ENTEVISTA RON ATHEY
Hugo Nogueira e Susana de Castro
O artista de performance Ron Athey esteve no Rio de Janeiro em junho quando
se apresentou a sua performance “St. Sebastian/50” dentro do projeto “Entre Lugares –
Rio–Londres” no teatro Sergio Porto. Ele concedeu a entrevista abaixo por email.
Redescrições: Por que você decidiu tornar-se um massagista profissional? Você vê
uma relação entre o seu trabalho como massagista e o seu trabalho artístico?
Ron: Eu trabalhei no jornal LA Weekly durante 18 anos, fui jornalista, editor assistente e
responsável pela agenda cultural. Em função de incorporações e demissão dos
jornalistas culturais (pagos), eu tive que decidir o que fazer em seguida. Sempre tive
uma compreensão intuitiva sobre o corpo e um grande conhecimento de anatomia. Eu
comecei como a maioria: fazendo um treinamento básico para trabalhar em um SPA. Eu
queria um treinamento para fazer massagem profunda dos músculos. Depois de alguns
cursos e 100 horas de prática, eu estudei o sistema terapêutico Rolfing. Existe uma
relação com o meu trabalho artístico porque cria um equilíbrio. Porque me permite
trabalhar com um corpo diferente, explorar, encontrar e consertar problemas de
alinhamento, circulação e nós, espasmos, pontos de gatilho. Estabelecendo uma zona de
equilíbrio com a prática autocentrada da arte.
Redescrições: Qual a relação que você vê entre o seu trabalho e o dos artistas Robert
Mapplethorpe e Leigh Bowery?
Ron: É difícil fazer uma comparação com o Mapplethorpe ainda que ele tenha tornado
aquilo que era extremamente privado em algo público, transformando em uma fantasia.
Mas ele fez isso contrapondo à forma, uma estratégia que passou a ser reproduzida por
muitos fotógrafos que vieram depois. A dedicação completa de Leigh em realizar um
conceito ainda é uma grande inspiração. Ninguém foi capaz de superá-lo. Ele arrombou
as portas das maneiras de se apresentar em termos de proporção e de sacanear com as
noções de gênero (gender fuck)!!! Eu o vi pela primeira vez no clube Taboo em minha
primeira visita a Londres em meados dos anos 80. Um bom exemplo da dificuldade de
contextualizar um artista que não utiliza os meios tradicionais. O que fazer com alguém
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que é uma personalidade do mundo da moda em um clube? Depois participou como
convidado em algumas coreografias do Michael Clark; fez algumas apresentações em
galerias e virou musa do pintor Lucien Freud, de repente todo mundo queria voltar no
tempo para procurar a narrativa do QUE ele tinha feito.
Redescrições: Você concorda que o seu trabalho não recebe a atenção que merece?
Ron: Eu realmente me pergunto por que estou escrevendo uma monografia sobre mim
mesmo com mais de 300 páginas. Mais de 30 anos de apresentações registrados em
imagens. Para estabelecer um contexto, esclarecer os fatos? Eu não sei o que pode
acontecer ao se fazer isso. Uma das minhas paranoias que já está se concretizando
através da Internet é a tendência “redux” (retrospectivas que reduzem as obras para
serem apresentadas de uma só vez) no campo da performance, alimentada pela artista
Marina Abramović, em que tudo passa a ser domínio público. Minha compreensão
sobre a importância de tornar meu trabalho público é informada pelo fato de ter
trabalhado na mídia e ter me relacionado superficialmente com a Academia. Será que eu
quero a publicidade comum = redução do meu trabalho a sensacionalismos e a
modismos ou trabalhos acadêmicos = uma bolha que tem como intermediários
professores e alunos? Jornalismo cultural inteligente: raro! Para que curadores,
programadores, instituições apoiem o meu trabalho...? A maioria deles deveria ser
substituída! Quando frustrado eu já anunciei publicamente uma lista dos que deveriam
ser fuzilados. Como pode a maioria dessas pessoas entediadas e tediosas continuarem
nesses cargos para sempre? O que as autorizou a tornaram-se promotoras perversas de
uma cultura que, precisamos aceitar, é formada por suas escolhas seguras e
“inteligentes” e suas decisões eventuais de parar de apoiar a única opção entre duas ou
três de uma cidade qualquer? Por que aceitamos essa hierarquia? Em termos gerais, essa
é a minha frustração, eu penso que a maioria dos “promotores perversos de cultura” não
tem paixão pelo que fazem, eles apenas seguem as tendências tediosas uns dos outros.
Redescrições: Beatriz Preciado no seu livro Manifesto Contra-Sexual afirma que seu
trabalho é contra-sexual porque reflete uma abordagem não construtivista da
sexualidade onde o corpo é o locus de mudanças tecnológicas. Você a conhece?
Concorda com o que ela diz?
Ron: Eu conheci a Beatriz Preciado em novembro na Associação Emmetrop em
Bourges na França e a tenho acompanhado durante algum tempo, porque alguns dos
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meus amigos e ídolos trabalharam com ela: Annie Sprinkle, Del LaGrace Volcano,
Lydia Lunch, Diana Pornoterrorist, Lazlo Pearlman. Eu gosto do termo “contra-sexual”,
mas o conceito de “pós-humano” não me diz nada, nem o de “corpo obsoleto” de
Stelarc. Eu entendo que podemos pensar em um corpo sem órgãos, mas isso é mais uma
cisão do que uma nova fase. Pode me chamar de simplista, mas eu penso que quanto
mais nos afastamos do corpo, mais precisamos nos aproximar dele novamente e usá-lo.
Redescrições: Na sua performance “St. Sebastian/50” eu vi dois temas combinados:
sexualidade e religiosidade. Mas você não está “falando” da sexualidade e da
religiosidade ordinárias. A palavra que me vem à mente é: êxtase. Você concorda que
você está tentando reproduzir um estado de êxtase religioso?
Ron: Sim, a verdade sobre a minha infância é que não fui forçado a participar dos
rituais Pentecostais da minha família, dos quatro filhos eu fui o único que se dedicou a
ponto de praticar os dons do espírito: a profecia, a glossolalia e psicografia. Eu era
inclinado ao êxtase! Quando deixei a crença e a igreja, a vibração se manteve. Após
décadas de trabalho, eu percebi que eu continuo realizando sequências de ações para
despertar, sustentar esse estado de êxtase, e que talvez esse estado de êxtase seja mais
importante do que a iconografia que eu uso. O “Sebastian” foi um retorno a um trabalho
anterior, o que corresponde mais à minha pesquisa é o ciclo de auto-obliteração que eu
concluí em dezembro.
Redescrições: Os espectadores tem a impressão de que você está em transe. É isso
mesmo?
Ron: Sim, há diferentes camadas. A de estar fazendo a performance em frente a uma
audiência acessando algo que vai além de um “roteiro”. Os estados mais profundos que
são despertados tanto pela dor quanto pela sensação de estar sangrando. São as camadas
mais profundas que são mais imprevisíveis, no sábado (23/06/12) os técnicos pularam
duas ou três vezes o ponto de puxar as cordas ou iluminar, muitas coisas deram
“errado”, então eu tive que lutar para não tentar controlar que não estava acontecendo
da maneira planejada, mas no final tudo deu certo.
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Redescrições: Notei que há uma conexão entre o seu trabalho e práticas de BDSM. Se
isso está correto, você poderia explicar qual a importância dessas práticas para você?
Você diria que através delas é possível transcender o eu?
Ron: As práticas BDSM me ensinaram muitas das ações corporais que utilizo. Eu
também dei as informações sobre as minhas apresentações ao meu médico para ter uma
perspectiva da medicina, mas as informações corretas sobre injeção de soro fisiológico
no saco escrotal, os cuidados em relação à saúde e segurança envolvidos no piercing,
etc., vem, em grande medida, da prática de BDSM ou das instruções sobre modificações
corporais.
Redescrições: Você diria que a “castração” que aparece no seu trabalho aponta para a
possibilidade de uma sexualidade que não gira em torno do falo, um tipo de sexualidade
descrita por Freud como perverso-polimorfa – anterior a uma diferença sexual binária,
um momento em que o corpo inteiro é fonte de prazer?
Ron: Acredito que só uma pessoa tinha percebido isso antes, o arremedo de castração
em Deliverance e no auto fisting de Self-Obliteration. O falo é distorcido, apagado ou
ignorado. A interpretação dos atos sexuais das apresentações é ampliada para além do
que é prazeroso/sexy. Os atos sexuais também são uma entrada psíquica e neurológica
no êxtase.
Redescrições: muito obrigada pela entrevista!
Tradução: Hugo Nogueira
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