Possibilidades de monitorar os representantes através da internet: estudo de três países da América Latina Silvana Moreira Silva Universidade Federal da Bahia Resumo O presente artigo tem o objetivo de mensurar as reais possibilidades de o cidadão monitorar os agentes políticos a partir de informações disponíveis em portais governamentais. Argumenta-se que esse monitoramento é uma espécie de “controle cognitivo”, a possibilidade de conhecer as ações e acompanhar o trabalho de seus representantes. Para tal, analisa-se qualitativamente, em uma pesquisa piloto, o conteúdo dos portais da Câmara de Deputados do Brasil, da Câmara de Deputados do México e da Assembleia Nacional da Venezuela. Os resultados mostram que tais países tendem a apresentar melhor desempenho quanto ao oferecimento de recursos de utilidade para o cidadão, bem como quanto às possibilidades de oferecer informação sobre atividade legislativa e que o Estado não apresenta a mesma atenção quanto à necessidade de argumentação, pois os países não pontuam nesse quesito. Palavras-chave: controle cognitivo; transparência; accountability; América Latina. Abstract This article aims to measure the real possibilities of citizens to monitor political agents through information available on government websites. It is argued that such monitoring is a kind of "cognitive control", the possibility of to know the actions and to monitor the work of their representatives. To this end, we analyze qualitatively, in a pilot study, the content of the portals of the Chamber of Deputies of Brazil, Chamber of Deputies of Mexico and National Assembly of Venezuela. The results show that such countries tend to perform better how they offer resources useful to the citizen as well as the possibilities of providing information about legislative activity and that the state does not have the same attention on the need of argument, because the countries do not score in this regard. Key words: cognitive control; transparency; accountability; Latin America. A internet confere mais autonomia aos agentes políticos e às instituições políticas, pois o Estado, a partir de seu uso, passa a informar e fazer circular suas próprias versões sobre matérias públicas em ampla escala (JESUS, 2006). De modo semelhante, a inserção no ambiente digital atribui poder ao cidadão, na medida em que oferece prérequisitos para os indivíduos interessados em acompanhar e se engajar no sistema político. Assim, na democracia representativa, é possível dizer que o papel 1 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC desenvolvido pela internet favorece a transparência das ações do Estado, visto que o cidadão, munido de um volume considerável de informações, tem mais possibilidades de estar a par do que ocorre no sistema político. A proposta deste artigo é mensurar as reais possibilidades que o cidadão tem para monitorar os representantes políticos a partir de informações disponíveis em portais governamentais. Tal monitoramento é uma espécie de “controle cognitivo”, isto é, uma possibilidade de o cidadão conhecer as ações dos representantes políticos e acompanhar seu trabalho (SILVA, 2010). Para tanto, será necessário formular uma metodologia de pesquisa específica, em caráter experimental, que será detalhada oportunamente. Pretende-se, especificamente, (1) compreender como se materializam as possibilidades de monitoramento disponíveis à esfera civil, a partir de canais de comunicação (ou oportunidades digitais) desenvolvidos e sustentados pelo Estado em seus portais; (2) observar elementos pró accountability nos portais, ou seja, elementos que permitem posterior desenvolvimento de accountability. Os websites governamentais que compõem o corpus da análise são os portais da Câmara de Deputados do Brasil, da Câmara de Deputados do México e da Assembleia Nacional da Venezuela. A escolha de analisar o principal portal do legislativo trata-se do reconhecimento de que os deputados federais estão no centro de decisões que influenciam as demais esferas de poder estatal, bem como a sociedade. Desse modo, a conduta legal de tais agentes pode suscitar maior interesse dos cidadãos. Para observar os elementos de transparência de prestação de contas disponíveis nos portais são utilizadas questões-chave. Nos acessos às páginas citadas, busca-se, por exemplo, o detalhamento individual de gastos dos parlamentares, as proposições ou os projetos de lei sugeridos ou relatados pelos representantes, o modo como o parlamentar tem votado nas sessões e um espaço individual para argumentação ou exposição de razões dos agentes políticos. Na prática, as questões são importantes para apresentar a real dimensão do controle exercido pelos cidadãos sobre os representantes. Esta pesquisa piloto representa a intenção de sistematizar as possibilidades de monitoramento e de promoção de accountability ideais para que o cidadão possa fiscalizar ou controlar, ainda que cognitivamente, os agentes políticos. 2 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC 1. Discussão acerca de controle 1.1 “Controle cognitivo” e accountability O monitoramento realizado por cidadãos sobre os agentes políticos, ou seja, um tipo específico de controle que possibilita conhecer as ações dos representantes e acompanhar seu trabalho é o que se entende como “controle cognitivo” do cidadão (SILVA, 2010). Trata-se por “controle cognitivo” para se estabelecer uma relação de analogia com o controle sobre o Estado que é realizado por instituições da própria esfera estatal, nomeado de accountability. Especificamente, accountability é um tipo de controle em que um indivíduo ou uma instituição é obrigado(a) a prestar contas a outro sujeito ou agência por suas ações praticadas em função das responsabilidades que decorrem de uma delegação de poder e, em caso de eventual má conduta, poderá receber punições ou constrangimentos (SCHEDLER, 1999). Segundo Luiz Akutsu (2005), tal mecanismo é caracterizado por pressupor uma relação bilateral, em que uma pessoa ou instituição “A” presta contas sobre o poder a ela delegado a um indivíduo ou agência “B”. Além disso, implica em direitos de autoridade, de modo que “B” tem autoridade de demandar respostas e impor sanções em “A”. Os agentes públicos investidos de responsabilidade administrativa e política devem responder a autoridades. Outro aspecto relevante quanto à accountability é o fato de estar atrelada a uma avaliação retrospectiva. Na accountability, uma autoridade busca respostas e fiscaliza ações passadas ou que estão acontecendo, no sentido de que ainda tenham desdobramentos no presente. Os direitos de autoridade são abordados por Andreas Schedler (1999) como os dois pilares do conceito de accountability. São eles: “answerability, a obrigação de agentes públicos para informar sobre e explicar o que estão fazendo; e enforcement, a capacidade de agências públicas para impor sanções em detentores do poder que tenham violado suas funções públicas” (SCHEDLER, 1999, p 14). Os principais problemas a 3 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC respeito do mecanismo de accountability se concentram exatamente nas questões de autoridade e sanção. As noções de controle social e accountability apresentam relação entre si, mas não tem o mesmo significado. O mecanismo de accountability, como exposto, é composto pelas dimensões discursiva e punitiva (answerability e enforcement), assim, para que o processo seja efetivo, deve contar com mecanismos de monitoramento e também deve prever os de punição. Portanto, é um tipo (mais específico) de controle exercido sobre agentes do Estado e realizado, principalmente, por meio de órgãos de controle ou agentes do próprio Estado que têm o poder de aplicar sanções, deste modo, é um mecanismo do sistema de checks and balances. Já o controle social é uma fiscalização da ação do Estado exercida por agentes externos ao mesmo, desse modo, é baseado em ações de cidadãos e instituições representativas da sociedade – a exemplo de associações, movimentos sociais e meios de comunicação –, que não têm o poder de punir legalmente um representante, no máximo, podem monitorar, expor e denunciar (PERUZZOTTI e SMULOVITZ, 2002). Essa distinção se torna mais clara se observarmos as reais possibilidades de atuação de cidadãos e instituições representativas da sociedade. Os profissionais do jornalismo podem monitorar, fiscalizar, solicitar e receber explicações de agentes públicos, mas não têm o poder de aplicar sanções. Os integrantes de movimentos da sociedade, de modo semelhante, podem monitorar informações oferecidas pelo próprio Estado (especialmente mediante comunicação de massa e internet), embora tenha dificuldades de solicitar e receber explicações diretamente dos agentes políticos, e também não têm autoridade para punir legalmente. As instituições designadas para o controle das contas e do orçamento público, como é o caso dos tribunais de contas, que têm autonomia legal e autoridade para efetivar o controle sobre o Congresso Nacional, exemplificam bem o rol de mecanismos de controle das atividades do Estado (CUNHA, 2000). As ouvidorias e o Ministério Público, de modo semelhante, também são um exemplo de instituições de fiscalização do poder público. 4 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC 1.2 Notas sobre transparência e internet O princípio da publicidade se refere a uma abertura, mas principalmente a uma exposição de conteúdos discursivos com linguagem acessível a diversos tipos de público (SILVA, 2009). Através da publicidade, informações de interesse da sociedade se tornam visíveis. Em princípio, é possível afirmar que quanto mais visíveis forem as decisões dos agentes públicos, mais expostos à responsabilização eles estão. O ato de dar visibilidade às informações na world wide web contribui para reforçar, ampliar ou aprimorar a transparência do poder público. Conforme esclarece Norris (2001), “a potencial vantagem da internet como um medium é permitir que corpos legislativos distribuam livremente diferentes tipos de informação, particularmente as densas publicações oficiais” (p. 138). Se for bem planejado e apresentado, esse material contribui para tornar o processo político mais claro e aberto (NORRIS, 2001). A partir da publicidade da informação pode-se desenvolver o processo de accountability (JESUS, 2006), pois são criadas oportunidades mais efetivas para que cidadãos possam monitorar os representantes, avaliando o seu desempenho na condução dos negócios públicos, cobrar a adoção de políticas públicas que estejam em conformidade com as expectativas e anseios coletivos e exercer pressão sobre agências de controle do Estado. Além disso, é possível que os agentes públicos se importem mais com as matérias por saberem que poderão defendê-las ou prestar contas pelas mesmas em público (GUTMANN e THOMPSON, 1996). A utilização da internet para disseminar informações produzidas pelo governo tem como vantagem “a promoção de um Estado mais democrático, mais responsivo, e no qual a vigilância da sociedade torne o espaço para o cometimento de abusos e para a corrupção cada vez menor” (LOPES, 2009, p. 24). Nos países em que há informação pública disponível, há mais controle, resultando em menos espaço para discricionariedade e corrupção (LOPES, 2009). No Brasil, o acesso a informações de interesse público está previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Esta lei complementar, de Nº 101, em vigor desde 05 de maio de 2000, estabelece normas de finanças públicas voltadas para a 5 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC responsabilidade na gestão fiscal. Ela prevê a divulgação de informações para acompanhamento da gestão fiscal inclusive em “meios eletrônicos de acesso público”. Devem estar disponíveis na internet, por exemplo, “os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos” (BRASIL, 2000). 2. Estudo de caso: Brasil, México e Venezuela Após o recuo teórico necessário pra explicitar as perspectivas sobre os conceitos mencionados, propõe-se um estudo de caso, atentando para o objetivo de verificar os canais de comunicação disponíveis em portais do Poder Legislativo que permitem o “controle cognitivo” do cidadão sobre seus representantes políticos. 2.1 Procedimentos metodológicos Foram observados os portais da Câmara de Deputados do Brasil, da Câmara de Deputados do México e da Assembleia Nacional da Venezuela no período de 10 de junho a 02 de julho de 2011, totalizando três semanas de observação. A prospecção foi orientada por questões-chave cujos temas se referem a elementos de transparência (sobre os atos e as decisões tomadas e sobre quem as toma) e de prestação de contas (disponíveis nos referidos portais governamentais). Esses elementos permitem posterior desenvolvimento de accountability. A fim de avançar no entendimento sobre o controle realizado por cidadãos, propõe-se um quadro de possibilidades de “controle cognitivo”. Tratam-se de grupos de elementos formados por informações e/ou ferramentas organizadas por sua função principal ou temática. Tal pesquisa piloto irá mensurar o grau – ou a dimensão – do potencial de controle que o cidadão pode exercer no sistema político. Assim, trata-se de uma proposta em nível experimental cuja intenção é criar um modelo de análise reaplicável em circunstâncias semelhantes. Foram formulados os seguintes grupos: (1) Elementos utilitários – conjunto de informações e/ou ferramentas que facilitam o acesso, a navegação, do cidadão no portal. 6 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC Compreende elementos formulados pelo Estado sobre serviços úteis para o cidadão em seus portais. Portanto, a relação entre o Estado e o cidadão se dá em nível utilitário. Ex.: mapa do site; (2) Elementos instrutivos – esse conjunto de informações e/ou ferramentas é dedicado a apresentar o Estado instruindo (ou contribui para educar) o cidadão sobre a atividade legislativa. Ex.: cartilhas didáticas sobre a Casa; (3) Elementos informativos: grupo de informações e/ou ferramentas que permitem ao cidadão conhecer as ações e decisões dos deputados, especificamente, quanto à atividade legislativa Ex.: voto do parlamentar em matérias da Casa; (4) Elementos contábeis: tratam-se de informações e/ou ferramentas sobre o uso dos recursos púbicos. O Estado abre, mesmo que parcialmente, a sua prestação de contas para os cidadãos. Ex.: detalhamentos dos gastos individuais dos parlamentares; (5) Elementos argumentativos: permite que o cidadão conheça ações e decisões de seus representantes. São justificativas ou argumentos dos agentes políticos sobre suas ações e decisões em exercício. 2.2 Resultados De modo geral, os elementos utilitários estão dispersas nos portais. Em comum, os três países analisados apresentam o mapa do site, os eventos promovidos pela Casa, currículos resumidos com dados biográficos de cada parlamentar e ferramentas de acompanhamento (seja via e-mail ou twitter, por exemplo) sobre ações ou matérias desenvolvidas pelos deputados. O portal do Brasil dispõe de todos os sete itens utilitários buscados nesta análise. Uma de suas iniciativas merece destaque por facilitar o acesso de deficientes visuais e auditivos, algo inexistente nos outros dois portais. É possível aumentar o tamanho da fonte do conteúdo do portal e também ter acesso ao áudio da constituição federal em vigor. Uma ferramenta que facilita o acesso para o usuário em geral é a busca avançada dividida por tópicos ou assuntos, que permite encontrar, por exemplo, matérias, projetos de lei, proposições e informações sobre os deputados (discursos, votos, assiduidade, entre outros). Semelhante ao Brasil, o portal do México, que pontuou 71,4%, também dispõe de ferramenta de busca avançada. A diferença entre eles é que o mexicano dispõe de filtros 7 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC quanto à forma e o brasileiro quanto ao conteúdo do portal. Por exemplo, o México permite ao usuário optar pelo formato de arquivo a ser encontrado, enquanto o Brasil dá como opções, no caso de pesquisa sobre os deputados, presença em comissões e proposições relatadas, por exemplo. Sobre o portal da Venezuela, que empatou percentualmente com o do México, é válido ressaltar que o acompanhamento sobre ações ou matérias desenvolvidas está disponível por meio do twitter. A conta na mídia social é atualizada regularmente e possui números razoáveis de pessoas interessadas em acompanhar as informações (mais de 24 mil seguidores) e de mensagens postadas (mais de 7.800 tweets). Por outro lado, não possui ferramentas de acompanhamento via e-mail, a mais comum nos portais governamentais. O menor desempenho apresentado pelos três países foi quanto a elementos instrutivos. O Brasil pontuou 57% e México e Venezuela, 28,6% cada. O portal do México não se destaca nesse item, pontuou apenas por dispor de regimento interno e fluxograma dos cargos da Casa. No Brasil e na Venezuela, foram encontradas cartilhas sobre o funcionamento da câmara-baixa. O brasileiro explica para os usuários o processo legislativo, e o venezuelano ilustra a proposição de leis (desde a etapa inicial até sua sanção). Outra iniciativa interessante no portal do Brasil é o Plenarinho, uma página com conteúdo desenvolvido para crianças. As seções do hotsite tratam com linguagem didática temas como educação, saúde, ecologia, cidadania e atividade legislativa, em especial o trabalho desenvolvido pelos deputados. Os elementos informativos, assim como as informações e ferramentas utilitárias, são os mais encontrados nos três portais. O Brasil atinge a marca de 100% dos itens desejáveis nesta análise e é o único que dispõe de registro da assiduidade do parlamentar em sessões de plenário e nas reuniões de comissões. O México e a Venezuela pontuam 71,4% cada. Entre os três países analisados, apenas o México dispõe de uma lei de transparência e acesso à informação governamental, sendo o segundo a aprovar uma lei desta natureza 8 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC na América Latina. Os 17 itens previstos na lei que devem ser tornados públicos pelas instituições governamentais, inclusive na internet, estão listados no portal da câmara. Os mesmos são links para área do portal que dispõe de tal informação. Quanto aos que permitem ao cidadão conhecer as ações e decisões dos deputados, estão disponíveis a estrutura orgânica, os postos administrativos, alguns serviços (ex. diário oficial), o orçamento e as contratações públicas. As informações sobre a atividade legislativa no portal da Venezuela estão concentradas em uma subseção, intitulada Documentos de Interés, que consiste em um balanço anual com as emendas à constituição, as leis aprovadas em primeira ou segunda discussão, as leis sancionadas e os atos legislativos, como as solicitações de créditos adicionais ao orçamento da Casa para cobrir despesas não contidas no orçamento previsto. Esse documento também informa a quantidade de seções realizadas anualmente, mas não declara os votos dos deputados em cada matéria. Há também alguns relatórios sobre a gestão anual, a exemplo do resumo das atividades do deputado Fernando Vasquez, referente ao período legislativo de 2009. Nesse portal também é possível conhecer as iniciativas ou proposições ou projetos de lei – e seus autores – que foram sugeridos ou relatados na Casa. Entretanto, o acesso é liberado à redação final da proposição, diferentemente do Brasil, que apresenta documento com várias etapas do processo. Os portais brasileiro e mexicano apresentam seções intituladas Transparência, que reúnem elementos contábeis sobre as respectivas câmaras, sendo que no Brasil é mais completa, com desempenho de 71,4%. Mais uma vez, México e Venezuela empatam, com 42,8% cada. No Brasil, essa seção é rica em informações sobre o modo como é distribuída e utilizada a verba pública. Pode-se destacar: os relatórios de gestão fiscal, também publicados no Diário Oficial da União, que detalham os gastos com pagamento de funcionários previstos para a Câmara anualmente; a relação das empresas contratadas para prestação de serviços ou fornecimento de material; o quadro de pessoal e a remuneração; e os editais dos pregões, concorrências, tomadas de preços e cartas-convites da Câmara dos Deputados. 9 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC A seção Transparência do portal do México apresenta os 17 itens previstos na lei de transparência e acesso à informação governamental já citada. Alguns dados são genéricos, não detalha, por exemplo, a remuneração dos deputados ou os materiais administrativos adquiridos. Deste modo, não pontuou em algumas questões, como quanto ao detalhamento de gastos dos parlamentares. Um dos poucos, senão o único, detalhamento de gastos do México se refere à descrição sobre as viagens realizadas em exercício parlamentar. Especificamente sobre os processos de licitações e contrato de serviços, o portal também não pontuou, pelo fato de apresentar o processo de licitação da Câmara em conjunto com o do Senado. Ao contrário dos portais do Brasil e do México, que dispõem de uma seção de “transparência”, o portal da Venezuela traz informações contábeis concentradas na já citada subseção Documentos de Interés, que funciona como um resumo das outras seções do portal. Alguns itens estão desatualizados, como as atas das sessões. Sobre licitações, a Venezuela apresenta links para os documentos de abertura de concursos, em sua maioria referentes à aquisição de materiais para a Casa, entretanto, não há valores desses materiais nem indicações de licitações realizadas anteriormente. Por fim, não foi encontrado nenhum dos itens que compõem o quinto e último grupo de informações e ferramentas buscadas nos portais, os elementos argumentativos. Não há argumentação sobre as ações ou decisões tomadas pelos deputados, embora haja iniciativa que pode servir para dar explicações aos cidadãos. Por outro lado, foram encontradas iniciativas que podem servir para dar explicações aos cidadãos. No portal do Brasil existe link para a página eletrônica do presidente da Casa, na qual são publicados seus artigos com comentários sobre questões diversas. Na página, Marco Maia não argumenta sobre proposições ou iniciativas em tramitação na Câmara, mas opina, expõe seu ponto de vista sobre assuntos diversos. A liderança não justifica suas decisões, sua conduta perante a opinião pública. Em função disso, defende-se que a Câmara dispõe de instrumentos para justificação pública, mas não os utiliza para essa finalidade. 10 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC Na Venezuela, de modo semelhante ao Brasil, também existe uma iniciativa na qual se esboça opinião sobre temas diversos. Trata-se da subseção Líneas de Chávez, na qual o presidente da república escrevia semanalmente um artigo, até o mês de janeiro. No portal há ainda um espaço para publicação de artigos do ex-chefe de Estado de Cuba. O último artigo assinado por Fidel Castro, publicado em abril de 2011, chama-se O desastre no Japão e a visita de um amigo, referindo-se ao ex-presidente americano Jimmy Carter. Por não se tratar de opinião dos deputados venezuelanos, estes canais de opinião não foram considerados nesta análise. 3. Considerações finais A pesquisa proposta discutiu as possibilidades de “controle cognitivo” de cidadãos sobre representantes políticos a partir de canais de comunicação disponíveis em portais criados e mantidos pelo Estado. Esta análise possibilitou apontar alguns itens, em se tratando de controle social, ou monitoramento realizado pelos cidadãos sobre os agentes políticos. Os países tendem a apresentar melhor desempenho quanto ao oferecimento de recursos de utilidade para o cidadão (elementos utilitários), bem como quanto às possibilidades de oferecer informação e ferramentas a respeito da atividade legislativa (elementos informativos). Outro ponto que merece atenção é o fato de os deputados não apresentarem justificativas aos cidadãos, embora disponham de recursos para tal. É possível que essa constatação esteja atrelada à cultura política dos países analisados. Se o Estado reconhece apenas parcialmente a necessidade de informar sobre e explicar o que está fazendo à população, dificilmente vai fazer uso de iniciativas que tenham como foco a argumentação. Quanto ao desempenho dos países, observou-se que o portal da Câmara de Deputados do Brasil, entre os três estudados, foi o que apresentou o melhor desempenho (65,7%), considerando o grau de exigência desta análise. A Câmara de Deputados do México e a Assembleia Nacional da Venezuela, coincidentemente, apresentaram desempenho idêntico (42,8%). Pontuaram em quesitos diferentes, mas ao fim alcançaram o mesmo percentual. 11 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC A principal contribuição deste estudo, porém, não é indicar qual dos três portais têm mais elementos nem apontar tendências sobre portais da América Latina, mesmo porque isto não é possível já que não se trata de um corpus amplo o suficiente para identificar nuances. Assim, ressalta-se que os resultados encontrados nessa pesquisa são limitados a tais países analisados, de modo que uma generalização seria precipitada e imprudente. Esta pesquisa se destaca, então, pelo esforço de formular uma metodologia capaz de mensurar as possibilidades de o cidadão monitorar os agentes políticos. Tal mensuração – a partir de grupos formados por elementos classificados por temática – é necessária para que sejam palpáveis as possibilidades que os cidadãos dispõem para acompanhar os trabalhos e as decisões dos agentes políticos a partir de informações disponíveis em portais governamentais. Pesquisas posteriores, com um número maior de países e de itens de análise, poderão atestar com mais precisão a efetividade desse método. 4. Referências bibliográficas AKUTSU, L. Portais de governo no Brasil: accountability e democracia delegativa. Texto apresentado no X Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de La Administración Pública. 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Há ferramentas de acompanhamento (via e-mail, Sim Sim Sim feed, twitter etc) sobre ações ou matérias desenvolvidas? 3.Existe ferramenta de busca avançada dividida por Sim Não Sim tópicos/assuntos (busca separada por matérias, projetos de lei, proposições, deputados, documentos)? 4. Há hotsite, página especial ou banners sobre Sim Sim Sim temas e eventos ligados às atividades da Casa? 5. Existem elementos no website que possibilitem o Sim Não Não acesso para deficientes físicos? 6. Existem ferramentas ou páginas que possibilitem Sim Sim Sim o conhecer dados biográficos de cada parlamentar? 7. Existe ferramenta que facilite o acesso ao Sim Sim Não conteúdo do portal através de palavras-chave? 8. Há cartilha ou documento didaticamente Não Não Não De 8 a 14, organizado que apresente dados orçamentários ou elementos financeiros com recursos diferenciados, permitindo instrutivos. fácil entendimento sobre os gastos? Nesse conjunto de informações e ferramentas, o Estado instrui (ou contribui para educar) o cidadão sobre a atividade legislativa. 9. Há cartilhas, manuais ou textos didáticos que Sim Não Sim expliquem o funcionamento da Casa (ex.: o processo 14 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC legislativo ou o regimento interno)? 10. Hotsite, site ou página voltada para crianças? 11. Hotsite, site ou página para adolescentes? 12. Hotsite, site ou página voltada para grupos minoritários (ex.: étnicos, culturais, de gênero)? 13. Há textos sobre funcionamento e papeis institucionais da Casa ou de seus órgãos/titulares (ex.: regimento interno)? 14. Existem dados corporativo-operacionais sobre organização e administração pública (por exemplo: fluxograma, organograma etc)? 15. Há textos noticiosos sobre atividades do parlamento (produção jornalística própria)? 16. É possível conhecer iniciativas ou proposições ou projetos de lei (e seus autores) que foram sugeridos ou relatados na Casa? 17. Há relatório sobre a atuação geral na Casa (com a quantidade de proposições aprovadas, rejeitadas, de sessões e reuniões realizadas etc)? 18. Há transmissões ao vivo ou arquivos armazenados de reuniões de comissões e de sessões em plenário? 19. Há registro da assiduidade do parlamentar em plenário e nas comissões? 20. Há detalhes sobre o modo como o parlamentar tem votado nas sessões (especificamente, é possível saber o voto do parlamentar em certa questão)? 21. Existem atas ou registros integrais de reuniões das comissões, sessões em plenário, grupos de trabalho da Câmara, de comitês etc? 22. Há registro de propostas e convites de licitação e contrato de serviços em andamento? Sim Não Não Não Não Não Não Não Não Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Sim Sim Não Não Sim Sim Não Sim Sim Sim Não Não Sim De 15 a 21, elementos informativos. Tais informações e ferramentas permitem ao cidadão conhecer as ações e decisões dos deputados, especifica-mente, quanto à atividade legislativa. De 22 a 28, elementos contábeis. Tratam-se de informações e ferramentas que esclareçam o uso 15 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC de recursos púbicos. O Estado abre, ainda que parcialmente, a sua prestação de contas para os cidadãos. 23. Há informações sobre os tipos de licitação realizada, registro de preços de serviços e de aquisição de materiais? (licitações finalizadas) 24. Há demonstrativo de execução orçamentária (gastos realizados)? 25. Há documento orçamentário geral da instituição (gastos previstos)? 26. Há detalhamento individual de gastos dos parlamentares? 27. Há informações gerais sobre da remuneração dos deputados e servidores da Casa? 28. Existe demonstrativo de custos referentes a viagens em exercício? 29. Existe espaço individual do deputado em que ele expõe seu posicionamento argumentativamente ou dá razões de suas ações? (ex.: site ou blog do deputado vinculado ao portal da Casa) Sim Não Não Sim Sim Sim Não Não Sim Sim Não Não Sim Sim Não Sim Sim Não Não Não Não 30. Os representantes usam recursos audiovisuais para esclarecer iniciativas ou ações? 31. É possível ler argumento oficial do parlamentar sobre sua proposição ou sua análise sobre a proposição de outro parlamentar? 32. É possível ler análise oficial de um deputado sobre a proposição de outro parlamentar? 33. Existe fórum online em funcionamento utilizado por representantes para oferecer justificativas de suas ações aos cidadãos? 34. Existe chat online em funcionamento utilizado por representantes para oferecer justificativas de suas ações aos cidadãos? Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não Não De 29 a 33, elementos argumentativos. São informações ou ferramentas que permitem ao cidadão conhecer ações e decisões de seu representante. Tratam-se de justificativas ou argumentos dos agentes políticos. 16 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC 35. Há canal específico para explicações do Não parlamento e de parlamentares dadas a agências do Estado? Não Não 17 V Simpósio Nacional ABCiber - Dias 16, 17 e 18 de Novembro de 2011 – UDESC/UFSC