municipality is of Serra - Holy Spirit. This is a city
member of the metropolitan region in full economic development, but also has serious social
problems. The survey revealed that the right to education for the rural population is still a big
challenge, because many are the precariousness in the functioning of schools.
Keywords: Right to education. Rural education. Social quality.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
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123
ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL: ALGUNS ESTUDOS E
APONTAMENTOS
180
Paulo da Silva Rodrigues
Rogério Drago181
Israel Rocha Dias182
Resumo
Este artigo é um recorte da pesquisa intitulada “O programa nacional de alimentação escolar no
Espírito Santo: tensões entre estado e mercado no processo pioneiro de terceirização” e tem como
objetivo discutir, por meio de um estudo teórico-bibliográfico, sobre o panorama de pesquisa
referente a alimentação escolar no Brasil, objetivando, assim, traçar uma parte do “estado da arte”
acerca da temática, contribuindo, para que outras pesquisas sejam realizadas com tal foco, uma
vez que a temática Alimentação Escolar tem feito parte do debate educativo nacional e
internacional tanto no sentido de qualificar os gastos com a alimentação quanto no sentido de
mostrar/denunciar a ingerência de muitos recursos.
Palavras-chave: Alimentação escolar. Merenda escolar. Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE.
Palavras Iniciais
Este artigo tem como objetivo discutir, por meio de um estudo teóricobibliográfico, sobre o panorama de pesquisa referente à alimentação escolar no
Brasil, objetivando traçar uma parte do “estado da arte” acerca da temática,
contribuindo, assim, para que outras pesquisas sejam realizadas com tal foco, já
que a temática Alimentação Escolar tem feito parte do debate educativo nacional e
internacional tanto no sentido de qualificar os gastos com a alimentação quanto no
sentido de mostrar/denunciar a ingerência de muitos recursos.
Para tanto, partimos do pressuposto de que os problemas relacionados à
alimentação de modo geral sempre estiveram presentes na vida do brasileiro. De
acordo com Coimbra et al. (1982)183, é no momento mesmo que se começa a
povoar o território, surgindo as primeiras vilas e cidades, que se inaugura o
180
Mestre em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Professor e Diretor de Escolar do Sistema Municipal de
Ensino de Vitória-ES.
181
Mestrando em Educação pelo PPGE/CE/UFES. Pedagogo. Bolsista Capes.
182
Doutor em Educação PUC-Rio. Professor do Centro de Educação e do Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFES.
183
COIMBRA, M. A. S. et al. Comer e aprender: uma história da alimentação escolar no Brasil. Belo
Horizonte - MG, INAE/MEC, 1982.
Revista FACEVV / ISSN 1984-9133 / Vila Velha / Número 13 / Jul. / Dez. 2014
124
“problema de abastecimento” no Brasil. Este problema foi provocado pela
escassez da oferta de alimentos localmente produzidos, pois as unidades agrárias
dedicavam seu esforço principal às culturas de exportação de alta rentabilidade, e
os preços elevados dos alimentos importados.
É nesse contexto, em virtude dos problemas causados pela ausência da
alimentação dos escolares brasileiros, que, no ano de 1954, foi criado o Programa
Nacional de Alimentação Escolar, considerado um dos maiores programas de
alimentação escolar do mundo, que, de acordo com Chaves; Brito (2006) 184, tem
como principal objetivo atender as necessidades nutricionais dos alunos durante
sua permanência em sala de aula, contribuindo não só para o crescimento, o
desenvolvimento, a aprendizagem e o rendimento escolar dos estudantes, mas
também para promover a formação de hábitos alimentares saudáveis.
Percebemos que este Programa, no decorrer de sua história, assume
diferentes contornos que estão ligados ao desenvolvimento de políticas inseridas
num contexto histórico e social conflituoso e complexo, inerente das sociedades
coordenadas pelo Estado e também pelo mercado, refletindo muito as
particularidades daqueles que estão no poder.
Alimentação escolar: alguns estudos
Os anos 1990 representam um marco na história do nosso país no que se
refere às mudanças ocorridas no contexto político e econômico. Esse período de
transformações e de redefinição do papel do Estado, em defesa do Estado
mínimo, colocou o mercado como o agente principal do desenvolvimento social e
econômico, o que provocou um aumento das demandas sociais, causadas pela
abertura do mercado para um mundo globalizado e pela reestruturação dos
sistemas de produção.
No decorrer da história do Programa Nacional de Alimentação Escolar,
percebemos que as relações entre as instituições, Estado e mercado exerceram
184
CHAVES, L. G.; BRITO, R. R. Políticas de alimentação escolar. Brasília: Centro de Educação à
Distância-CEAD, Universidade de Brasília, 2006.
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fortes influências no desenvolvimento do Programa que, segundo Pereira
(1999)185, são instituições criadas pela sociedade para coordenar e controlar a
vida social e a produção de bens e serviços, realizada por indivíduos e empresas.
O caminho percorrido pelos programas alimentares no contexto histórico
brasileiro e mundial se dá de modo complexo decorrente, dentre outros aspectos,
do modo como se enxerga a proposta de governabilidade ou assistência.
Buscando entender um pouco mais sobre este processo e como ele está sendo
visto pelo meio acadêmico, assim como seus possíveis avanços e/ou retrocessos,
apresentamos alguns estudos que tiveram, como foco analítico, a merenda
escolar, seus programas, modalidades de gestão, dentre outros aspectos
correlatos, em diferentes contextos.
Nessa perspectiva, Stefanini (1997)186 desenvolveu estudo intitulado
“Merenda Escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das
necessidades nutricionais da criança no município de Santos”.
A partir da reconstituição da história do Programa de Alimentação Escolar
no Brasil, a autora investiga, mais especificamente, as contribuições que essa
política pública, executada desde a década de cinquenta, ofereceu aos escolares
no que tange ao atendimento de suas necessidades nutricionais.
Esse estudo abordou também a capacidade potencial da merenda no
atendimento de necessidades nutricionais específicas de escolares.
Stefanini (1997, p. 85) enfatiza que “a reconstituição da história do
Programa de Merenda Escolar permitiu conhecer o seu forte componente político
e entender interesses econômicos que sempre o cercaram”.
A autora salienta que o principal objetivo do Programa era o de melhorar a
qualidade da alimentação e nutrição do escolar, e que “suas metas foram
185
PEREIRA L. C. B. Sociedade civil: sua democratização para a reforma do Estado. In: PEREIRA, L. C. B.;
WILHEIM, J.; SOLA, L. Sociedade e Estado em transformação. São Paulo: UNESP; Brasília: ENAP,
1999.
186
STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das
necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997.
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praticamente constantes ao longo de sua existência: fornecer de 15% a 30% das
necessidades energéticas e protéicas dos escolares de 7 a 15 anos de idade”
(1997, p. 85)187. Mas, para o alcance desses objetivos, seria necessário oferecer
quantitativos diferentes, já que é preciso observar aspectos como idade, sexo e
atividade física, e isso não ocorre.
O Programa quase sempre apontou a merenda como um meio eficaz
para diminuir a prevalência da desnutrição, entretanto as avaliações
elaboradas no decorrer de sua existência somente levaram em conta os
números das merendas distribuídas e das escolas atendidas, não
havendo preocupação com aceitação e eficácia do programa
(STEFANINI, 1997, p. 85).
Já, os estudos de Arruda e Almeida (2005)188, na tentativa de entender qual
é a função de um programa dessa natureza e, ainda, identificar se sua
implementação pode possibilitar a ampliação e o consumo de mercadorias,
estabeleceram um paralelo entre a fome e o Programa Nacional de Alimentação
Escolar em nosso País, procurando não só identificar as necessidades que
determinam a sua implementação, as razões indicadas para que a instituição
escolar assuma a distribuição de alimentos, bem como apontar a importância e o
lugar que o PNAE assume numa sociedade produtora de mercadorias.
Segundo as autoras,
[...] é certo que a classe trabalhadora tem fome e muito pouco para
saciá-la, de vez que, em nossa época, nem sempre consegue vender a
“única riqueza” de que dispõe: sua força de trabalho; é certo, também,
que o capital tem “fome” (quem sabe mais voraz!) de ampliação de
capital, de lucro (ARRUDA; ALMEIDA, 2005, p. 90).
A partir dos dados apresentados no estudo, as autoras constatam que “a
história do atendimento alimentar de crianças, não por mera coincidência, esteve
sempre determinada por interesse de mercado, ou seja, a resposta à fome
constituiu sempre um grande negócio” (p. 108).
187
STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das
necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997.
188
ARRUDA, E. E.; ALMEIDA, C. M. A mercantilização do Programa Nacional de Merenda Escolar.
Intermeio: Revista do Mestrado em Educação. Campo Grande-MS, 2005.
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Outro fato importante apontado no estudo de Arruda e Almeida (2005) está
relacionado à maneira cínica como a fome é tratada, como se fosse possível
combatê-la com a implementação e execução de programas assistencialistas
como o PNAE, Programa de Segurança Alimentar, Vales de todo tipo, dentre
outros.
Arruda e Almeida (2005, p. 109)189 salientam ainda que “a forma de
combate à fome consiste, na sociedade capitalista, em oportunidade de expansão
do mercado” [...], e, se a escola da atualidade não tem conseguido cumprir com
suas funções de ordem pedagógica, cobradas veementemente por todos nós, por
que essa instituição tem que assumir mais esta responsabilidade, a de distribuição
de alimentos aos escolares?
Diante do exposto, podemos considerar que, de qualquer maneira, seja
qual for a modalidade de gestão na execução do PNAE, centralizada ou
descentralizada, este Programa estabelece fortes vínculos com a questão do
mercado. Acreditamos que enquanto houver fome haverá sempre alguém muito
interessado em supostamente combatê-la, mas não em saciá-la. Precisamos
ressaltar que, além do interesse do mercado, há também os interesses políticoseleitoral-partidários.
Exemplo disto é a forma como PNAE vem sendo desenvolvido em quase
todo o País, oferecendo apenas uma refeição diária, igualmente servida aos
escolares, sem levar em consideração as reais necessidades energéticas e
protéicas de cada um, inviabilizando dessa forma o alcance do seu principal
objetivo, que segundo Chaves e Brito (2006, p. 19) 190 é “[...] atender às
necessidades nutricionais dos estudantes, durante sua permanência em sala de
aula, contribuindo para o crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e o
rendimento escolar dos estudantes”.
189
ARRUDA, E. E.; ALMEIDA, C. M. A mercantilização do Programa Nacional de Merenda Escolar.
Intermeio: Revista do Mestrado em Educação. Campo Grande-MS, 2005.
190
CHAVES, L. G.; BRITO, R. R. Políticas de alimentação escolar. Brasília: Centro de Educação à
Distância-CEAD, Universidade de Brasília, 2006.
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128
Entretanto, segundo Stefanini (1997, p. 86)191
Observa-se nos cardápios e nos alimentos oferecidos nas diversas
épocas até a atualidade, que nutrientes de importância no quadro
epidemiológico da população brasileira, têm sido frequentemente
esquecidos, três deles podem ser destacados nesta análise: o ferro, a
vitamina C e a vitamina A. Os dois primeiros por serem fatores
determinantes da anemia e a vitamina A cuja carência se constitui em
um dano social muito presente em áreas do Nordeste se estendendo
aos bolsões de pobreza em Minas, Rio de Janeiro, São Paulo e outros.
A Declaração do III Congresso internacional de Alimentação Escolar para a
América Latina Carta do Recife (CARTA DO RECIFE, 2007)192 recomenda aos
gestores públicos e privados, parlamentares, técnicos e sociedade que “a oferta
de alimentos no ambiente escolar deve estar adequada às necessidades
alimentares e nutricionais específicas de cada faixa etária e as condições de
saúde dos escolares”.
Sobre essa questão, queremos acrescentar que, se o objetivo principal do
Programa é atender às necessidades nutricionais dos estudantes, não seria
necessário a realização de um diagnóstico para conhecimento da realidade
nutricional dos escolares em cada Município em que o Programa é desenvolvido
e, a partir daí, oferecer a alimentação de acordo com suas reais necessidades?
A partir do exposto, considerando os objetivos do Programa e a forma como
vem sendo desenvolvido, podemos dizer que com a realização de um diagnóstico
dessa natureza ficasse evidente a necessidade de um atendimento com refeições
diferenciadas, de acordo com as reais carências nutricionais dos alunos, mediante
um maior acompanhamento, controle e fiscalização das ações do PNAE, em vez
de um suposto atendimento universalizado que desconhece as deficiências
nutricionais dos estudantes, em que há oferta da alimentação, mas não há
atendimento a todos os escolares.
191
STEFANINI, M. L. R. Merenda escolar: história, evolução e contribuição no atendimento das
necessidades nutricionais da criança. Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da
Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Saúde Pública). Universidade de São Paulo, 1997.
192
CARTA DO RECIFE. Declaração do III congresso internacional de alimentação escolar para a
América Latina carta do Recife. Recife, de 29 a 31 out., 2007. Disponível em
<www.larae.org/doc/cartadorecife.pdf>.
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129
Outro estudo que merece destaque foi desenvolvido por Nogueira (2005) 193
que, objetivando entender acerca do Programa Nacional de Alimentação Escolar
como política pública na cidade de Campinas – SP, faz um estudo em que aborda
a visão histórica do Programa, sua contextualização histórica, a terceirização e a
implementação do programa de alimentação escolar na referida cidade, dentre
outras questões que contribuem para o entendimento e estudo aprofundado da
proposta de aplicação do programa de merenda.
Nessa pesquisa, a autora destaca que historicamente o programa de
alimentação escolar,
[...] foi o primeiro a utilizar sistematicamente a suplementação alimentar,
apresentava-se como um programa organizado, coerente e de grande
importância social à medida que atuava como proteção à futura mão-deobra trabalhadora (NOGUEIRA, 2005, p. 18)194.
Isso mostra claramente o caráter compensatório que o programa
apresentava em sua gênese.
No que se refere ao desenvolvimento do Programa em Campinas, a autora
destaca que sua implementação foi complexa, pois foi dificultada pela
irregularidade de envio dos produtos alimentícios, o que causou grande
desperdício desses gêneros, que se estragavam em virtude da expiração dos
prazos de validade; pouca aceitação pelo corpo discente dos produtos formulados;
falta de infraestrutura material, física e de profissionais capacitados ao
desenvolvimento do programa e alto custo; além de uma série de outras
dificuldades que inviabilizaram o processo, que seguia um padrão de parceria
entre o Governo Estadual e Federal.
Diante desse cenário o governo do Estado de São Paulo, em
cumprimento à política de descentralização e em iniciativa anterior ao
193
NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso
de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de
Campinas, 2005.
194
NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso
de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de
Campinas, 2005.
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130
governo federal, desenvolveu o Programa de Municipalização da
Merenda Escolar, firmando com os Municípios o Convênio de
Municipalização da Merenda Escolar (NOGUEIRA, 2005, p. 45).
Esse estudo aponta que o documento norteador da política de
descentralização apresenta algumas vantagens relativas ao processo de
municipalização do Programa. Dentre as vantagens, o documento destaca a
possibilidade de elaboração de cardápio compatível com o hábito alimentar dos
alunos, variedade e incorporação de produtos in natura, aquisição de produtos
típicos e produzidos na região, impulso na geração de empregos, agilidade na
distribuição dos alimentos, dentre outros, que incidiam sobre a diminuição do valor
unitário de cada refeição.
Apesar disso, a municipalização do Programa não logrou o êxito esperado,
pois vários entraves foram detectados, inclusive no próprio corpo do texto legal,
contribuindo para o fracasso da proposta, dada a escassez de recursos
financeiros a cargo dos Municípios. A autora destaca, ainda, que alguns dos
objetivos propostos da municipalização/descentralização não foram atingidos,
como por exemplo, a superficialidade da incorporação de alimentos in natura, não
incremento do comércio e produção local, além de não envolver a comunidade no
Programa. Esses, dentre outros fatores, levaram à proposta de terceirização na
gestão do programa em Campinas, a partir de 1997.
O governo municipal de Campinas, quando optou em um período da
gestão do Programa de Alimentação Escolar, pela terceirização dos
serviços, [...], talvez tenha tido a visão empresarial, mais do que a visão
da política pública de caráter educacional que representa a prestação
desse serviço aos alunos da escola pública (NOGUEIRA, 2005, p.
141)195.
A autora salienta que a implementação do modelo de gestão terceirizado do
Programa teve inúmeras desvantagens, inclusive com o fato de que os cardápios
eram elaborados por empresas sem definição de quantidade per capita dos
alimentos; falta de especificação técnica cujas cozinheiras terceirizadas eram
195
NOGUEIRA, R. M. O Programa Nacional de Alimentação Escolar como uma política pública: o caso
de Campinas-SP. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Estadual de
Campinas, 2005.
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131
responsáveis pelo controle da alimentação oferecida; ausência de fiscalização e
controle quanto ao recebimento e repetição dos produtos recebidos; salários
inferiores das cozinheiras aos pagos pela prefeitura, dentre outros, que
culminaram com a ineficiência e ineficácia do programa na modalidade de gestão
terceirizada. A autora considera ainda que:
Os diversos entraves na implementação da terceirização ocorreram por
inexistência de um plano de gestão que contemplasse o elo entre o
plano de desenvolvimento e os resultados; adequação das estruturas
dos processos, das pessoas e dos sistemas de informação e de
capacitação (NOGUEIRA, 2005, p. 143).
Nesse mesmo caminho, Camargo (2009)196 desenvolveu, no Rio de
Janeiro, um estudo intitulado “Contratação de Serviços em Alimentação Escolar:
terceirização, um novo conceito de gestão em merenda”, que abordou a
terceirização como uma alternativa às formas de gestão do Programa Nacional de
Alimentação Escolar.
De acordo com Camargo (2009), com a demanda criada pela abrangência
do programa, o fornecimento de refeições aos escolares despertou o interesse das
empresas especializadas, neste tipo de serviço, que já atuavam junto ao
Programa de Alimentação do Trabalhador.
O estudo buscou comparar duas formas de gestão de merenda: a
terceirizada, modalidade implementada recentemente no município de Barra
Mansa (RJ), e a escolarizada, processo de gestão que se caracteriza pela
autogestão das escolas no que concerne à produção de refeições para os
escolares, processo adotado nas instituições de ensino da Secretaria de
Educação do Estado do Rio de Janeiro.
A autora salienta que os gestores foram unânimes em afirmar a vantagem
da contratação de empresa para a produção da merenda, uma vez que
possibilitou aos gestores maior disponibilidade para dar mais atenção às práticas
pedagógicas. Mas, no que se refere à adesão à merenda por parte dos alunos,
196
CAMARGO, M. de L. M. Contratação de serviços em alimentação escolar: terceirização, um novo
conceito de gestão em merenda. Dissertação, (Mestrado Profissional em Gestão e Estratégia em Negócios).
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2009.
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nas três escolas pesquisadas foi semelhante, situando-se abaixo do que seria
considerado ideal. Entretanto, os motivos que levam a não aceitação da refeição
escolar divergem, evidenciando a necessidade de adequação dos cardápios e de
promoção de atividades que têm por finalidade a educação alimentar.
Outro estudo que merece destaque pela sua abrangência e, ao mesmo
tempo, especificidade, foi o realizado por Pipitone (1997) 197. A pesquisa intitulada
“Programa de Alimentação Escolar: um estudo sobre descentralização, escola e
educadores”, teve como objetivo central “identificar e problematizar qual tem sido
o papel reservado à escola e aos educadores no desenvolvimento do PNAE, pelos
órgãos oficiais propositores desse Programa e pelos intelectuais que publicam
suas ideias sobre o tema”. Além disso, a autora buscou entender as inovações
relativas à administração no processo de consolidação da descentralização do
Programa no Estado de São Paulo.
Para tanto, a autora fez um estudo em várias cidades do estado de São
Paulo, considerando tanto a legislação em vigor, como documentos oficiais numa
íntima associação com a pesquisa de campo, realizada através de questionários
enviados a um número relativo de cidades paulistas.
O estudo em questão aborda a história do Programa, situando-a em quatro
décadas a partir de uma análise dos arquivos brasileiros de nutrição; os dados
coletados na pesquisa de campo realizada nos Municípios paulistas com foco na
descentralização do PNAE, como fenômeno que marca a política social brasileira
a partir dos anos 1980; finaliza enfocando/analisando o papel que a escola e os
educadores têm desempenhado na história do Programa Nacional de Alimentação
Escolar.
De acordo com a autora, uma análise mais atenta do Programa e a
implementação da proposta de descentralização requer o estabelecimento de
ações que observe atentamente as complexidades dos processos que decorrem
de tal perspectiva, pois,
197
PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e
educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas,
1997.
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É preciso considerar que um programa público de cunho social, que vem
conseguindo acumular quatro décadas de continuidade num país que de
modo geral, apresenta indicadores sociais sofríveis demonstra, ao
mesmo tempo, sua importância junto à sociedade e junto ao poder
público. Ambos os setores devem se dar conta desta importância e dos
esforços necessários para a promoção do programa de merenda escolar
em termos de qualidade e justiça social (PIPITONE, 1997, p. 117118)198.
Dentre as principais conclusões do estudo, Pipitone salienta que há uma
ambiguidade entre os modos como a proposta de descentralização é executada.
Segundo a autora,
A merenda escolar, [...], originou-se no Brasil com a função política de
resolver dois problemas, a educação e a saúde com uma só medida
pública.
[Por um lado] despejar sobre a merenda escolar a função de corrigir
quadros de desnutrição, em tempo de salvar a infância brasileira é, por
assim dizer, uma missão impossível.
[Pois] a campanha nacional de merenda escolar, por força de suas
características próprias, institui no Brasil a falsa premissa de que a
criança desnutrida não aprende e, consequentemente, de nada adianta
ensinar aquele que é desnutrido. Esta premissa trouxe graves
consequências ao meio escolar e ao trabalho dos educadores, tendo em
vista que a mesma transmite uma interpretação imobilista e fatalista do
desempenho escolar de grande parcela das crianças brasileiras (p. 125).
Por outro lado, é preciso salientar que,
Por ser um programa oneroso, de grande cobertura e de influência junto
à economia dos municípios, constata-se que os dirigentes municipais
têm valorizado pouco as atividades de avaliação, controle e regulação
das atividades da merenda escolar.
A descentralização repercutiu, favoravelmente, na melhoria dos
cardápios e na aceitação por parte dos escolares. Isto vem ocorrendo
em função do aumento do uso de produtos in natura na elaboração das
preparações servidas nas escolas. Em corolário a este fato é detectada
a diminuição do desperdício dos gêneros adquiridos para a alimentação
199
escolar (PIPITONE, 1997, p. 127) .
198
PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e
educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas,
1997.
199
PIPITONE, M. A. P. Programa de alimentação escolar: um estudo sobre descentralização, escola e
educadores. Faculdade de Educação. Tese (Doutorado em Educação) Universidade Estadual de Campinas,
1997.
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Essa relação complexa e, por que não dizer paradoxal apresentada pela
autora,
vem
mostrar
que
ainda
residem
diferentes
visões
acerca
da
merenda/alimentação escolar. Ora é vista como uma proposta de salvaguardar a
população estudantil dos efeitos da desnutrição, ora é uma possibilidade de
incrementar a economia de cidades, estados e até mesmo regiões com a
produção e consumo de seus próprios produtos e mão-de-obra.
Alguns apontamentos
Os estudos teóricos até aqui realizados permitem inferir que o Programa
Nacional de Alimentação Escolar tem seu surgimento marcado pela característica
suplementar, a partir da necessidade de suprir a carência nutricional da população
de baixa renda que frequentava a escola. Porém, os estudos atuais mostram que
este Programa, embora não tenha o mesmo caráter, continua como um dos
principais programas de governo presentes em todas as esferas governamentais,
inclusive com um atendimento universalizado e segundo informações contidas no
site do FNDE, “com orçamento previsto em 3 bilhões de reais, para beneficiar
cerca de 47 milhões de estudantes, para o ano de 2010” (FNDE, 2010)200.
Além disso, pode-se inferir que, no decorrer de sua história, os programas
de alimentação escolar assumem diferentes contornos que estão estritamente
associados às diversas características regionais dos Estados e Municípios
brasileiros e ao desenvolvimento de determinadas políticas, inseridas num
contexto histórico e social conflituoso e complexo, refletindo muito as
particularidades daqueles que estão no poder que, em muitos casos, agem de
acordo com seus próprios interesses ou transferem para as mãos dos agentes do
mercado o controle da situação, como aconteceu nos últimos anos com a política
de descentralização no Brasil e, segundo Przeworsky (1995) 201, isso tem
200
FNDE, Alimentação escolar. Disponível em <http: www.fnde.gov.br> acesso em 20 de outubro de 2010.
201
PRZEWORSKY, A. Estado e economia no capitalismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1995.
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135
provocado não só uma tensão entre as principais esferas da sociedade, mas
também uma diminuição do poder de intervenção do Estado.
Finalizando, acreditamos que a alimentação escolar poderá contribuir de
forma significativa para o desenvolvimento de um trabalho educativo coletivo,
envolvendo os Conselhos de Escolas, as Secretarias de Educação, os alunos, os
profissionais que atuam nas unidades de ensino, enfim, toda a comunidade
escolar no sentido não só de se preocupar em oferecer uma refeição diária aos
escolares de todo País, mas também de aproveitar a oportunidade que surge com
a execução do Programa, através do importante e prazeroso ato de se alimentar e
desenvolver, a partir dessa perspectiva, um conjunto de ações que tenham como
objetivo oferecer uma boa refeição aos escolares, formar hábitos alimentares
saudáveis e também cuidar da formação plena desses cidadãos.
Abstract
This article is part of a research entitled "The national school feeding program in the Holy Spirit:
tensions between state and market in pioneering process outsourcing" (RODRIGUES, 2011) and
aims to discuss, through a theoretical and bibliographical study, the panorama of research related
to school feeding in Brazil, aiming thereby to draw a part of the "state of the art" on the theme,
contributing so that further research be carried out with such a focus, since the school Feeding
theme has done part of the national and international educational debate both in order to qualify as
expenditure on food in order to show / denounce the interference of many resources.
Keywords: School feeding. School meals. National School Feeding Program PNAE.
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