ANTÓNIO DE SOUSA Natural de Matosinhos, 1966. Vive e trabalha no Porto. Licenciou-se em Artes Plásticas (Pintura), na Faculdade de Belas Artes do Porto, em 1994. Expõe com regularidade desde 1993, e o seu trabalho está representado na coleção da Fundação de Serralves (coleção Ivo Martins), na coleção do CAPC – Círculo de Artes Plásticas - Centro de Arte Contemporânea de Coimbra e na coleção Maria José Laranjeiro. Tem realizado várias exposições individuais e participado em diversas exposições e projetos coletivos dos quais se podem destacar: THE RETURN OF THE REAL Exposições individuais: 2010 Tales from... nowhere, Galeria Reflexus, Porto. 2009 Never Ending Battle..., Project Room, Galeria Reflexus, Porto. acerca da sobrevivência, Galeria Extéril, Porto. 2008 Uma Exposição sem Qualidades, Uma certa falta de coerência, Porto. CICLO DE EXPOSIÇÕES DE ARTE CONTEMPORÂNEA 2006 Déjeuner chez Darwin et Baumgarten, Sala de Espera, Guimarães. 2003 Un Petit Artiste Engagé, CAPC – Círculo de Artes Plásticas - Centro de Arte Contemporânea de Coimbra, Coimbra. 1999 Natureza Morta, Galeria Glória Vaz, Felgueiras. 1995 O estético enquanto instrumento de poder, CAPC – Círculo de Artes Plásticas - Centro de Arte Contemporânea de Coimbra, Coimbra. Exposições coletivas: 2011 Square eyes, CAZ, Penzance, Cornwall, Inglaterra. Coleção Maria José Laranjeiro, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães. 2010 Às Artes Cidadãos, Museu de Serralves, Porto. Impresiones y comentários – Fotografía Contemporánea Portuguesa – Obras de las coleciones BESart y Fundação de Serralves – Museu de Arte Contemporânea, Fundació Foto Colectania, Barcelona e Sala Parpallo, Valência. 2009 Está a morrer e não quer ver, Espaço Campanhã, Porto. 2006 Teleférico 1 – Cais de embarque, Teleférico, Guimarães. 2005 27 Artistas, uma casa a demolir, Laboratório das Artes, Guimarães. 2004 Proximidades e Acessos: Obras da Coleção de Ivo Martins, Culturgest, Porto. 2001 321 m2 – Trabalhos de uma Coleção Particular, CAPC – Círculo de Artes Plásticas - Centro de Arte Contemporânea de Coimbra, Coimbra. III Bienal de Arte da Fundação Cupertino de Miranda, Museu de Lamego, Lamego. 90` For Sale, Galeria Marta Vidal, Porto. 1999 Arte Portuguesa dos Anos Noventa na Coleção da Fundação de Serralves, Casa da Cultura de Paredes, Paredes. Espaço 1999, Museu de História Natural, Lisboa. 1998 Sapataria ideal, Centro de Arte de São João da Madeira, São João da Madeira. O império contra-ataca, Galeria ZDB, Lisboa e La Capella Institut de Cultura de Barcelona, Barcelona. III Bienal de Arte AIP’ 98, Europarque, Santa Maria da Feira. 1997 II Bienal de Famalicão - Em torno de Camilo, Fundação Cupertino de Miranda, Famalicão. Além da água, Municípios do distrito de Beja. Paisagem económica urbana, Galeria Graça Fonseca, Lisboa. 1996 JETLAG, Reitoria da Universidade de Lisboa. 1995 ARTE JOVEM/95, integrando a representação da Fundação de Serralves, Fórum da Maia. 18 THE RETURN OF THE REAL 18 CURADORIA: David Santos PRODUÇÃO: Lurdes Aleixo Fernando Marques DESIGN GRÁFICO: Rita Leite ADAPTAÇÃO GRÁFICA: Carla Félix PRODUÇÃO GRÁFICA: Santos & Oliveira, Lda RUA ALVES REDOL, 45 2600-099 VILA FRANCA DE XIRA TEL. 263 285 626 [email protected] www.museudoneorealismo.pt TERÇA A SEXTA - 10H00 ÀS 19H00 SÁBADOS - 12H00 ÀS 19H00 DOMINGOS - 11H00 ÀS 18H00 ENCERRA ÀS SEGUNDAS E FERIADOS VISITAS GUIADAS. MARCAÇÕES 263 285 626 António de Sousa agradece a colaboração de Mauro Cerqueira na realização do vídeo Sem título (an endless Húbris), (2011). Câmara Municipal de Vila Franca de Xira Apoio: 17 MARÇO A 3 JUNHO 2012 MUSEU DO NEO-REALISMO VILA FRANCA DE XIRA Sem título (an endless Húbris), 2011 video still Demofilia #1, 2012 Impressão jacto de tinta THE RETURN OF THE REAL Sem título (an endless Húbris), 2011 video still ANTÓNIO DE SOUSA A luz do absurdo David Santos Toda a alegria silenciosa de Sísifo está aí. O seu destino… selado pela sua morte. Assim, convencido da origem toda humana de tudo o que é humano, cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim, ele está sempre caminhando. O rochedo continua a rolar. Albert Camus, O Mito de Sísifo, 1942. Nota preliminar: as obras de arte de António de Sousa exigem um tempo longo, um empenho suplementar ao nível da experiência, na sedimentação dos sentidos que dela se desprendem. É esse o modo mínimo de acesso ao seu rigoroso mas producente efeito de opacidade. A sua inicial resistência à significação resulta assim, enquanto estratégia de oposição a esse obsessivo e estonteante paradigma de transparência que caracteriza a mensagem na cultura contemporânea. Na nossa era, o uso e abuso da ideia de transparência tende a produzir um triunfo do facilitismo, por vezes até do inócuo, onde tudo se converte em generalizações, sínteses apressadas de apreensão imediata e, por isso, rapidamente superadas na voragem do gesto quotidiano, na insaciável substituição de uma coisa por outra. Desse modo, tudo o que difere do gesto de presentificação sucessória que nos ocupa os dias parece condenado ao ostracismo, mais ainda se, insinuante na sua proposta de criatividade, nos apela a uma temporalidade extensa e reflexiva. Tal como Mario Perniola defendeu recentemente, a reflexão parece constituir-se como a derradeira via de resistência do ato criativo1 . Neste sentido, o relacionamento que António de Sousa nos propõe entre sujeito e objeto artístico está assim nos antípodas de uma certa leveza interpretativa e experiencial, assumindo desde o início do processo um posicionamento de inversão ou transformação de paradigma. Na esteira de Adorno e da sua defesa de uma arte hermética como garantia de resistência à indústria da cultura2, Sousa reafirma uma estratégia de deliberada obstaculização à comunicação convencional, capaz finalmente de nos devolver uma outra descoberta do sentido, na esperança da apreensão de um significado mais fecundo e duradouro. A irredutibilidade da obra de arte ao efeito de comunicação é, desta forma, uma característica central dos trabalhos agora apresentados. Daí a insistência na expressão e aprofundamento das ideias de paradoxo ou de absurdo como modo de construção de um universo específico de comunicação. O absurdo produzido pelo inusitado, pelo inesperado jogo do acaso e da transformação sem cálculo, assume uma importância decisiva, por exemplo, numa das obras propositadamente produzidas para o espaço do Museu do Neo-Realismo, intitulada “Passeio com Camus”. Nessa instalação, diríamos, “camusiana”, podemos ver galhos de árvores secos que irrompem das paredes. Pendurado num dos galhos vemos e ouvimos um pequeno rádio de pilhas emitindo sons que, tal como um espantalho, têm a pretensão de afastar os pássaros desta “natureza-morta”. Ainda assim, este rádio constitui o único sinal de existência de vida, simultaneamente entendida como metáfora da vida humana e animal. Se é certo que esse é um sinal de vida diferido, mediado pela tecnologia do transístor, ele resulta como expressão de um paradoxo produtivo, pois a morfologia humana encenada pela fisicalidade do espantalho é aqui substituída por uma objetualização reduzida (o pequeno rádio), capaz todavia de reanimar uma outra espécie de presença humana, pelo efeito paradoxal dessa sonoridade radiofónica. Repulsiva junto dos pássaros (na evocação de uma situação concreta observada pelo artista, em que um agricultor se lembrou desta estratégia para espantar os pássaros invasores), a mesma sonoridade exerce, ao mesmo tempo, um poder de atração bastante sugestivo em relação às pessoas que se cruzam com esse novo e estranho espantalho. Para os humanos, o som que brota do rádio pendurado nos galhos exerce, como expressão quase hilariante do absurdo, um efeito apelativo que determina a sua aproximação imediata. Neste caso, o que serve para afastar os pássaros, atrai os seres humanos, seduzidos por uma estranha presença sonora, aproximando-os fisicamente das árvores, esses seres imóveis e, por natureza, silenciosos. Uma das leituras que podemos fazer desta obra é que a realidade, mesmo quando sustentada no plano do absurdo, compreende sempre uma sistemática e instável reinvenção dos significados. Repare-se ainda como a transformação presencial da árvore prefigura uma espécie de nova fantasmagoria. Se o rádio assumia, na intenção original do agricultor, a função de afugentar a indesejável presença dos pássaros, ele produz ainda, na leitura “camusiana” proposta por António de Sousa, uma estranha dimensão existencial, pois a sonoridade radiofónica projeta na mesma árvore uma improvável expressão de humanidade, dando assim voz a um ser vegetal, quase inanimado. Por outro lado, o rádio pendurado nessa árvore pode ainda encarnar, inadvertidamente, uma nova corporalidade animada pelo mesmo efeito ou manifestação sonora. Com efeito, o rádio isolado num dos galhos pode ser interpretado enquanto metáfora de um pássaro que canta, dependurado nessa árvore mágica. Aliás, a noção de encantamento que resulta desse cenário permite compreender como o absurdo promove quase sempre novas significações, porventura mais atuantes, porque imprevisíveis e surpreendentes, sobre o sentido convencional daquilo que nos rodeia. Outro dos principais trabalhos desta mostra remete para a ideia de Húbris, ou hybris, um conceito grego “que pode ser traduzido como ‘tudo o que passa da medida; descomedimento’ e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência (originalmente contra os deuses), que com frequência termina em punição. Na Antiga Grécia, aludia a um desprezo temerário pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controlo sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento inspirado pelas paixões exageradas, consideradas doenças pelo seu caráter irracional e desequilibrado, e concretamente por Até (a fúria ou o orgulho). Opõe-se à Sofrósina, a virtude da prudência, do bom senso e do comedimento”3 . Poderíamos dizer igualmente que este antigo conceito tem influenciado, ao longo dos tempos, diversos momentos históricos da humanidade, produzindo sobretudo efeitos ruinosos, não só pelo desequilíbrio descontrolado que moldou negativamente as sociedades, em particular a inevitável quebra do sentimento de solidariedade entre os seres humanos, como ainda pela ampliação de experiências persecutórias que acentuaram o declínio dessas mesmas sociedades. Inspirado na ancestralidade devastadora desse conceito “…an endless Húbris” – na verdade, a obra que dá título à exposição – consiste na inscrição numa das paredes da galeria dessa mesma frase com giz azul, mas em que a parte inicial da frase se encontra apagada, restando apenas o seu enigmático sentido final, traduzível por “… uma interminável desmesura”. Se, por um lado, somos confrontados com a fatalidade de uma narrativa que parece não ter fim (alinhando com o sentido literal das palavras inscritas), por outro, é enfatizada, através do apagamento, mas também da convocação do conceito grego original, a ideia de memória e a sua importância decisiva na possibilidade de superação dessa mesma fatalidade. Podemos detetar ainda nesta obra uma tensão latente entre a forma (mancha expressiva decorrente do apagamento do texto) e o conteúdo (texto que permaneceu intacto), que entronca ao mesmo tempo com a história e as tensões internas do próprio movimento neorrealista. A utilização da cor azul, que nos remete inevitavelmente para o lápis azul utilizado pelos censores do Estado Novo, enfatiza aqui uma ideia de paradoxo, entre o azul que rasura e apaga e o azul que escreve e afirma. O que resulta essencial nesta tarefa infinda e para sempre (?) incompleta é essa ideia de irredutibilidade do significado e, por conseguinte, da ação. A frase que aparece escrita é, simultaneamente, identificada como tal, apesar da sua fragmentada potencialidade significacional. Ela está presente enquanto inscrição frásica, como incontornável proposta de comunicação direta, mas confirma ao mesmo tempo um efeito decetivo, marcado pela eliminação de parte do sentido que sabemos ter ali existido. O que se inscreve está assim destinado ao insucesso, à rasura, mesmo se pressentimos, pela ausência metonímica que se insinua, uma força significacional que faz já parte do passado pela sua perda de leitura. Sentimos desse modo que participamos apenas de uma oportunidade frustrada, de uma memória mutilada pelo esquecimento, como um fragmento que instala a dúvida e, ao mesmo tempo, uma profunda consciência sobre a circularidade de toda e qualquer inscrição da linguagem no domínio das ideias e do sentido. Por outro lado, não podemos deixar de registar que o jogo da inscrição na parede da galeria de arte contemporânea do museu remete igualmente, ainda que de um modo indireto, para a memória já distante das inscrições políticas desses murais pintados, entre os anos 70 e 80, nas ruas de muitas localidades portuguesas. Por fim, no vídeo “Sem título (an endless Húbris)”, que se projeta em loop no auditório, percebemos que alguém procura incessantemente iluminar um espaço totalmente escurecido. Vemos apenas, a espaços, as mãos que acendem os fósforos, continuamente, numa luta contra a escuridão. Estaremos perante uma luta pela claridade ou o acender de um rastilho? Isto é, na ambiguidade deliberada deste registo, podemos entender o esboço de uma racionalidade esclarecida pelo ato de iluminar, e ainda o obscurantismo do fogo potencialmente destruidor que esse fósforo pode desencadear. De outro modo, e optando pela leitura mais positiva, talvez o mais importante não seja tanto o que a luz procura iluminar, mas a circunstância de estar a iluminar, mesmo se de modo intermitente. Sublinhe-se, neste sentido, a força do gesto da repetição, a persistência que significa, inclusive pela sonoridade que se afirma perante a escuridão, o reacender dos fósforos que se apagam lentamente, após o esboço de clarão que no início promove uma espécie de nova esperança de reconhecimento e compreensão do espaço onde a cena se desenrola. Porém, ao longo dos quase catorze minutos que constitui a ação, vemos como o efeito decetivo se impõe gradualmente, uma vez mais, perante o propósito e o esforço desse gesto. Aos poucos, percebemos como o acender da luz efémera remete para uma ação inconsequente, para sempre adiada. Será esta a metáfora de um castigo, de uma inevitabilidade que a todos diz respeito? Será que não resta outra hipótese senão o refazer sistemático da ação? Será que após o deslumbre do clarão vem sempre o apagamento e a escuridão? Inspirado ainda por Albert Camus, este trabalho evoca igualmente o mito de Sísifo e o seu trabalho inglório, projetado apenas como punição eterna. Recorde-se que os deuses tinham condenado Sísifo a empurrar uma rocha gigante até o cimo da montanha, só para a ver rolar novamente até à base, reiniciando depois o mesmo e doloroso processo. Com essa tarefa infinita, os deuses atingiram o zénite do castigo, pois não existe punição mais terrível do que o trabalho inútil e sem esperança. Não esqueçamos que “O Mito de Sísifo”4 é o título de um importante ensaio filosófico escrito por Camus, em 1942 (em plena II Guerra Mundial), onde o escritor francês introduz e desenvolve a sua filosofia do absurdo, marcada pela ideia de futilidade que representa a tarefa de encontrar um sentido para a vida, num mundo cada vez mais ininteligível, apesar da luz e da razão, desprovido de Deus e da eternidade. Perante o domínio do absurdo, o que fazer? Desistir? “Não. A revolta", dirá Camus. Após a descrição de várias abordagens do absurdo na vida, o último capítulo desse ensaio compara a vida do homem moderno com o castigo de Sísifo, o que estará por certo também na origem da associação apresentada no vídeo de António de Sousa, que cruza a inanidade do gesto humano (fazer luz e assistir à sua inevitável extinção) com a densidade conflitual, por oposição especular, do confronto entre a luz e a escuridão. É nessa metáfora do absurdo que se mantém o sentido reflexivo dessa repetição infinita. Por outro lado, estes evidentes paradoxos sublinham também a ideia de inutilidade de algum modo associada à arte. A imagem de Sísifo, condenado pelos deuses a cumprir uma tarefa inútil mas inabalável, opõe-se ao pensamento hoje dominante de tudo reduzir à utilidade do universo produtivo. Nota final: se o conjunto das obras aqui referenciadas convoca, após a experiência da receção, todos estes sentidos é porque o artista sabe resistir ao efeito de comunicação mais imediata que domina o mundo da instantaneidade contemporânea, promovendo sobretudo um projeto de resistência imagética que nos conduz a uma exigente e mais produtiva significação. No fundo, António de Sousa reafirma aqui uma prática artística de caráter quase ensaístico, pois apesar do seu vínculo à imagem, utiliza métodos de produção de sentido oriundos das ciências humanas e outras áreas do conhecimento (a literatura e a filosofia), com base no seu modelo narrativo e conceptual de análise, para redefinir um mapeamento do real, transformando o aparato da arte num laboratório de expressão interdisciplinar ao cruzar a estética com o seu potencial de resistência reflexiva, exigindo assim do observador uma nova comunhão de significados e relações sociais no campo da arte. 1 Cf. Mario Perniola, A Arte e a sua Sombra, (trad. port.), Lisboa, Assírio & Alvim, 2006. 2 Cf. Theodor W. Adorno, Teoria Estética, (1969), (trad. port.), Lisboa, Edições 70, 2008. 3 Cf. www.wikipédia.com 4 Albert Camus, O Mito de Sísifo. Ensaio sobre o Absurdo, (1942), (trad. port. Urbano Tavares Rodrigues), Lisboa, Editora Livros do Brasil, s.d.