UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ ROBERTO DA ROCHA E SILVA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Rio de Janeiro 2005 ROBERTO DA ROCHA E SILVA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. ORIENTADOR: Prof. Dr. VICTOR NOVICKI Rio de Janeiro 2005 ROBERTO DA ROCHA E SILVA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Dissertação apresentada à Universidade Estácio de Sá como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Aprovada em BANCA EXAMINADORA _____________________________________________________________ Prof. Dr. Victor Novicki Presidente Universidade Estácio de Sá _____________________________________________________________ Prof. Dr. Wânia Regina Coutinho Gonzalez Universidade Estácio de Sá _____________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro Universidade Federal do Rio de Janeiro AGRADECIMENTOS Externo meus agradecimentos: À Universidade Estácio de Sá pela oportunidade de desenvolvimento profissional e humano que me foi oferecida através da equipe do Mestrado em Educação. Ao meu orientador Prof. Dr.VICTOR NOVICKI que, com suas oportunas interferências e sugestões, levou-me a refletir sobre os caminhos mais adequados nessa trajetória acadêmica dissertativa. Aos funcionários(as) e secretárias que sempre apresentaram uma conduta irrepreensível e cordial em todas as oportunidades em que tivemos que dirimir dúvidas, encaminhar soluções e outras rotinas próprias de um mestrado. Aos colegas de curso com os quais convivi e aprendi a valorizar, ainda mais, a importância da troca e do ouvir o outro. Aos alunos “desconhecidos” de medicina veterinária que atenderam à solicitação para responder os questionários apresentados, numa demonstração de colaboração e apoio ao alheio bem intencionado. Aos colegas professores que participaram das entrevistas e que evidenciaram seus pontos fracos e fortes, sem medos, confiantes e solidários na construção de dias melhores. Aos senhores coordenadores dos cursos que, cientes dos desafios presentes e das expectativas do futuro, participaram desse caminhar com suas vivências e prontidão. Aos profissionais de medicina veterinária e de outras especialidades, com os quais aprendi a ser mais solidário e cooperativo, na tentativa de imitar seus exemplos de companheirismo. À minha família, pelas lutas e desafios vividos, estímulos insubstituíveis para o crescimento interior de todos. Ao todo. SOBRE A NATUREZA HUMANA: O homem não é bom nem mau, ele apenas deixa-se levar por sonhos, devaneios e fantasias, com relativa facilidade. E, às vezes, esquece que está escrevendo a sua própria história. (RRS, maio 2001). SOBRE A EDUCAÇÃO: A educação ambiental é algo assim: um longo caminho de muitos sacrifícios. Começa com um desafio para se entrar, e se continua com uma infinidade de muitos outros para se permanecer. (RRS, jul.2003) SOBRE O CONHECIMENTO: Nesse mundo nosso tão restrito, Poderemos saber apenas quase tudo, Porque o todo universal ilimitado Permanecerá eternamente inacessível Ao nosso infinito quase nada. (RRS, out.2004) SOBRE O DESENVOLVIMENTO HUMANO: Os rios chegam ao mar por diferentes trajetórias; E não são poucos os obstáculos encontrados pelo caminho. Quando chegam ao seu destino, não se conformando com o objetivo alcançado, Elevam-se outra vez aos céus, através das nuvens. E assim, retornam uma vez mais, e muitas outras. Porque é preciso ser útil e transformador, Para matar a sede de alguns e compor o sistema de todos. O primeiro, o ciclo da água; O segundo, a razão da vida. (RRS, out.2004) SOBRE O REDUCIONISMO: “Considero impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, tanto quanto conhecer o todo sem conhecer, particularmente, as partes...”. (Pascal). LISTA DE ABREVIATURAS ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. CDB – Convenção sobre Diversidade Biológica. CES - Câmara de Ensino Superior. CETESB – Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental. CFMV – Conselho Federal de Medicina Veterinária. CITES – Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora. CNE – Conselho Nacional de Educação. COEA – Coordenação Geral de Educação Ambiental. CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente. DEA – Diretoria de Educação Ambiental. EIA – Estudo de Impacto Ambiental. FEEMA – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente. IBAMA – Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. ISER - Instituto Superior de Ensino Religioso. MEC – Ministério de Educação e Cultura. MMA – Ministério do Meio Ambiente. MV – Medicina Veterinária. ONU – Organização das Nações Unidas. PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais. PNEA – Política Nacional de Educação Ambiental. PNMA – Política Nacional de Meio ambiente. PNUD - programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. PPP – Princípio do Poluidor Pagador PROBIO – Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira. ProNEA – Programa Nacional de Educação Ambiental. REBEA – Rede Brasileira de Educação Ambiental. RIMA – Relatório de Impacto sobre Meio Ambiente. 7 SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente. SLAP – Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras. SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. RESUMO Esta pesquisa objetiva analisar o tratamento atual dado à temática ambiental em cursos de Medicina Veterinária situados no Estado do Rio de Janeiro, enfatizando as concepções de desenvolvimento sustentável, meio ambiente e educação ambiental adotadas por seus coordenadores, professores e alunos. Este estudo foi orientado pelo paradigma da teoria critica e adotou, como parâmetro para as análises, autores que defendem um desenvolvimento sustentável pautado na justiça social, sem desconsiderar o papel da tecnologia na resolução dos problemas ambientais (ACSELRAD, 2001; ACSELRAD; LEROY, 19990); que adotam uma abordagem dialética na relação Homem-meio (GRÜN, 1996); que identificam uma origem comum para os processos de degradação ambiental e de desigualdade/exclusão social (NOVICKI; GONZALEZ, 2003) e que privilegiam uma abordagem crítico-transformadora da Educação Ambiental, visando uma formação plena dos seres humanos (BRÜGGER, 1999; DELUIZ; NOVICKI, 2004; GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999; LOUREIRO, 2000). Dentre as dez universidades com cursos de Medicina Veterinária situadas no Estado do Rio de Janeiro, três (duas particulares e uma pública) foram selecionadas. Foram aplicados questionários a cento e sessenta e um alunos (de início e final de curso), entrevistados três Coordenadores e treze professores responsáveis pelas seguintes disciplinas: Administração Rural, Ecologia, Economia, Extensão Rural, Produção Animal, Saúde Pública e Sociologia. Outro importante instrumento de coleta de dados foi o levantamento de documentos oficiais relacionados à prática profissional do médico veterinário (regulamentação da atividade profissional, código de ética) e ao ensino superior (diretrizes curriculares, grade curricular, projeto político pedagógico). Os resultados indicaram que os alunos ingressam nos cursos com concepções sobre a temática ambiental informadas pelo senso comum. Os professores apontaram sua falta de capacitação específica para abordagem dos temas ambientais como um dos obstáculos para que possam implementá-la e ressaltaram a necessidade de maior discussão sobre o assunto. Destaca-se que, apesar de serem encontradas diferentes concepções entre coordenadores, professores e alunos, há o predomínio de um tratamento reducionista da temática ambiental (ênfase nos aspectos biológicos do meio ambiente, dicotomia Homem-natureza), desconsiderando a existência de uma questão socioambiental. Coerentemente, em sua maioria, entendem que o desenvolvimento sustentável será alcançado exclusivamente através de soluções técnicas (“tecnologias limpas”), demonstrando o não estabelecimento de relações entre degradação ambiental e desigualdade/exclusão social. Ao final da pesquisa são apresentadas as sugestões dos professores e coordenadores ouvidos acrescidas de alguns de nossos comentários. Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Educação Ambiental. Ensino Superior. Medicina Veterinária. 9 ABSTRACT The aim of this research is to analyze the current approach given to the environmental issue in the courses of the Veterinarian Medical School located in the state of Rio de Janeiro highlighting the concepts of sustainable development, environment and environmental education adopted by their coordinators, professors and students. This study was guided by the critical theory paradigm and adopted, as a parameter to its analysis, the authors who defend a sustainable development based on social justice, without disregarding the role of technology in the resolution of environmental problems (ACSELRAD, 2001;ACSELRAD; LEROY, 2000); those who adopt a dialectic approach in the relationship Man-environment (GRUN, 1996); those who identify a common origin for the processes of environmental degradation and social inequality/exclusion (NOVICKI, GONZALEZ, 2003) and who priories a critical-transforming approach to Environmental Education, aiming at a whole formation of human beings (BRUGGER, 1999; DELUIZ; NOVICKI, 2004; GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999; LOUREIRO, 2000). Among the ten universities with Veterinarian Medical Schools located in the state of Rio de Janeiro, three of them were selected (two private and a public one) where questionnaires had to be responded by one hundred and sixty one students who were either beginning the course or graduating. The coordinators of the three courses and thirteen teachers from the following disciplines were interviewed: Rural Management, Ecology, Economics, Rural Extension, Animal Production, Public Health, and Sociology. Another important tool to collect data was the research in official documents related to the professional practice of the veterinarian doctor (recognition of the professional activity, code of ethic) and to the university course (curricula rules, curricula schedule, pedagogy political project). The results obtained have showed us that the students enter the courses with their conceptions about the environmental theme with information from the common sense. The professors pointed to the students’ lack of specific capacitating abilities to deal with environmental themes as one of the obstacles to enhance their capacity and they have also stressed the need to a wider discussion about this subject. This paper also stresses that in spite of the different conception between professors, coordinators and students are found, there is the prevalence of a reduccionist treatment towards the environmental theme (emphasis on the biological aspects of the environment, nature-Man dichotomy), disregarding the existence of a socioenvironment issue. Coherently, in its majority, it is understood that sustainable development will be achieved exclusively through technical solutions (“clean technologies”), showing the nonestablishment of the relations between environmental degradation and social inequality/exclusion. At the end of the research some suggestions from the coordinators and professors consulted are presented along with some of our comments. Key-words: Sustainable Veterinarian Medicine. Development, Environmental Education, College Education, 10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11 2 EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE ............................................................................ 17 2.1 DEGRADAÇÃO E POLITIZAÇÃO DA TEMÁTICA AMBIENTAL: A PERCEPÇÃO DAS QUESTÕES AMBIENTAIS............................................................. 17 2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EVENTOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS .............................................................................. 23 2.3 POLÍTICA EDUCACIONAL E MEIO AMBIENTE........................................................ 28 3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONCEPÇÕES EM DISPUTA ......................................................... 36 3.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ROMANTISMO, MERCADO OU JUSTIÇA SOCIAL?. ........................................................................................................ 36 3.2 MEIO AMBIENTE: DO DUALISMO CARTESIANO AO SOCIOAMBIENTALISMO ............................................................................................. 41 3.3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO PRESERVACIONISMO À EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA................................................................................................... 43 4 48 EDUCAÇÃO SUPERIOR E MERCADO DE TRABALHO DO MÉDICO VETERINÁRIO ............................................................................................................... 5 TRATAMENTO DA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA .. 57 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 79 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 86 ANEXOS .......................................................................................................................... 94 . ANEXO A - Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA). Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999 .................................................................. 94 ANEXO B - Resolução n. 1, de 18 de fevereiro de 2003. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina Veterinária. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 20 fev.2003 ............................................................................................ 101 ANEXO C - Relação das universidades fluminenses e seus endereços eletrônicos..................................................................................................... 109 11 1 INTRODUÇÃO Vivemos no contexto da globalização neoliberal, em que as relações entre Estado, mercado e sociedade geram diversas formas de desigualdades sociais e de degradação ambiental convivendo com avanços tecnológicos recentes a nos envolver com uma rapidez jamais vista. Esses fatos nos convidam a examinar cautelosamente esses progressos; que nos seduzem e nos “guiam”, para uma aceitação descompromissada, ou melhor, condicionada economicamente para as conquistas de mercado. A mundialização do capitalismo e sua flexibilidade econômica têm se apresentado como um considerável desafio político. Essa realidade afeta as relações do Estado com a sociedade em geral e tem sido motivo de discussões e críticas (PEREIRA, 1996), especialmente contra o neoliberalismo. Silva Junior (2003) considera que a educação precisa levar o indivíduo a desenvolver seu senso crítico e reflexivo, capacitando-o para o enfrentamento do conflito e da contradição em sua busca da justiça social. Coraggio (1996) denuncia orientações internacionais que pregam uma homogeneização global e injusta do mercado, enquanto Vieira (2002) ressalta a importância das diversas conferências mundiais interessadas no desenvolvimento humano, que indicam a necessidade da união de todos para combater a problemática social. Não estamos negando a importância da economia, mas concordamos que o ser humano tem apresentado uma postura antropocêntrica de dominador do planeta e de seus recursos, que não tem contribuído para a melhoria da sua qualidade de vida. Esta visão estreita, não permite a prática do holismo 1 , reforçando a idéia histórica do reducionismo, tão entranhado entre nós, há séculos. Apesar de convivermos com essa realidade mercantilizada, não desejamos que ela venha ocupar, autoritariamente, os espaços disponíveis para a prática de um ensino mais democrático, socioecologicamente equilibrado. Vivemos num país historicamente marcado pela apropriação desigual dos recursos 1 Holismo: teoria filosófica aplicada às ciências ambientais para a compreensão das relações entre os componentes do meio ambiente, segundo a qual os elementos vivos (todos os organismos, inclusive o homem) não-vivos interagem como um “todo”, de acordo com leis físicas e biológicas bem definidas (REBELLO-FILHO; BERNARDO, 1998, p. 66). 12 naturais e humanos, onde somente alguns possuem boas condições de vida. O aumento da população humana não está sendo acompanhado de um aumento de boa qualidade de vida para todos. Mais recentemente, a nossa espécie tem se colocado numa posição de centro do mundo, alegando um direito incomensurável de domínio para usar os recursos da terra, fenômeno explicado como antropocentrismo (GUIMARÃES, 2000). Face às incompatibilidades observadas, convém refletir sobre o que temos feito e o que haveremos de fazer futuramente. Acreditamos que a educação pode e deve, ser um dos catalisadores para o enfrentamento desse desafio. Precisamos estar conscientes de nossas responsabilidades socioambientais durante o exercício profissional, especialmente os que se envolvem mais diretamente com atividades que modificam significativamente os ecossistemas naturais. A partir da década de 70, aconteceram encontros importantes que abordaram a relação entre meio ambiente e desenvolvimento econômico, tais como a Carta de Belgrado (1975), a Conferência de Tbilisi (1977), a Conferência de Moscou (1987), a Conferência do Rio (1992), e a de Johannesburgo (2002). Apesar de todas as discussões, a supervalorização das ciências econômicas vem funcionando como um espesso véu a tentar turvar a compreensão de outras importantes atividades humanas. No Brasil, cabe destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, já indicava a necessidade de se promover a “educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”, determinando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Esse mesmo artigo deixa claro que o Poder Público e a coletividade têm “o dever de defendê-lo e preservá-lo para presentes e futuras gerações”. Outras leis, promulgadas a partir da década de 90, buscaram implementar as determinações da Carta Magna, como por exemplo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), que tem o papel de nortear as políticas educacionais brasileiras. Essa Lei tem sido criticada pelo fato de estar influenciada por ideologia neoliberal quando estabelece uma relação de subordinação do processo educacional ao mundo do trabalho, para inserção do indivíduo na realidade econômica. Na busca por uma melhor formação do indivíduo, algumas propostas têm sido apresentadas visando avaliar a qualidade da educação (CURY, 1998; GENTILI, 1996; SAVIANI, 1997). Algumas propostas mais recentes demonstram existir uma maior sensibilidade para a 13 discussão da educação ambiental, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais/Temas Transversais (BRASIL, 1988), e a Lei n. 9.795 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999) 2 : “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal”. A Lei n. 5.517 (BRASIL, 1968) dispõe sobre o exercício da profissão do médico veterinário e suas competências, privativas ou não, e indica o seu compromisso socioambiental 3 , através de aspectos sanitários, higiênicos, tecnológicos, entre outros. Também a Resolução n.582 (BRASIL, 1991) dispõe sobre a responsabilidade técnica do médico veterinário quando responsável por estabelecimentos diversos especialmente aqueles envolvidos com a produção e comercialização de produtos de origem animal. O Código de Ética do médico veterinário (Resolução n. 722/2002) refere-se aos cuidados que esse profissional precisar ter em suas relações com o meio ambiente (BRASIL, 2002). Nosso interesse em analisar as conexões entre educação superior e desenvolvimento sustentável, deve-se, em especial, às diversas recomendações existentes, nacionais ou internacionais, apontando para uma urgência que, a nosso ver, não está sendo atendida de modo satisfatório. Nossa vertente principal de pesquisa é a educação superior formal no ensino da medicina veterinária. Acrescente-se que existe uma grande carência de estudos que avaliem a temática ambiental nas diversas profissões. No nosso caso específico, desejamos saber como ela está tratada, devido à interação existente entre as atividades dos médicos veterinários, os diversos ecossistemas naturais e a sociedade. Do ponto de vista legal, existem orientações do Ministério da Educação, através do Parecer do CNE/CES n. 105/2002, sobre as Diretrizes Curriculares para o Curso de Medicina Veterinária 4 que valorizam as interações sociais e ambiental na vida profissional. No intuito de conhecer melhor essas questões, fomos analisar as concepções de 2 Essa lei foi regulamentada pelo Decreto n. 4.281 de 25 de junho de 2002 (BRASIL, 2002). Um comportamento socioambiental desejável é aquele que conduz o homem a praticar ações que contribuam para o natural funcionamento dos ecossistemas e o bem-estar de seus organismos, incluindo-se nesse contexto, o próprio homem. 4 O Sistema Conselho Federal de Medicina Veterinária / Conselhos Regionais de Medicina Veterinária editou a Resolução no 1, de 18 de fevereiro de 2003, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Medicina Veterinária. 3 14 desenvolvimento sustentável, meio ambiente e de educação ambiental adotadas em cursos de medicina veterinária situados no Estado do Rio de Janeiro. As razões que me levaram a pesquisar esse assunto com maior atenção estão na minha própria formação, a de médico veterinário, através da qual pude perceber a íntima associação que existe entre as atividades humanas e o uso dos recursos naturais. Um dos temas que me cativaram de início foi a vida selvagem animal, por sua variedade de espécies, formas e cores. Muito cedo, percebi que havia uma relação muito estreita entre a sobrevivência desses organismos com a qualidade dos ecossistemas onde viviam. No entanto, só fui capaz de relacionar outros fatores importantes nesse contexto, quando passei a considerar as atividades humanas como forças poderosas na organização e na desorganização dessa realidade. Esse fato me levou a pesquisar numa outra área que surgia na mesma época: a educação ambiental. Logo percebi que outras pessoas estavam também interessadas nos recursos naturais, mas eram comprometimentos com poderes econômicos e interesse diversos, muito diferentes dos meus motivos iniciais. Essa nova percepção da associação de modelos econômicos com o “uso da natureza” deixou-me mais confuso ainda para compreender porque tudo isso acontecia e que fatores estavam mantendo essa destruição. Compreendi, após alguns anos, que a formação de um cidadão autêntico não é tarefa fácil. Podemos educar pessoas, mas para quê? Que convicções nos levam a orientar esses caminhos? Porque nos enganamos ou nos deixamos levar por argumentos que nem sempre representam uma realidade coerente? Como modificar esse quadro? Uma das soluções que me veio à mente foi que pessoas com poder de decisão superior poderiam ter uma enorme influência no encaminhamento dessas questões. A educação seria uma das respostas, mas não seria qualquer tipo de educação. Deveria ser algo especializado, mas que ao mesmo tempo, tivesse conexões com economia, ecologia, ética, política, cidadania e democracia. O magistério viria fazer parte da minha vida e ele despertaria novas curiosidades nesse sentido. A vida universitária e acadêmica seria o caminho correto para a busca procurada. Em julho de 2003, já tentando buscar alguma solução, apresentei um breve questionário para 40 professores universitários de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro para saber quais as cinco principais medidas que contribuiriam para uma abordagem satisfatória da temática ambiental, deparei-me com uma série de respostas que concentrei nas seguintes colocações: 1. Capacitar professores de disciplinas envolvidas com a temática ambiental. 2. Criar disciplinas específicas que tratem do assunto. 15 3. Trabalhar interdisciplinarmente. 4. Realizar visitas técnicas com alunos e professores. 5. Ampliar as atividades complementares de cunho ecológico e conservacionista. Todas essas questões me fizeram pensar num aprofundamento do assunto e de referenciais que me permitissem melhor compreender essa realidade. Entendi, assim, que tinha em mãos um imenso desafio: seriam essas, exatamente, as soluções a serem colocadas em práticas? Como formar profissionais tecnicamente competentes e socialmente cooperativos num quadro de grave crise ambiental? Em busca de respostas, escolhemos um caminho que privilegiasse aspectos ambientais e sociais. A educação ambiental relaciona essas duas dimensões e tem sido apontada, através das diversas conferências ocorridas, como uma das soluções ou a opção mais pertinente que nos levaria a um repensar dos “modelos” predatórios de desenvolvimento até então praticados, buscando uma sustentabilidade mais democrática e coerente. Decidi examinar aspectos profissionais e legais que estariam contribuindo para esse modelo. Que motivos e por que caminhos isso tem sido implementado? Este estudo foi orientado pelo paradigma da teoria critica e adotou, como parâmetro para as análises, autores que defendem um desenvolvimento sustentável pautado na justiça social, sem desconsiderar o papel da tecnologia na resolução dos problemas ambientais (ACSELRAD, 2001; ACSELRAD; LEROY 2000); que adota uma abordagem dialética na relação Homem-meio (GRÜN, 1996); que identificam uma origem comum para os processos de degradação ambiental e de desigualdade/exclusão social (NOVICKI; GONZALEZ, 2003) e que privilegiam uma abordagem crítico-transformadora da Educação Ambiental, visando uma formação plena dos seres humanos (BRÜGGER, 1999; DELUIZ; NOVICKI, 2004; GUIMARÃES, 2000; LAYRARGUES, 1999; LOUREIRO, 2000). As análises aqui apresentadas foram possíveis após o cumprimento de algumas etapas que incluíram: a) dentre as dez universidades com cursos de Medicina Veterinária situados no estado do Rio de Janeiro, selecionou-se três (duas particulares e uma pública); b) a elaboração e aplicação de questionários para um total de 161 estudantes universitários de medicina veterinária, sendo 102 calouros (primeiro período) e 59 veteranos (alunos de final de curso); c) entrevistas com 13 professores de medicina veterinária de disciplinas selecionadas por apresentarem afinidades imediatas com a temática socioambiental (Administração Rural, Ecologia, Economia, 16 Extensão Rural, Produção Animal, Saúde Pública e Sociologia); d) entrevistas com 3 coordenadores de cursos; e) levantamento de documentos oficiais relacionados à prática profissional do médico veterinário (regulamentação da atividade profissional, código de ética) e ao ensino superior (diretrizes curriculares, grade curricular, projeto político pedagógico). No caso dos estudantes interessou-nos saber, através de questionários, as suas percepções sobre a importância da temática ambiental em medicina veterinária e suas concepções sobre meio ambiente e desenvolvimento sustentável.Fizemos entrevistas com os professores e coordenadores para analisar como eles percebem o tratamento da temática ambiental em sua lida diária, suas dificuldades e suas sugestões para lidar com desafios relacionados à formação universitária dos médicos veterinários. No segundo capítulo resgatamos alguns acidentes socioambientais de repercussão mundial que influenciaram a percepção humana para as questões ambientais. Destacamos as conferências relevantes que nos apontaram caminhos e tentativas para resolvê-las e ressaltamos políticas educacionais no Brasil para abordagem da questão ambiental. No terceiro capítulo apresentamos as concepções de desenvolvimento sustentável, meio ambiente e educação ambiental que nortearam esta investigação. No quarto capítulo abordamos a educação superior e sua relação com o mercado de trabalho. Achamos relevante incluir aspectos históricos da medicina veterinária e leis recentes que se referem ao perfil desejado para este profissional. No capítulo cinco apresentamos os dados/informações coletados e as análises desenvolvidas, que buscaram responder à seguinte questão: como a temática ambiental é abordada em cursos de medicina veterinária situados no Rio de Janeiro? Justificamos nosso trabalho porque entendemos que ele pode contribuir para uma interferência no cenário atual, onde mudanças são necessárias a curto, médio e longo prazo. Esse desafio vai exigir novos comportamentos e um grande esforço por parte dos professores e todos interessados nesse assunto, especialmente os coordenadores de cursos e instituições dessa área profissional. Por acreditar que, já durante a graduação, são dados passos decisivos para uma melhor interação entre as várias dimensões da realidade (econômica, social, ambiental, cultural), é que apresentamos aqui argumentos que nos auxiliem a equacionar e a interferir, cooperativamente, na construção de novos rumos. 17 2 EDUCAÇÃO E MEIO AMBIENTE Neste capítulo estão em evidência fatos e acidentes marcantes ocorridos em diversos pontos do planeta, e que têm contribuído para um repensar sobre nosso comportamento enquanto envolvido com a produção, especialmente a industrial. A percepção das questões ambientais é um primeiro passo nesse sentido, já que a rotina de um mundo cada vez mais rápido e competitivo nem sempre nos permite dispor do tempo necessário para reflexões e estudos mais aprofundados. 2.1 DEGRADAÇÃO E POLITIZAÇÃO DA TEMÁTICA AMBIENTAL: A PERCEPÇÃO DAS QUESTÕES AMBIENTAIS A devastação ambiental no Brasil teve início a partir do século XVI, com a exploração histórica do pau-brasil 5 , seguida por um conjunto de saques contra os recursos da terra: pedras preciosas, ouro, café, cacau, borracha e açúcar, que interessavam aos países do Velho Mundo. Impactos causados pela pecuária desde o “descobrimento” também contribuíram para a devastação florestal e a instabilidade dos solos devido ao intenso pisoteio (MONTEIRO, 1981). Uma visão ampla sobre a destruição de nossos ecossistemas, dos quais se destaca o complexo da mata atlântica 6 , está magistralmente documentada por Dean (1996). José Bonifácio (1823 apud PÁDUA, 1987, p. 26) denunciava a extensa devastação florestal brasileira já no século XIX: [...] nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos. 5 Nome comum da árvore brasileira cuja distribuição original litorânea se estendia do Rio de Janeiro ao Rio Grande do Norte. A madeira dura era usada nas fogueiras indígenas e conhecida entre eles como “ibirapitanga” (pauvermelho), corante natural nobre, muito valorizada pela aristocracia européia da época. Segundo Bueno (1998, p.75) “só no primeiro século de exploração, cerca de dois milhões de árvores foram derrubadas”. O pau-brasil chegou quase à extinção e tem sido replantado a partir de mudas produzidas em viveiros florestais. 6 Bioma brasileiro, atualmente intensamente urbanizado, detentor de alta biodiversidade de espécies e ecossistemas, caracterizado por vegetação que, originalmente, se estendia de forma contínua, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, ao longo do litoral e áreas mais interiores do Brasil oriental. 18 Pádua (1987) observa que para José Bonifácio não existia um antagonismo básico entre crescimento econômico e preservação do meio ambiente, desde que esse crescimento estivesse calcado numa utilização racional e não predatória dos recursos naturais. Essa abordagem nos aponta para a idéia do desenvolvimento sustentável já naquela oportunidade, baseado na matriz da auto-regulação (ACSELRAD, 2000). No entanto, agressões intermitentes continuariam abatendo nossos recursos, conforme ocorreu durante o período republicano, com a expansão agrícola e a implantação dos grandes latifúndios: a partir da invasão da cultura exótica européia, passamos a ter muito mais problemas do que soluções. A imagem atraente do Brasil é descrita por Pádua (1987) através de dois olhares: o de caráter cultural, enredado com a beleza e exuberância da terra; e o econômico, frente às possibilidades de exploração mercantilista. Apesar da importância desses olhares, “não se criou aqui um sentimento de apego a terra”. A natureza era “um recurso transitório” a ser explorado; quando se esgotava, avançava-se para outras áreas atrás de novos recursos. Mesmo porque existiam muitas terras disponíveis (GUIMARÃES, 2000, p. 36; PRADO JUNIOR, 1972). A Revolução Industrial iniciada no século XVIII continuaria sua expansão no século XIX e se espalharia por diversos países ao Norte do planeta até que, no início do século XX, alguns conflitos políticos iniciariam a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e, poucas décadas após, a Segunda Guerra Mundial. A produção industrial em crescimento acelerado despertaria a atenção de alguns estudiosos preocupados com o futuro do planeta. O livro A Ética da Terra, escrito por Aldo Leopoldo, já tinha este objetivo em 1946 e, do ponto de vista institucional, as idéias de “proteção” da natureza começariam a surgir em 1948, com a criação da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN). Atualmente esta instituição é conhecida como União Mundial para a Natureza. Se a exploração econômica desenvolveu-se rapidamente, o mesmo não ocorreu com o correto domínio de conceitos ambientais e sociais. Somente a partir do século XX é que passamos a nos familiarizar com termos tais como cadeia alimentar, pirâmides ecológicas, ecossistemas e biosfera. Explica-se assim a nossa ignorância ecológica também como uma das causas que não permitiram uma avaliação precisa das conseqüências dos impactos ambientais da época ou mesmo de sua prevenção. Seria necessário que alguns fatos acontecessem para induzir a humanidade à percepção e à sensibilização inicial de modo a indicar a necessidade de mudanças 19 urgentes em nosso modelo de produção. Até então, a Europa mantinha sua posição de líder mundial e cultural; mas a decisiva participação da América do Norte na guerra que se encerrava, faria dela a principal referência de desenvolvimento. Uma grande euforia tomaria conta de todos, levando à disseminação “incontrolável” de novas conquistas, como a da indústria automobilística a partir da década de 50. Esse período ficou conhecido como dos “Anos Dourados”. Embora as preocupações com a o futuro do planeta já se fizessem presentes, esses esforços iniciais não mobilizaram, maciçamente, a opinião pública para uma tomada de posição. Desastres e acidentes ambientais é que nos indicariam, de modo mais taxativo, que algo necessitava ser feito quanto ás questões de interesse coletivo. A doença de Minamata 7 no Japão e o “smog” 8 de Londres (que matou cerca de 4.000 pessoas em apenas cinco dias, em 1952) foram dois importantes sinalizadores nesse sentido. Na área biológica, descobertas botânicas e zoológicas começavam a desvendar a complexa trama da natureza em ação. Em 1953, a partir da publicação do livro “Fundamentals of Ecology”, do ornitólogo E. P. Odum, os princípios ecológicos seriam divulgados entre os estudantes. Novos acidentes causados pela atividade industrial continuariam a ocorrer no Velho Mundo e a chamar a atenção para medidas de controle mais rigorosas. Algumas publicações trariam também suas contribuições no intuito de influenciar a opinião pública, com a publicação do livro “Silent Spring” 9 em 1962, pela jornalista americana Rachel Carson. Cabe destacar que, embora já divulgada na década de 50, o uso da palavra “ecologia” só se tornou corrente para o grande público no início dos anos 1970. Na França, a primeira grande “maré negra”, a do petroleiro Torrey Canyon em 1967, depois as lutas contra a promoção imobiliária que ameaçava gravemente o parque da Vanoise, desempenharam um papel decisivo nessa popularização (ACOT, 1990, p.7). 7 Intoxicação que afetou pescadores japoneses através de bioacumulação de composto orgânico mercurial via cadeia alimentar. Sintomas neurológicos foram percebidos em gatos e em seres humanos, somente depois de algumas décadas de exposição ao produto. As milhares de pessoas vitimadas não sabiam que a origem do mal estava na indústria de plásticos que lançava seus despejos com mercúrio na baia de Minamata. 8 Composição das palavras inglesas “smoke + fog”, isto é, uma mistura de fumaça com neblina. 9 Primavera silenciosa, um clássico do movimento ambientalista que denunciou os impactos causados pelas substâncias tóxicas que estavam “silenciando” a vida selvagem nos Estados Unidos, devido à contaminação dos ecossistemas e suas teias alimentares. Conforme descreve Czapski (1998, p. 26) “ninguém previra que este veneno teria efeito cumulativo no organismo dos animais, concentrando cada vez mais seu poder mortal”. Os agrotóxicos são conhecidos também como fungicidas, pesticidas, biocidas, defensivos agrícolas e fitossanitários. 20 O relatório Limites do Crescimento 10 (MEADOWS et al., 1972), também chamaria a atenção para crise ambiental reinante, refletindo as preocupações e reflexões de um pequeno grupo de pessoas que incluía profissionais de diversas formações, conhecido como Clube de Roma 11 . A Conferência de Estocolmo em 1972 já alertava para esse tipo incorreto de estímulo ao desenvolvimento exclusivamente econômico. No entanto, um dos “slogans” apresentados nessa Conferência era: “bem-vinda a poluição, estamos abertos para ela. O Brasil é um país que não tem restrições. [...], porque o que nós queremos são empregos, são dólares para o nosso desenvolvimento” (DIAS, 1991, p. 14), o que demonstrava a extrema indiferença e insensibilidade brasileira para as questões ambientais. As indústrias estrangeiras foram estimuladas a se instalar no Brasil, atraídas pelo fato de não existirem, na época, maiores exigências para prevenir impactos danosos ao meio ambiente. Após a Conferência de 72, algumas medidas foram tomadas no Brasil: a) criação da Secretaria Especial de Meio Ambiente (SEMA) em 1973 12 ; b) criação de órgãos estaduais direcionados para o controle da poluição, como a Companhia de Tecnologia e Saneamento Ambiental (CETESB) em São Paulo e, no Rio de Janeiro, a Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) em 1975. A reação brasileira em busca de novos valores na relação sociedade-meio ambiente era ainda tímida, mas as primeiras publicações já se faziam presentes (LUTZENBERGER, 1978). Outro grande acidente marinho despertaria a atenção do mundo, com o Amoco Cadiz, no Atlântico Norte, em 1978. Em 1979, radiações (agentes físicos) vazaram em Three Mile Island e vieram mostrar a fragilidade do controle humano em usinas nucleares. Um grande vazamento de gases tóxicos (pesticidas) da empresa Union Carbide 13 mataria 10 Defendia a paralisação imediata do crescimento populacional e econômico, por entender que seria a forma de se alcançar o equilíbrio planetário e a saúde mundial. 11 Representado por um grupo de pessoas interessadas em negócios, política, meio ambiente e ciências sociais, que se propôs a analisar a crise ambiental face às limitações dos recursos naturais da Terra, sugerindo alternativas para enfrentar o problema. O relatório recebeu diversas críticas e mereceu intensas discussões. 12 Órgão vinculado ao Ministério do Interior que se destacou por criar diversos documentos e estimular medidas de cunho conservacionista (MONTEIRO, 1981). 13 Estima-se que morreram mais de quatro mil pessoas e que cerca de 400.000 tiveram algum tipo de doença como conseqüência do acidente, tais como bronquite crônica, enfisema, problemas gastrointestinais, problemas oftálmicos e desordens neurológicas. 21 milhares de pessoas na Índia em 1984, deixando outras tantas seriamente doentes. No Brasil, a poluição industrial se agravaria rapidamente a tal ponto que, na década de 80, a cidade paulista de Cubatão ficou conhecida como Vale da Morte, devido à alta incidência de doenças respiratórias e ao elevado número de óbitos suspeitos na região (anencefalia) 14 (GUILHERME, 1987). A grande maioria desses acidentes ocorreu por não existir um eficiente controle ambiental. Medidas mais rigorosas poderiam ter poupado um número incontável de prejuízos econômicos, sociais, culturais e ecológicos 15 . A poluição radioativa só foi conhecida mais amplamente no Brasil, em 1987, devido à experiência de Goiânia, com o césio 137. Esse acidente pode ocorrer por descuido quanto ao destino correto de materiais dessa categoria, tais como aqueles oriundos de equipamentos de raios X utilizados em equipamentos de odontologia e medicina humana 16 . Em 1986, uma imensa catástrofe se abateria sobre o mundo com o acidente nuclear da usina de Tchernobyl 17 , deixando um elevadíssimo número de mortes e pessoas afetadas, sem contar a contaminação ambiental. Ainda em 1989, um acidente marinho, de enormes proporções, envolveu o superpetroleiro Exxon Valdez, no Canadá, também causado por falha humana. A maré negra foi uma verdadeira hecatombe, aniquilando uma imensidão de animais, entre vertebrados e invertebrados. A recuperação ambiental dos impactos causados pelos 42 milhões de litros de petróleo custou cerca de um bilhão de dólares. Não foi possível recuperar a erosão genética 18 causada: 22 baleias, 3500 lontras do mar. 200 focas, 260 mil aves, entre outras. 14 Ausência do cérebro. Foram relatados casos desse tipo em crianças que nasceram de mães residentes na região do Vale da Morte. No Pólo Industrial, em áreas de atividades siderúrgicas, de refinarias de petróleo, de indústrias químicas e petroquímicas, verificou-se não só o crescimento e agravamento dos problemas no trato respiratório da população exposta, como também efeitos adversos na reprodução. Não soubemos de notícias de casos relatados entre os animais dessa mesma área. A Medicina Veterinária deveria monitorar animais que vivem em áreas próximas de pólos industriais para detectar possíveis impactos dessas atividades sobre a saúde dos animais. Na verdade poderiam atuar como sentinelas e biodetectores de intoxicações de curto, médio e longo prazo. 15 Note aqui a perda inestimável de recursos naturais, em nome do progresso, sem qualquer cuidado maior, com sua indisponibilidade para as gerações futuras. 16 Ressalte-se aqui que a proteção radiológica quando realizada em nível de campo em Medicina Veterinária é totalmente diversa para as condições previstas em ambientes odontológicos e de medicina humana. Entendemos que esse assunto mereça uma discussão mais profunda. 17 Não se sabe o número exato de mortes ocorridas como conseqüência direta ou indireta da explosão de um dos reatores da central ucraniana. Estima-se um total entre 30.000 e 300.000. Nos territórios contaminados da Rússia, Ucrânia e Bielorussia, o número de afetados foi de cerca de sete milhões de pessoas. 18 Perda parcial de genes através da morte de organismos de diversas espécies representantes da biodiversidade do planeta. 22 Ressalte-se ainda as perdas de organismos planctônicos 19 e suas repercussões diretas nas teias alimentares da região. Um tipo de poluição atmosférica que também teve enormes repercussões e ajudou a aguçar nossa percepção foi a então conhecida chuva ácida 20 ocorrida no Hemisfério Norte (afetando florestas e matando um sem número de animais e diversos outros organismos). Estátuas foram comprometidas, corroídas pelos ácidos nítrico e sulfúrico, especialmente na Europa, berço de marcantes fatos históricos da Idade Antiga. No final do século XX passamos a ter melhores conhecimento sobre os efeitos maléficos da rarefação da camada de ozônio 21 e do agravamento global do efeito estufa 22 . Freitas e seus colaboradores afirmam que [...] a preocupação com os problemas ambientais sempre esteve presente nos diferentes discursos e práticas sanitárias que se constituíram como respostas sociais às necessidades e aos problemas de saúde. Entretanto, foi como resposta aos intensos problemas ambientais sobre industrialização e urbanização entre meados dos séculos XVIII e XIX, que passaram a incidir nas condições de vida e trabalho, que esta preocupação se acentuou. Ao longo deste processo histórico uma característica permanece até os nossos dias, como sendo estrutural ao próprio processo de industrialização: a permanência de injustiças ambientais, sendo principalmente as populações mais pobres, as minorias étnicas e as classes trabalhadoras as mais expostas aos problemas de poluição (FREITAS et al, 2004, p. 245). Vale lembrar, que muitos outros acidentes graves ocorreram sem que maiores detalhes chegassem ao conhecimento público, temendo-se repercussões negativas em diversos governos do primeiro mundo. 19 Organismos microscópicos vegetais (fitoplâncton) e animais (zooplâncton) que atuam, respectivamente, como produtores e consumidores primários nos ambientes aquáticos e servem de alimento para peixes e demais seres que vivem em águas salgadas ou doces (rios, lagos, brejos). 20 Naturalmente, a água da chuva já apresenta uma tendência para a acidificação, mas nunca tínhamos registrado níveis tão baixos de acidez. No Rio de Janeiro têm sido detectados casos de chuva ácida e elas podem ter repercussões sérias em aqüacultura de peixes e camarões de água doce, por exemplo, podendo trazer prejuízos consideráveis aos seus produtores. 21 Camada da atmosfera que envolve o planeta e o protege contra o excesso de radiação ultravioleta sobre a crosta terrestre e suas formas de vida. A exposição excessiva aos raios UV pode causar o câncer conhecido como melanoma. É um tumor maligno grave que se origina das células (melanócitos) que produzem o pigmento da pele (melanina). Freqüentemente envia metástases (aparecimento de novos tumores) para outros órgãos, explicando-se assim a necessidade de controle rigoroso por parte de pessoas que são mais vulneráveis a esse tipo de exposição, especialmente as que possuem a pele muito clara. 22 A elevação progressiva da temperatura média do planeta e os prováveis efeitos dessa alteração térmica vem sendo motivo de estudos intensivos. Teme-se que possam ocorrer inundações em diversas áreas da Terra, especialmente naquelas situadas ao nível do mar, como no caso das ilhas oceânicas. 23 Todos esses acontecimentos formaram um quadro de catástrofes a nos indicar a necessidade de novos rumos. Mesmo assim, somente uma parte da população - a melhor instruída - pôde avaliar corretamente o que estava acontecendo. Muitos outros milhões de humanos continuaram no submundo da miséria e da ignorância, onde a preocupação maior não era com essas notícias espetaculares, mas tão simplesmente com o que poderiam comer hoje e amanhã. 2.2 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: EVENTOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS A relação de acidentes que apresentamos no capítulo anterior nos mostrou que boa parte do que ocorreu iniciou na sociedade um despertar para a percepção das questões ambientais, embora ainda muito subordinada às prioridades econômicas e novas formas de produção. Essa realidade deveria ter sido melhor avaliada na época, evitando-se transtornos para a sociedade. Apesar dessa vivência desastrosa, parece que evoluímos muito pouco e continuamos a repetir os mesmos erros de outrora. Não cabem aqui justificativas, alegando-se a falta de orientações disponíveis sobre o assunto, especialmente a nível internacional: elas existiram e continuam presentes. Precisamos repensar, cautelosamente, os caminhos até então percorridos. A Conferência Intergovernamental da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano ou Conferência de Estocolmo 23 , iniciou uma série de discussões sobre a temática e valorizou a educação. É indispensável um trabalho de educação em questões ambientais dirigido tanto às gerações jovens como aos adultos, e que preste a devida atenção ao setor da população menos privilegiada, para ampliar as bases de uma opinião bem informada e de uma conduta dos indivíduos, das empresas e da coletividade, inspirada no sentido de sua responsabilidade quanto à proteção e melhoramento do meio em toda sua dimensão humana. (ONU, 1972). O Seminário Internacional de Educação Ambiental (Carta de Belgrado), em 1975 (UNESCO/PNUMA 1977), estabeleceu metas visando à melhoria das relações humanas com a natureza e com o próprio homem. Foram valorizados o conhecimento, as atitudes, as aptidões, a capacidade de avaliação e a participação humana nos diferentes processos educativos voltados 23 Evento histórico de valor político internacional ocorrido na Suécia, em 1972, com a presença de 113 países interessados em discutir a problemática do desenvolvimento humano. 24 para as questões ambientais. A Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental (UNESCO, 1980) ocorrida em Tbilisi (Geórgia, ex-União Soviética), em 1977, reforçou as posições firmadas na Carta de Belgrado. Esta Conferência caracterizou-se por valorizar a capacitação dos indivíduos em gestão e melhoria ambiental, através da apresentação de uma série de recomendações, das quais destacamos aqui, aquelas que nos pareceram mais afinadas com o nosso projeto. A recomendação n.13 considera que as universidades devem dar, cada vez mais, ênfase sobre educação formal e não-formal e que a educação ambiental nas escolas superiores diferirá da educação tradicional, transmitindo aos seus estudantes os conhecimentos básicos essenciais para que suas futuras atividades profissionais redundem em benefícios para o meio ambiente. Assim: • • • que se examine o potencial atual das universidades para o desenvolvimento de pesquisa; que se estimule a aplicação de um tratamento interdisciplinar ao problema fundamental da correlação entre o homem e a natureza, em qualquer que seja a disciplina; que se elaborem diversos meios auxiliares e manuais sobre os fundamentos teóricos da proteção ambiental. Sobre a formação de professores propriamente dita, através da recomendação n. 17, • considerando a necessidade de que todo o pessoal docente compreende que é preciso conceder um lugar importante em seus cursos à temática ambiental, recomenda-se que se incorpore nos programas o estudo das ciências ambientais e da educação ambiental. A recomendação n. 18 reforça a necessidade de capacitação dos professores em educação ambiental ao considerar que a grande maioria dos atuais membros do corpo docente foi diplomada durante uma época em que a preocupação com a temática ambiental era bastante reduzida. Como conseqüência, esses profissionais não receberam orientação suficiente no que tange às questões ambientais e metodologias. Dessa forma, justifica-se: • • que se adotem as medidas necessárias com o objetivo de permitir uma formação de educação ambiental a todo o pessoal docente em exercício. que a aplicação e o desenvolvimento de tal formação, inclusive a formação prática em matéria de educação ambiental, se realizem em estreita cooperação com as organizações profissionais de pessoal docente, tanto no plano internacional como no nacional. A recomendação n. 21 refere-se à necessidade de pesquisar em educação ambiental e avaliar os resultados alcançados, numa seqüência que considere 25 • os conhecimentos e atitudes dos indivíduos com o objetivo de precisar as condições pedagógicas mais eficazes, os tipos de ações que os docentes devem desenvolver e os processos de assimilação do conhecimento por parte dos educandos, bem como os obstáculos que se opõem às modificações dos conceitos, valores e atitudes das pessoas e que são inerentes ao comportamento ambiental . A Conferência de Moscou (1987) viria confirmar as recomendações de Tbilisi sobre educação ambiental e ressaltaria ainda o caráter interdisciplinar, a abordagem globalizadora e a consideração das singularidades culturais locais como pontos de coerência a serem considerados na formação dos educadores. Enquanto os órgãos governamentais ensaiavam uma participação mais ativa no controle ambiental, o movimento ecológico da época engrossava suas fileiras. Pádua (1987,1993) e outros autores contribuíram para que temas relevantes pudessem ser discutidos e criticados (VIOLA, 1987). Na década de 90, o Rio de Janeiro foi sede da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Rio 92, ocorrida no Rio Centro 24 . No mesmo período, paralelamente ao evento principal, tivemos o Fórum Global 92, instalado no Parque do Flamengo, na mesma cidade. Nesse segundo evento, a sociedade civil organizada esteve representada especialmente através de organizações não governamentais. Esses dois acontecimentos simultâneos permitiram o confronto de diversos assuntos de interesse geral, gerando acordos e compromissos. Entre os documentos gravados pela Eco-92 destacou-se a Agenda 21 25 : uma série de orientações baseadas na Conferência de Tbilisi, apresentada em diferentes capítulos, que interessam à temática ambiental. Evidenciamos nela a promoção do desenvolvimento rural (capítulo 14) e a promoção do ensino, da conscientização e do treinamento em educação ambiental (capítulo 36). Esse último capítulo procura reorientar o ensino no sentido do desenvolvimento sustentável e apresenta sua base para essa ação sugerindo que 24 Amplo espaço destinado a eventos marcantes, onde reuniram-se as autoridades oficiais dos diversos governos representados. 25 Documento consensual, com 800 páginas e 40 capítulos, elaborado a partir de contribuições institucionais dos governos internacionais e da sociedade civil, com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável do mundo, a partir do século XXI, de onde se originou o nome Agenda 21. 26 o ensino, inclusive o ensino formal, a consciência pública e o treinamento devem ser reconhecidos como um processo pelo qual os seres humanos e a sociedade podem desenvolver plenamente suas potencialidades. O ensino tem fundamental importância na promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a capacidade do povo para abordar questões de meio ambiente e desenvolvimento (CNUMAD, 1997). Apesar de sua reconhecida importância, poucas pessoas sabem descrever o que seja a Agenda 21. O desconhecimento sobre o significado de diversos outros temas ambientais, como foi constatado pelo ISER (1997). A Rio-92 viria se constituir num exemplo a ser seguido e estimularia uma série de eventos de cunho educativo. Observa-se a partir de então uma série de medidas que vão reforçar a necessidade de maior atenção para as questões ambientais. Em Medicina Veterinária tivemos um exemplo concreto de preocupação ambiental no Brasil durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD). Naquela ocasião, o Conselho Federal de Medicina Veterinária e os demais Conselhos Regionais promoveram, no Rio de Janeiro, o Encontro Nacional sobre o Uso Racional dos Recursos Naturais. Nessa oportunidade foram abordados os seguintes temas: a) condições sociais e proteção ao meio ambiente; b) diversidade biológica; c) impacto ambiental; d) recursos de água doce e salgada; e) análise dos impactos da introdução de espécies exóticas em ambiente natural. A temática ambiental vem ganhando importância não somente em medicina veterinária, mas tem chamado a atenção de outros profissionais devido à sua abrangência. Castro et. al. Referem-se a esse assunto que nos afeta tanto em seus aspectos mais amplos – como o buraco da camada de ozônio, a crescente desertificação dos solos, o desmatamento, a extinção das espécies da fauna e da flora 26 , os resíduos orgânicos tóxicos, a poluição da água, dos solos e do ar, a chuva ácida, os efeitos da radiação atômica – como as queimadas da floresta amazônica e do cerrado, a contaminação dos rios e mananciais por lixo orgânico e industrial, a poluição do ar por monóxido de carbono e por resíduos das industrias, a exploração e depredação do solo e subsolo para retirada de minérios, minerais e madeiras, a utilização crescente da monocultura e do pasto em áreas florestais ou matas nativas (CASTRO et. al, 2000, p. 158). Esse maior cuidado com o tratamento das questões ambientais passou ser observado até 26 Não esquecer de acrescentar os demais organismos que pertencem a outros reinos da natureza como os fungos, as bactérias e os protozoários, geralmente esquecidos em explanações sobre impactos ambientais. Não existe ainda uma organização definitiva que estabeleça quantos reinos existem na natureza, prova de nossa ignorância biológica mundial em pleno século XXI. 27 mesmo em documentos dedicados a atividades profissionais específicas, como no caso das Diretrizes Curriculares para o curso de medicina veterinária, através do Parecer CNE/CES n.105/2002 e Resolução n. 1/2003 (BRASIL, 2002, 2003). Embora essas medidas sejam ainda muito recentes, já deveríamos estar bem mais avançados na implementação dessas diversas orientações. Dez anos após a Conferência do Rio, seguiu-se a Conferência de Johannesburgo 27 , na África do Sul, mas que não teria a importância marcante da Eco-92. Apesar dos conflitos ainda reinantes, devemos reconhecer que avançamos, pelo menos um pouco, no sentido de buscar um melhor entendimento sobre essas questões. A Conferência Internacional “Educação Biológica, Desenvolvimento Sustentável, Ética e Cidadania” (BIOED 2004), ocorrida no Rio de Janeiro entre 13 e 18 de setembro de 2004, teve como objetivos: explorar as conexões entre ciências biológicas, o ambiente, desenvolvimento sustentável e a sociedade; promover as reformas em bio-alfabetização e educação biológica em todo o mundo como parte da Década de Educação para Sustentabilidade da ONU, adotada para 2005-2015. Os temas propostos para a “Educação Biológica: Desafios do Século XXI” indicam a grande complexidade do tema, que inclui: desenvolvimento sustentável, ética, cidadania, educação, conservação, biodiversidade, agricultura, nutrição, informação, comunicação, biotecnologia, currículos, livros didáticos, avaliação de ensino, ecossistemas, propriedade intelectual, ciências sociais, tema transversais, pluralidade cultural, história da ciência, violência, projetos comunitários, materiais de apoio, educação ambiental, profissionalização, cultura científica e cultura popular, pesquisa acadêmica. Juntamente com a BIOED 2004, aconteceu o II Congresso Mundial de Educação Ambiental 28 . Como percebemos nessa breve retrospectiva, existe uma real necessidade de refletirmos sobre os modelos de produção e de desenvolvimento que temos, até então, praticado. As diversas conferências citadas nos indicam um caminho a seguir. No entanto elas precisam ser concretizadas a partir de políticas claramente definidas, oriundas de participação 27 Conhecida oficialmente como Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável ou Rio+10 (dez anos após a Rio-92), patrocinada pela Organização das Nações Unidas (ONU). 28 World Congress of Environmental Education (WCEE): o primeiro congresso internacional de educação ambiental ocorreu em 2003 na cidade de Espinho, Portugal, ao qual compareceram cerca de 350 pessoas de várias partes do mundo. O evento do Rio de Janeiro em 2004 teve como eixo-guia as questões de cidadania e humanismo. 28 pública autêntica. Acreditamos na educação como caminho transformador. Há que existir uma avaliação profunda de nossos comportamentos desenvolvimentistas até então praticados, e ainda, sobre cada concepção envolvida nas abordagens de temas ambientais. As políticas educacionais brasileiras, especialmente as que se alinham com a temática ambiental, são muito recentes e não temos ainda, uma homogeneidade de pensamento sobre as melhores opções a serem praticadas num país de tantas culturas e de tão rica biodiversidade, infelizmente ameaçadas. Por valorizar o conteúdo dessas políticas é que passamos a abordar esse assunto com maiores detalhes como se segue. 2.3 POLÍTICA EDUCACIONAL E MEIO AMBIENTE Apresentamos no início desse capítulo, uma série de fatos ambientais históricos que, apesar de contundentes, aguçaram a percepção humana sobre as questões ambientais e suas causas. Conferências internacionais e demais eventos contribuíram para que tivéssemos (entre uma minoria) uma nova visão do mundo, onde o econômico precisa conviver de modo equilibrado com o social e o ambiental. Vamos apresentar aqui alguns progressos obtidos do ponto de vista legal, que estão incentivando a implementação de políticas relevantes de interesse para a temática ambiental. No Brasil, a incorporação da temática ambiental na política educacional deu-se de maneira progressiva a partir da década de 80. A Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.938) surgiu em 1981, com o objetivo de “preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à produção da dignidade da vida humana”. A Lei estabelece para o poluidor a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, o que ficou conhecido como “princípio do poluidor pagador”. O Ministério do Meio Ambiente se envolveria ainda mais com as questões ambientais através de seu Sistema Nacional de Meio Ambiente e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), este último responsável pela Resolução 001/86, que estabeleceu a necessidade do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) 29 e do Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente 29 (RIMA) 30 . Os órgãos de controle ambiental exigem que as empresas potencialmente poluidoras cumpram as determinações do Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras (SLAP). Enquanto os órgãos governamentais ensaiavam uma participação mais ativa no controle ambiental, o movimento ecológico da época engrossava suas fileiras (PÁDUA, 1987, 1993; VIOLA, 1987). A Constituição Federal de 1988, em seu Art. n.225 preconiza que “para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1988). O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), subordinado ao Ministério do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, passaria a ser o responsável pela execução das políticas ambientais do país de uma forma mais ampla a partir de 1989. No final da década de 80, por iniciativa estadual, foram implementadas atividades de educação ambiental voltadas para comunidades e escolas, integrando as secretarias de Educação e do Meio Ambiente. Coube à Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente (FEEMA) o atendimento em diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro. Os resultados obtidos foram apresentados, através de dissertações, por educadores interessados no assunto (GUEVARA, 1994; LINHARES, 1995). Na década de 90, a Rio-92 viria se constituir num exemplo a ser seguido e estimularia outros eventos de cunho educativo e contribuindo para a reflexão pública. A intenção de integrar as áreas de meio ambiente e educação surgiu oficialmente com o Programa Nacional de Educação Ambiental – ProNEA, através do IBAMA. Conforme suas avaliações iniciais, as iniciativas de educação ambiental são predominantemente naturalistas, centrando-se em valores biológicos e quase desconhecendo a importância da vertente críticoreflexiva (BRASIL, 1994a). Apesar do crescente interesse, especialmente na área ambiental, a Lei de Diretrizes e 29 Esses estudos são exigências legais para controle de impactos socioambientais causados por atividades humanas. É apresentado em linguagem técnica e elaborado por equipe multidisciplinar. Está previsto através da Resolução n. 001, de 23 de janeiro de 1986 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA). Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 10 jan. 2005. 30 Bases da Educação Nacional – LDBEN (BRASIL, 1996), não destacou a importância dos aspectos ambientais em seus artigos e pouco valorizou as pesquisas na educação superior, o que poderia representar uma importante vertente para a educação ambiental. Segundo Saviani a própria pesquisa, embora figure entre as finalidades (e, mesmo aí, apenas a título de incentivo), não recebe um tratamento que a incorpore como uma atividade regular, sistemática e continuada, dotada de mecanismos específicos e institucionalizados (SAVIANI, 1997, p. 216). O interesse crescente pela educação ambiental teve como um de seus marcos o I Encontro da Rede Brasileira de Educação Ambiental em 1997 (BRASIL, 1997a). No final da década de 90, a recomendação para tratar o meio ambiente como um tema transversal veio considerar o assunto como importante tema a integrar o currículo de forma global e não como uma abordagem específica da área de ciências naturais. A transversalidade diz respeito à possibilidade de ser estabelecida, na prática educativa, uma relação entre aprender conhecimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida real e de sua transformação (aprender na realidade e da realidade). A busca da coerência entre o que se pretende ensinar aos alunos e o que se faz na escola (e o que se oferece a eles) é também fundamental. Não se terá sucesso no ensino de atitudes em relação ao desperdício (importante questão ambiental) se não se realizarem na escola práticas que se pautem por esse valor. Sua principal função é: “contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos para decidirem e atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um, e da sociedade, local e global (BRASIL, 1998). Trata-se de oferecer aos alunos a perspectiva de que tais atitudes são viáveis, exeqüíveis e, ao mesmo tempo, criar possibilidades concretas de vivenciá-las (BRASIL, 1998, p. 31): não cabem somente abordagens pontuais como “dia da árvore”, “dia do meio ambiente”, fazendo deles um exemplo de “preocupação ecológica”. A proposta de tratamento transversal do tema meio ambiente, conforme proposto pelos parâmetros curriculares nacionais, pretende envolver as disciplinas de modo a impregnar todo o curso, por diversos meios, criando assim uma visão ampla da questão ambiental. Os temas transversais compreendem seis áreas: ética, orientação sexual, meio ambiente, saúde, pluralidade cultural, trabalho e consumo. 30 Esse relatório (RIMA) é uma versão popular do estudo de impacto ambiental (EIA) que permite sua compreensão pelo público leigo que possa estar interessado no assunto. 31 Os conteúdos de meio ambiente eleitos foram reunidos em três blocos: a) a natureza “cíclica” da Natureza; b) sociedade e meio ambiente e c) manejo e conservação ambiental. Convém explicar que embora exista o interesse claro que o aluno compreenda os conceitos básicos relacionados à temática ambiental, o trabalho pedagógico deve estar especialmente centrado no desenvolvimento de atitudes e posturas éticas e no domínio de procedimentos que venham contribuir para sua adequada formação. As novas situações vão exigir uma mudança da prática docente tradicional, em que o principal objetivo não seja a simples acumulação dos “conteúdos programados”. Necessitamos que o novo profissional tenha a capacidade de avaliar e refletir sobre fatos e ações envolvidas com a prática da cidadania, enquanto sociedade democrática que somos. A inclusão dos temas transversais exige, portanto, uma tomada de posição de problemas fundamentais e urgentes da vida social, o que requer uma reflexão sobre o ensino e a aprendizagem de seus conteúdos: valores, procedimentos e concepções a eles relacionados (BRASIL, 1998, p. 35). A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos do conhecimento, produzida por uma abordagem que não leva em conta a inter-relação e a influência entre eles – questiona a visão compartimentada (disciplina) da realidade sobre a qual a escola, tal como conhecida, historicamente se constitui. A necessidade dessas mudanças não está sendo justificada somente por intenções educativas. As políticas orientadas para a educação ambiental procuram também atender às determinações legais que tratam das questões ambientais: a Lei dos Crimes Ambientais 31 penaliza quem não cumpre as suas recomendações. Não podemos deixar passar despercebido um assunto tão significativo para a vida profissional e para a própria sociedade. A Lei n. 9.795 que dispõe sobre a educação ambiental (BRASIL, 1999) 32 sugere que, tanto o indivíduo quanto a coletividade, precisam construir valores sociais, conhecimento, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente. Esse tipo de educação deve ainda estar presente em todas os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal: as instituições educativas devem promover a educação ambiental de 31 Lei Federal n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Também conhecida como Lei da Natureza ou Lei do Meio Ambiente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9605.htm >. Acesso em: 12 jan. 2005. 32 O Decreto n. 4.281, de 26 de junho de 2002, regulamentou a Lei que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental. 32 maneira integrada aos programas educacionais que desenvolverem. A mesma lei indica a necessidade de interferência a nível escolar por meio de linhas que contemplem a capacitação de recursos humanos, desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentação, produção e divulgação de material educativo. No Estado do Rio de Janeiro, através de sua Política Estadual de Educação Ambiental (Lei n. 3325 de 17 de dezembro de 1999) pretende contribuir para a formação do cidadão, nas escolas da rede pública estadual de ensino. Prevê ainda a formação complementar para os professores e animadores culturais. Nota-se assim uma série de fatos e determinações que apontam para uma real necessidade de tratamento adequado da temática ambiental através da educação ambiental, não somente a nível superior, mas em todos os níveis. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) é ainda pouco conhecida e as universidades precisam incluir suas recomendações em suas práticas de ensino. A educação ambiental não é assunto para ser tratado numa única disciplina isolada, e muito menos como se fosse “Ecologia”, que é uma ciência, também, equivocadamente, confundida como ensino de práticas conservacionistas. A PNEA procura valorizar diversos aspectos da realidade brasileira. O artigo 5o do Decreto n. 4.281/2002 orienta no sentido de serem criados, mantidos e implementados, sem prejuízos de outras ações, programas de educação ambiental integrados: I – a todos os níveis e modalidades de ensino; II – às atividades de conservação da biodiversidade e gerenciamento costeiro, de gestão e recursos hídricos, de ecoturismo e melhoria de qualidade ambiental; III – às políticas públicas, econômicas, sociais e culturais, de ciência e tecnologia de comunicação, de transporte, de saneamento e de saúde; IV – aos processos de capacitação de profissionais promovidos por empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas; V – a projetos financeiros com recursos públicos; e VI – ao cumprimento da Agenda 21. O parágrafo primeiro desse mesmo decreto informa que “cabe ao Poder Público estabelecer mecanismos de incentivos à aplicação de recursos privados em projetos de educação ambiental”. No parágrafo segundo consta que o “órgão gestor estimulará os Fundos de Meio Ambiente e de Educação Ambiental, nos níveis federal, estadual e municipal a alocarem recursos 33 para o desenvolvimento de projetos de educação ambiental”. Esse sistema deveria funcionar a partir de núcleos de educação ambiental, mas não teve continuidade por falta de recursos diversos. No entanto, a idéia principal tem se mantido, e novas propostas persistem, apesar das dificuldades. Levando avante o objetivo central perseguido: uma educação ambiental participativa e transformadora. A Política Nacional de Educação Ambiental está a exigir que a educação ambiental faça parte da vida profissional de um modo amplo, interessado na prática da cidadania. Interessa para o médico veterinário uma formação omnilateral que nos leve ao desenvolvimento integral, ou seja, por inteiro, de todas as potencialidades humanas[...]. Contrapõe-se, portanto, à educação instrumental, especializada, tecnicista e discriminatória. Busca o alcance da relação dialética entre teoria e a prática, visa incrementar as ciências, as humanidades, as artes e a educação física na formação do educando. A formação omnilateral é reivindicada pela concepção de educação politécnica e da escola unitária, como meio para a consolidação da perspectiva do amplo desenvolvimento e emancipação do sujeito (FIDALGO; MACHADO, 2000, p. 126). A propósito, a Coordenação Geral de Educação Ambiental disponibilizou diversos materiais e informações sobre o Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) 33 para todos que estiverem interessados em acompanhar as novas propostas educativas que estão em andamento. Entre dezembro de 2001 e março de 2002, o MMA, através de sua Diretoria de Educação Ambiental e a Universidade de Brasília, organizariam o Curso Básico de Educação Ambiental a Distância 34 . Um outro programa governamental “Vamos cuidar do Brasil com as escolas” 35 , também valorizou a educação ambiental. 33 Maiores informações sobre o ProNEA e assuntos correlatos poderão ser acessadas através de http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/index.cfm. Acesso em: 12 jan. 2005. 34 O Curso Básico de Educação Ambiental a Distância foi promovido pelos MMA em parceria com o MEC e IBAMA. Foi desenvolvido pelo Laboratório de Ensino à Distância (LED/UFSC) e teve sua segunda edição organizada pela Fundação Universidade de Brasília (FUBRA). Na ocasião cada participante recebeu o “kit” Educação ambiental: curso básico a distância, composto de uma fita de vídeo, cinco livros, um guia do aluno e caderno de atividade. Ao final do curso de 180 horas os alunos enviaram suas avaliações escritas e receberam um certificado. 35 Em julho de 2004, os Ministérios da Educação e do Meio Ambiente, lançaram esse programa na intenção de formar 32 mil professores em educação ambiental até o final do ano. A idéia é que o assunto seja abordado pelas diferentes disciplinas com a intenção de criar valores nos adultos de amanhã, comprometidos não só com a sua existência mas com a qualidade de vida do planeta. 34 O Ministério da Educação, através da Coordenação Geral de Educação Ambiental (COEA) 36 , criada em setembro de 2003, está discutindo a possibilidade de financiamento para programas e projetos de educação ambiental em universidade do país, junto à CAPES. No caso dos cursos de formação e especialização técnico-profissional, a educação ambiental deverá ser incorporada como conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas. A participação do ensino superior em atividades de educação ambiental pode ser apreciada na Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis – RUPEA 37 cujo objetivo é estabelecer um espaço de diálogo sobre a concepção e implementação de Programas Universitários de Educação Ambiental. Em abril de 2004, aconteceu em Goiânia o Primeiro Encontro Governamental Nacional sobre Políticas Públicas de educação ambiental. Desse evento, diversas iniciativas estão sendo tomadas no sentido de articular a participação geral dos educadores ambientais, de organizações não-governamentais e movimentos sociais, sindicatos, associações, universidades etc. Os órgãos federais diretamente interessados nesse assunto são a Diretoria de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (DEA/MMA) e a Coordenação Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação (COEA/MEC). Entre 3 e 6 de novembro de 2004 tivemos ainda o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, em Goiânia, GO. Essas iniciativas demonstram um crescimento e a mobilização dos educadores ambientais em busca de seus objetivos. Outra importante conquista é a Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA) 38 . A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, (SECAD), tem como objetivo trabalhar os temas transversais, destacando-se entre eles a “questão ambiental” desde a educação infantil até a pós-graduação. A discussão sobre desenvolvimento sustentável não deve se restringir à abordagem exclusivamente econômica, mas também do ponto de vista 36 A Coordenação-Geral de Educação Ambiental (COEA) está estruturada na nova Secretaria de Formação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação – MEC, no Programa Nacional de Educação para a Diversidade, a Sustentabilidade e a Cidadania. Dos cinco eixos selecionados pela COEA a educação superior foi contemplada através do sub-eixo de incentivo a programas de pós-graduação em Educação Ambiental – CAPES – Seminário Universidade e Meio Ambiente, para ampliar programas e projetos no ensino superior de graduação e de pós-graduação. Disponível em: http://www.mec.gov.br/se/educacaoambiental/default.shtm>. Acesso em: 12 jan. 2005. 37 Contato através de [email protected]. 35 socioambiental. Impactos historicamente acumulados nos convidam a vislumbrar novas maneiras de produzir e de orientar as nossas relações comerciais e evitar novos danos. Boa parte dos eventos mórbidos ocorridos deveu-se à desatenção e prevenção de impactos negativos nos diversos sistemas ecológicos. Compreende-se que a formação dos profissionais envolvidos nesse contexto deveria ter sido orientada devidamente para que tais fatos não ocorressem ou tivessem sido minimizados. São muitas as profissões que podem estar envolvidas com a temática ambiental. Por ser um tema complexo que precisará de outras contribuições específicas, estamos aqui limitando nossos estudos à área de saúde e, dentro dela, à medicina veterinária. 38 Disponível em <http://www.rebea.org.br>. Acesso em: 14 jan. 2005. 36 3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, MEIO AMBIENTE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONCEPÇÕES EM DISPUTA No capítulo anterior apresentamos acidentes e desastres ocorridos devido ao nosso modo de produzir, associados à poluição atmosférica, poluição marinha, poluição radioativa, entre outros. Ao lado desses impactos ambientais e, como conseqüência deles, temos presenciado o esgotamento paulatino dos recursos naturais de nosso planeta. Essas questões nos levaram a perceber que precisamos interferir nesse processo de degradação, e impedir seu agravamento para as futuras gerações. Nas últimas décadas, uma das propostas mais discutidas tem sido a educação ambiental. Conferências internacionais e nacionais se sucederam e recomendações importantes foram preconizadas. Apesar desse esforço, não obtivemos resultados que se equiparassem ao tamanho dos problemas a serem enfrentados. Essa “incompetência” em lidar com tais desafios nos sugere uma revisão de nossos procedimentos e conceitos até então acumulados. Será que partimos de premissas falsas? Nos deixamos levar pelo senso comum? Nesse capítulo, ao procurarmos responder às múltiplas questões de nosso interesse, percebemos que não existe um consenso quanto aos conceitos de desenvolvimento sustentável, meio ambiente e educação ambiental. Constatamos ainda uma predominância relevante de uma abordagem hegemônica, nitidamente comprometida com o privilegiamento de soluções técnicas, mas que se mostrou dissociada das questões sociais e ambientais. O referencial aqui apresentado pretende servir de embasamento teórico para análises apresentadas no quinto capítulo desse estudo. 3.1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ROMANTISMO, MERCADO OU JUSTIÇA SOCIAL? Um dos assuntos em evidência desde meados do século XX tem sido a do desenvolvimento sustentável 39 . No Relatório Brundtland - Comissão Mundial para o Meio 39 Na Conferência de Estocolmo (1972) o termo utilizado era “ecodesenvolvimento”; mais coerente com os desejos de um desenvolvimento apoiado na justiça social e nos cuidados ambientais (SACHS, 1993). 37 Ambiente e o Desenvolvimento 40 (1987), ele é definido como aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades” (ACSELRAD; LEROY, 1999, p. 17). Apesar dessa definição, o desenvolvimento sustentável tem sido interpretado diferentemente, conforme os sujeitos que dele se “apropriam”. Acselrad (2001) refere-se a essas diferentes abordagens como matrizes discursivas: a) matriz da auto-suficiência (desvinculação dos fluxos de mercado mundial); b) matriz da escala (limites para o crescimento econômico); c) matriz da eficiência (combate ao desperdício); d) matriz da eqüidade (articulação entre justiça social e ecologia), e e) matriz da ética (debate sobre os valores do bem e do mal). Vamos destacar aqui as matrizes da auto-suficiência, da eficiência e da eqüidade, porque estão relacionadas a nossa pesquisa e associadas ao tratamento que a temática ambiental tem recebido nas últimas décadas. A matriz da auto-suficiência nos leva a pensar num estilo antigo de vida humana mais integrada com as áreas naturais. Defende o estabelecimento de comunidades sustentáveis a partir de relações tradicionais com a natureza. Os problemas são abordados em sentido a-histórico, ignorando as relações sociais e onde a relação indivíduo-natureza é condicionada às relações naturais e à sua dinâmica. Assim entendida a problemática, a ação humana é definida como antrópica e interpretada a partir dos parâmetros das ciências biológicas. Essa perspectiva teórica recupera, de certa maneira, o determinismo natural e o positivismo clássico, tão combatido ao longo deste século. (LOUREIRO, 2000, p. 19-20). Grün denominou essa abordagem como arcaísmo naturalista 41 , e apresenta sua critica: O que está em jogo aqui é mais do que um retorno à natureza, mas um retorno a um estágio de anterioridade praticamente impensável de tão antigo e arcaico. Esse tipo de retorno ao “impensado” me parece ser a última coisa de que uma educação ambiental precisa. Toda educação moderna baseia-se em um equívoco fundamental ao considerar, eurocentricamente, que a civilização moderna seria o ápice de um processo que vai necessariamente do primitivismo ao “homem cultivado”. Não me parece que uma simples inversão de vetor dessa relação – da cultivação ao primitivo – possa contribuir para uma melhor compreensão das relações entre sociedade e meio ambiente (GRÜN, 2000, p. 78-79). 40 Criada pela Organização Mundial das Nações Unidas em 1983, durante assembléia geral presidida pela primeira ministra da Noruega Sra. Gro Harlem Brundtland, com o objetivo de pesquisar os problemas ambientais em perspectiva global. Os resultados obtidos foram publicados no Relatório Brundtland (Our Common Future) em 1989 (COMISION, 1987). 41 Essa visão arcaica teria como origem o naturalista inglês Gilbert White (1720 -1793) que advogava aos humanos “que levassem uma vida simples, modesta e humilde para assim restaurarem uma coexistência pacífica com os outros organismos vivos” (GRÜN, 2000, p. 68). 38 Quesnay 42 (1985) refere-se à matriz da auto-suficiência, valorizando a riqueza social como fato mais importante do que a acumulação de bens. Questiona assim o consumismo que não leva, necessariamente, ao “enriquecimento” das relações humanas. O pensamento fisiocrático é resgatado por Cordeiro (1995) no intuito de valorizar a preservação dos recursos naturais. A idéia reducionista de que o meio ambiente é “objeto” e que o homem é “sujeito”, fugindo assim de uma unidade, transformou-se num dos principais desafios da educação ambiental. No entanto, o conceito de “holismo” também pode levar à uma compreensão reducionista, onde “a natureza é totalizada e o homem torna-se, em sua posição de reverência, seu objeto” (GRÜN, 1996, p. 73). A segunda matriz aqui discutida é a da eficiência, que privilegia soluções técnicas e econômicas exclusivamente para o alcance do desenvolvimento sustentável. Muitas empresas têm adotado esse modelo porque perceberam que aproveitar resíduos pode ser um bom negócio e, ao mesmo tempo, ajuda a manter sua boa imagem diante dos consumidores. Novas modalidades de uso de energia e prestação de serviços também começam a conquistar parceiros diversos. Essas constatações têm levado alguns grupos a diminuir seus desperdícios e a investir na ecoeficiência, de modo a tentar amenizar seus impactos socioambientais (SCHMIDHEINY, 1992). A degradação ambiental é explicada por Grün (1996) como conseqüência de nossa ética antropocêntrica onde tudo existe em função do homem e através de uma concepção reducionista de meio ambiente. Essa visão distorcida tem influenciado a educação e o desenvolvimento humano na direção do tecnicismo. Essa prática é reforçada através de uma educação profissional 43 que estimula a abordagem produtivista-instrumental (SINGER, 1996). A concepção de educação ambiental que apóia a matriz da eficiência é a comportamentalista, caracterizada pelo adestramento, e que privilegia as atitudes do indivíduo, como sendo o real culpado pela degradação ambiental. Somente sua transformação é que garantiria uma melhor qualidade de vida da sociedade. O tecnicismo se apresenta como capaz de resolver todas as questões ambientais. Acselrad explica que esse tipo de comportamento abriga 42 François Quesnay tinha um pensamento “biocêntrico” por entender que as leis naturais deveriam ser privilegiadas juntamente com os valores humanos, sendo mais favorável a uma sociedade do “ser”, evitando-se o consumismo desenfreado, próprio das sociedades do “ter”. 43 Segundo a LDBN/96, a educação profissional abrange processos formativos em empresas, escolas, ONGs, entre outras, que buscam qualificar os trabalhadores para um posto ou conjunto de trabalho (BRASIL, 1996). 39 otimistas tecnológicos, que acreditam na capacidade de o sistema de preços induzir tecnologias limpas, ou na ação de uma “mão invisível intergeracional” que garantirá que a máxima satisfação dos interesses presentes transmitirá um mundo mais produtivo às gerações futuras – até os partidários do livre comércio como meio de produzir recursos para proteger o meio ambiente e os que acreditam que a correção das “falhas de mercado” e das “distorções” governamentais do sistema de preços pode assegurar a eficiência global (ACSELRAD, 2001, p. 31) Esse discurso segue a lógica do mercado e aponta como solução o pagamento de taxas (princípio do poluidor-pagador). No entanto, não questiona o consumismo, a fome ou o modo de produção capitalista; ao contrário, esses assuntos não são de interesse porque contrariam exatamente o que o “capitalismo verde” preconiza, já que está fundamentado no liberalismo clássico 44 e no neoliberalismo contemporâneo 45 (DELUIZ; NOVICKI, 2004). Essa concepção de desenvolvimento sustentável tem, portanto, como princípio norteador, o crescimento econômico e a eficiência na lógica do mercado, e seus pressupostos estão ancorados na economia de Adam Smith, e na sua atualização contemporânea, o neoliberalismo de Friedrich August von Hayek (DELUIZ; NOVICKI, 2004, p. 22). A terceira matriz discutida é a da eqüidade, que enfatiza a questão socioambiental, ou seja, considera que os problemas sociais e ambientais têm a mesma causa: nosso modo de produzir e consumir. Defende também a redução dos níveis de crescimento econômico dos países de primeiro mundo, visto que continuam a incrementar o hiperconsumismo sem contribuir, efetivamente, para a justiça global. As questões econômicas, suas relações com o meio ambiente e as questões sociais já tinham sido indicadas pela Conferência de Tbilisi: O conceito de meio ambiente abarca uma série de elementos naturais, criados pelo homem, e sociais, da existência humana, e que os elementos sociais constituem um conjunto de valores culturais, morais e individuais, assim como de relações interpessoais na esfera do trabalho e das atividades de tempo livre (DIAS, 2000, p. 108). 44 Liderado por Adam Smith, defendia a liberdade plena nas relações econômicas e a mínima interferência do Estado nessa área (SMITH, 1985). 45 Os autores explicam que o neoliberalismo nasceu de um grupo de economistas, cientistas políticos e filósofos que, em 1947, reuniu-se em Mont Saint Pélerin, na Suíça, à volta do economista austríaco Friedrich August von Hayek e do norte-americano Milton Friedman. Essa equipe elaborou um projeto econômico e político no qual atacavam o chamado Estado-Providência de estilo keynesiano e social-democrata com seus encargos sociais e com a função de regulador das atividades do mercado (DELUIZ; NOVICKI, 2004, p.28). 40 Percebe-se aqui estreita relação da matriz da eqüidade com a definição de Tbilisi, ambas comprometidas com as questões sociais, o mundo do trabalho e outras atividades humanas, valorizando a democracia. Deluiz et al. (2004a, p.26) referem-se à “sustentabilidade democrática 46 ” e afirmam que “seus pressupostos estão ancorados na tradição do marxismo e na crítica da economia política” (MARX, 1983). A prática educativa para esse fim, segundo os autores, reflete-se na ação pedagógica transformadora/crítica (MACCARIELLO et al, 1999), na abordagem civildemocrática (SINGER, 1996) e numa educação omnilateral (MANACORDA, 1991). Na matriz da eqüidade procura-se articular o uso dos recursos naturais, de modo não predatório com a justiça social, o que poderíamos chamar de ética socioambiental. Acselrad (2001, p. 34) afirma: A ênfase nas necessidades e a asserção de que os pobres são as principais vítimas da degradação ambiental, justificam para alguns o estabelecimento da eqüidade como princípio da sustentabilidade. Mas a articulação lógica de um tal discurso decorre, com efeito, da afirmação da inseparabilidade analítica entre justiça e ecologia. A raiz da degradação do meio ambiente seria a mesma da desigualdade social. Desigualdades não são observadas somente em populações regionais. Ocorre entre nações inteiras, como é o caso das diferenças entre o Norte e o Sul do planeta. Os recursos naturais utilizados e a energia consumida pelos países desenvolvidos são requisitados e explorados em fontes originais de países do Terceiro Mundo. Os recursos dos menos favorecidos, bem como sua mão de obra, são especulados por poderes maiores de modo a sustentar um hiperconsumismo, acompanhado de forte degradação ambiental. Esse tipo de comportamento nos leva a refletir sobre a necessidade de um código ético internacional que desautorize essas práticas e que seja mais atuante. A apropriação de tecnologias avançadas, desenvolvidas e financiadas com dinheiro público, deveria ser uma prática comum de domínio amplo, sem qualquer tipo de monopólio e minimização de risco para que não afetasse populações humanas e os ecossistemas em geral. No entanto, percebe-se que algumas iniciativas particulares buscam maior competitividade utilizando tecnologias que podem afetar boa parte da humanidade, sem que haja mesmo, qualquer consulta 41 prévia sobre a opinião pública. Empresas “responsáveis” por acidentes internacionais raramente indenizam a “todos” que sofreram seus impactos. O enfrentamento dessas questões através de reflexões críticas e de propostas alternativas são as soluções preconizadas: A análise dos pressupostos que norteiam esta concepção de desenvolvimento sustentável permite-nos compreender a necessidade da crítica ao modelo de desenvolvimento capitalista e o papel dos sujeitos políticos na construção de alternativas societárias democráticas que superem a desigualdade social e a degradação das próprias bases materiais do modo de produção. Permite-nos compreender, igualmente, que na concepção de desenvolvimento sustentável na lógica da sustentabilidade democrática, a relação trabalho e meio ambiente não está subsumida à hegemonia do capital, mas as categorias trabalho e natureza articulam-se na perspectiva de ampliação da qualidade de vida das populações e de superação da desigualdade/exclusão social e da desigualdade socioambiental (DELUIZ; NOVICKI, 2004, p. 24). Dos comentários acima, concluímos que não dominamos uma idéia clara sobre o que seja realmente “um” desenvolvimento sustentável, porque temos “vários” tipos de desenvolvimento explicados na forma de diferentes matrizes. Essa realidade nos indica que precisamos ter maiores cuidados quando de nossas orientações e opiniões sobre um tema tão complexo. 3.2 MEIO AMBIENTE: DO DUALISMO CARTESIANO AO SOCIOAMBIENTALISMO Na Idade Antiga, a busca pela compreensão do que seria a natureza incluía um mundo habitado por seres que sentiam (mundo orgânico), e não por peças frias, como ocorreria nos séculos seguintes. A idéia aristotélica de natureza como algo animado e vivo, na qual as espécies procuram realizar seus fins naturais, é substituída pela idéia de uma natureza sem vida e mecânica. A natureza de cores, tamanhos, sons, cheiros e toques é substituída por um mundo “sem qualidades”. Um mundo que evita a associação com a sensibilidade (GRÜN, 2000, p. 27). O mecanicismo substituiria essa idéia inicial e novas contribuições seriam incorporadas através da participação dos grandes pensadores da época, tais como Galileu Galilei (1564-1642), 46 “Entendida como o processo pelo qual as sociedades administram as condições materiais de sua reprodução, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus recursos ambientais” (ACSELRAD; LEROY, 1999, p. 17). 42 Francis Bacon (1561-1626), Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1642-1727). A revolução científica traria contribuições relevantes para orientar a nova ordem social e econômica. A modernidade teria René Descartes como principal mentor da objetivação da natureza em sua tentativa de dominá-la e, ao mesmo tempo, manter a autonomia da razão (sujeito) 47 . A física newtoniana, por sua vez, influenciará a educação: A possibilidade de uma descrição da natureza estabelecida pelo programa newtoniano não define um simples conceito de natureza. Esta possibilidade define um modelo de interpretação do mundo sustentado no modelo explicativo mecânico-causal. O modelo atomístico reducionista irá estabelecer as estruturas conceituais dos currículos e, mais do que isso, ele passará a ser a única forma possível de conceber a realidade. De um certo modo, ele passa a ser a própria realidade. Neste período todo um corpo de saberes ecologicamente sustentáveis é deixado de lado no currículo por não ser científico, ou seja, por não ser mecanicista (GRÜN, 2000, p. 41). Segundo Prigogine (1991 apud GRÜN, 2000, p. 57) “a mecânica clássica negou as questões mais “evidentes” que a experiência das relações dos seres humanos com o mundo suscita, porque era incapaz de lhe dar um lugar”. O abandono do modelo cartesiano-newtoniano na educação e a sua substituição por práticas mais amplas, torna-se uma tarefa hercúlea. Um dos motivos que explicam esse reducionismo ainda em nossos dias é a dificuldade de concebermos o meio ambiente como um “todo” preferindo a dualidade fictícia homem-natureza como se ela fosse real. Reigota (1994) explica que os conceitos científicos sobre o que seja meio ambiente “são de conhecimento geral pelos pesquisadores”. No entanto, o senso comum também elabora suas definições com base em preconceitos e ideologias, surgindo assim diferentes definições sobre um mesmo tema. Talvez essa multiplicidade de definições explique a confusão reinante sobre esse assunto, mesmo nos meios mais intelectualizados. Ao examinarmos as definições que procuram explicar o que seja “meio ambiente”, encontramos definições, tais como, “o que circunda um organismo” segundo Ricklefs (1973, p. 785, apud REIGOTA, 1994, p. 12); “ meio ambiente abiótico físico-químico e meio ambiente biótico”, conforme Duvigneaud (1984, p. 237, apud REIGOTA, 1994); “fatores bióticos ou abióticos do habitat suscetíveis de terem efeitos diretos ou indiretos sobre os seres vivos” no dizer 47 A distinção entre sujeito e objeto legitimará todo o procedimento metodológico das ciências naturais. Hoje, praticamente todas as pesquisas realizadas nas universidades são ainda sustentadas pelo procedimento objetificante presente na lógica interna do dualismo cartesiano (GRÜN, 2000, p. 35). 43 de Touffet (1982, apud REIGOTA, 1994), ou ainda “o meio cósmico, geográfico, físico e o meio social, com suas instituições, sua cultura, seus valores” (SILLIAMY, 1980 apud REIGOTA, 1994, p. 13). Essa última definição nos faz lembrar Tbilisi (UNESCO, 1980), ao incluir os valores humanos conforme sua recomendação n. 2: “o conceito de meio ambiente abrange uma série de elementos naturais, criados pelo homem, e sociais da existência humana, e que os elementos sociais constituem um conjunto de valores culturais, morais e individuais, bem como de relações interpessoais no trabalho e nas atividades de lazer”. Segundo Grün (1996 apud NOVICKI; GONZALEZ, 2003, p. 106): O meio ambiente não é “tudo que nos cerca” como algo exterior, que mantém conosco uma relação de exterioridade. À rigor, esta leitura revela uma ética antropocêntrica que fundamenta a degradação ambiental, dualismo cartesiano Homem-recursos naturais, em que o Homem é o centro de todas as coisas, tudo o mais existe unicamente em função dele. Apesar de vivermos em pleno século XXI, permanecem ainda presentes diversos conceitos que procuram explicar um mesmo tema, causando assim alguns equívocos. As leituras fragmentadas dificultam a compreensão do meio ambiente como um todo. A abordagem do assunto a partir de uma vertente socioambiental exige uma profunda reflexão sobre os nossos procedimentos atuais: “os problemas que o cartesianismo coloca para a educação ambiental são problemas que enquanto não tratados comprometem as próprias condições de possibilidade da educação ambiental” (GRÜN, 2000, p. 58). 3.3 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO PRESERVACIONISMO À EDUCAÇÃO AMBIENTAL CRÍTICA Tentativas iniciais de classificar as correntes de educação ambiental surgidas a partir da década de 70, certamente tiveram alguma influência em nossas atuais concepções relacionadas à temática ambiental. A Conferência de Estocolmo em 1972 já tinha valorizado a educação ambiental reconhecida como “elemento crítico para o combate à crise ambiental do mundo” (GUIMARÃES, 2000). O embasamento teórico apresentado nessa dissertação, além de relacionar algumas diferentes concepções de educação ambiental, aponta no sentido de um posicionamento crítico 44 que leve o cidadão a perceber e compreender os modelos que afetam o seu cotidiano e a distinguir as diversas nuances de uma mesma abordagem, aparentemente iguais. Segundo Carvalho (1992), a educação ambiental deve propiciar a interferência pública organizada. Guimarães (1994) também não aceita as abordagens reducionistas e trabalha por uma ação pedagógica transformadora ou emancipatória, como nomeia Quintas (2000). Dias (1993) e Reigota (1994) entendem que a educação ambiental deve inserir-se na esfera político-ideológica e não, exclusivamente, em discussões ecológico-conservacionistas. Na visão de Reigota (1994) a educação ambiental deve ser compreendida como uma educação política: “saber porque fazer”, e não o simples “como fazer”. Pretende-se a edificação de paradigmas que rejeitem a exclusividade do “adestramento ambiental” (que condiciona o indivíduo para atividades pontuais), e os que não se aprofundam nas reais questões sociopolíticas, geradoras dos problemas socioambientais (BRÜGGER, 1994). Outros educadores apoiam essas idéias (VIEZZER; OVALLES, 1995). Sorrentino (1995) relaciona quatro diferentes modalidades de educação ambiental: a) conservacionista, vinculada à biologia; b) educação ao ar livre, que envolve os participantes do escotismo, montanhismo e diversas modalidades de lazer e ecoturismo; c) gestão ambiental, envolvida com aspectos políticos e movimentos sociais; e d) economia ecológica, que se estabeleceu a partir de reflexões sobre o desenvolvimento econômico e o meio ambiente. A educação voltada para o desenvolvimento da reflexão e da crítica traduz-se num desafio constante para educadores em geral, evitando-se uma repetição pura e simples de comportamentos padronizados. A educação política, entendida como educação para a democracia, postula que não é possível haver desenvolvimento humano baseado exclusivamente no campo econômico. Benevides defende o exercício da democracia e reconhece que a cidadania “é uma idéia de expansão” e que esta realidade existe porque a ação política continua desvalorizada e o cidadão pode ser visto apenas como o contribuinte, o consumidor, o demandante de benefícios individuais ou corporativos. E sequer o princípio constitucional de escolas para todos consegue ser cumprido (BENEVIDES, 1996, p. 224). Mininni-Medina (1997) considera as abordagens educativas segundo duas grandes vertentes: a ecológico-preservacionista e a vertente socioambiental. A primeira separaria a cultura e o ambiente natural, permanecendo o homem como um mero “espectador”, apenas acumulando conhecimentos e mudando alguns padrões comportamentais identificados na ecoeficiência e, para 45 a segunda, interessaria a formação da sociedade dentro de padrões éticos, democráticos, críticos e participantes. Layrargues (1999, p.133) critica as práticas descontextualizadas, ingênuas e simplistas, por buscarem apenas a incorporação do ensino sobre a estrutura e funcionamento dos sistemas ecológicos ameaçados pelo ser humano. O mesmo fato ocorre com as atividades voltadas para a resolução de problemas ambientais como atividade-fim, isto é, que não estimulam a compreensão das relações de dependência entre os interesses político-econômicos e as questões ambientais. Exemplifica esse comportamento através da coleta seletiva de lixo em escolas, mas cujo momento não é aproveitado como um tema gerador para questionamento do consumismo. Dessa forma, a educação ambiental deve basear-se na resolução de problemas ambientais locais (RPAL), mas como tema gerador e não com estímulo simples de ações repetitivas, sem qualquer reflexão mais profunda. A educação ambiental deve capacitar o educando ao pleno exercício da cidadania, e que a tendência natural seja de que a educação ambiental se transforme em educação política, entendendo que o fundamento da degradação ambiental não está na ignorância dos processos ecológicos da natureza, mas sim no estilo predatório da apropriação dos recursos naturais (CIMA, 1991) que encontra paralelo na apropriação da mão-de-obra da classe trabalhadora (LAYRARGUES, 1999, p. 141). As diferentes correntes existentes procuram dar algum tipo de contribuição às questões sociambientais, mas falham no sentido de aguçar a reflexão crítica. A idéia de engajamento da sociedade num processo de construção de seus próprios caminhos e salvaguarda dos bens comuns está defendida na Lei n. 9.795 de 27 de abril de 1999 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental: Art 1o Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. A necessidade de um posicionamento político foi preconizada na Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental aos Países Membros (Tbilisi): a) Uma atenção particular deverá ser dada à compreensão das relações complexas entre desenvolvimento socioeconômico e a melhoria do meio ambiente. b) Com esse propósito, cabe à educação ambiental dar os conhecimentos necessários para interpretar os fenômenos complexos que configuram o meio ambiente; fomentar os valores éticos, econômicos e estéticos que constituem a base de uma autodisciplina, que favoreçam o desenvolvimento de 46 comportamentos compatíveis com a preservação e melhoria desse meio ambiente, assim como uma ampla gama de habilidades práticas necessárias à concepção e aplicação de soluções eficazes aos problemas ambientais; c) Para a realização de tais funções, a educação ambiental deveria suscitar uma vinculação mais estreita entre os processos educativos e a realidade, estruturando suas atividades em torno dos problemas concretos que se impõem à comunidade; enfocar a análise de tais problemas, através de uma perspectiva interdisciplinar e globalizadora, que permita uma compreensão adequada dos problemas ambientais (DIAS, 2000, p. 107). Guimarães também preconiza a educação ambiental crítica: Em uma concepção crítica de Educação, acredita-se que a transformação da sociedade é causa e conseqüência (relação dialética) da transformação de cada indivíduo; há uma reciprocidade dos processos no qual propicia a transformação de ambos. Nesta visão, educando e educador são agentes sociais que atuam no processo de transformações sociais; portanto, o ensino é teoria/prática, é práxis. Ensino que se abre para a comunidade, com seus problemas sociais, ambientais, sendo, estes, conteúdos do trabalho pedagógico. Aqui a compreensão e atuação sobre as relações de poder que permeiam a sociedade são priorizadas, significando uma educação política (GUIMARÃES, 2000, p. 17). Loureiro destaca a importância da teoria social crítica para o enfrentamento da questão ambiental e ressente-se de sua tímida representatividade nos embates contemporâneos que buscam novos modelos comportamentais: A busca, no ambientalismo, de novos padrões civilizacionais ecologicamente aceitáveis, ao incorporar necessárias e fundamentais dimensões inerentes à discussão sociedade-natureza, está desconsiderando a análise crítica e histórica de aspectos fundamentais do modelo societário vigente. Logo, para ganhar em consistência, a díade teoria social/questão ambiental precisa incorporar o caráter crítico das relações na sociedade, tanto quanto desta com a natureza (LOUREIRO, 2000, p. 28). O debate crítico passa a ser uma necessidade se desejarmos um futuro melhor e um modelo alternativo mais justo de sobrevivência e realização humana. A educação ambiental critica deve permitir que o cidadão compreenda o mundo atual em que vive e também o seu papel nesse contexto, orientando-o a buscar novos horizontes (LOUREIRO, 2000). Apesar do esforço crescente, uma parte considerável dos projetos e atividades de educação ambiental desenvolvidos no Brasil, privilegia a concepção naturalista-preservacionista, conforme consta de documento do MMA (2000). Para que a temática ambiental possa ser tratada através da participação comunitária necessita-se mobilizar pessoas na construção de cenários que permitam essa intervenção. 47 Layrargues (2001) valoriza as orientações que estimulem a sociedade na intenção de desenvolver uma reflexão crítico-dialética ou simplesmente crítica. Para tal, a coletividade é tanto mais cooperativa quanto melhor for a sua visão sobre a importância dos recursos naturais para sua sobrevivência. Antes de sugerir qualquer iniciativa ou procedimentos didático-pedagógicos, é conveniente coletar dados relevantes e analisá-los, para compreender como os sujeitos concebem determinados temas ambientais, e que importância atribuem a cada um deles (REIGOTA, 2001). Pesquisas sobre a educação ambiental no ensino fundamental diagnosticaram um tratamento reducionista da temática ambiental, privilegiando especialmente abordagens biológicas do meio ambiente, o que caracterizaria uma concepção naturalista-preservacionista (NOVICKI; MACCARIELLO, 2002). Esse tipo de tratamento já havia sido criticado também por outros autores como Pedrini (1997) e Cascino (1999). No fechamento desse capítulo, fica a urgência em perceber que os caminhos percorridos até então, não conseguiram nos levar à eqüidade desejada. Novos horizontes, guiados por alternativas mais coerente estão nos convidando a descobrir a realização do “ser”, e não somente do “ter” humano. Aspectos relacionados à profissão e o mercado de trabalho fazem parte dessas discussões da sociedade, conforme apresentaremos a seguir, em relação à medicina veterinária. 48 4 EDUCAÇÃO SUPERIOR E MERCADO DE TRABALHO DO MÉDICO VETERINÁRIO Os primórdios da medicina veterinária estão relacionados às atividades humanas e suas relações de dependência com os animais, desde a pré-história, especialmente através da caça. Para essa prática, é preciso conhecer os hábitos da espécie a ser capturada ou abatida, além de suas defesas e seus pontos frágeis, entre outros detalhes de sua biologia e do ambiente em que vive. Nesses encontros muitos desses caçadores é que foram as vítimas já que suas armas eram ainda rudimentares. Percebe-se já aqui, a importância dos conhecimentos ecológicos e do domínio de técnicas elementares para a sobrevivência humana. Vásquez refere-se às relações humanas com a natureza ambiente numa intenção de submetê-la: Essa vinculação se manifesta, antes de mais nada, no uso e fabrico de instrumentos, ou seja, no trabalho humano. Através do trabalho, o homem primitivo já estabelece uma ponte entre si e a natureza e produz uma série de objetos que satisfazem as suas necessidades. Com seu trabalho, os homens primitivos tentam pôr a natureza a seu serviço, mas sua fraqueza diante dela é tal que, durante longo tempo, se lhes apresenta como um mundo estranho e hostil (VÁSQUEZ, 2003, p.40). A domesticação de animais foi outra importante conquista humana para atender suas necessidades mais urgentes: caprinos, ovinos, bovinos e eqüinos, eram então abatidos ou preservados, conforme os interesses do momento. Os impérios da Eurásia, através do tempo, devem boa parte de suas conquistas às espécies domesticadas, especialmente aos cavalos. Animais têm fornecido ao homem não somente uma cota de proteína necessária ao seu crescimento biológico, mas auxiliaram também no transporte de carga pesada, nas guerras, no lazer, na religião, como matéria prima, na guarda de bens, na defesa e proteção de pessoas. No hemisfério sul, entre os trópicos, a vida humana encoberta por florestas exuberantes certamente exigiu conhecimentos ambientais específicos e diferentes daqueles do velho mundo. O uso dos recursos naturais nas proximidades da linha do Equador fez crescer um conhecimento das regras da natureza como jamais visto. No entanto, foi nas terras boreais do Velho Mundo onde o homem desenvolveu suas melhores habilidades para domínio de espécies em ambientes cativos. Documentos da Idade Antiga demonstram o papel profissional do veterinário já nessa 49 época. No capítulo introdutório da História da Medicina Veterinária no Brasil 48 , constam informações sobre a prática veterinária na Idade Antiga: A referência mais remota sobre a existência dos veterinários, ou de veterinária, provem da Assíria e Babilônia, levando-se em conta o código de Hammurabi 49 (1800 a.C.) que se refere aos médicos dos animais, regulando e prevendo sanções aos médicos e veterinários que não fossem corretos em suas profissões (CFMV, 2002, p. 13). Os artigos desse código, transcritos abaixo, indicam claramente suas intenções disciplinares: Art. 224. Se um cirurgião veterinário realizar uma operação importante em um asno ou um boi e o curar, o proprietário deve pagar ao cirurgião um sexto de siclo 50 como taxa. Art. 225. Se ele realizar uma operação séria em um asno ou um boi e o matar, ele deve pagar ao proprietário um quarto do valor (CÓDIGO, 2004, p.66). No Brasil, a história da medicina veterinária é explicada através de ciclos de evolução: a) ciclo da etnoveterinária (mais ligada à vida indígena); b) ciclo da colonização (influência inicial portuguesa, séculos XVI a XVIII); c) ciclo dos reinados (D. João VI, D. Pedro I e D. Pedro II, séculos XVIII e XIX) e d) ciclo científico-tecnológico (século XIX até o presente) (CFMV, 2002). Os modelos europeus de cultivo da terra e da criação de gado que acompanharam os ciclos citados mostraram-se inadequados para as terras brasileiras: as matas litorâneas não suportam queimadas/desmates sucessivos e não temos aqui períodos longos com neve e gelo. As tradições indígenas, mantidas durante séculos, foram relegadas pelos portugueses, desinteressados na salvaguarda de nosso patrimônio natural. Essas práticas têm norteado nossos passos com a idéia de limpeza de “áreas improdutivas”, perdurando até hoje. O crescente aumento da população mundial fez aumentar a demanda por produtos de origem animal e novos negócios. Apesar disso, entendemos que o lucro econômico (a partir de uma visão ampla) não deve ser caracterizado somente pela quantidade de animais produzidos e produtos exportados, mas pela qualidade ambiental que possa ser garantida nessa produção e pelos benefícios sociais locais e regionais que possa oferecer. 48 Com o apoio da Academia Brasileira de Medicina Veterinária, o Conselho Federal de Medicina Veterinária publicou interessante documento sobre o assunto (CFMV, 2002). 49 Corpo de leis com 282 artigos, estabelecido no reinado de Hammurabi (1795-1750 a.C.) gravado em caracteres cuneiformes em um enorme bloco cilíndrico de pedra negra, conservado até hoje no Museu do Louvre, França. 50 Equivalente a 10 gramas de prata. 50 Recentes orientações de interesse profissional estão exigindo maiores atenções. Citamos como exemplo, o Código de Ética do médico veterinário, ao se referir aos seus deveres em relação ao animal e ao meio ambiente: I – conhecer a legislação de proteção aos animais, de preservação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, da biodiversidade e da melhoria da qualidade de vida. II – respeitar as necessidades fisiológicas, etológicas e ecológicas dos animais, não atentando contra suas funções vitais e impedindo que outros o façam; III – evitar agressão ao ambiente por meio de resíduos resultantes da exploração e da indústria animal que possam colocar em risco a saúde do animal e do homem 51 ; IV – usar os animais em práticas de ensino e experimentação científica, somente em casos justificáveis, que possam resultar em benefício da qualidade do ensino, da vida animal e do homem, e apenas quando não houver alternativas cientificamente válidas (BRASIL, 2002, Art. 25). Nossos conhecimentos sobre criação e pesquisa de animais domésticos, como eqüinos e bovinos, perdurariam ainda por bom tempo sob orientação estrangeira, até que tivéssemos nossos primeiros profissionais formados no Rio de Janeiro, em 1917. Impulsionado pela produção animal para consumo e suas implicações para a saúde pública (controle de zoonoses 52 e inspeção de produtos de origem animal), o médico veterinário estaria voltado para atendimento de interesses humanos 53 já naquela época. A Lei n. 5517 (BRASIL, 1968), que dispõe sobre o exercício da profissão de médico veterinário, apresenta em seu Artigo 5o , as competências privativas desse profissional que dizem respeito diretamente à temática ambiental: a inspeção e a fiscalização sob ponto de vista sanitário, higiênico e tecnológico dos matadouros, frigoríficos, fábricas de conservas de carne e de pescado, fábricas de banha e gorduras em que se empregam produtos de origem animal, usinas e fábricas de laticínios, entrepostos de carne, leite, peixe, ovos, mel, cera e demais derivados da indústria pecuária e, de um modo geral, quando possível, de todos os produtos de origem animal nos locais de produção, manipulação, armazenagem e comercialização. (BRASIL, 1968, Art. 5o, alínea f) 51 Compreenda-se aqui o papel do médico veterinário ao evitar que a qualidade ambiental seja comprometida devido aos resíduos diversos, oriundos das atividades de produção animal e seus subprodutos. As indústrias precisam tratar adequadamente todos os despejos industriais para que não acarretem impactos nos ecossistemas associados a elas. Rios, lagoas, lagunas, brejos, praias e manguezais vêm sofrendo sistemática degradação por alterações físicoquímicas decorrentes de atividades de indevidamente conduzidas, causando ainda contaminação biológica, através da dispersão de organismos diversos. 52 Doenças infecciosas que se transmitem do homem para os animais, e dos animais para o homem. 53 Embora muitas pessoas não consigam perceber a importância da medicina veterinária em seu cotidiano, esse profissional está diariamente em contato conosco através da garantia de qualidade sanitária dos alimentos de origem animal que ingerimos, tais como carnes (bovina, suína, aviar, pescado), ou ainda leite, manteiga, queijos, embutidos, mel etc. 51 A produção animal, se praticada incorretamente, pode atuar como um fator de degradação ambiental e tornar-se altamente impactante, contribuindo para a devastação de matas nativas, erosão, assoreamento e perda de recursos hídricos. Incluam-se aqui, os aspectos sociais que garantam as condições desejáveis de trabalho e saúde para técnicos e trabalhadores que participam desses projetos. O licenciamento ambiental prévio é uma exigência para qualquer tipo de atividade que possa vir a representar algum tipo de agressão socioambiental. Resíduos de origem animal oriundos dos estabelecimentos citados devem receber tratamento especial obedecendo-se às recomendações dos órgãos responsáveis pelo controle ambiental, de modo a não causar interferências lesivas nos ecossistemas e nem transtornos para a sociedade. Pelas razões apresentadas, entende-se que existe uma real necessidade de formar médicos veterinários atentos para irregularidades que venham a existir, procurando evitá-las, minimizá-las ou corrigi-las, por representarem fatores econômicos, sociais e ambientais relevantes. Sobre a necessidade da educação ambiental para grupos profissionais específicos, a Conferência de Tbilisi (UNESCO, 1980) deixou claro que deve ser dirigida especialmente para àqueles cujas atividades e influência tenham repercussões importantes no meio ambiente: engenheiros, arquitetos, administradores e planejadores industriais, sindicalistas, médicos, políticos e agricultores. Diversos níveis de educação formal e não-formal devem contribuir para essa formação. [...] que se ocupam de problemas específicos do meio ambiente: biólogos, ecólogos, hidrólogos, toxicólogos, edafólogos, agrônomos, engenheiros, arquitetos, oceanógrafos, limnólogos, meteorologistas, sanitaristas, etc - e deve compreender um componente interdisciplinar 54 . (DIAS, 2000, p. 129). A questão ambiental deixou de ser uma preocupação restrita aos profissionais envolvidos com problemas dessa ordem. Apesar disso, existe uma grande resistência nos meios acadêmicos para aceitação dessa realidade: percebemos uma tendência conformista da sociedade, em especial no que concerne aos problemas ambientais. Entendemos que há necessidade de mobilizar a sociedade para integrar o debate a cerca das questões ambientais, mas superando o nível retórico da discussão e inserindo atores sociais na condição de co-responsáveis pela melhoria da qualidade de vida, por intermédio do exercício da cidadania e da civilidade (CASTRO; SPAZZIANI; SANTOS, 2000, p.158). 54 Note que a medicina veterinária é uma ciência complexa. Embora não esteja explicitamente citada, está aqui devidamente representada, sob os títulos da biologia, da ecologia, da toxicologia, da saúde pública, entre outras. 52 Quanto às competências 55 e às habilidades específicas, o médico veterinário deve ser capacitado para: elaborar, executar e gerenciar projetos agropecuários, ambientais e afins à profissão; desenvolver, programar, orientar e aplicar as modernas técnicas de criação, manejo, nutrição, alimentação, melhoramento genético; produção e reprodução animal; planejar, executar, gerenciar e avaliar programas de saúde animal, saúde pública e de tecnologia de produtos de origem animal; executar a inspeção sanitária e tecnológica de produtos de origem animal; planejar, elaborar, executar, gerenciar e participar de projetos nas áreas de biotecnologia da reprodução e de produtos biológicos; planejar, organizar e gerenciar unidades agro-industriais; realizar perícias, elaborar e interpretar laudos técnicos em todos os campos de conhecimento da Medicina Veterinária; planejar, elaborar, executar, gerenciar, participar de projetos agropecuários e do agronegócio; relacionar-se com os diversos segmentos sociais e atuar em equipes multidisciplinares da defesa e vigilância do ambiente e do bem-estar social; exercer a profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social (BRASIL, 2002). A noção de competência está ligada à eficácia no mundo do trabalho. Na educação tem sido discutida como uma construção social, sendo assim alvo de disputas políticas sobre o seu significado (DELUIZ, 2001). Gonzalez (1996, p.31) entende que “a aquisição de competências é complexa, longa e pressupõe uma ampla base de educação geral”. Ao examinarmos a complexidade de competências atribuídas ao médico veterinário, convém perguntar se estamos oferecendo as práticas e os conhecimentos necessários para atingirmos esses objetivos, pelo menos, aqueles passíveis de desenvolvimento parcial durante a vida universitária. As diretrizes curriculares (BRASIL, 2002) ressaltam que a formação generalista do profissional exige a apropriação de diversos outros conhecimentos integrados, das áreas das Ciências Biológicas e da Saúde, das Ciências Humanas e Sociais e das Ciências da Medicina Veterinária propriamente ditas: Médico veterinário com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, apto a compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidades, com relação às atividades inerentes ao exercício profissional, no âmbito de seus campos específicos de atuação em saúde animal e clínica veterinária; saneamento ambiental e medicina veterinária preventiva, saúde pública e inspeção e tecnologia de produtos de origem animal; zootecnia, produção e reprodução animal e ecologia e proteção ao meio ambiente. Ter 55 O termo “competência” tem um sentido legal quanto aos aspectos da profissão; mas ele também pode ser discutido no sentido da eficácia, isto é, “uma capacidade de agir eficazmente em determinado tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles” (PERRENOUD, 1999, p. 7). 53 conhecimento dos fatos sociais, culturais e políticos da economia e da administração agropecuária e agro-industrial. Capacidade de raciocínio lógico, de observação, de interpretação e de análise de dados e informações, bem como dos conhecimentos essenciais de Medicina Veterinária, para identificação e resolução de problemas. O desafio para a formação humanística do profissional do médico veterinário explica-se porque, historicamente, ele tem sido eminentemente um técnico ou cientista especializado. A cultura humanística é uma cultura genérica, que, pela via da filosofia, do ensaio, do romance, alimenta a inteligência geral, enfrenta as grandes interrogações humanas, estimula a reflexão sobre o saber e favorece a integração pessoal dos conhecimentos. A cultura científica, bem diferente por natureza, separa as áreas do conhecimento; acarreta admiráveis descobertas, teorias geniais, mas não uma reflexão sobre o destino humano e sobre o futuro da própria ciência (MORIN, 2003, p.17). Essas colocações nos convidam a refletir sobre o tipo de formação que construímos no passado: será que estamos atentos para perceber visões mais justas e contemporâneas, face às novas exigências apresentadas? O século XXI está nos convidando a perceber a integração de temas diversos tais como os sociais, os ambientais, os econômicos e os culturais, todos eles intimamente acompanhados de aspectos legais que precisam ser considerados. O avanço da tecnologia vem ocorrendo numa rapidez jamais vista, e não estamos atentando para uma avaliação profunda sobre sua real utilidade para o bem estar humano e planetário. Além dos aspectos ecológicos estão aqui também envolvidos os aspectos éticos, ou melhor, bioéticos, assunto que vem rapidamente ganhando terreno em todas as áreas do conhecimento 56 . Schramm (2001) nos informa que, para o senso comum, a bioética é a “ética da vida”, ou ainda sob a moralidade das relações humanas com os animais, o meio ambiente e as gerações futuras também chamada de bioética global 57 . A bioética é necessária no contexto da educação ambiental formal e continuada tanto para os profissionais de medicina veterinária, quanto para tantos outros mais. O médico veterinário, durante o desempenho de suas atividades profissionais, lida com uma variedade de aspectos bioéticos. Não é sem motivos, que cresce o número de publicações sobre esse assunto 56 Jornais e televisão apresentaram, em 2005, diversas notícias sobre o uso e comercialização da soja transgênica no Brasil, envolvendo discussões políticas e econômicas acirradas. 57 Concepção ampla da bioética que envolve as ciências da vida (POTTER, 1988). 54 (OLIVEIRA, 1997; GARRAFA, 2000; SINGER, 2000; FORTES; ZOBOLI, 2003). As diretrizes curriculares (BRASIL, 2002) também valorizam a bioética, “tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo”. Outro fator crescente é a comercialização internacional que vem exigindo, cada vez mais, conhecimentos específicos sobre legislação internacional e biossegurança. Esses assuntos são relevantes para a medicina veterinária, já que boa parte das transações efetuadas e as atividades de produção precisam estar condizentes com acordos assinados pelo Brasil em diversas oportunidades e suas exigências específicas. Atuar nessa realidade mundial, cada vez mais exigente quanto aos padrões de qualidade ambiental e sanitária, implica ainda em possuir conhecimentos básicos referentes ao uso e à proteção de recursos naturais, tais como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 58 , a Convenção de Combate à Desertificação, a Convenção de Londres sobre Prevenção da Poluição Marinha por Alijamento de Resíduos e outras matérias 59 , a Convenção sobre Zonas Úmidas (Convenção de Ramsar 60 , assinada no Irã em 1971), a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da 58 Propõe a conservação e a utilização sustentável da diversidade biológica e valoriza os recursos genéticos objetivando a repartição justa e equitativa dos benefícios gerados pelo seu uso, especialmente aquelas da biotecnologia. O hemisfério Norte é pobre em diversidade biológica mas dispõe de tecnologia avançada para realizar bioprospecções, pesquisar, descobrir, monopolizar e comercializar novas bases químicas. Nos países do hemisfério Sul ocorre o contrário, e as áreas onde esses importantes recursos existem são utilizadas para produção de gado, soja (transgênica e convencional), milho, algodão (transgênico e convencional) e outras monoculturas. Junte-se a isso o corte de mata nativa do Cerrado e do sul da Amazônia, para ser adicionada, na forma de carvão, ao ferro gusa, exportado para alguns países, em quantidades significativas. A derrubada das matas brasileiras para a fabricação de carvão ocupa milhares de brasileiros que trabalham nas “carvoeiras”, queimando parte de nosso patrimônio, dia e noite, incessantemente. Os desmatamentos (feitos com tratores e correntes pesadas) representam mais que 50% da vegetação nativa e não eliminam apenas as espécies vegetais adultas, mas todas as demais formas de vida: animais, fungos, bactérias, protozoários, organismos indispensáveis na cadeia de decompositores, para o correto “funcionamento” dos ecossistemas. A ignorância ecológica brasileira é um fato e uma vergonha nacional. Disponível em: < http://www.biodiv.org/welcome.aspx >. Acesso em: 14 jan. 2005. 59 Aprovada em 1972. Está baseada no princípio da precaução, de modo que cada país seja obrigado a “tomar medidas preventivas apropriadas quando há razões para acreditar que os resíduos ou outros materiais introduzidos no ambiente marinho podem prejudicá-lo, ainda que não existam provas conclusivas”. 60 Ratificada pelo Brasil somente em 24 de setembro de 1993 (?), embora sejamos o quarto país do mundo em extensão de zonas úmidas. São a s áreas mais produtivas da Terra e berçários da diversidade biológica. Regulam os regimes hidrológicos e a estabilidade climática. Interferem nos ciclos da água, do carbono e outros. Possuem importância ecológica, econômica, científica e recreativa. Infelizmente, muitas dessas áreas estão próximas do litoral e sofrem uma imensa devastação por interesses comerciais, especialmente os imobiliários. O aterro de brejos, o lançamento de esgotos domésticos e os despejos industriais não tratados nessas áreas são crimes contra o patrimônio da humanidade. Aves migratórias vindas de outros continentes morrem aos milhares quando não conseguem mais encontrar seus pontos de refúgio, descanso e alimentação que são garantidos por tais áreas. Disponível em: < www.ramsar.org >: Acesso em: 16 jan. 2005. The Ramsar Convention on Wetlands. 55 Flora em Perigo de Extinção (Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora). Essa última é geralmente reconhecida pela sigla CITES 61 e tem como uma de suas funções, controlar a entrada e a saída de animais (especialmente espécies selvagens) em aeroportos e outros terminais. Cabe ressaltar aqui a importância dos médicos veterinários em todas essas atividades, juntamente com outros profissionais, que podem contribuir para a saúde coletiva 62 . Devido, cada vez mais, às múltiplas possibilidades de interferência do médico veterinário na sociedade, é que estamos preocupados com a qualidade atual dos investimentos feitos pelas universidades na formação mais ampla desse profissional. Sabemos que a capacitação universitária deverá ser continuada através de cursos complementares, mas consideramos que os primeiros momentos da vida acadêmica são relevantes para a definição e "construção" de conceitos básicos que o acompanharão durante toda a sua vida. Se essa vivência for teoricamente consolidada a partir de experiências reducionistas, certamente acrescentará muito pouco à necessária compreensão mais abrangente do mundo. “Os conhecimentos fragmentados só servem para usos técnicos. Não conseguem conjugar-se para alimentar um pensamento capaz de considerar a situação humana no âmago da vida, na terra, no mundo, e de enfrentar os grandes desafios de nossa época” (MORIN, 2003, p.17). A busca por soluções que sustentem a qualidade e a quantidade dos recursos naturais, de modo a não esgotá-los incoerentemente, vem aumentando paulatinamente. Já no final de 1995, o PNUD publicou o livro “Agroecologia 63 : a dinâmica produtiva da agricultura sustentável” do professor chileno Miguel Altieri, da Universidade da Califórnia. 61 Disponível em: <www.cites.org>. Acesso em: 16 jan. 2005. Assinada em 1973, em Washington. Vigente no Brasil através do Decreto n. 76.623, de 17 de novembro de 1975. A convenção constata que “a cooperação internacional é essencial para a proteção de certas espécies da fauna e da flora selvagens contra sua excessiva exploração pelo comércio internacional”. O controle é realizado com base em três listas (anexos ou apêndices I, II e III). Veterinários que atuam em aeroportos e outros pontos por onde saem ou entram no país qualquer forma de vida, especialmente plantas e animais selvagens, precisam estar inteirados dessa legislação fundamental. 62 A Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo publicou, em nove volumes, o título “Entendendo o Meio Ambiente”. O objetivo é apresentar os temas fundamentais pertinentes ao meio ambiente e explicar como funcionam as ferramentas de que o cidadão dispõe. São apresentados tratados e organizações ambientais além de detalhes da Convenção sobre Diversidade Biológica, Convenção de Ramsar, CITES, Convenção de Viena, Convenção sobre Mudança Climática, Convenção de Basiléia e Cooperação Internacional. 63 São abordados tanto os sistemas tradicionais quanto os de larga escala, indicando-se formas de ação de interesse para o desenvolvimento rural em confronto com o modelo predatório e anti-econômico da alardeada Revolução Verde (ALTIERI, 1998). A agroecologia integra princípios agronômicos, ecológicos e socioeconômicos além de considerar os efeitos das tecnologias sobre os sistemas agrícolas. 56 Impactos historicamente acumulados nos convidam a vislumbrar novas maneiras de produzir e de orientar as nossas relações comerciais. Documentos oficiais das últimas décadas estão nos exigindo “legalmente” uma atenção maior quanto às responsabilidades que cada vez mais os profissionais precisam assumir enquanto participantes desses projetos e demais empreendimentos. As atividades do médico veterinário têm uma forte repercussão na vida humana. Muitas das disciplinas presentes nos cursos desse profissional assim o demonstram, especialmente aquelas ligadas à saúde pública, e às tecnologias de produtos de origem animal. As questões ambientais precisam estar, constantemente, sob avaliação para saber se nossas orientações anteriores são ainda capazes de atender às exigências do século que se inicia. 57 5 TRATAMENTO DA TEMÁTICA AMBIENTAL EM CURSOS DE MEDICINA VETERINÁRIA NO RJ Neste capítulo apresentamos as análises que realizamos sobre concepções de desenvolvimento sustentável, meio ambiente e educação ambiental que têm sido interpretadas de diferentes formas por estudantes universitários, professores e coordenadores de cursos de medicina veterinária. Os resultados foram obtidos durante o ano de 2004, através da análise de 161 questionários (respondidos por alunos), 13 entrevistas direcionadas para professores e 3 entrevistas direcionadas para coordenadores. Dos dez principais cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro selecionamos três deles: um pertencente a uma universidade pública e dois particulares, conforme Quadro 1. Essas instituições estão situadas em diferentes pontos do Estado do Rio de Janeiro, convivendo com realidades urbanas e rurais. Quadro 1: Cursos de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro Universidades Públicas Município 1. Universidade Federal Fluminense 2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro 3. Universidade Estadual do Norte Fluminense Universidades Particulares Niterói Seropédica Campos dos Goytacazes Município 1. Universidade Castelo Branco Rio de Janeiro 2. Universidade Estácio de Sá Rio de Janeiro 3. Fundação Arco Verde 4. Fundação Educacional Serra dos Órgãos 5. Centro Universitário Plínio Leite 6. Centro Universitário de Barra Mansa 7. Universidade do Grande Rio Valença Teresópolis Itaboraí Barra Mansa Duque de Caxias 58 Os critérios para a seleção das universidades foram os seguintes: a) que já tivessem formado pelo menos uma turma e permanecessem em atividade regular na data da pesquisa, visando obter registros de instituições que se mostrassem estáveis em sua organização; b) que se situassem em diferentes regiões do estado com o intuito de minimizar a concentração de respostas influenciadas por alunos residentes numa mesma área geográfica e c) que representassem realidades públicas e privadas. No quadro 1 percebe-se o flagrante predomínio de cursos de medicina veterinária existentes em instituições particulares. Esse fato ocorreu mais recentemente porque as universidades públicas não conseguiram absorver a demanda crescente existente no país, em busca dessa profissão. Quanto ao perfil dos professores que entrevistamos, em sua maioria, lecionam em mais de uma universidade. Não entrevistamos o mesmo professor duas vezes, quando ele ministrava a mesma disciplina em outra instituição. Para que tivéssemos também uma visão mais ampla das questões envolvidas num curso de medicina veterinária, entrevistamos três coordenadores, todos médicos veterinários, que têm em suas histórias de vida, relevantes serviços prestados à profissão. Os documentos que analisamos foram baseados principalmente nas estruturas curriculares do diversos cursos, conteúdos de disciplinas, material impresso de propaganda dos cursos e textos disponibilizados através de seus endereços eletrônicos. O curso de medicina veterinária tem uma duração média de dez períodos semestrais, sendo um ciclo inicial básico e outro profissional. Sua estrutura curricular chega a ter mais do que cinqüenta disciplinas agrupadas, principalmente, em três grandes áreas: a) Ciências Biológicas e da Saúde (Morfologia, Fisiologia, Química, Genética, Patologia etc.); b) Ciências Humanas e Sociais (Sociologia, Extensão Rural, Deontologia, Administração etc.); c) Ciências da Medicina Veterinária (Clínica Veterinária, Saúde Pública, Medicina Veterinária Preventiva, Tecnologia de Produtos de Origem Animal, Inspeção de Produtos de Origem Animal, Produção Animal etc.). Em nosso trabalho, selecionamos sete disciplinas que fazem parte, em sua maioria, do grupo de Ciências Humanas e Sociais porque essa abordagem é fundamental em nossa discussão, tais como Administração, Ecologia, Economia, Extensão Rural, Produção Animal, Saúde Pública e Sociologia. Elas podem aparecer nos cursos de medicina veterinária com algum outro nome associado, mas seus conteúdos são equivalentes. Esse fato não prejudicou nossa pesquisa, porque 59 o que nos interessou saber, não foi como a temática estava sendo tratada exclusivamente nas universidades “A”, “B” ou “C”, mas sim, a partir de suas contribuições, o que isso representaria numa visão mais abrangente. Isto é, nossa proposta não foi avaliar o tipo de ensino de uma dada universidade, mas utilizar suas experiências comuns para uma avaliação a nível estadual. • A percepção da temática ambiental na vida profissional. Através de questionário respondido por 161 alunos de medicina veterinária (102 calouros 59 veteranos) procuramos saber deles quais eram seus entendimentos sobre a relação entre a temática ambiental e as atividades do médico veterinário (Tabela 1). Tabela 1: Relação entre temática ambiental e vida profissional, segundo os calouros e veteranos de medicina veterinária Motivos e argumentos declarados Necessária e obrigatória Entender as necessidades dos animais Preservação de espécies Controle de doenças Produção animal Contatos com o público Reflexos na vida humana Não lhe é dada a devida importância Informou não saber responder Sem nenhuma resposta Totais Início/ 1º sem. Nº % 40 39,6 14 13,7 9 8,8 8 7,8 4 3,9 4 3,9 6 5,8 4 3,9 2 1,9 11 10,7 102 100 Final/Último sem. Nº % 27 46,2 3 5,0 1 1,6 4 6,7 ----4 6,7 4 6,7 14 23,7 ----2 3,4 59 100 Subtotais Nº % 67 41,6 17 10,5 10 6,2 12 7,4 4 2,4 8 4,9 10 6,2 18 11,1 2 1,2 13 8,5 161 100 Tanto os alunos de início de curso (39,6%) quanto os que estão em seu final (46,2%) percebem claramente que o médico veterinário tem compromissos profissionais “obrigatórios” com os ecossistemas onde ele atua, chegando a um total de 41,6%, entre todos os alunos. As palavras que mais caracterizaram as respostas associadas a esta pergunta foram “zelar”, “proteger”, “preservar”, “respeitar”, “melhorar” e “controlar” os aspectos ambientais relacionados às atividades profissionais. Atividade profissional e tratamento dado à temática foram compreendidos como “um sistema interligado, não sendo possível separar um assunto do outro”, conforme afirmado pelos alunos. Constatou-se que a porcentagem aumentou ao final do curso, o que demonstra que houve um pequeno ganho na percepção dos alunos, embora os motivos alegados no sentido dessa 60 necessidade não fossem exatamente para um equilíbrio da relação social e ambiental, conforme verificamos nas demais respostas. Os temas ambientais tem sido mais intensamente apresentados em jornais e programas e, a nosso ver, esse fato também tem influenciado, positivamente, na opinião dos alunos. A importância da temática ambiental visando “entender melhor as necessidades dos animais”, também colocada pelos alunos, identifica-se com a imagem do “médico de bichos”. É um posicionamento reducionista que valoriza aspectos biológicos da natureza. As afirmações estão coerentes com o senso comum que não percebe perfeitamente a importância desse profissional no bem-estar humano e na saúde dos ecossistemas. Os calouros (13,7%) valorizaram esse aspecto, justificando que ingressam no curso “porque gostam de animais” (conforme tivemos a oportunidade de ouvir durante muitos anos como professor universitário). Esse número decai ao final do curso (5,0%), quando percebem que a medicina veterinária não é somente tratar de cães e gatos. O preservacionismo (8,8%) ficou em destaque entre os “calouros”, que valorizaram os temas ambientais no sentido de sua aplicação em “casos especializados de preservação de recursos naturais” ou de “espécies selvagens ameaçadas de extinção”. Essa idéia reduz-se ao final do curso (1,6%), quando percebem que a realidade do mercado não se afina exatamente com essas pretensões iniciais. Esses resultados podem estar sendo influenciados por uma educação conservacionista vinculada à biologia (SORRENTINO, 1995; GRÜN, 1996), também reconhecida por Minnini-Medina (1997) como ecológico-preservacionista. Esse comportamento é criticado por Pedrini (1997) e Cascino (1999) porque são reducionistas e não estimulam a crítica sobre a relação entre modelos econômicos e a degradação ambiental. Calouros (7,8%) e veteranos (6,7%) enfatizaram a necessidade de conhecimentos de assuntos ambientais para atuar em casos de “controle de zoonoses” 64 . Essa porcentagem manteve-se (7,4%) durante o curso, provavelmente porque essas doenças são abordadas como reais problemas para os animais e humanos e são valorizadas do ponto de vista sanitário. Alunos iniciantes (3,9%) deram pouca importância ao conhecimento ambiental, entendendo que ele seria necessário somente para “algumas disciplinas ou atividades veterinárias voltadas para a produção animal”, tais como melhoramento genético, prevenção e tratamento de 64 As doenças que atualmente afetam os animais domésticos são originárias de reservatórios (animais) selvagens que vivem em seus ambientes naturais. 61 doenças, bem-estar animal, saúde pública, inspeção sanitária entre outras. Estranhamente, não houve nenhuma resposta dos veteranos sobre a associação entre temática ambiental e produção animal. Uma baixa porcentagem de alunos de inicio (3,9%) e de final de curso (6,7%) mostrou que o profissional não é apenas um técnico ou pesquisador em assuntos animais, e que o seu contato com o público envolve a formação de opiniões e a prevenção de doenças. As disciplinas envolvidas com essas práticas seriam a saúde pública e a extensão rural. Calouros (5,8%) e veteranos (6,7%) reconheceram que a atividade profissional do veterinário “tem reflexos na vida humana”, mas não esclarecem que reflexos são esses. Parece existir aqui uma dificuldade nessa percepção, havendo apenas um pequeno ganho entre os veteranos. Parte dos alunos de final de curso (23,7%) declarou que, embora seja percebido o valor e a necessidade de uma correta relação profissional com os ambientes onde atua, “não é dada a devida importância ao assunto e existe pouco investimento nessa área”. Poucos alunos iniciantes (3,9%) se manifestaram a respeito. A não implementação da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) não permite que os alunos que estão ingressando na vida universitária reconheçam de imediato essa situação, que vai ser melhor percebida pelos alunos veteranos somente no final do curso. Embora a percepção da necessidade aumente com o passar do tempo, a questão básica continua sendo menosprezada. A propósito, não ouvimos nenhuma menção sobre essas duas leis vigentes no país: esquecimento, omissão, desconhecimento? É preocupante o fato dos próprios alunos reconhecerem que a temática ambiental não é tratada com a devida importância em medicina veterinária. Esse fato exige um repensar sobre o assunto, porque pode representar uma negligência institucionalizada. Alunos iniciantes declararam que “não sabiam responder” (1,9%), no entanto existiram casos sem nenhuma resposta (em branco), especialmente entre os calouros (10,7%) e menos entre os veteranos (3,4%). Esses números podem significar a superficialidade de um embasamento ecológico e social no ensino fundamental e um desinteresse pelo assunto ao longo do curso. Nossa análise das respostas apresentadas indica que existe uma sensibilidade por parte dos alunos em reconhecer a estreita relação entre atividade profissional e a questão ambiental e a 62 importância do médico veterinário na vida humana. No entanto, apresentam uma visão fragmentada que valoriza a disciplinaridade e uma abordagem reducionista do meio ambiente. Essa visão deturpada vai se repetir nas conjecturas sobre o que seja desenvolvimento sustentável, como veremos a seguir. • O que entende por desenvolvimento sustentável? Nessa pesquisa buscamos analisar as concepções dos alunos sobre desenvolvimento sustentável. Os resultados aqui apresentados (Tabela 2) foram agrupados conforme algumas matrizes indicadas por Acselrad (2001), no entanto, algumas respostas não nos permitiram associá-las a nenhuma das matrizes. Nesse caso, elas foram inseridas sob o título VAGAS ou CONFUSAS. Fizemos questão também de registrar os casos onde os alunos declaram NÃO SABER RESPONDER a questão proposta. As questões sem nenhuma resposta (em branco) também foram anotadas. Para termos uma idéia das dificuldades dos alunos para explicar-nos o que seja desenvolvimento sustentável, anotamos as seguintes frases: “é todo trabalho exercido com finalidade de se manter sem ultrapassar limites”; “é acreditar em seus propósitos”; “é a capacidade de progredir com alicerce, tendo sustentabilidade”; “que possui idéias, teorias e práticas viáveis para que realmente ocorra”; “é um desenvolvimento que se sustenta”; “o que se desenvolve visando uma melhor sustentação em termos de melhoramento em que estamos procurando”; “algo dependente do seu próprio empenho”; “é utilizado para sustentação do animal, ele desenvolve o que consome”; “desenvolver alguma atividade que tenha fundamento”; “se sustenta sem que haja algum prejuízo para quem o desenvolve”; “é o que ocorre sendo sustentado por um órgão”; “procura avançar sem prejudicar outros meios”; “fase de um progresso que é sustentado por outros”; “melhoramento para sustentar algo”; “melhoria de algo evitando ultrapassar limites”; “não é capaz de cobrir outros desenvolvimentos”; processo de expansão que depende apenas do benefício próprio para evoluir”; “construir uma base forte [...] a fim de que os objetivos maiores sejam alcançados paulatinamente”; “bases firmes que possam beneficiar a todos os envolvidos”. Entendemos, por essas respostas, que os alunos não tiveram nenhuma orientação prévia sobre o assunto. Procuraram fazer suas próprias interpretações a partir de seu 63 bom senso (não existe nem mesmo, um senso comum a respeito). Não fizeram nenhuma menção à importância de congressos internacionais, grupos econômicos, agenda 21 etc. Os alunos ingressam na universidade sem maiores conhecimentos sobre o assunto, já que as respostas vagas, confusas ou ausentes totalizaram cerca de 50,9 % entre eles. Felizmente parece que o assunto recebe algum tipo de atenção durante o curso, já que os números decresceram no final do curso (11,9 %). Tabela 2: Concepções de desenvolvimento sustentável, segundo os calouros e veteranos de medicina veterinária Percepção das diferentes matrizes nas respostas analisadas Matriz da eficiência Matriz da equidade Matrizes da auto-suficiência e escala Respostas vagas ou confusas Informou não saber responder Sem nenhuma resposta Totais • Início/ 1º sem. Nº % 17 16,7 7 6,5 26 25.9 27 26,5 13 12,7 12 11,7 102 100 Final/Último sem. Nº % 21 35,6 3 5,1 28 47.4 6 10,2 ----1 1,7 59 100 Subtotais Nº % 38 23,6 10 6,2 54 33.5 35 20,5 13 8,1 13 8,1 161 100 A matriz da eficiência na percepção dos alunos. Para Acselrad (2001) a matriz da eficiência tem como motivação central “o combate ao desperdício da base material do desenvolvimento, a instauração da racionalidade econômica na escala do planeta, a sustentação, enfim do mercado como instância reguladora do bem-estar dos indivíduos na sociedade” (ACSELRAD, 2001, p. 32). Essas práticas são utilizadas pelo denominado “capitalismo verde” que defende a idéia de que soluções técnicas e medidas econômicas podem resolver a problemática ambiental de modo satisfatório. É uma leitura reducionista da realidade que prega a incorporação dos custos ambientais nos preços dos produtos (princípio do poluidor-pagador) e uso de equipamentos antipoluentes. No entanto, não indica a necessidade de mudança de valores ou do modelo consumista. A porcentagem de respostas identificadas com a matriz da eficiência era inicialmente de 16,7% entre os calouros e passou a 35,6 % ao final do curso, ou seja, os resultados foram além do dobro do inicial. Isso nos indica que os alunos estão sendo fortemente influenciados pelo “ambientalismo de mercado”, significando uma ausência ou minimização das abordagens que contribuam para a formação crítico-reflexiva do estudante. Ao avaliarmos os dois grupos 64 chegamos a um total de (23,6 %) que consideram que o desenvolvimento sustentável deve ser alcançado através de soluções exclusivamente tecnológicas. As frases emblemáticas que nos sugeriram a matriz da eficiência foram as seguintes: “atividades ligadas à industrialização e urbanização sem que haja dano ao meio ambiente”; “exploração dos recursos vegetais e minerais sem que o meio ambiente seja prejudicado [...] e também ocasionando lucro”; “que tenha retorno financeiro e que ajude a melhorar algum setor”; “é o profissional conseguir expor seu aprendizado tecnológico”; “retorno cultural e econômico lucrativo com produção”; “reciclagem de garrafas com finalidade de produzir objetos”; “utiliza substâncias do meio ambiente [...] sem prejudicá-lo e obtendo lucro”; “abrindo portas de forma ideológica e econômica para a utilização de projetos”; “ajuda na vida financeira, substitui a mão de obra por máquinas”; “atividades ligadas à industrialização e urbanização sem que haja algum dano ao meio ambiente”; “desenvolvimento da região e também ocasionando lucros”; “desenvolvimento de projetos que podem ser defendidos e comprovados na prática”; “manutenção de alguma atividade produtiva [...] procurando minimizar danos ambientais”; “é o que não afeta tanto o meio ambiente”; “desenvolvimento econômico da sociedade sem ter grandes alterações no meio ambiente”; “equilíbrio entre tecnologia e a vida”; “havendo recursos financeiros para mantê-los e área física para sustentá-lo”; “obtenção da matéria prima envolvendo todo o processamento até a obtenção do produto final”. A maioria dos alunos de final de curso reforçaram a idéia de que a formação universitária oferecida tradicionalmente privilegia a abordagem econômica. • A matriz da eqüidade e sua baixa percepção entre os estudantes. A matriz da eqüidade está comprometida com a visão socioambiental, ou seja, permite uma visão mais abrangente da relação sociedade-natureza. A matriz norteadora da eqüidade pretende a sustentabilidade democrática e, conforme Novicki; Deluiz (2004), ela propõe uma mudança do paradigma hegemônico de desenvolvimento econômico, com base em princípios de justiça social, superação da desigualdade socioeconômica e construção democrática ancorada no dinamismo dos atos sociais. Traz a discussão da sustentabilidade para o campo das relações sociais, analisando as formas sociais de apropriação e uso dos recursos e do meio ambiente (NOVICKI; DELUIZ, 2004, p. 23). 65 Esse contexto nos leva a um discurso da ética, que segundo Acselrad (2001): elabora a conduta humana diante dos valores construídos de bem e de mal. Destacam-se aqui as intenções das ações que tem por objeto uma base material biofisicamente comum, interligando espaços, homens e tempos. Reconhece-se, igualmente, que tais ações e os juízos que sobre elas se aplicam, dão-se em condições de acentuada desigualdade jurídica, econômica e política de acesso ao espaço ambiental pelos distintos agentes sociais (ACSELRAD, 2001, p.35-36). Para a matriz de eqüidade agrupamos as respostas que apontaram para uma valorização social, diferentemente da predominância técnica verificada para a matriz da eficiência (antropocêntrica), ou ainda, da orientação da auto-suficiência (biocêntrica). Foram raras (6.2%) as frases que apresentaram essa característica, tanto no início do curso (6,5%) quanto em seu final (5,1%). Na realidade, esta redução está coerente com o crescimento da abordagem tecnológica do desenvolvimento sustentável (matriz da eficiência). Das poucas frases anotadas com alguma conotação social, destacamos: “a sociedade não perde. A renda acompanha o desenvolvimento”; “desenvolvimento ideal para todo mundo, que dê o mínimo de dignidade”; “muitas famílias conseguem o pão de cada dia para manterem uma vida digna para si mesmo”; “sem prejudicar o meio ambiente e, conseqüentemente, a própria sociedade”; “sem danificar a natureza, favorecendo o progresso tecnológico propriamente dito, o social, econômico...”. Os resultados apresentados do total de alunos apontam para uma imensa ausência de respostas comprometidas com essa abordagem. Não apareceram questões éticas ou bioéticas nas respostas obtidas nos questionários dos alunos, tais como o uso de alimentos geneticamente modificados ou sobre o comportamento ético do médico veterinário. Embora esta pergunta não estivesse colocada claramente, esperávamos algum tipo de manifestação a respeito. Essa ausência pode indicar que o aluno de medicina veterinária ainda não está perfeitamente sensibilizado para a importância desse assunto no Brasil. O mesmo parece estar ocorrendo com a discussão sobre biossegurança, que vem crescendo paulatinamente, mas ainda não atingiu um patamar desejado (CASTIEL, 1999; VALLE; TELLES, 2003). • Percepção da matriz da auto-suficiência. A matriz da auto-suficiência, como modelo de desenvolvimento sustentável, é criticada por Novicki; Deluiz (2004) ao afirmarem que ela é 66 uma inversão dos postulados do paradigma mecanicista e, desta forma, não ultrapassa os marcos do dualismo cartesiano homem-natureza. Trata-se de um desenvolvimento sustentável “biocêntrico”: enquanto no cartesianismo o homem é colocado no centro do universo, fundamentando o antropocentrismo e a degradação ambiental, na matriz discursiva da auto-suficiência, o homem é visto em posição de subserviência em relação à natureza (NOVICKI; DELUIZ, 2004, p. 23). Os autores lembram que a proposta da auto-suficiência nos remete à fisiocracia 65 de François Quesnay. A preocupação é a valorização da vida social por longo prazo e baseia-se numa preocupação com a necessidade de preservação associada ao desenvolvimento de comunidades sustentáveis, que não dependam de interferências externas. Lembra-nos o modelo de sobrevivência indígena, que perdurou por séculos, e que nos leva a reconhecê-lo como uma modalidade de valorização da natureza. Na matriz da auto-suficiência agrupamos as respostas que indicavam um privilegiamento dos recursos naturais (biocentrismo), ou a idéia de sociedades e de grupos familiares autosustentáveis, ou ainda a reposição de elementos da natureza respeitando-se a capacidade de carga dos ecossistemas. Algumas dessas colocações apareceram associadas também a uma preocupação com as gerações futuras. Estariam aqui também as manifestações de auto-regulação que pregam um controle do uso dos recursos naturais no sentido da valorização da natureza. Das frases emblemáticas anotadas para essa matriz da auto-suficiência, consideramos: “atividades que sejam capazes de suprir as necessidades por si só, não necessitando de recursos externos”; “quando um lugar produz tudo que necessita sem ter perda, aproveitando toda a matéria prima para seu benefício sem interferir na natureza”; “evolução aonde seja mantido por um bom tempo”; “o investimento não depende de terceiros, ou seja, a sua prática já oferece meios para o seu desenvolvimento”; “de maneira que o meio ambiente não sofra conseqüências desastrosas ou esgotamento do recurso”; “comunidade ou família para viver de forma digna a partir do que ela produz”; “um jeito que cada um encontra para sobreviver”; “para o sustento de sua família sem maiores pretensões comerciais”; “desenvolver o próprio sustento”; “repor na natureza tudo o que foi retirado”; “por meio de matéria prima renovável [...] que não entrarão em algum momento em extinção”; “respeita o meio ambiente e não ultrapassa os limites”; “de um grupo de pessoas de se manterem com o que é oferecido pelo meio ambiente”; “seja suficiente para o sustento e 65 Privilegia a riqueza social (valor de uso) em detrimento da acumulação capitalista (valor de troca), questionando a “sociedade do ser” (consumismo) em favor da “sociedade do ter”. 67 desenvolvimento de uma população neste local”; “de uma sociedade a partir de seus próprios recursos sem depender de recursos vindos de outro país ou do governo”; “preservar os recursos naturais [...] a fim de serem aproveitados em longo prazo”; “que visa o consumo sem prejudicar o meio ambiente e as gerações futuras”; “aproveita recursos naturais de uma determinada área sem degradação”; “possibilita a sobrevivência das populações residentes”; “usar o meio ambiente sem prejudicar as gerações seguintes através de replantio e técnica”. Constata-se na tabela 2 que 25,5% dos alunos de primeiro semestre e 47,4% dos veteranos, apresentaram uma concepção biocêntrica de desenvolvimento sustentável. Estes dados revelam-se paradoxais quando consideramos o elevado percentual de respostas agrupadas na matriz de eficiência (16,7% e 35,6%, respectivamente). Esses resultados sugerem que os alunos apresentam uma visão fragmentada, contraditória e um tanto confusa, característica do senso comum, e que não está sendo superada durante o curso. A necessidade de um controle do uso dos recursos naturais e do desenvolvimento econômico expressou uma preocupação com a perenidade desses recursos para as próximas gerações. Apesar da idéia de uma preocupação social futura, notou-se que a palavra socioambiental foi raramente usada. • O que você entendo por meio ambiente? Os resultados apresentados na tabela 3 indicaram o predomínio de uma leitura reducionista (91,3%) do meio ambiente no total de alunos, com predominância de descrições que valorizaram aspectos biológicos, como a fauna e a flora, mas não incluindo sociedade como componente desse contexto. Os recursos bióticos (organismos) estão reduzidos aos animais e vegetais, desconhecendo-se os microorganismos 66 . Esses números refletem as concepções dos calouros (91,4%), que nos indica que eles já trazem do ensino de segundo grau a visão deturpada e fragmentada do que seja meio ambiente. Por outro lado, os números continuam altos entre os veteranos (93,4%), o que significa que essa mesma visão persiste durante o curso. 66 Esses indispensáveis organismos microscópicos são conhecidos como saprótrofos e constituem a cadeia alimentar dos “comedouros de detritos”, e são eles que garantem uma boa parte da circulação dos diversos nutrientes nos mais diversos ecossistemas. Aqui percebe-se nitidamente uma tendência para desconsiderar os microorganismos como “saudáveis e necessários elementos evolutivos da natureza”, provavelmente porque foram rotulados como causadores de doenças contagiosas” que precisam ser destruídos com potentes medicamentos da indústria farmacêutica. 68 Tabela 3: Concepções de meio ambiente, segundo os calouros e veteranos de medicina veterinária Concepções de meio ambiente Concepção naturalista (reducionista) Concepção socioambiental Respostas vagas ou confusas Informou não saber responder Sem nenhuma resposta Totais Início/ 1º sem. Nº % 93 91,4 1 0,9 2 1,9 3 2,9 3 2,9 102 100 Final/Último sem. Nº % 55 93,4 3 5,0 --------1 1,6 59 100 Subtotais Nº % 148 91,3 4 2,4 2 1,2 3 1,8 4 2,4 161 100 O reducionismo apareceu nas respostas dos alunos como abordagens generalizantes, do tipo “tudo ao nosso redor”, “meio em que vivemos”, “lugar onde se vive”. Outras respostas exclusivistas descreveram o meio ambiente valorizando especialmente o relacionamento entre seres: a) “inter-relações entre seres vivos e ambiente”, “interação entre todos os seres”; b) como composto por uma rede de interações somente harmônicas: “é a harmonia entre seres e a natureza”; c) como composto de partes, mas não é explicado, claramente, a existência de relacionamentos entre elas: “conjunto de ecossistemas”, “conjunto de seres bióticos e substâncias abióticas”, “conjunto de seres vivos”. Outro fato aqui observado, é que as interações ocorrem entre elementos de uma natureza da qual o homem e suas formas de relação estão ausentes ou minimizadas. Denotando uma visão antropocêntrica, os calouros reconheceram que o meio ambiente é “um conjunto de alguns recursos naturais para uso e satisfação das necessidades humanas”. No entanto, não associaram a essa afirmação a preocupação com a salvaguarda desses recursos para as próximas gerações. O homem parece ser a única espécie a usufruir da complexa rede de ecossistemas da Terra. Alija-se com isso os milhões de outras espécies ainda desconhecidas que dependem dos mesmos recursos da ecosfera 67 . 67 A ecosfera envolve todos os compartimentos ambientais do planeta, tidos como reservatórios de depósito (atmosfera, hidrosfera e geosfera) e reservatório de troca (biosfera). A negligência no reconhecimento do mundo e sua rica biodiversidade implica numa simplificação da vida, onde os recursos só são reconhecidos e valorizados, somente se servirem ao consumo humano. Caso contrário, são simplesmente desconsiderados, podendo esse hábito levar à extinção de diversas espécies ainda desconhecidas, porque a cultura humana não as reconhece como importantes. Esse fato também aponta para uma abordagem reducionista. 69 Ficou flagrante a ausência de respostas que ressaltassem as abordagens críticas, já que somente 2,4% dos alunos apresentaram respostas que apontaram para a concepção socioambiental, entre iniciantes (0,9%) e veteranos (5,0%). A concepção dialética da relação homem-natureza permite reconhecer a interação entre interesses humanos e o uso dos recursos naturais. Os alunos que estão ingressando na universidade não estão trazendo estas noções do nível fundamental, e os que estão sendo formados nos cursos superiores, não estão incorporando essa relação durante a vida universitária, conforme nos indicam os dados apurados. Nossa pesquisa mostrou que os alunos que estão ingressando nas universidades não possuem uma formação critica e que muito pouco é acrescentado ao longo do curso superior. Obtivemos pouquíssimas frases que nos indicaram que os alunos admitem a presença humana e de seus valores juntamente com a definição “tradicional” de meio ambiente, conforme preconizado por Tbilisi, e que atenderia à concepção socioambiental: “espaço criado pela natureza, o qual é passível de interferência humana e, conseqüentemente, para sua degradação ou manutenção e beneficiamento”. E também “todos os seres vivos, o meio em que vivem [...]. É a sociedade juntamente com outros seres, numa interação que se faz necessária para a sobrevivência de ambos”. O predomínio de afirmações reducionista da tabela 3 nos mostra que o meio ambiente é percebido com algo separado das atividades humanas, sendo caracterizado predominantemente pela presença de plantas e animais. É estranho também que bactérias, protozoárias e fungos não tenham sido citados já que somente uma mínima parte deles pode ser considerada como agentes que causam algum tipo de “doença” nos demais organismos. Não se percebe aqui o papel indispensável desses microorganismos nas cadeias alimentares, especialmente como decompositores e enriquecedores do solo. • Entrevistas com os professores. Os professores entrevistados foram selecionados através de suas disciplinas, isto é, aquelas que tivessem maior afinidade com a temática ambiental e seus aspectos sociais, tais como administração, ecologia, economia, extensão rural, saúde pública, sociologia e produção animal. Professores que ministravam a mesma disciplina em mais de uma instituição (pelo fato de serem 70 horistas) foram entrevistados uma única vez. Embora tivéssemos um número menor de entrevistados (13) do que tínhamos planejado (21), foi possível obter contribuições de todas a disciplinas, com a predominância de dois diferentes professores por disciplina. O roteiro utilizado para as entrevistas semi-estruturadas realizadas com professores foi o seguinte: 1. Como aborda a temática ambiental em sua disciplina? 2. Aborda conceitos ou concepções sobre meio ambiente, educação ambiental, desenvolvimento sustentável (ou algum outro, em especial)? Como? 3. Considera que a educação ambiental possa ser ensinada ou praticada em cursos superiores de medicina veterinária? Como? 4. Já foi orientado ou tem uma idéia clara do que seja transversalidade / interdisciplinaridade? Qual a formação que recebeu para abordar a temática ambiental nos cursos de medicina veterinária? 5. Como avalia o tratamento da temática ambiental nos cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro? Por que? E, em particular, nesta Universidade? Por quê? 6. Em sua opinião, o aluno que termina o curso de medicina veterinária, de um modo geral, tem uma visão clara da importância da temática ambiental em sua profissão? 7. Que sugestão teria para uma melhor abordagem da temática ambiental nos cursos de medicina veterinária? 8. Gostaria de comentar algum assunto que julga importante nesse contexto e que não foi aqui abordado? Apresentamos a seguir os resultados obtidos com alguns comentários que julgamos relevantes. Selecionamos, preferencialmente, as frases emblemáticas que representaram uma afirmação ou intenção também colocada por outros professores ou que fossem, a nosso ver, importantes para a presente pesquisa. • (1) Abordagem da temática ambiental nas disciplinas de medicina veterinária. Os professores explicaram, de diferentes modos, como fazem a abordagem de temas sociais e ambientais em suas disciplinas. Não há, pelo que percebemos, uma orientação que lhes tenha sido apresentada através de algum documento oficial ou instituição para que pudesse usar 71 como referência. Procuram fazer as abordagens de um modo um tanto intuitivo, aproveitando o conteúdo existente e o tempo que dispõem. As colocações são geralmente teóricas e melhor aproveitadas nas disciplinas interessadas em aspectos sociológicos, sanitários, ecológicos, produtivos ou administrativos. Assuntos de meio ambiente são mais identificados como pertencentes à área rural e menos para as áreas urbanas. Os professores alegaram que alguns alunos consideram que os temas ambientais são realmente mais importantes para a área rural. Aqui prevalece a idéia errônea de que meio ambiente é “verde”. Um dos professores observou que “quem lida com a área rural precisa conhecer melhor os aspectos climáticos locais e suas influências na produção animal”. No entanto, com a urbanização crescente também no interior, percebemos que as cidades se aproximam cada vez mais, sufocando as áreas verdes naturais e cultivadas que existem entre elas. Em alguns casos, somente as unidades de conservação 68 (parques, reservas, entre outras) é que ainda permanecem com parte dos remanescentes florestais de outrora. • (2) Meio ambiente e educação associados ao desenvolvimento sustentável. Os professores concordam que existe ainda uma grande ignorância do que seja realmente o chamado desenvolvimento sustentável e esse assunto é muito pouco discutido com os alunos. Foi citado um exemplo de produção animal onde “alguns alunos estranham o fato de se considerar a produção bovina como uma atividade impactante e lesiva aos ecossistemas, já que eles aprendem que essa modalidade de criação é uma cadeia produtiva como tantas outras e que necessita de conhecimentos técnicos avançados para que seja altamente lucrativa, que inclui uso de máquinas, equipamentos e geração de resíduos”. Na disciplina de administração foi comentado que o desenvolvimento sustentável é abordado a partir de alguns exemplos práticos, como “o aproveitamento racional de árvores que já estejam envelhecidas e que possam ser abatidas para uso”. O professor lastimou que o aluno não receba noções básicas para recuperar áreas degradadas através de disciplina específica. Deveria conhecer as espécies corretas, que além das forrageiras convencionais, deveriam incluir 68 As unidades de conservação no Brasil fazem parte do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) instituído pela Lei n. 9.985 de 18 de julho de 2000, tendo como órgão central o Ministério do Meio Ambiente. 72 as que atendessem à produção de madeira de boa qualidade, alimentação e abrigo para a fauna e outros organismos locais, proteção das margens de rios, do entorno de nascentes etc. “Ainda consumimos madeira serrada e madeira queimada, a partir do abate de espécies vegetais nativas que não foram plantadas para essas finalidades”, comenta o professor. • (3) Prática da educação ambiental em medicina veterinária. Existe a idéia presente, entre alguns professores, de que os temas ambientais “já são tratados em disciplinas específicas, como a Ecologia”. Dessa forma a demanda já estaria sendo atendida. Professores do ensino fundamental também alegam que meio ambiente é assunto do professor de ciências. Note aqui o desconhecimento sobre os conteúdos e orientações da Política Nacional de Educação Ambiental que não aconselha esse tipo de abordagem. Sobre a importância da Ecologia em medicina veterinária ouvimos que “é uma disciplina aonde o aluno apenas passa por ela, porque ele foi obrigado; ou então, o professor não teve habilidade para que o aluno desse importância a esse setor”. Sobre a necessidade de abordar os temas ambientais em todas as disciplinas os professores explicam que “nem toda disciplina favorece a abordagem da temática ambiental. Por exemplo, fica difícil fazer isso em patologia e fisiologia”. O Decreto n. 4.281/2002, que regulamentou a Política Nacional de Educação Ambiental, deixou claro em seu artigo 5o, que “a integração da educação ambiental às disciplinas seja feita de modo transversal, contínuo e permanente” (BRASIL, 2002a, grifo nosso). A propósito, em nenhum momento de nossas entrevistas, ouvimos referências que valorizassem a legislação referente à PNEA 69 ou ao PRONEA 70 . Essa ausência nos leva a pensar que o assunto está mal divulgado entre os professores de medicina veterinária. Muitos professores reconhecem ser necessário um “movimento geral” para organizar e implantar um programa com tal proposta. Pessoas convidadas trariam novas idéias. Seria preciso 69 Conforme já indicado, a Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999, dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Apesar da lei estar em vigor há mais de cinco anos, são poucas as pessoas que identificam a sigla PNEA. 70 Programa Nacional de Educação Ambiental, documento desenvolvido pelos Ministérios da Educação (MEC) e Ministério do Meio Ambiente (MMA) numa tentativa de articular essas duas áreas através da educação Ambiental em todo o Brasil. (BRASIL, 1994a). 73 reorganizar conteúdos e os professores teriam que pensar novas abordagens em suas disciplinas. Reuniões e discussões a respeito, de modo objetivo, auxiliariam nesse sentido, valorizando e incorporando aspectos legais, éticos, sociais e conservacionistas. • (4) Transversalidade, interdisciplinaridade e formação docente. O tratamento transversal do tema meio ambiente (BRASIL, 1998) parece significar um grande desafio para os professores. Segundo eles, a direção da instituição “deve avaliar devidamente esse assunto e, se decidir a seu favor, que seja apresentada como uma “vontade política” nesse sentido, oferecendo o suporte necessário para sua implementação”. Se isso não ocorre, fica difícil que os próprios professores tomem essa iniciativa como uma “missão”. O mesmo ocorre com outras situações já conhecidas e que são apenas “comentadas” ou “valorizadas”, mas que não são viabilizadas na prática, de modo que o assunto acaba sendo esquecido ou postergado. De um outro professor ouvimos que a transversalidade “é um tema polêmico no Brasil, não é muito praticada e a disciplina está muito presente ainda”. • (5) Tratamento da temática ambiental nos cursos de medicina veterinária. Os professores entendem que as abordagens socioambientais têm sido colocadas mais como “uma preocupação” do que como uma real, indispensável e inadiável prática. Alegam que “chamam a atenção dos alunos” sobre esses “cuidados necessários”, por exemplo, quando vão ensinar como formar uma pastagem ou como orientar uma suinocultura. Destacam, nessa oportunidade, a atenção que deve ser dada quanto ao tratamento e destino dos dejetos (manejo de esterqueiras), drenagem das áreas, uso de inseticidas e banhos carrapaticidas, bem como o destino com resíduos de medicamentos diversos. Outras recomendações referem-se ao destino de carcaças, impedimento da circulação de determinados animais em área não permitida, proteção das matas ciliares 71 , das nascentes e cabeceiras de rios em geral, entre outras. 71 Refere-se à vegetação que cresce junto as margens dos rios e outras coleções de água doce, evitando assim a erosão do solo, o assoreamento e a ocorrência de enchentes. O corte dessa vegetação específica é um crime ambiental. 74 Professores com formação social se mostraram muito mais politizados e abordam a temática ambiental associada às atividades produtivas do homem. Em suas aulas, procuram chamar a atenção para as regras de convivência e relacionamentos comerciais, incluindo eventuais impactos desfavoráveis aos ecossistemas, como é o caso da modernização da agricultura brasileira. Um dos professores justificou que a degradação ambiental causada pelas atividades humanas deve-se à ausência de uma visão divina da natureza; “algo que nos foi legado gratuitamente, por inteiro, sem quaisquer exigências maiores, e que deve ser utilizado de modo racional”. Essa ausência nos tornaria irresponsáveis e agressores por entendermos que somos criaturas de poder ilimitado. • (6) Importância da temática ambiental na formação do médico veterinário. Ouvimos de um professor de sociologia que “a necessidade de formar profissionais generalistas e humanistas não quer dizer que tenhamos que saber de tudo e não saber de nada, mas teremos, necessariamente, de perceber a pluralidade do conhecimento e as conexões existentes nela”. E complementou que o que precisa ser ajustado é “o atual modelo econômico pautado na questão do capital de exploração desumana, onde se vive dependente do mercado, onde tudo é transformado em produto e o cidadão é considerado na medida em que ele é um consumidor”. Essa realidade nos leva a pensar e agir em termos predominantemente econômicos. Os professores foram unânimes em afirmar que os alunos, de um modo geral, estão sendo formados sem uma visão clara da importância da temática ambiental na profissão. Das explicações para tal fato, ouvimos que “a visão clínica é muito forte”; “o aluno não tem interesse na responsabilidade social do médico veterinário”; “não há uma visão crítica”; “são raros os professores que possuem uma visão holística”. • (7) Sugestões para melhorar o tratamento da temática ambiental. Uma das sugestões que mais nos chamou a atenção foi que deveriam ser criadas disciplinas optativas que abordassem a temática ambiental de modo que elas mesmas passassem a ser obrigatórias, após um certo tempo, conforme tem ocorrido. 75 Das demais contribuições, selecionamos as seguintes: o professor precisa ser capacitado adequadamente para enfrentamento dessas questões porque “não tem uma formação pedagógica boa”. Ele executa as determinações superiores “mas revê pouco a qualidade de ensino”. Por outro lado eles “são médicos veterinários, mas não são professores”. “A deficiência da formação é grave”. A idéia de capacitação é bem aceita, mas os professores, especialmente os horistas, alegam que precisam dar aulas em diferentes instituições. Um deles explicou que “tem dificuldades porque a remuneração é baixa e precisa procurar outros locais de trabalho”. Os professores entendem que deveriam receber incentivos para se dedicarem a esses aspectos, mas que também desejam uma orientação clara sobre o assunto. Alguns concordam que uma discussão mais ampla é necessária por parte dos próprios professores, mas essa iniciativa seria mais eficiente se as próprias instituições as considerassem uma questão relevante para seus cursos, sem abandonar, obviamente, as questões técnicas tradicionais. Haveria a necessidade de promover seminários, reuniões e palestras no sentido de “repensar a profissão e a postura da ciência e da sociedade” para o século XXI. Foi acentuada a importância da bioética em medicina veterinária, não somente no sentido da relação veterinário-animal, mas num sentido planetário, numa visão mais ampla. Para tal, haveria de existir maior aproximação da Medicina Veterinária com a Biologia, a Sociologia, entre outras. Outros professores comentaram que nem todos concordam com essas mudanças e que alguns “se detêm somente em suas disciplinas e tem dificuldades de se integrar com as demais”. • (8) Outros comentários colocados pelos professores. Ao solicitar que os professores falassem livremente do que desejassem, eles nos apresentaram as seguintes colocações: a) As instituições do governo deveriam oferecer mais possibilidades para que a sociedade percebesse a importância das questões sociais e suas relações com o meio ambiente. b) As instituições precisam experimentar e estimular novos sistemas alternativos de produção, mais coerentes com o atendimento das questões sociais e ambientais e não exclusivamente econômicas. 76 c) A medicina veterinária deveria investir mais em viagens, para propiciar aos alunos o contato com a realidade social e as técnicas adequadas para cada caso. d) Os cursos de medicina veterinária trocam poucas experiências entre si. Cada instituição poderia promover eventos anuais, convidando outras instituições para participar no intuito de trocar experiências e conhecimentos, valorizando a educação, e não somente os aspectos médicos especializados. e) As disciplinas que fazem interface entre o técnico e o social são subestimadas e os cursos de medicina veterinária “passam para o aluno a idéia de que os temas sociais não são tão importantes”. f) O médico veterinário é um profissional a serviço da sociedade, mas “o aluno não tem maiores opções para escolher a pluralidade, isto é, ele é direcionado para o econômico”. g) As instituições deveriam explorar mais, junto aos alunos, as oportunidades de mostrar seu envolvimento com as questões ambientais em seus próprios “campi”, levando-os a perceber a importância prática do cumprimento de exigências legais, por exemplo, sobre licenciamento ambiental e outras medidas necessárias. • Entrevistas com coordenadores de cursos de medicina veterinária. Procuramos saber deles, o seguinte: 1.1. Como vê o tratamento da temática ambiental no curso que coordena? E em outros cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro? 1.2. Que ações, projetos e outras iniciativas teriam a apresentar ou sugerir como importantes medidas para a abordagem da temática ambiental em medicina veterinária? Os resultados nos mostraram que existe uma “preocupação” com os problemas ambientais e sociais, mas “falta uma decisão” para que sejam tomadas as medidas necessárias. Comentaram que a temática ambiental é tratada em seus cursos e apresentaram também algumas de suas percepções de um modo generalizado. Segundo eles, a temática ambiental tem merecido atenção “de um modo geral” e foi citada “a existência do Ministério do Meio Ambiente como um 77 exemplo de interesse pelo assunto”. “O interesse pela temática ambiental em medicina veterinária vem crescendo e, há cerca de 40 anos, quase não se falava sobre isso”. Sobre as condições gerais de uma instituição para tratamento do assunto ouvimos que “os cursos de medicina veterinária que possuem áreas florestadas tem uma vantagem a seu favor no sentido de sensibilizar seus alunos para essas questões”. No entanto, se não houver um direcionamento organizado para tal, essa oportunidade poderá não representar muito, porque “nem todos compreendem claramente a importância que isso representa”. Relembramos aqui que as abordagens ecológicas pura e simplesmente, não levam às reflexões e às críticas necessárias para compreensão de nossos modelos de sobrevivência 72 . Os coordenadores percebem a necessidade de mudança do modelo, mas admitem que essa questão tem sido tratada de forma incipiente. Afirmam que algumas iniciativas demonstram esse interesse, como é o caso da inserção da disciplina específica de ecologia, mas que isso não resolverá o problema maior que é o de introduzir esse assunto em todas as demais disciplinas. Reconhecem, mesmo assim, ser um avanço, “porque não tínhamos nem isso anteriormente”. Quanto ao envolvimento dos professores, os coordenadores alegam que uma parte dos professores foi formada a partir de orientações fragmentadas, sendo natural que exista resistência no sentido de aceitar essas novas propostas. De modo muito natural, “muitos deles acham que esse assunto pode ser perfeitamente abordado na disciplina específica 73 de ecologia”. Outro problema levantado como relevante é o fato que, ao se formar, o médico veterinário não cumpre o período de licenciatura, o que o impede de receber orientações específicas sobre sociologia e outras disciplinas humanas vitais para a área da educação. O que normalmente ocorre é indicar “bons pesquisadores” com a intenção de que eles sejam também “bons professores”, o que nem sempre ocorre. Os coordenadores informam que têm a incumbência de “cumprirem o que manda a lei mais próxima da realidade veterinária”. Entenda-se que isso pode ser feito sem maiores 72 Note aqui uma tendência para a supervalorização da natureza na temática ambiental. O Art. 5o da Lei n. 9795 (BRASIL, 1999) que trata dos objetivos fundamentais da educação ambiental, orienta para o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente e suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos. 73 A Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999) em seu Art. 10, não recomenda a implantação específica da disciplina de educação ambiental no currículo de ensino e preconiza que os conteúdos que tratem da ética ambiental devem ser incorporados nos cursos de formação e especialização técnico-profissional. 78 dificuldades sociológicas ou filosóficas. Dessa forma o assunto não deixa de ser abordado e nem a lei descumprida, mas também não é aprofundado como deveria ser. Os coordenadores referiram-se a “quase ausência de conhecimentos ecológicos entre os alunos que iniciam o curso de medicina veterinária”. Alega-se que eles já deveriam trazer esses conhecimentos do nível secundário, ou mesmo antes. Um outro fato, é que os universitários estão ingressando nos cursos ainda muito jovens (cerca de 18 anos), e ainda um tanto descompromissados com temas mais profundos como o da dependência ecológica e das desigualdades sociais. Não que eles não percebam isso, mas é que não avaliam o quanto eles mesmos serão importantes para uma mudança futura da situação atual. Professores convidados, filmes, vídeos e outras abordagens de cunho social e ambiental deveriam ser apresentadas aos alunos, com mais freqüência, no sentido de mostrar-lhes as conexões desses temas com as atividades profissionais do médico veterinário. 79 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado nos resultados 74 dos questionários e das entrevistas apresentamos nossas considerações sobre como a temática ambiental está sendo tratada em cursos de medicina veterinária do Estado do Rio de Janeiro. Nessa pesquisa, procuramos analisar quais as concepções de desenvolvimento sustentável e meio ambiente manifestadas mais especialmente pelos alunos, além de anotarmos as contribuições de professores e coordenadores sobre essas questões. Ao final de nossas análises, verificamos que os alunos percebem nitidamente a importância da temática ambiental em medicina veterinária, tanto os calouros (39,9%) quanto os veteranos (46,2%), num total geral de 41,6%. Percebeu-se uma visão fragmentada (que explicaremos a seguir) quanto aos diversos caminhos para a valorização dessa importância, que entendemos fazer parte de escolhas individuais dos alunos em suas expectativas profissionais futuras. Muitos alunos ingressam na universidade com uma visão um tanto ingênua, influenciados pelo fato de “gostarem de animais”, sem atentar exatamente para as significativas responsabilidades sociais, ambientais e econômicas da profissão: ao longo do curso é que vão perceber suas complexas interações. Um outro grupo de calouros percebe a temática influenciada pela mídia que, enaltece a natureza e, outra vez, à medida que evoluem no curso, entendem que esse também não é um dos principais objetivos da profissão. Os calouros também percebem a importância da temática ambiental envolvida com as doenças, e essa idéia persiste ao longo do curso, especialmente em abordagens sanitárias de interesse público. O envolvimento da temática ambiental com a produção animal torna-se mais intenso no início do curso, mas se enfraquece entre os veteranos. Os calouros destacaram a importância dos temas ambientais no sentido de serem aplicáveis em seus contatos com o público, de um modo geral. Esse interesse aumenta durante o 74 Relembramos que foram utilizados 161 questionários (respondidos por alunos) e realizadas 16 entrevistas, sendo 13 delas com professores e 3 com coordenadores de cursos de medicina veterinária, em duas universidades particulares e uma pública. 80 curso. Reconhecem também, de modo crescente durante o curso, que o conhecimento de temas ambientais têm reflexo na vida humana e em seus contatos profissionais. Chamou nossa atenção, de forma preocupante, o fato de haver um elevado reconhecimento por parte dos veteranos (23,7%), contra 3,9% entre os calouros, de que a temática ambiental não tem sido tratada com a devida importância. Muitos calouros não têm nenhuma idéia quanto à importância da temática ambiental em medicina veterinária, conforme contatamos pelo elevado número de respostas em branco (10,7%). Felizmente essa porcentagem diminui entre os veteranos (3,4%). Não foi surpresa constatar que a concepção de desenvolvimento sustentável baseada na matriz da eficiência crescesse durante o curso: de 16,7% (calouros) para mais do dobro (35,6%) entre os veteranos. Os aspectos econômicos são fortemente valorizados durante o curso e isso se reflete intensamente nas opções dos alunos. As práticas de educação ambiental associadas a esta matriz são caracterizadas como comportamentalistas, estimulando a reciclagem, o uso de carros mais econômicos, entre outras. Boa parte da culpa pela degradação ambiental é atribuída ao indivíduo “em geral”, que precisa receber orientações que o “condicionem” para os “bons hábitos”, considerados ecologicamente corretos, mas que não contestem os sistemas de produção. Esse tipo de educação, que favorece o consumismo, é notado quando observamos que somente 6,5% dos calouros apresentaram indícios claros em suas respostas, sobre a importância de um equilíbrio entre o social, o econômico e o ambiental. No caso dos veteranos, coerentemente, houve um decréscimo dessa concepção no final do curso. (5,1%), porque à medida que estão prestes a se formar, a preocupação maior é com o mercado de trabalho (que valoriza os aspectos econômicos) e não com atividades que apóiam e financiam projetos socioambientais. Percebemos a matriz da auto-suficiência nas respostas de 25,9% dos calouros e 47,4% dos veteranos, indicando a necessidade de um comportamento ecologicamente correto, valorizando prioritariamente a salvaguarda dos recursos naturais. O equilíbrio seria alcançado através do bom senso do uso dos recursos naturais, mas não ressaltaram a necessidade de uma abordagem crítica quanto aos processos de produção. Isso nos indica que boa parte dos alunos vive um dilema: são sensíveis às questões socioambientais, mas o mercado não considera prioritário esse posicionamento porque está mais preocupado com os aspectos puramente econômicos. Apesar de desejar a independência de alguns grupos e sociedades, não deixaram claro como obter esse objetivo. 81 Parte dos calouros (24,4%) não soube explicar o que era desenvolvimento sustentável, mas esse desconhecimento diminui drasticamente (1,7%) durante o curso. No entanto, parece que essa ausência inicial é preenchida através da adoção da matriz da eficiência, conforme vimos acima. Obtivemos os índices mais elevados da pesquisa em relação a uma concepção reducionista de meio ambiente (91,4%) entre os calouros. A natureza, nesta abordagem, é composta, predominantemente, por animais e vegetais, admitindo-se diferenciados relacionamentos entre eles. O homem, suas atividades e seus valores não estão, necessariamente, nesse mesmo cenário. No entanto, admitem que essa mesma natureza está ao seu redor, indicando uma leitura antropocêntrica. Essa porcentagem inicial aumenta mais ainda ao final do curso (93,4%). Esse fato nos leva a pensar numa desvinculação do modo de produzir humano (com suas conseqüências sociais e ambientais), dos demais componentes dos ecossistemas da Terra. Essa tendência é confirmada pela baixa porcentagem de respostas que incluíram os aspectos socioambientais como fazendo parte da definição de meio ambiente, registrando-se (0,9%) entre calouros e (5,0%) veteranos. Verificamos ainda, que parte dos calouros (5,8%) não tem qualquer noção do que seja meio ambiente. Esses dados comprovam que esses alunos estão ingressando nos cursos com uma visão reducionista sobre o que seja meio ambiente. A falta de uma correta concepção de meio ambiente explica, pelos menos em parte, as dificuldades dos alunos em compreender o que seja uma visão abrangente em termos profissionais. Lembramos que os próprios alunos são estimulados, desde o básico, a participarem de projetos e programas de educação ambiental, que não costumam vir acompanhados dos necessários debates e reflexões sobre quem realmente tem causado a maioria dos impactos ambientais, isto é, o nosso modelo de produção. Quando analisamos as entrevistas realizadas com os professores notamos que eles não possuem uma orientação homogênea em suas abordagens sobre temas ambientais. Procuram explicar os temas com suas próprias experiências. Existe uma tendência para a valorização dos enfoques econômicos em detrimento dos sociais e ambientais. A idéia de meio ambiente ainda está muito associada à área rural (abordagem reducionista) talvez pela tradição das primeiras famílias que moravam no interior. Não existe uma visão clara de que existem diferentes concepções de desenvolvimento sustentável. A matriz predominante é da eficiência, com raras exceções. Os aspectos legais sobre 82 meio ambiente são pouco valorizados, já que a maior parte do tempo é usada para abordagens predominantemente técnicas. Alguns professores se ressentem de uma formação mais adequada que lhes permita abordar as diversas situações socioambientais. Outros entendem que essas questões já estão sendo atendidas através da disciplina de Ecologia. Fato semelhante ocorre entre os professores do ensino fundamental, que alegam ser essas mesmas questões de responsabilidade da disciplina de ciências. Desconhecem assim a interação entre o social e o ambiental. Essas práticas se refletem nos cursos superiores. Todos os professores que entrevistamos relataram que os alunos ingressam no curso com grande deficiência de conhecimentos. Notamos ainda um desconhecimento sobre o que determina a Política Nacional de Educação Ambiental. Raramente essa lei foi citada. É verdade que existe um reconhecimento de que é preciso discutir melhor os temas socioambientais, mas os professores alegam que as instituições deveriam incentivar e apoiar esses debates. Alguns assuntos são ainda pouco conhecidos de um modo geral, como é o caso da transversalidade, que representa um grande desafio para todos os professores, e não somente os de veterinária. Os professores informaram que a temática ambiental tem sido abordada junto aos alunos, mas que essa prática não está ainda nos níveis desejados. Os enfoques são muito superficiais e se traduzem mais como uma preocupação do que como uma ação a ser cumprida. Muitos professores informaram que carecem de conhecimentos mais específicos da área de educação para que cumpram melhor essas atividades como educador. Explicam que foram formados como médicos veterinários. É preciso repensar esse assunto porque as leis mais recentes estão exigindo novas maneiras de agir e de conceber o ensino. Apesar de alguns esforços, os professores reconhecem que a vertente econômica é muito forte. Os alunos estão terminando o curso de medicina veterinária sem levar consigo uma visão aprofundada da importância da temática ambiental na profissão. Os professores apresentaram sugestões e situações que acreditam ser importante para se pensar num melhor tratamento da temática ambiental nos cursos de medicina veterinária. a) Devem ser criadas disciplinas optativas que abordem a temática ambiental, de modo que elas mesmas passassem a ser obrigatórias com o tempo, conforme tem ocorrido 83 com algumas outras disciplinas. Lembramos, que o MEC não recomenda a abordagem separada para assuntos relacionados à educação e ao meio ambiente. b) O professor precisa ser capacitado adequadamente para enfrentamento dessas questões porque “não tem uma formação pedagógica boa”. Ele executa as determinações superiores “mas revê pouco a sua qualidade de ensino”. Por outro lado, eles “são médicos veterinários, mas não são professores”. “A deficiência da formação é grave”. A idéia de capacitação é bem aceita, mas os professores alegam que precisam dar aulas em diferentes instituições. Um deles explicou que “tem dificuldades porque a remuneração é baixa e precisa procurar outros locais de trabalho”. Os professores entendem que deveriam receber incentivos para se dedicarem a esses aspectos, mas que também desejam uma orientação clara sobre o assunto. Nossa opinião é que a capacitação dos professores é inadiável e as instituições devem participar, decisivamente dessa conquista, como uma estratégia não somente pedagógica, mas social, econômica e ambientalmente correta. c) Há necessidade de uma discussão ampla por parte dos próprios professores. No entanto, essa iniciativa será mais eficiente se as próprias instituições as considerarem uma questão relevante para seus cursos, sem abandonar, obviamente, as questões técnicas tradicionais. Haveria a necessidade de promover seminários, reuniões e palestras no sentido de “repensar a profissão e a postura da ciência e da sociedade” para o século XXI. d) Foi acentuada a importância da bioética em medicina veterinária, não somente no sentido da relação veterinário-animal, mas num sentido planetário, numa visão mais ampla. Para tal, haveria de existir maior aproximação da Medicina Veterinária com a Biologia, a Sociologia, entre outras. Concordamos com essa visão, especialmente quando começa a ser valorizada a Medicina da Conservação, que envolve aspectos técnicos, biológicos, sanitários, ecológicos, sociais e culturais. e) Existe ainda resistência de alguns professores no sentido de mudar as rotinas que vêm sendo praticada. Concordamos que essa resistência existe, mas não consideramos que ela seja o maior dos empecilhos a ser enfrentado. Ao solicitarmos que os professores falassem livremente do que desejassem, eles nos apresentaram as seguintes colocações: 84 h) As instituições do governo deveriam oferecer mais possibilidades para que a sociedade percebesse a importância das questões sociais e suas relações com o meio ambiente. • Concordamos com os professores e somos de opinião que pode haver uma parceria entre as universidades e o governo nesse sentido desde que se componha uma equipe ou setor para tratar especificamente desses envolvimentos. Essa iniciativa divulgaria o nome da universidade e demonstraria seu interesse socioambiental. i) As instituições precisam experimentar e estimular sistemas alternativos de produção, mais coerentes com o atendimento das questões sociais e ambientais e não exclusivamente econômicas. Concordamos com os professores e os cursos de medicina veterinária devem estimular equipes internas para criação e desenvolvimento de idéias. j) A medicina veterinária deveria investir mais em viagens, para propiciar aos alunos o contato com a realidade social e as técnicas adequadas para cada caso. Concordamos com os professores e os diversos cursos já desenvolvem esse tipo de aproximação. Esperamos que eles sejam ampliados. k) Os cursos de medicina veterinária trocam poucas experiências entre si. Cada instituição poderia promover eventos anuais, convidando outras instituições para participar no intuito de trocar experiências e conhecimentos, valorizando a educação, e não somente os aspectos médicos especializados. Concordamos. Os eventos poderiam contar com a colaboração de todas as instituições participantes. Essa estratégia é um excelente modo de promover o crescimento das instituições. l) As disciplinas que fazem interface entre o técnico e o social são subestimadas e os cursos de medicina veterinária “passam para o aluno a idéia de que os temas sociais não são tão importantes”. O médico veterinário é um profissional a serviço da sociedade, mas “o aluno não tem maiores opções para escolher a pluralidade, isto é, ele é direcionado para o econômico”. Concordamos que esse comportamento precisa ser mudado porque as novas diretrizes curriculares buscam um profissional humanista. 85 Sobre as entrevistas com os coordenadores, percebemos que existe entre eles uma sensibilidade para o assunto. Procuram tratar o assunto, na medida do possível, e estimulam essas iniciativas, sempre que podem. Reconhecem que está havendo um crescimento sobre o interesse pelos temas ambientais, mas o mercado de trabalho não está oferecendo opções que “cativem” o aluno para essas áreas. Dessa forma, não é uma tarefa simples somente desejar que esses assuntos se tornem prioritários a nível institucional, somente por imposições legais. Entendem que o assunto merece um tratamento especial, mas existem ainda muitas limitações para que esse fato se torne realidade. Incentivaram um debate mais profundo sobre o assunto. Para concluir, consideramos que existe coerência entre o que os cursos se propõem em seus objetivos e o que oferecem como ensino, isto é, a formação de profissionais para o mercado de trabalho. O que contestamos aqui é que, esse comportamento, predominantemente econômico, não coincide com as recomendações internacionais e legais mais recentes, obrigando-nos a rever práticas seculares. Os desastres ambientais apresentados e o agravamento das questões sociais no mundo nos indicam que as sociedades menos privilegiadas não estão sendo beneficiadas com todos os conhecimentos até então acumulados. Regulares relatórios sobre a qualidade e a disponibilidade de recursos naturais da Terra para o século XXI não se mostram otimistas. Ao contrário, a cada dia, aumenta o número de espécies em extinção e de áreas degradadas. Encerramos nossas considerações apelando para uma reflexão profunda sobre o que está preconizado nas Diretrizes Curriculares para o Curso de Medicina Veterinária (BRASIL, 2002): “médico veterinário com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva apto a compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidades [...]”. Entendemos, perfeitamente, que essas orientações se referem às atividades inerentes ao exercício profissional, no âmbito de seus campos específicos de atuação; mas os resultados analisados nos mostram uma nítida tendência para a valorização estritamente econômica, minimizando as abordagens socioambientais, realidade que não atende às expectativas esperadas para o novo século que se inicia. 86 REFERÊNCIAS ACOT, Pascal. 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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL Art. 1o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade. Art. 2o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Art. 3o Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental, incumbindo: I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; II - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem; III - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua programação; 95 V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; VI - à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de problemas ambientais. Art. 4o São princípios básicos da educação ambiental: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural. Art. 5o São objetivos fundamentais da educação ambiental: I - o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos; II - a garantia de democratização das informações ambientais; III - o estímulo e o fortalecimento de uma consciência crítica sobre a problemática ambiental e social; IV - o incentivo à participação individual e coletiva, permanente e responsável, na preservação do equilíbrio do meio ambiente, entendendo-se a defesa da qualidade ambiental como um valor inseparável do exercício da cidadania; V - o estímulo à cooperação entre as diversas regiões do País, em níveis micro e macrorregionais, com vistas à construção de uma sociedade ambientalmente equilibrada, fundada nos princípios da liberdade, igualdade, solidariedade, democracia, justiça social, responsabilidade e sustentabilidade; VI - o fomento e o fortalecimento da integração com a ciência e a tecnologia; 96 VII - o fortalecimento da cidadania, autodeterminação dos povos e solidariedade como fundamentos para o futuro da humanidade. CAPÍTULO II DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Seção I Disposições Gerais Art. 6o É instituída a Política Nacional de Educação Ambiental. Art. 7o A Política Nacional de Educação Ambiental envolve em sua esfera de ação, além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e organizações nãogovernamentais com atuação em educação ambiental. Art. 8o As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental devem ser desenvolvidas na educação em geral e na educação escolar, por meio das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas: I - capacitação de recursos humanos; II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações; III - produção e divulgação de material educativo; IV - acompanhamento e avaliação. § 1o Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação Ambiental serão respeitados os princípios e objetivos fixados por esta Lei. § 2o A capacitação de recursos humanos voltar-se-á para: I - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino; II - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos profissionais de todas as áreas; III - a preparação de profissionais orientados para as atividades de gestão ambiental; IV - a formação, especialização e atualização de profissionais na área de meio ambiente; V - o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à problemática ambiental. § 3o As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para: 97 I - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino; II - a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão ambiental; III - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à participação dos interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental; IV - a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação na área ambiental; V - o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a produção de material educativo; VI - a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às ações enumeradas nos incisos I a V. Seção II Da Educação Ambiental no Ensino Formal Art. 9o Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando: I - educação básica: a) educação infantil; b) ensino fundamental e c) ensino médio; II - educação superior; III - educação especial; IV - educação profissional; V - educação de jovens e adultos. Art. 10. A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. § 1o A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina específica no currículo de ensino. § 2o Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao aspecto metodológico da educação ambiental, quando se fizer necessário, é facultada a criação de disciplina específica. 98 § 3o Nos cursos de formação e especialização técnico-profissional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética ambiental das atividades profissionais a serem desenvolvidas. Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas. Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental. Art. 12. A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o cumprimento do disposto nos arts. 10 e 11 desta Lei. Seção III Da Educação Ambiental Não-Formal Art. 13. Entende-se por educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente. Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e municipal, incentivará: I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente; II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações nãogovernamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não-formal; III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações nãogovernamentais; IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação; V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; VI - a sensibilização ambiental dos agricultores; VII - o ecoturismo. 99 CAPÍTULO III DA EXECUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL Art. 14. A coordenação da Política Nacional de Educação Ambiental ficará a cargo de um órgão gestor, na forma definida pela regulamentação desta Lei. Art. 15. São atribuições do órgão gestor: I - definição de diretrizes para implementação em âmbito nacional; II - articulação, coordenação e supervisão de planos, programas e projetos na área de educação ambiental, em âmbito nacional; III - participação na negociação de financiamentos a planos, programas e projetos na área de educação ambiental. Art. 16. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na esfera de sua competência e nas áreas de sua jurisdição definirão diretrizes, normas e critérios para a educação ambiental, respeitados os princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental. Art. 17. A eleição de planos e programas, para fins de alocação de recursos públicos vinculados à Política Nacional de Educação Ambiental, deve ser realizada levando-se em conta os seguintes critérios: I - conformidade com os princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Educação Ambiental; II - prioridade dos órgãos integrantes do Sisnama e do Sistema Nacional de Educação; III - economicidade, medida pela relação entre a magnitude dos recursos a alocar e o retorno social propiciado pelo plano ou programa proposto. Parágrafo único. Na eleição a que se refere o caput deste artigo, devem ser contemplados, de forma eqüitativa, os planos, programas e projetos das diferentes regiões do País. Art. 18. (VETADO) Art. 19. Os programas de assistência técnica e financeira relativos a meio ambiente e educação, em níveis federal, estadual e municipal, devem alocar recursos às ações de educação ambiental. CAPÍTULO IV DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 20. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias de sua publicação, ouvidos o Conselho Nacional de Meio Ambiente e o Conselho Nacional de Educação. Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 100 Brasília, 27 de abril de 1999; 178o da Independência e 111o da República. FERNANDO Paulo José Sarney Filho HENRIQUE Renato Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 28.4.1999 CARDOSO Souza 101 ANEXO B – Parecer do CNE/CES n. 105/2002. Sobre Diretrizes Curriculares para o Curso de Medicina Veterinária MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INTERESSADO: Conselho Nacional de Educação / Câmara de Educação UF: DF Superior ASSUNTO: Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina Veterinária RELATOR (A): Éfrem de Aguiar Maranhão (Relator), Arthur Roquete de Macedo e Yugo Okida. PROCESSO(S) Nº(S): 23001.000044/2002-03 PARECER Nº: CNE/CES 0105/2002 COLEGIADO CES APROVADO EM: 13/03/2002 I – RELATÓRIO • Histórico A Comissão da CES/CNE analisou as propostas de Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação elaboradas pelas Comissões de Especialistas de Ensino e encaminhadas pela SESu/MEC ao CNE, tendo como referência os seguintes documentos: Constituição Federal de 1988; Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde 8.080 de 19/9/1990; Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394 de 20/12/1996; Lei que aprova o Plano Nacional de Educação 10.172 de 9/1/2001; Parecer CNE/CES 776/97 de 3/12/1997; Edital da SESu/MEC 4/97 de 10/12/1997; Parecer CNE/CES 583/2001 de 4/4/2001; Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI da Conferência Mundial sobre o Ensino Superior, UNESCO: Paris, 1998; Plano Nacional de Graduação do ForGRAD de maio/1999; Documentos da OPAS, OMS e Rede UNIDA; Instrumentos legais que regulamentam o exercício das profissões; Lei Nº 5.517/68 e o Decreto-Lei Nº 64.704/69. Após a análise das propostas, a Comissão, visando o aperfeiçoamento das mesmas, incorporou aspectos fundamentais expressos nos documentos supramencionados e adotou formato, preconizado pelo Parecer CNE/CES 583/2001: 102 Perfil do Formando Egresso/Profissional Competências e Habilidades Conteúdos Curriculares Estágios e Atividades Complementares Organização do Curso Acompanhamento e Avaliação Mérito A Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, ao orientar as novas diretrizes curriculares recomenda que devem ser contemplados elementos de fundamentação essencial em cada área do conhecimento, campo do saber ou profissão, visando promover no estudante a competência do desenvolvimento intelectual e profissional autônomo e permanente. Esta competência permite a continuidade do processo de formação acadêmica e/ou profissional, que não termina com a concessão do diploma de graduação. As diretrizes curriculares constituem orientações para a elaboração dos currículos que devem ser necessariamente adotadas por todas as instituições de ensino superior. Dentro da perspectiva de assegurar a flexibilidade, a diversidade e a qualidade da formação oferecida aos estudantes, as diretrizes devem estimular o abandono das concepções antigas e herméticas das grades curriculares, de atuarem, muitas vezes, como meros instrumentos de transmissão de conhecimento e informações, e garantir uma sólida formação básica, preparando o futuro graduado para enfrentar os desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das condições de exercício profissional. Princípios das Diretrizes Curriculares: 9 Assegurar às instituições de ensino superior ampla liberdade na composição da carga horária a ser cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das unidades de estudos a serem ministradas; 9 Indicar os tópicos ou campos de estudo e demais experiências de ensino-aprendizagem que comporão os currículos, evitando, ao máximo, a fixação de conteúdos específicos com cargas horárias pré-determinadas, as quais não poderão exceder 50% da carga horária total dos cursos. A Comissão da CES, baseada neste princípio, admite a definição de percentuais da carga horária para os estágios curriculares nas Diretrizes Curriculares da Saúde; 9 Evitar o prolongamento desnecessário da duração dos cursos de graduação; 9 Incentivar uma sólida formação geral, necessária para que o futuro graduado possa vir a superar os desafios de renovadas condições de exercício profissional e de produção do conhecimento, permitindo variados tipos de formação e habilitações diferenciadas em um mesmo programa; 103 9 Estimular práticas de estudo independente, visando uma progressiva autonomia intelectual e profissional; 9 Encorajar o reconhecimento de conhecimentos, habilidades e competências adquiridas fora do ambiente escolar, inclusive as que se referiram à experiência profissional julgada relevante para a área de formação considerada; 9 Fortalecer a articulação da teoria com a prática, valorizando a pesquisa individual e coletiva, assim como os estágios e a participação em atividades de extensão; 9 Incluir orientações para a conclusão de avaliações periódicas que utilizem instrumentos variados e sirvam para informar às instituições, aos docentes e aos discentes acerca do desenvolvimento das atividades do processo ensino-aprendizagem. • DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM MEDICINA VETERINÁRIA 1. PERFIL DO FORMANDO EGRESSO/PROFISSIONAL Médico Veterinário, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, apto a compreender e traduzir as necessidades de indivíduos, grupos sociais e comunidades, com relação às atividades inerentes ao exercício profissional, no âmbito de seus campos específicos de atuação em saúde animal e clínica veterinária; saneamento ambiental e medicina veterinária preventiva, saúde pública e inspeção e tecnologia de produtos de origem animal; zootecnia, produção e reprodução animal e ecologia e proteção ao meio ambiente. Ter conhecimento dos fatos sociais, culturais e políticos da economia e da administração agropecuária e agro-industrial. Capacidade de raciocínio lógico, de observação, de interpretação e de análise de dados e informações, bem como dos conhecimentos essenciais de Medicina Veterinária, para identificação e resolução de problemas. 2. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES Competências Gerais: • Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; • Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custoefetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para este fim, os mesmos devem possuir competências e 104 • • • • habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumir posições de liderança, sempre tendo em vista o bem estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativa, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais. O médico veterinário deve estar apto, no seu âmbito profissional, a desenvolver ações voltadas à área de Ciências Agrárias no que se refere à Produção Animal, Produção de Alimentos, Saúde Animal e Proteção Ambiental. Competências e Habilidades Específicas: O Curso de Graduação em Medicina Veterinária deve assegurar, também, a formação de profissional nas áreas específicas de sua atuação: sanidade e produção animal, saúde pública, biotecnologia e preservação ambiental, com competências e habilidades específicas para: • respeitar os princípios éticos inerentes ao exercício profissional; • interpretar sinais clínicos, exames laboratoriais e alterações morfo-funcionais; • identificar e classificar os fatores etiológicos, compreender e elucidar a patogenia, bem como, prevenir, controlar e erradicar as doenças que acometem os animais; • instituir diagnóstico, prognóstico, tratamento e medidas profiláticas, individuais e populacionais; • elaborar, executar e gerenciar projetos agropecuários, ambientais e afins à profissão; • desenvolver, programar, orientar e aplicar as modernas técnicas de criação, manejo, nutrição, alimentação, melhoramento genético; produção e reprodução animal; • planejar, executar, gerenciar e avaliar programas de saúde animal, saúde pública e de tecnologia de produtos de origem animal; • executar a inspeção sanitária e tecnológica de produtos de origem animal; 105 • planejar, elaborar, executar, gerenciar e participar de projetos nas áreas de biotecnologia da reprodução e de produtos biológicos; • planejar, organizar e gerenciar unidades agro-industriais; • realizar perícias, elaborar e interpretar laudos técnicos em todos os campos de conhecimento da Medicina Veterinária; • planejar, elaborar, executar, gerenciar, participar de projetos agropecuários e do agronegócio; • relacionar-se com os diversos segmentos sociais e atuar em equipes multidisciplinares da defesa e vigilância do ambiente e do bem-estar social; • exercer a profissão de forma articulada ao contexto social, entendendo-a como uma forma de participação e contribuição social; • conhecer métodos e técnicas de investigação e elaboração de trabalhos acadêmicos e científicos; • assimilar as constantes mudanças conceituais e evolução tecnológica apresentadas no contexto mundial; • avaliar e responder com senso crítico as informações que estão sendo oferecidas durante a graduação e no exercício profissional. 3. CONTEÚDOS CURRICULARES Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Medicina Veterinária devem levar em conta a formação generalista do profissional. Os conteúdos devem contemplar: • • • • • Ciências Biológicas e da Saúde – incluem-se os conteúdos (teóricos e práticos) de base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, bem como processos bioquímicos, biofísicos, microbiológicos, imunológicos, genética molecular e bioinformática em todo desenvolvimento do processo saúde-doença, inerentes à Medicina Veterinária. Ciências Humanas e Sociais – incluem-se os conteúdos referentes às diversas dimensões da relação indivíduo/sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais, culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais e conteúdos envolvendo a comunicação, a informática, a economia e gestão administrativa em nível individual e coletivo. Ciências da Medicina Veterinária– incluem-se os conteúdos teóricos e práticos relacionados com saúde-doença, produção animal e ambiente, com ênfase nas áreas de Saúde Animal, Clínica e Cirurgia veterinárias, Medicina Veterinária Preventiva, Saúde Pública, Zootecnia, Produção Animal e Inspeção e Tecnologia de Produtos de origem Animal, contemplando os conteúdos teóricos e práticos a seguir: Zootecnia e Produção Animal - envolvendo sistemas de criação, manejo, nutrição, biotécnicas da reprodução, exploração econômica e ecologicamente sustentável, incluindo agronegócios. Inspeção e Tecnologia dos Produtos de Origem Animal - incluindo classificação, processamento, padronização, conservação e inspeção higiênica e sanitária dos produtos de origem animal e dos seus derivados. 106 • • Clínica Veterinária - incorporando conhecimentos de clínica, cirurgia e fisiopatologia da reprodução com ênfase nos aspectos semiológicos e laboratoriais, visando a determinação da etiopatogenia, do diagnóstico e dos tratamentos médico ou cirúrgico das enfermidades de diferentes naturezas. Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública - reunindo conteúdos essenciais às atividades destinadas ao planejamento em saúde, a epidemiologia, controle e erradicação das enfermidades infecto-contagiosas, parasitárias e zoonoses, saneamento ambiental, produção e controle de produtos biológicos. 4. ESTÁGIOS E ATIVIDADES COMPLEMENTARES • Estágio Curricular: A formação do médico veterinário deve garantir o desenvolvimento de estágios curriculares, sob supervisão docente. A carga horária mínima do estágio curricular supervisionado deverá atingir 10% da carga horária total do Curso de Graduação em Medicina Veterinária proposto, com base no Parecer/Resolução específico da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação. O estágio curricular poderá ser realizado na Instituição de Ensino Superior e/ou fora dela, em instituição/empresa credenciada, com orientação docente e supervisão local, devendo apresentar programação previamente definida em razão do processo de formação. • Atividades Complementares: As atividades complementares deverão ser incrementadas durante todo o Curso de Graduação em Medicina Veterinária e as Instituições de Ensino Superior deverão criar mecanismos de aproveitamento de conhecimentos, adquiridos pelo estudante, através de estudos e práticas independentes presenciais e/ou à distância. Podem ser reconhecidos: • Monitorias e Estágios, • Programas de Iniciação Científica; • Programas de Extensão; • Estudos Complementares; • Cursos realizados em outras áreas afins. 5. ORGANIZAÇÃO DO CURSO O Curso de Graduação em Medicina Veterinária deverá ter um projeto pedagógico, construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão. 107 As Diretrizes Curriculares e Projeto Pedagógico deverão orientar o currículo do Curso de Graduação em Medicina Veterinária para um perfil acadêmico e profissional descrito para o egresso. Este currículo deverá contribuir, também, para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural. A organização do Curso de Graduação em Medicina Veterinária deverá ser definida pelo respectivo colegiado do curso, que indicará o regime: seriado anual, seriado semestral, sistema de créditos ou modular, bem como a necessidade de apresentação de trabalho de conclusão de curso sob orientação docente. A estrutura do Curso de Graduação em Medicina Veterinária deverá assegurar a: • articulação entre o ensino, pesquisa e extensão, garantindo um ensino crítico, reflexivo e criativo, que leve a construção do perfil almejado, estimulando a realização de experimentos e/ou de projetos de pesquisa; socializando o conhecimento produzido; • inserção do aluno, precocemente, em atividades práticas, de forma integrada e interdisciplinar, relevantes à sua futura vida profissional; • utilização de diferentes cenários de ensino-aprendizagem permitindo ao aluno conhecer e vivenciar situações variadas de vida, da organização da prática e do trabalho em equipe multiprofissional; • visão de educar para a cidadania e a participação plena na sociedade; • garantia dos princípios de autonomia institucional, de flexibilidade, integração estudo/trabalho e pluralidade no currículo; • implementação de metodologia no processo ensinar-aprender que estimule o aluno a refletir sobre a realidade social e aprenda a aprender; • definição de estratégias pedagógicas que articulem o saber; o saber fazer e o saber conviver, visando desenvolver o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e o aprender a conhecer que constitui atributos indispensáveis à formação do médico veterinário; • realização das dinâmicas de trabalho em grupos, por favorecerem a discussão coletiva e as relações interpessoais; • valorização das dimensões éticas e humanísticas, desenvolvendo no aluno e no médico veterinário atitudes e valores orientados para a cidadania e para a solidariedade. 6. ACOMPANHAMENTO E AVALIAÇÃO A implantação e desenvolvimento das diretrizes curriculares devem orientar e propiciar concepções curriculares ao Curso de Graduação em Medicina Veterinária que deverão ser acompanhadas e permanentemente avaliadas, a fim de permitir os ajustes que se fizerem necessários ao seu aperfeiçoamento. As avaliações dos alunos deverão basear-se nas competências, habilidades e conteúdos curriculares desenvolvidos tendo como referência as Diretrizes Curriculares. 108 O Curso de Graduação em Medicina Veterinária deverá utilizar metodologias e critérios para acompanhamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem e do próprio curso, em consonância com o sistema de avaliação e a dinâmica curricular definidos pela IES à qual pertence. II - VOTO DO (A) RELATOR (A) A Comissão recomenda a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina Veterinária na forma ora apresentada. Brasília (DF), 13 de março de 2002. Conselheiro Arthur Roquete de Macedo Conselheiro Éfrem de Aguiar Maranhão - Relator Conselheiro Yugo Okida III – DECISÃO DA CÂMARA A Câmara de Educação Superior aprova por unanimidade o voto do Relator. Sala das Sessões, em 13 de março de 2002. Conselheiro Arthur Roquete de Macedo – Presidente Conselheiro José Carlos Almeida da Silva – Vice-Presidente 109 ANEXO C - Universidades do Estado do Rio de Janeiro que possuem cursos de Medicina Veterinária 1. Universidade Federal Fluminense (www.uff.br) 2. Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (www.ufrrj.br) 3. Universidade Estadual do Norte Fluminense (www.uenf.br) 4. Universidade Castelo Branco (www.castelobranco.br) 5. Universidade Estácio de Sá (www.estacio.br) 6. Fundação Arco Verde (www.faa.com.br) 7. Fundação Educacional Serra dos Órgãos (www.feso.br) 8. Centro Universitário Plínio Leite (www.plinioleite.com.br) 9. Centro Universitário de Barra Mansa (www.ubm.br) 10. Universidade do Grande Rio (www.unigranrio.br).