O que o Brasil pode aprender com o sucesso acadêmico de Cuba? Martin Carnoy Stanford University A pesquisa • Em estudo realizado em 1997 pela UNESCO, os alunos cubanos tiraram notas muito mais altas em linguagem e matemática que os alunos dos demais países da América Latina. • Também em 2005, os alunos cubanos obtiveram notas muitos mais altas nas provas em comparação com seus colegas da região. • Nosso estudo procurou entender por que isso acontecia. 2 O modelo Origem familiar Contexto sócio político Regulamentação do estado Organização do sistema escolar Seleção e formação de professores Práticas de ensino , expectativas de aprendizagem dos alunos Resultados dos alunos A metodologia • Estimamos a função de produção e fizemos simulações para compreender os fatores que podem explicar as diferenças no desempenho em linguagem e matemática. • Esta análise inicial foi seguida de visitas a escolas dos três países: Brasil, Chile e Cuba. • Filmamos cerca de 36 aulas de matemática da 3ª série nos três países e analisamos as diferenças nas práticas de ensino. 4 Resultados: funções de produção • Podemos observar que a diferença mais importante entre Cuba e os outros seis países analisados consiste no contexto social das escolas de cada país, em particular de certos tipos de capital social. • Diferenças de origem familiar (capital humano) são importantes, porém, menos do que em outros estudos. • Mesmo assim, uma grande parte da diferença observada, principalmente em matemática, não pode ser explicada por um método de análise econométrico. 5 Diferenças na nota de matemática Cuba e outros países – Notas de matemática e estimativa de notas (quando aplicadas aos outros países as características cubanas de família, escola e contexto social). 6 As entrevistas • Há diferenças importantes entre os três países analisados na forma de organização de seus sistemas educacionais. • Cuba tem uma sociedade altamente centralizada e regimentada, altamente focada em educação como a forma de se criar uma “nova” sociedade. • O Chile é de certa forma descentralizado (45% dos estudantes estão em escolas privadas), mas centralizado em outros níveis. • O Brasil é altamente descentralizado, com pouco controle estatal sobre o que acontece na sala de aula. 7 As entrevistas • As escolas cubanas são quase inteiramente focadas na instrução; os gestores escolares passam parte de seu tempo observando e supervisionando o ensino. O currículo é centralizado e transparente. Os professores são formados para ensinar este currículo. • As escolas chilenas seguem o currículo nacional. No entanto, há uma grande diversidade na aplicação desse currículo, além de pouca supervisão. Há muita diversidade nos cursos de formação de professores. • Nas escolas brasileiras há grande diversidade de currículos e quase não há supervisão. Há muita diversidade nos cursos de formação de professores. Observações das aulas • Nas aulas brasileiras verificou-se alta variação nas metodologias de ensino, os alunos são mais dispersos e têm, relativamente, pouco tempo para cada tarefa (time on task). • No Chile há também alta variação de metodologias de ensino, os alunos tendem a ser muito mais disciplinados do que no Brasil e têm maior tempo para cada tarefa (time on task). • Em Cuba os alunos têm mais tempo para cada tarefa (time on task), há pouca variação na metodologia de ensino e os estudantes são mais focados. Formas de ensino Comparação entre os países Somente escolas urbanas Chile Chile Pública Privada Brasil Chile Cuba Brasil 27,9 37,1*** 17,9*** 28,0 36,2** 38,5** 19,8*** Trabalho individual Trabalho oral 22,5 6,5** 40,9*** 22,5 0,6*** 15,3 36,2** 22,5 34,6* 26,2 27,2 38,6 28,6 27,0 Trabalho em grupo 29,6 34,4 11,3* 18,3 38,3* 28,9 13,8 17,8 7,5 16,6 7,9 17,1 4,8 23,0 8,7 16,4 6,1 16,9 10,7 17,8 5,3 Variáveis Nº de alunos por sala de aula: Cuba Segmentos principais: (% do tempo) Aula expositiva Transição/Interrupções Conteúdo das aulas Comparação entre os países Variáveis Número de aulas Nível de demanda cognitiva (max=4) Brasil Chile Cuba 12 10 11 2,17*** 2,80 2,91* Somente escolas urbanas Chile Chile Brasil Cuba Pública Privada 9 6 4 9,0 2,11** 2,67 3,00 2,89* *** Significativo a 0,01 ** Significativo a 0,05 * Significativo a 0,10 11 Por que, então, os estudantes cubanos têm um desempenho acadêmico melhor? • O contexto social da educação cubana é de uma sociedade altamente organizada e controlada, onde há pouca or nenhuma pobreza “extrema” e a criminalidade é relativamente baixa. A saúde e o bem estar das crianças são prioridade. Todas as crianças de Cuba têm garantida sua nutrição, assistência médica e atenção social, o que lhes ajuda a ir bem na escola. • A escola é parte deste sistema de controle social. A escola é um „trabalho de tempo integral‟, os professores primários são substitutos dos pais, e a escola é uma extensão da família. As crianças raramente mudam de escola. • Uma vez que os salários variam muito pouco em Cuba, a contratação para a docência de pessoas com conhecimento relativamente alto nas matérias (como matemática e linguagem) não é um problema, como o é em muitos países em desenvolvimento e com mercados livres. Por que, então, os estudantes cubanos têm um desempenho acadêmico melhor? • A educação em Cuba faz parte de um sistema estatal hierárquico. Nesse sentido, a educação é centralmente organizada – os objetivos acadêmicos são claros e a burocracia escolar é responsável por satisfazer estes objetivos acadêmicos. • Os professores são formados em um número relativamente pequeno de instituições de formação docente altamente controladas para garantir o currículo nacional. O currículo utilizado para matemática tem inspiração no currículo russo (por causa da Alemanha Oriental). • Cada escola é organizada com foco na instrução e há muito mais supervisão do que na maioria dos sistemas escolares, incluindo o dos EUA. Os supervisores são claros sobre o que é o currículo e como os professores devem ensiná-lo de maneira “eficaz”. O ensino em Cuba é altamente supervisionado durante um período longo de indução. Quase todos os estudantes de Cuba têm as mesmas “oportunidades para aprender”. 13 O que podemos aprender com a comparação? • A experiência cubana, em comparação com o Chile, o Brasil e outras sociedades latino-americanas levantam questões importantes sobre a infraestrutura social e do capital social necessário para garantir que as crianças possam aprender na escola. Violência, saúde e condições sociais precárias podem significar baixos níveis de aprendizado para uma porção significativa da população. • Além disso, o sistema educacional típico da América Latina tem uma forma muito desigual de acesso à educação para pessoas de classes sociais distintas e alunos de escolas urbanas e rurais. Isto porque a ofertas de professores bem preparados é inadequada e, dessa forma, os professores que ensinam nas escolas mais pobres e escolas rurais são, em média, menos preparados. • Mudar essas condições fundamentais do contexto educacional levará muito tempo. Entretanto, essa mudança é essencial para a melhoria da educação na América Latina. 14 O que podemos aprender com a comparação? • A formação de professores na América Latina é, no geral, de baixa qualidade e altamente descentralizada em universidades e faculdades de educação autônomas. Nosso estudo questiona a descentralização e o conteúdo ensinado nos cursos de formação inicial de professores. • Entretanto, a boa formação docente não se traduz, necessariamente, em um ensino de alto nível, como já vimos em um estudo comparativo de 3ª e 7ª séries do Panamá e da Costa Rica. Lá, os professores tiveram os seus conhecimentos em matemática avaliados e suas aulas de matemática filmadas. • Esse estudo e o de Cuba levantam questões importantes sobre o papel da autonomia do professor e a supervisão do seu trabalho. Altas expectativas sobre os alunos, uma concepção clara de bom ensino e a garantia da execução de metas por meio de uma supervisão qualificada me parecem essenciais para a elevação dos níveis de aprendizagem dos alunos. 15 Uma questão maior: democracia, Estado e escolarização • O ideal de boa escolarização foi desenvolvido no contexto da democracia, da escolha individual e da autonomia docente. Entretanto, esse ideal tem se concretizado nas sociedades democráticas, mesmo nas mais desenvolvidas ? • Os professores e os pais ganharam “direitos” no âmbito do Estado democrático capitalista, mas como estes têm impactado o direito das crianças de baixa renda a uma boa educação? • Como o Estado deve garantir o direito destas crianças? Pode fazê-lo sem tirar alguns dos direitos dos adultos (pais e trabalhadores)? 16