O SANTO FUJÃO E OS SEUS NARRADORES: UM DIÁLOGO ENTRE O INDIVÍDUO E A CULTURA NAS NARRATIVAS LENDÁRIAS Vanessa Vila Flor (UNEB) INTRODUÇÃO Existe uma lenda, conhecida como “Lenda do Santo fujão”, que em suas variantes relata o deslocamento voluntário de um determinado santo de um local para outro. No meu Trabalho de Conclusão de Curso, analisei essa lenda na cidade de Alagoinhas (BA), entrevistando alguns moradores do bairro de Alagoinhas Velha. Na análise, percebi que existiam distintas versões dessa narrativa, ou seja, alguns narradores que contaram essa lenda incluíram elementos diferenciados na estrutura da narrativa, pois a estavam relacionando com seu contexto cultural. Devido às limitações do projeto, não cheguei a analisar quais eram os elementos da vida do narrador que influenciavam a narrativa da lenda, o que pretendo explorar na pesquisa de Mestrado. Nesta, buscarei analisar, por meio da relação da narrativa com a história de vida, quais são os elementos históricos, sociais, e religiosos que estão na vida do narrador e que se refletem na lenda. Para essa pesquisa, a cidade foco ainda será Alagoinhas (BA); entrevistarei dez narradores que morram perto da “Igreja Inacabada” (um monumento importante que compõe a narrativa), situada no bairro chamado Alagoinhas Velha. Para entendermos melhor o enredo desta lenda, relatarei uma das versões que percorre a cidade. Conta-se que na criação da cidade foi construída uma capela para Santo Antônio (o Padroeiro). Dias depois, os moradores da cidade viram os pés da imagem do Santo sujos de areia e os limparam, mas no dia seguinte perceberam a mesma coisa. Então, decidiram seguir as marcas dos pés e observaram que se dirigia a outro lugar. Com isso, chegaram à conclusão que o Santo Antônio queria ficar naquele novo lugar, onde atualmente se encontra a Matriz da cidade. Nesse artigo, farei um recorte do que pretendo realizar no Mestrado: analisarei a lenda do Santo Fujão em Alagoinhas, contada por um narrador, relacionando-a com a sua história de vida, para perceber quais são os elementos culturais da vida desse indivíduo que influenciam a narrativa. 1 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 DESENVOLVIMENTO Este artigo apoia-se nos conceitos de Lenda, Literatura Oral, Tradição Oral, Identidade, Cultura e Memória. Trago alguns autores e suas ideias sobre estes. Ao se falar de lenda, é importante considerarmos a definição proposta por Câmara Cascudo, que no seu Dicionário do Folclore Brasileiro (1976) afirma que lendas são criações imaginárias transmitidas de geração para geração predominantemente pela forma oral, com o interesse de conservar algo. Para o autor, as lendas fazem parte da Literatura Oral, como os contos, mitos e outros, que trazem vestígios da consciência social e cultural do espaço em que os indivíduos estão inseridos. A Literatura Oral está incluída na Tradição Oral, que Jan Vansina (2010) define como um testemunho transmitido verbalmente de geração para outra, conservando os saberes dos seus antepassados. Passerini (1987) também concorda com o pensamento de que a Tradição Oral é o saber do mundo passado de geração para geração. Esse saber (do mundo) não inclui apenas o material, mas também o espiritual, concretizando a ligação entre estes, pois a Tradição Oral está na vida das pessoas, se expressa de um jeito facilitador para o entendimento humano, como diz A. Hampâté Bâ (2010). Stuart Hall (2003) apresenta um outro conceito sobre Tradição, afirmando que esta não tem muito a ver com a persistência das velhas formas e saberes conservados, porém é um espaço de articulação com os novos elementos introduzidos em uma cultura. Ao tratar de cultura, Jerusa Pires (1994) afirma que a cultura é um sistema de signos que organiza as informações recebidas de um jeito e não de outro. O que não é de uma determinada cultura é declarado como desordem, constituindo-se em informações excluídas, então aquelas informações que são aceitas por uma cultura são introduzidas na memória do grupo, ou seja, na memória coletiva; como a autora reforça, a cultura é informação, codificação, transmissão e memória. Michel Pollak (1989) traz para o seu trabalho o discurso de Maurice Halbwachs, que afirma que a memória não passa apenas pelo processo de seleção, mas, também de negociação entre a memória coletiva e a memória individual, pois não basta expor os depoimentos, eles precisam ter relação com a memória existente para que sejam reconstruídos sobre um apoio comum. 2 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 Stuart Hall (1996, p. 68), afirma que “a identidade é compreendida como culturalmente formada”. O outro autor que fala sobre identidade como culturamente construída é Denys Cuche (1999, p.179), para ele, “na abordagem culturalista, não é a herança biológica que determina a identidade do indivíduo, mas sim, a herança cultural, ou seja, a socialização do indivíduo com o seu grupo social”. Antes de entrar na análise da lenda, apresentarei o narrador e um pouco da sua trajetória de vida. Ele se chama Afonso Bispo Filho de Jesus, e nasceu em 5 de julho de 1939 na fazenda Estevão (atualmente no município chamado Santo Estevão), assim como seus pais. Após os 25 anos, ele veio morar em Alagoinhas, mas suas memórias sobre a cidade parecem as de uma pessoa que nasceu nela. Sua infância foi muito sofrida, pois ele trabalhava na roça de “segunda a segunda” e todo o dinheiro era para o sustento da família. As coisas começaram a melhorar no período da sua juventude, quando começou a conseguir trabalhos que permitiram a sua estabilidade. Ele diz que sempre se preocupou com a sua velhice, para que não voltasse a sofrer como na infância: “eu penso, olhando a minha velhice, pra quando chegasse em minha velhice, não viver uma vida perturbada, olhando pro passado, pra o que eu sofri, hoje graças a Deus eu tou bem, só tenho que agradecer!” Seu Afonso se considera católico, porem critica tanto o protestantismo, quanto o catolicismo: A cultura aqui do bairro é espiritismo (...) Depois os pastores acharam que tudo isso é coisa de satanás, era o meio deles tirar essas pessoas desses lugares e passarem do lado deles (...) Eu só vou para a igreja nova (a igreja de Santo Antonio que fica no Bairro) para ouvir o Evangelho, só! Agora eu acho, eu não tô de acordo nem com a Igreja Católica faz, nem tão pouco o que diz que é cristão faz, eles fazem tudo ao contrário. Este narrador mostra indignação com a perda das estruturas físicas e naturais que faziam parte da cidade: “botar o nome já era! Antiga Alagoinhas! Tem que mudar o nome, porque as lagoas acabou, tinha a lagoa dos padres, a lagoa da feiticeira e a lagoa da cavada...” Senhor Afonso me relatou a lenda do “santo fujão”, a qual será analisada: Eu conheci um senhor que chamava Francisco Lima, então a esposa dele, muito antiga que morava aqui, ela me contava uma lenda que Santo Antonio, o padroeiro de Alagoinhas, que ele apareceu naquela 3 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 igreja velha (a inacabada), feitas pelos jesuítas. O santo disse que quando essa igreja caísse, a cidade de Alagoinhas ia se acabar. Essa é a historia que eu escutei quando era criança. Meu pai dizia, ele morreu com 92 anos e minha mãe com 90, 93 anos, quando eu era menino ela já tava desse jeito [a igreja inacabada]. Então, o que eles fizeram? Como não podia reconstruir a igreja, a ruína, fizeram uma igrejinha lá em baixo (a que fica no bairro de Alagoinhas Velha), como se fosse a igreja de Santo Antonio. É de Santo Antonio aquela igreja! Aí minha mãe dizia que pegavam esse menino [a imagem do Santo Antonio] e colocavam nessa nova igreja. Antes, o bairro não tinha calçamento, era tudo de areia; após a colocação do Santo na igreja construída, no outro dia, viram o rastro dele na areia e perceberam que ele tinha voltado para a igreja velha [inacabada]. Eles pegaram e botaram pra cá, e a imagem de Santo Antonio voltava pra lá [igreja inacabada] e ficou nessa... Até que um dia, ele sumiu da igreja nova e sumiu da velha, foi aí que fizeram a verdadeira igreja de Santo Antonio no centro, lá em baixo e lá ele ficou. No momento em que o Sr. Afonso relatava a lenda, a entonação da sua fala (elemento típico dos narradores) me envolveu em um ar de mistério, me fez sentir numa plateia, sendo ele, o Sr. Afonso, o dono de todas as atenções, pois o seu discurso e gesticulação do corpo expressavam veracidade dos fatos e sedução. Seu Afonso tinha a certeza de que estava repassando para o entrevistador as mesmas lendas que lhe foram passadas, com a mesma estrutura. Quando discutimos sobre a fidelidade da memória, sabemos que essas falhas da memória modificam as narrativas, preenchendo-as com outros elementos linguísticos para que possam ser memorizadas e até mesmo tornando-as mais atraentes e interessantes. Como afirma Louis-Jean Calvet: Mas o que importa é que o texto de tradição oral situa-se justamente na convergência desses dois princípios. O contador de histórias é exatamente aquele “saco de falas” de que falava griô Mamadu Kuyaté citado na introdução, a memória do povo (o que permitia a Hampaté Ba dizer que, na África, um velho que morre é uma biblioteca que se incendeia!), mas é também um artista, um criador. A forma de seus textos ajuda-o a memorizá-los, mas ele sabe jogar com o tom, com a dicção, com a organização sintática, para chegar sempre aonde ele quer chegar. (CALVET, 2011, p. 51) Estes elementos linguísticos acionados na narrativa do Senhor Afonso, não apenas são atraentes, mas também são detalhes que mostram as mudanças que ocorreram no seu contexto de vida. Os esquecimentos também são necessários para que se reflitam transformações ocorridas na realidade do narrador, como explica Jerusa Pires: 4 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 A dupla esquecimento/memória, portanto, é apenas uma aparente oposição. Numa grande medida, estas oposições são instrumentos conjuntos e indispensáveis em projetos narrativos que dão conta de eixos de conflito. Há também de, no corpo da própria narratividade, formarem-se núcleos em que lembrar é um fluxo, um processo, uma razão de ser e então o ato de esquecer se faz o pivô daquilo que se desenvolverá, detonando uma série de transformações ou a transformação (FERREIRA, 2004, p.92). Logo no início da narrativa analisa-se como uma lenda é transmitida através da dinâmica da tradição oral (CASCUDO, 1976, p. 348). O senhor Afonso se lembra da pessoa que contou para ele este relato, a esposa do senhor Francisco Lima, uma mulher que sabia daquela lenda porque seus antepassados a haviam relatado. Sr. Afonso mostra convicção de “verdade” nas palavras daquela mulher, porque era uma pessoa que viveu muito tempo, por isso viu e aprendeu muita coisa: “então a esposa dele, muito antiga que morava aqui...”. O senhor Afonso expressa que quando a igreja inacabada cair, Alagoinhas também se acabará. A afirmação “O santo disse que quando essa igreja caísse, a cidade de Alagoinhas ia se acabar”, reflete seu pensamento de que Alagoinhas não é mais como era antes, que ela está se acabando: A fonte dos padres era um banheiro público, cercado de zinco, aonde todo mundo podia entrar e tomar o seu banho, como se fosse um rio, um tanque. [...] Tudo contaminado! Que na verdade Alagoinhas, ela tem o nome de Alagoinhas por causa das lagoas, todas as lagoas, hoje tá sendo enterrada, acabada, destruída [...] Quando o Sr. Afonso fala sobre as lagoas que não são mais como antes, demonstra um sentimento de perda. Ele sente falta daqueles elementos que encontrou no período em que chegou a Alagoinhas – mas ainda há a Igreja Inacabada, que já fazia parte da configuração da cidade quando ele a conheceu, então se a igreja cair, para o senhor Afonso aquela Alagoinhas que ele vivenciou não existirá mais. A igreja precisa ser conservada para que suas memórias sobre a cidade não sejam esquecidas e tenham sempre lugar para serem relembradas, como afirma Pierre Nora: Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios 5 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais (NORA, apud OLIVEIRA & TEDESCHI, 1993, p.13). Outro ponto observado nessa lenda é a inclusão da família em seu contexto. Seu Afonso começa a narrativa da lenda falando que uma narradora da cidade de Alagoinhas contou essa narrativa para ele: “Eu conheci um senhor que chamava Francisco Lima, então a esposa dele, muito antiga que morava aqui, ela me contava uma lenda que Santo Antonio, o padroeiro de Alagoinhas...” No decorrer da lenda, seu Afonso insere seu pai e sua mãe, relacionando-os com a sua infância: “Essa é a historia que eu escutei quando era criança. Meu pai dizia, ele morreu com 92 anos e minha mãe com 90, 93 anos, quando eu era menino ela já tava desse jeito (igreja inacabada)”. Seu Afonso relata na entrevista que ele sofreu muito na sua infância, pois seu pai não o deixava brincar, apenas dava ordens para ele ir trabalhar: Minha infância foi horrível, morava no interior, lá eu trabalhava com agricultura, era roça, eu trabalhava com enxada, a gente não tinha lazer [...] nos dias de domingo a gente pedia a nosso pai que deixasse a gente ir jogar bola, ele dizia que bola era coisa de moleque! E não deixava a gente jogar bola, muitas das vezes dava ordem pra gente ir pra roça, vê se tinha alguma formiga “comendo” a roça, lavar animal, tirar leite de gado, prender gado, marrar bezerro” Seu Afonso expressa que só teve tranquilidade em sua vida quando deixou seus pais: “eu só tive mesmo alívio quando deixei meus pais e entrei na Geofísica”. Mesmo após deixar seus pais, a autoridade familiar nunca o deixou, pois no momento que ele insere sua mãe e seu pai na narrativa, acaba refletindo a contribuição da sua família na identidade do narrador; mesmo não tendo boas lembranças sobre a sua infância, as palavras expressas pelos seus pais sempre foram tidas pelo o narrador como verdadeiras e aceitas. Outro momento da narrativa em que eu percebo a influência da realidade do narrador é quando o Senhor Afonso fala sobre a mudança do santo para outra igreja: “após a colocação do Santo na igreja construída, no outro dia, viram o rastro dele na areia e perceberam que ele tinha voltado para a igreja velha (inacabada). Eles pegaram e botaram pra cá, e a imagem de Santo Antonio voltava pra lá (igreja inacabada) e ficou nessa... Até que um dia, ele sumiu da igreja nova e sumiu da velha.” Nesse trecho ele relata que o santo queria ficar na igreja inacabada, mas com a insistência dos seus devotos ele acabou não ficando nem na antiga, nem na nova. Ao relacionar a história 6 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 de vida do seu Afonso com este trecho, suponho que está refletindo a opinião dele sobre ações dos homens sobre a religião. Na entrevista ele relata seu posicionamento sobre a nova igreja de Santo Antônio (que fica no bairro Alagoinhas Velha): E eles aí cuidam de que? Cegos, aleijados, pessoas doentes [...] e essa igreja de hoje não tá fazendo isso [...] igreja não existe, existe casa de Deus, Por que casa de Deus? A casa de Deus é onde moram os filhos de Deus, e as casas de Deus não podem ser fechada, tem que ficar aberta para receber os filhos de Deus [...] vou fazer lá o quê? Com este relato, levanto a possibilidade de que seu Afonso expressa na lenda o seu pensamento sobre as “regras” que permeiam a religião e que essa nova igreja de Santo Antônio não está seguindo-as. Assim, para o narrador, o Santo Antônio não poderia ficar em um local em que os seus devotos não estão seguindo corretamente os mandamentos de Deus. Então, já que os seguidores do santo não aceitaram a volta dele para igreja inacabada, o santo sumiu do bairro Alagoinhas Velha. Até que fizeram outra igreja no centro para Santo Antônio, onde ele decidiu ficar, pois é uma igreja, para seu Afonso, que segue as “regras” da religião – “Até que um dia, ele sumiu da igreja nova e sumiu da velha, foi aí que fizeram a verdadeira igreja de Santo Antonio no centro, lá em baixo e lá ele ficou”. Segundo MEIHY (1996, p. 66), existem versões diferencias de uma narrativa porque elas são modificadas com a realidade do indivíduo. Seu Afonso relatou uma lenda que foi passada para ele por outros narradores, mas ele inseriu sua trajetória e sua identidade na estrutura da lenda no momento em que foi narrada. O Senhor Afonso, através da narrativa, deixará a sua “marca”, o que ele aprendeu nos seus anos de vida para os outros que virão escutá-lo, como explica Alessandro Portelli: Contar uma história é pegar as armas contra a ameaça do tempo, resistir ao tempo. Contar uma história preserva o contador do esquecimento; a história constrói a identidade do contador e o legado que ele ou ela deixa para o futuro. (Portelli, 1991, p. 59) Já como expressa Stuart Hall (2003, p. 259): Isso nos deve fazer pensar novamente sobre aquele termo traiçoeiro da cultura popular: “tradição”. A tradição é um elemento vital da cultura, mas ela tem pouco a ver com a mera persistência das velhas formas. 7 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 Está muito mais relacionada às formas de associação e articulação dos elementos. Enquanto o seu Afonso viver ele aprenderá mais coisas, renovará conceitos, ideias, seu modo de vida. Com isso ele reconstruirá a estrutura da lenda, incluindo assim na tradição oral novos elementos da sua cultura, pois na tradição existe uma articulação dos elementos que já existiam com outros que serão incluídos. CONCLUSÃO Neste artigo fiz um recorte do que pretendo estudar na minha pesquisa de Mestrado, tendo como objetivo analisar a lenda contada por seu Afonso para identificar os elementos culturais da vida do narrador presentes na narrativa. Encontrei alguns elementos importantes da formação cultural do narrador, dos quais se destacaram os seguintes: • as estruturas físicas e naturais da cidade de Alagoinhas – pois quando seu Afonso narra que se igreja inacabada cair, Alagoinhas também cairá, ele reflete as etapas da sua vida, em que a igreja, as lagoas e outros estavam presentes. Como as lagoas estão secando ou viraram esgoto, ainda resta a igreja, que deve ser preservada para que as lembranças que envolvem conquistas, aprendizados, trabalho, momentos de alegria ou até mesmo tristeza não fujam da suas memórias. Essas lembranças fortalecem o que ele se tornou. • a autoridade familiar na vida do seu Afonso – mesmo não tendo momentos agradáveis em sua infância e começando a ter uma vida mais tranquila apenas quando deixou a sua família, ele considera as palavras dos seus pais como aceitáveis. • a influência religiosa – seu Afonso não concorda com a forma com a qual é apresentada a religião na igreja do Santo Antônio do bairro de Alagoinhas Velha, acreditando que por esse motivo o santo “decidiu” ir para o local em que se construiu a nova Matriz. Este artigo, apesar de analisar apenas a narrativa de um narrador, fortalece o viés que eu quero seguir no mestrado. Quero analisar cada vez mais como são expressas as vozes dos grupos sociais desprivilegiados – principalmente por meio da Literatura Oral, em que as histórias imaginárias refletem pensamentos e inquietações desses grupos diante de uma sociedade que os esquece. 8 Realização: Apoio: Anais do V SENALIC – TEXTOS COMPLETOS ISSN – 2175-4128 Organizadores: Gomes, Carlos; Ramalho, Christina; Ana Leal Cardoso São Cristóvão: GELIC, Volume 05, 2014 REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena. Tradição oral e história oral: proximidades e fronteiras. História Oral. v. 8, n 1, jan-jun. 2005, p. 11-28. BÂ. Amadou Hampâté. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (org.) História Geral da África I: Metodologia e pré-história da África.. 2ª. ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010. CALVET, Louis-Jean. Tradição oral e tradição escrita. Tradução de Waldemar Ferreira Netto e Maressa de Freitas Vieira. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 9ª ed. 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