Entrevista com Luiz Antonio de Assis Brasil – O maior formador de
escritores do país
Posted by: Vilto Reis (http://homoliteratus.com/author/admin/) , janeiro 6, 2014
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(http://homoliteratus.com/wp-content/uploads/2014/01/Luiz_Antonio_de_Assis_Brasil_-_FotoDouglas_Machado.jpg)
Luiz Antonio de Assis Brasil (Foto: Douglas Machado)
Certamente você já ouviu falar dele. Carinhosamente chamado de “Assis Brasil, ele é o grande responsável
pela formação de muitos dos escritores gaúchos que figuram no cenário da literatura nacional. Só para citar
alguns nomes: Michel Laub, Daniel Galera (http://homoliteratus.com/?s=daniel+galera), Paulo Scott, Carol
Bensimon (http://homoliteratus.com/?s=Carol+Bensimon), Amilcar Bettega, Cíntia Moscovich e Luisa Geisler
(http://homoliteratus.com/?s=Luisa+Geisler).
Luiz Antonio de Assis Brasil nasceu em Porto Alegre, no ano de 1945, onde reside até hoje. Além de
romancista, ensaísta e cronista, possui um extenso currículo acadêmico, que inclui o doutorado em letras, e o
pós-doutorado em literatura açoriana. E desde 1985, ministra a Oficina de Criação Literária do Programa de
Pós-Graduação em Letras da PUCRS, formando assim muitos escritores.
“Não há aula em que eu não conheça algo de novo, e isso através deles. Via de regra muito
jovens, com metade ou um terço da minha idade, trazem novas perspectivas, novos enfoques
para antigas questões, e isso não acontece apenas em procedimentos técnicos, mas também nas
temáticas”, afirmou na entrevista que você confere na íntegra abaixo.
Na conversa, Assis Brasil fala sobre suas referências, autoficção, um panorama da literatura brasileira
contemporâneo, a importância da poesia na formação do escritor de ficção, entre outros assuntos. Quando
perguntado sobre que autores ele indica para seus alunos na oficina, citou nomes para cada área específica:
monólogo interior, essencialidade textual, espaço, conflito e desenvolvimento da trama.
Aproveite agora esta entrevista concedida com exclusividade ao Homo Literatus.
***
É sen so co mu m en tre o s escrito res q u e p assaram p o r su a o ficin a literária so b re o maio r
ap ren d iz ad o ser a mu d an ça n o en fo q u e d e co mo se lê. Em Para ler co mo u m escrito r,
Fran cin e Pro se d ed ica to d o u m cap ítu lo à q u estão e, mesmo q u an d o avan ça n o u tro s tó p ico s,
vo lta a citar mu itas vez es n o d eco rrer d o livro a imp o rtân cia d a leitu ra aten ta. Vo cê d iria q u e
esta é a b ase d a fo rmação d o escrito r? Nu m p rimeiro mo men to , q u al é a su a o rien tação ao s
jo ven s can d id ato s n este sen tid o ?
LAAB: Sim, ler é receita necessária e insubstituível – mas não suficiente. O escritor lê, como todos leem, mas a
diferença é que o escritor lê com a intenção de saber. A qualidade da leitura é, portanto, o traço que
transformará alguém em escritor. Essa qualidade é adquirida, seja por uma espontânea disposição
intelectual, seja por estímulo de alguém: a história da literatura está cheia de exemplos de escritores que
orientaram as leituras dos iniciantes. Este é o momento em que destaco a importância da crítica nas aulas de
criação literária. A crítica literária possui seu objeto e seus métodos que, hoje passam, necessariamente, pelos
Estudos Culturais, que vêm no bojo da Pós-Teoria. Um bom professor é capaz dessa tarefa; mas apenas um
escritor poderá ressaltar as circunstâncias que passam ao largo das atenções do professor e do crítico. Estas
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escritor poderá ressaltar as circunstâncias que passam ao largo das atenções do professor e do crítico. Estas
circunstâncias passam pelo fazer literário, que não se limita às técnicas, como muitos pensam, mas vai além,
como a definição do foco do conflito e como desenvolvê-lo a partir do centro crítico de toda obra narrativa,
que é a personagem. Mas não só. Aos meus alunos de criação literária, digo que um bom caminho é ler,
primeiramente, com a emoção; em segundo, ler com a intenção de que eu falava.
S u p o n h o q u e a maio ria d o s alu n o s q u e ch eg am à su a o ficin a já p o ssu em u ma fo rte carg a d e
leitu ra, mas q u ais au to res vo cê co stu ma in d icar p ara o s alu n o s? É u ma q u estão d e g o sto
p esso al su a, o u u ma ab o rd ag em esp ecífica p ara cad a caso ?
LAAB: Indico leituras a partir de três critérios: o primeiro é meu gosto pessoal; o segundo, a relevância do
autor; o terceiro, a utilidade da obra no contexto dos temas que abordo na oficina. Ao tratar do monólogo
interior, por exemplo, Édouard Dujardin é minha recorrência, mais do que Henry James ou Virginia Woolf.
Para a essencialidade textual, recomendo Pascal Quignard e Graciliano. Para tratar do espaço, busco Eça e
Machado. Para definir o que seja o conflito, refiro sempre Thomas Bernhard e Hans-Ulrich Treichel. Para o
desenvolvimento da trama, Schnitzler. E assim por diante. Mas não cobro leitura – deixo isso ao interesse do
leitor e suas preferências. Imagina-se que um aluno de oficina deseje o melhor para si e para sua capacitação
para a literatura, e que fará de tudo para alcançar esse objetivo.
Em C o mo escrever u m co n to , Gab riel García Márq u ez afirma q u e o jo vem escrito r d everia
escrever to d as as h istó rias q u e aco n teceram em su a vid a. S ó en tão , estaria p ro n to a “ criar”
su a p ró p ria ficção . C o mo vo cê vê esta q u estão d a au to ficção , tão d iscu tid a n o s ú ltimo s an o s
n o Brasil?
LAAB: A autoficção é esmagadoramente dominante – é quase exclusiva – em nosso tempo, mas não é
fenômeno apenas brasileiro nem restrito aos jovens. Para isso já Todorov chama atenção, ao se referir aos
autores franceses. Se o teórico usa um tom recriminatório, essa não é minha atitude. Um fato cultural não é
bom nem mau. Com perdão pela tautologia: ele é o que é. Não é algo que me preocupe. Entretanto, tenho o
dever de alertar a meus alunos de criação literária de que há uma armadilha a ser considerada, porque,
claramente, há o risco da repetição de temáticas e de procedimentos linguísticos e estilísticos, o que pode
incomodar o crítico e pior, os leitores. Nenhum escritor gostaria de ler no jornal: “O escritor X acaba de
publicar pela quinta vez o mesmo livro”. Sei que não é fácil ir contra a corrente; mesmo assim, proponho aos
alunos alguns exercícios na terceira pessoa, o que gera certo pânico na sala de aula.
Q u em aco mp an h a a literatu ra co n temp o rân ea b rasileira tem esta p ercep ção d o u so
reco rren te d a p rimeira p esso a. Lo g o , co n sid erei in teressan te q u an d o vo cê co men to u so b re o
“ p ân ico ” em sala d e au la. É p ercep tível u m fen ô men o so cial n isso , n ão ? S eria u m reflex o d a
co n d ição n arcisista d o n o sso temp o in flu en cian d o n a criação literária?
LAAB: Já queimei muito neurônio pensando sobre a causa dessa conduta narrativa. Já conversei com meus
amigos sociólogos, psicanalistas, políticos, e não chegamos a nenhuma conclusão. Prepondera certo
sentimento de que se trata de reflexo do evidente solipsismo da cultura contemporânea, mas ninguém quer
afirmar algo categórico. A maioria, entretanto, diz que somente no futuro poderemos avaliar com isenção este
momento literário.
Lo n g e d e p ro p o r alg u m n acio n alismo , mas p erceb i q u e o s au to res citad o s, q u an d o q u estio n ei
so b re referên cias, são em su a maio ria eu ro p eu s. T alvez d evid o à fraca fo rmação literária q u e
o s alu n o s receb em n a esco la, a p o p u lação cresce d esco n h ecen d o n o ssa literatu ra
(h ttp ://h o mo literatu s.co m/e-p o r-q u e-n ao -ler-a-n o ssa/), o u até mesmo d esp rez an d o -a. Mu ito s
d o s p reten so s escrito res q u e estão ch eg an d o são fo rmad o s, em g ran d e p arte, p ela leitu ra d e
literatu ra an g la. C o mo fu n cio n a esta relação d o alu n o q u e ch eg a à o ficin a co m p o u ca leitu ra
d e literatu ra b rasileira? E, até mesmo , co mo vo cê in terfere n esta q u estão ?
LAAB: Minhas referências citadas, por acaso, não incluem autores da tradição anglo, mas são da França,
Alemanha, Áustria, Brasil e Portugal. Mas concordo que os brasileiros estão em minoria. Fiquei pensando
sobre essa minha perspectiva, muito bem apontada. Concluí que não decorre de esquecimento ou mávontade, pois meu cotidiano profissional é justo tratar com autores brasileiros, em especial da novíssima
geração; por isso, cito-os pontualmente em sala de aula, e são alguns deles, e meus ex-alunos: Michel Laub,
Daniel Galera, Paulo Scott, Carol Bensimon, Amilcar Bettega, Cíntia Moscovich (que acaba de ganhar o prêmio
Portugal Telecom) Luísa Geisler, entre muitos outros. Inclusive dou depoimento acerca da evolução de suas
obras. O curioso é perceber que os alunos já têm um excelente conhecimento desses autores, primeiramente
pelos blogs e, depois, pelos livros. Lembro, até, que na semana passada comentei o Longe da água, do Laub,
que dei como exemplo de excelente estruturação narrativa, e a maioria já o tinha lido.
É evid en te q u e a literatu ra b rasileira vive u m n o vo mo men to , mais u rb an a, d eix an d o , o u ao
men o s p arece, u ma lo n g a trad ição reg io n alista. C o n tu d o , esta literatu ra d o main stream, d a
co rren te ap o iad a p ela crítica – b em d istan te d o s b est-sellers – , ain d a está lo n g e d o g ran d e
p ú b lico . Esta situ ação se d eve a u ma série d e fato res, em g ran d e p arte cu ltu rais, co mo já fo i
citad o , mas “ esta d istân cia” teria alg u ma lig ação co m as temáticas o u d esen vo lvimen to d as
h istó rias? Ap en as através d a literatu ra, co mo o escrito r se ap ro x imaria d o p ú b lico ?
LAAB: Isso decorre da sofisticação do pensamento dos novos autores, que pode incluir citações das
diferentes áreas da cultura – cinema, teatro, música, artes plásticas – nem sempre perceptíveis. A arte, em
geral, apresenta o mesmo problema: não é qualquer pessoa que compra um quadro contemporâneo para
suas paredes, ou escuta música contemporânea de concerto, ou gosta dos prédios construídos pelos
arquitetos de hoje. Quando falo em sofisticação, penso no vocábulo como sinônimo de refinamento, embora
não o seja por completo. É inegável que hoje – e não apenas no Brasil – somos massacrados por uma
indústria cultural onipresente e rasteira – e cada vez mais rasteira e onipresente – e que pouco ajuda a
inteligência de seus destinatários; em geral repetem pavorosos clichês e platitudes. Para a indústria cultural
isso é ótimo, pois quanto mais simplório o produto, mais vende. A arte que faz pensar, a arte crítica e
contestadora, a única que pode transformar, bem, essa ainda não chega a atingir a sensibilidade da maioria,
anestesiada pela avalanche que lhes entra pelos ouvidos e pelos olhos. E a literatura faz parte desse quadro.
Contudo, deve haver alguns sinais de mudança, embora eu ainda não os tenha detectado.
Do is d o s escrito res q u e vo cê cito u , C aro l Ben simo n e Dan iel Galera, p arecem ter se
“ ap ro x imad o ” mais d o p ú b lico em seu s ú ltimo s livro s. A p ró p ria Ben simo n u so u o termo
Middlebrow (http://www.blogdacompanhia.com.br/2013/11/middlebrow-essa-palavrinha/) p ara
categ o riz ar seu ro man ce T o d o s Nó s Ad o rávamo s C au b ó is. Já o Barb a En so p ad a d e S an g u e, d o
Galera, afirmo u ain d a mais o lu g ar d o au to r n a cen a co n temp o rân ea d a literatu ra b rasileira,
co m to d o s o s mérito s – valendo-lhe o Prêmio São Paulo de Literatura
(http://www.premiosaopaulodeliteratura.org.br/novidade/60/veja-os-vencedores-premio-sao-pauloliteratura) co mo melh o r livro d o an o . Amb o s o s ro man ces têm atraíd o a aten ção d e u m p ú b lico
maio r q u e o d e h áb ito , o u é mu ito o timismo d a min h a p arte? C o m a d ita “ n o va classe C
b rasileira” , mesmo d ian te d a avalan ch e d a in d ú stria cu ltu ral, vo cê co n sid era p o ssível q u e a
n o ssa literatu ra co n temp o rân ea g an h e seu lu g ar n o d ia a d ia d o p ú b lico ?
LAAB: Sim, isso é perfeitamente possível, na medida em que se produza uma literatura que o maior número
de pessoas entenda; não sei, entretanto, se é meta realizável a médio prazo, pois é extremamente difícil
conciliar a qualidade estética/temática com as largas tiragens, especialmente num quadro em que os livros em
exposição nas livrarias de aeroporto têm o nível atual, e que nós todos conhecemos. José Paulo Paes, entre
suas preocupações, tinha essa: a de que o Brasil precisava, também, de uma boa literatura de
entretenimento. Mas sempre será uma tarefa complexa conceituar o que seja boa literatura de
entretenimento. O que é importante destacar, entretanto, é que o escritor não deve ter qualquer espécie de
compromisso com um possível público. Seu compromisso, perene, reconhecido e inalienável, é consigo
mesmo e com a arte que escreve.
S e co mp arad a à fo rmação d e n o sso s viz in h o s su l-american o s, p arece q u e o s b rasileiro s q u e
S e co mp arad a à fo rmação d e n o sso s viz in h o s su l-american o s, p arece q u e o s b rasileiro s q u e
se d ed icam à escrita d e ficção , n ão têm mu ito ap reço p ela p o esia. T an to o s au to res mais
clássico s, co mo Jo rg e Lu is Bo rg es, o u mais p ró x imo s ao n o sso temp o , co mo R o b erto Bo lañ o ,
fo ram p o etas an tes d e serem ficcio n istas. Há q u em d ig a q u e a p o esia em su a fo rma
co n temp o rân ea se d isso lveu en tre o s vário s g ên ero s n arrativo s. C o mo vo cê vê a imp o rtân cia
d a leitu ra d e p o esia p ara estes jo ven s au to res d e ficção , esp ecificamen te?
LAAB: De fato, a poesia representa uma vertente pouco prestigiada pelos leitores, o que é uma imensa pena,
pois se perde um caminho importante para o exercício da sensibilidade e de percepção do mundo. Com
meus alunos de criação literária, insisto na leitura da poesia que, muitas vezes, utilizo como epígrafe de
trabalhos narrativos. Existe uma disposição para a leitura da poesia, mas esta é superada pela disposição de
leitura de textos narrativos. Há um caminho a ser percorrido, a que estão convocados os professores, e não
apenas de escrita criativa. Normalmente, entretanto, pela quase ausência da poesia no ensino de formação
de professores, estes consideram-se sem qualificação para analisar textos poéticos com seus jovens alunos.
Há uma certa ênfase em reduzir o uso do texto poético às séries iniciais, por seu apelo lúdico, e sonoro (e há
excelentes autores nessa área: vide Cecília Meirelles, Carlos Urbim, Sérgio Caparelli, entre outros) mas isso
não se mantém com a mesma força no ensino médio.
Ag o ra b u scan d o traçar u m p aralelo en tre a o ficin a literária e su a vid a co mo escrito r. Ap ó s
tan to s an o s d an d o au las a jo ven s au to res, em q u e med id a vo cê vê a imp o rtân cia d este
co mp ro misso co m o en sin o afetan d o su a p ró p ria ficção ?
LAAB: Aprendo muito com meus alunos de escrita criativa. Não há aula em que eu não conheça algo de
novo, e isso através deles. Via de regra muito jovens, com metade ou um terço da minha idade, trazem novas
perspectivas, novos enfoques para antigas questões, e isso não acontece apenas em procedimentos técnicos,
mas também nas temáticas. Há ocasiões em que digo algo para os alunos e que me brota no momento,
desavisadamente, e isso me leva a encontrar soluções para meus próprios romances. Uma espécie de fiat lux
instantâneo. Costumo dizer a eles que, se acham que aprendem algo comigo na oficina, eu concordo, mas
talvez nessa troca eu seja o maior beneficiário.
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