XIV Encontro Nacional da ABET – 2015 – Campinas/Unicamp GT 2 – Desenvolvimento, territórios e trabalho O trabalho sazonal e a flexibilidade dos contratos no Polo Naval e Offshore em Rio Grande/RS Ana Paula Ferreira D'Avila¹ 1 Doutoranda em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) Maria Aparecida Bridi² 2 Doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) O TRABALHO SAZONAL E A FLEXIBILIDADE DOS CONTRATOS NO POLO NAVAL E OFFSHORE EM RIO GRANDE/RS Resumo: O Rio Grande do Sul, historicamente, apresenta um modelo de desenvolvimento dual no qual a metade nordeste do Estado, dispõe de indústrias e uma relativa diversificação de setores econômicos, ao passo que a metade sul do Rio Grande do Sul representa a parte da agricultura, a agropecuária, considerada menos desenvolvida. Entretanto, com a descoberta da camada pré-sal, houve a retomada da indústria naval no país contando com o aporte de políticas federais, descentralizando a produção de navios e de plataformas de petróleo do Rio de Janeiro para diversas regiões do país, entre elas o RS. Nesse contexto, fora criado o Polo Naval e Offshore de Rio Grande/RS, que trouxe transformações sociais e econômicas na região. A partir de uma metodologia que envolveu entrevistas com dirigentes sindicais e representantes empresariais, bem como a utilização de dados do CAGED e bibliografia pertinente, identificamos que uma das características marcantes do trabalho no Polo consiste na sazonalidade do trabalho e na flexibilidade dos contratos, cuja contratação de trabalhadores ocorre por projeto. As formas flexíveis se constituem no padrão de contratação da indústria naval, pois a sazonalidade da própria atividade acentua esse tipo de contratação. Embora o trabalho seja feito por projeto, a sazonalidade implica nas fases do processo de trabalho que está ligado à alta taxa de rotatividade, possibilitada pelos contratos flexíveis, quando eles chegam a ser formalizados. A retomada da indústria naval no país impacta significativamente a cidade, fruto de uma dinâmica de políticas nacionais voltadas para o setor que poderia oferecer a metade sul do Rio Grande do Sul um impulso, em termos de desenvolvimento. Palavras-chave: Desenvolvimento; Polo Naval e Offshore; Sazonalidade; flexibilidade dos contratos. Introdução O Rio Grande do Sul historicamente apresenta um modelo de desenvolvimento dual, no qual a metade norte do Estado, principalmente Porto Alegre e região metropolitana dispõem de indústrias e uma relativa diversificação de setores econômicos, ao passo que a metade sul do Rio Grande do Sul representa a parte da agricultura, a agropecuária, considerado, portanto, menos desenvolvido. Segundo Alves, Batista e Silveira (2005, p.1), o estado “em sua região sul, que apresenta maior extensão territorial, até o século XIX detinha o poder econômico, advindo do setor primário, foi aos poucos tendo sua importância econômica reduzida na região”. Para os autores, esta região atualmente encara “dificuldades econômicas e sociais como consequência dos problemas enfrentados pelo setor agropecuário e pela baixa industrialização”. Já a região norte, diferentemente, que “era inexpressiva economicamente até o final do século XIX”, começou “um acelerado desenvolvimento econômico decorrente da agricultura, da intensificação da indústria, do comércio e da imigração”; devido à localização privilegiada que permitia a ligação com mercados internacionais e o escoamento dos produtos (ALVES, BATISTA; SILVEIRA, 2005, p. 1). Dessa forma, os autores afirmam que, somente na segunda metade do século XIX, a economia do norte do Estado começou a se desenvolver se estabilizando no século XX através da concentração de riqueza, ao passo em que a economia da metade sul não acompanhou as mudanças e ficou estagnada. Contudo no século XXI, precisamente nas primeiras décadas do ano 2000, a região de Rio Grande, na metade sul do estado, sofreu transformações econômicas e sociais importantes que deram margem para uma inflexão rumo ao desenvolvimento do Estado alavancado pelo ressurgimento da indústria naval no país. Durante o Governo Lula (20042010), com a descoberta da camada pré-sal, houve a retomada da indústria naval no Brasil através de políticas federais, descentralizando a produção de navios e de plataformas de petróleo do Rio de Janeiro para diversas regiões do país. Nesse contexto, foi criado o Polo Naval e Offshore1 de Rio Grande/RS representando um estímulo à região considerada menos desenvolvida e estagnada. O presente artigo, que tem como pano de fundo a questão do desenvolvimento e reativação da indústria naval no Brasil que impacta Rio Grande/RS, se debruça sobre as formas de contratação, perfil dos trabalhadores e as condições de trabalho no referido Polo. Para tanto, utilizamos entrevistas semiestruturadas com dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico de Rio Grande e São José do Norte (STIMMERG) e com representantes do Setor de Saúde, Meio Ambiente e Segurança (SMS) de um consórcio empresarial que presta serviço à Petrobras2. Além disso, utilizamos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) para caracterizar o perfil da indústria – foco do artigo – de material e transporte e, mais especificamente, da construção de embarcações, assim como de bibliografia pertinente. Organizamos a discussão em três partes. Na primeira trazemos um breve contexto da cidade de Rio Grande, uma cidade com Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) baixo nos anos 1990 e que experimentou um avanço nos indicadores na década seguinte. Embora não seja nosso foco analisar as razões dessas mudanças, esse dado nos ajuda a situar a região que passou por profundas alterações, sobretudo, a partir do desenvolvimento do Polo Naval. Na segunda parte, discutimos a flexibilização como um novo padrão de contratação. E na terceira analisamos a dinâmica das contratações no período recente do município de Rio 1 No Polo Naval é feito exclusivamente a reparação e/ou construção de navios, enquanto o Polo Naval Offshore abrange a construção e/ou reparação de plataformas e navios de apoio marítimo para atividades offshore da indústria de petróleo e gás (CARVALHO, et al., 2012, p. 18-9). Em 2006, com a descoberta do pré-sal e o aumento da demanda por plataformas e navios, a indústria naval de Rio Grande passa a ser um Polo Naval e de Offshore, com a construção do dique seco para plataformas offshore (FABRES; SPOLLE, 2014, p. 5). 2 Cumpre ressaltar que, no caso do sindicato trata-se de entrevistas exploratórias, e a visão empresarial advém de uma palestra conferida na Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e organizada pelo grupo Observatório do Trabalho da referida instituição. Grande e sua relação com o Polo Naval e o perfil dos trabalhadores. Grosso modo, podemos afirmar que tal dinâmica se insere no quadro de um capitalismo de acumulação flexível, do trabalho por “projeto”, mas que possui a particularidade de contar com a modalidade de contrato homem/hora que se assemelha com um contrato por empreitada. Ainda que para este artigo não seja possível aprofundar essa questão, sinalizamos algumas tendências observadas nos anos de 2012 e 2013, partindo de um recorte geral até o perfil do setor de construção de embarcações em Rio Grande. O contexto da indústria naval e o desenvolvimento local Rio Grande, cidade litorânea, localizada no extremo sul do RS (ver mapa), possui uma área de 2.709,522 km², e segundo Censo de 2010, possuía uma população de 197.228 habitantes. Em 2014 sua população estimada era de 207.036 habitantes3. Figura 1 – Localização geográfica da cidade de Rio Grande/RS, em vermelho. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Grande_%28Rio_Grande_do_Sul%29#/media/File:RioGrandedoSul_Municip_RioGrande. svg O munícipio de Rio Grande possuía em 1991 o IDHM4 de 0,527 (muito baixo), em 2000 foi para 0,652 (médio), e em 2010 saltou para 0,744 (alto). Rio Grande, assim como a 3 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=431560&search=rio-grande-do-sul|rio-grande Acesso em 20 de jul. 2015. maioria dos municípios brasileiros, sofreu tal inflexão devido ao conjunto de políticas sociais e um padrão de desenvolvimento experimentado no governo Lula5. Conforme Pochmann (2011, p. 16), o quadro durante o período foi de “reorganização econômica recente em torno da retomada do projeto nacional de desenvolvimento”. O protagonismo do Estado foi crucial para a busca de “superação do subdesenvolvimento, cujos resultados positivos começaram rapidamente a aparecer com o crescimento econômico duas vezes maiores que na década de 1990 (com a consequente volta ao posto do 8º PIB mundial)”. Tal crescimento, nos termos de Pochmann, foi acompanhado de uma melhor redistribuição da renda, sobretudo com a política de valorização do salário mínimo, crescimento econômico e políticas sociais. Isto se deveu a ação de recomposição das empresas e bancos estatais, da ampliação das contratações de funcionários públicos, nos programas de infraestrutura, o “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para infraestrutura, do Programa Nacional de Habitação Popular (Minha Casa, Minha Vida), da exploração do petróleo no pré-sal, do alargamento da saúde, da educação, eletrificação, entre tantos outros exemplos” (POCHMANN, 2011, p. 17). A cidade de Rio Grande, portanto, se beneficiou desse conjunto de ações. A partir de 2007, por exemplo, teve início diversas obras relacionadas ao PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com vistas a desenvolver infraestrutura e instalações para construir e reparar embarcações, assim como equipamentos marítimos. Segundo Véras de Oliveira (2014) o PAC foi lançado, pelo Governo Federal, em 2007, no ato da posse de Lula para seu segundo mandato. Entendia-se que os ajustes dos primeiros quatro anos e um contexto internacional favorável propiciariam as bases para uma retomada do crescimento econômico com distribuição de renda. O Governo incorporou o pressuposto desenvolvimentista do papel indutor do Estado, mas ao mesmo tempo o circunscreveu aos limites ditados pelos compromissos macroeconômicos (VÉRAS DE OLIVEIRA, 2014, p. 112). Assim, a partir de 2007, começou uma série de planos de obras que visavam à infraestrutura, tais como: a dragagem de aprofundamento (aumento do calado do canal do Porto de Rio Grande) que representou um investimento de R$ 196 milhões; a ampliação dos molhes da barra (prolongamento de 370 metros no molhe oeste e 700 no oeste) um investimento de R$ 512 milhões; a modernização do cais do Porto Novo (reconstrução de 1.125 metros do cais e aumento do calado) um investimento: R$ 133,8 milhões, e a 4 O IDHM é um número que varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano de uma unidade federativa, município, região metropolitana. Inclui três componentes, IDHM Longevidade, IDHM Educação e IDHM Renda. Trata-se de um dado que revela em certa medida as condições do município (Atlas de desenvolvimento humano, 2013). In: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/ Acesso em 26 jul. 2015 5 Ver Atlas da desigualdade do Brasil organizado por Pochmann, et al, (2014). duplicação da BR-392 (duplicação da estrada Rio Grande-Pelotas, ligação terrestre ao porto) investimento: R$ 280 milhões6. Entre outras medidas que possibilitariam o acesso e funcionamento pleno do Polo Naval, assim como do Porto Novo e do Distrito industrial responsável pelo escoamento de produtos e transporte de cargas. O Polo Naval foi inaugurado em 2010 e sua estrutura compreende atualmente três estaleiros: Estaleiro Rio Grande um e dois (ERG 1 e ERG 2) e o Estaleiro Honório Bicalho (D’AVILA e BRIDI, 2015). Por ser uma cidade portuária, essa característica a favoreceu quando o governo Lula optou pela política de retomada do desenvolvimento naval no país. Trata-se de uma indústria intensiva em capital e mão de obra que alavanca diversos setores econômicos e cujo histórico de seu desenvolvimento demonstra que oscilou conforme os governos. Essa oscilação foi mostrada por Pires, Gomide e Amaral (2013, p. 10), em sua retrospectiva sobre esse setor no Brasil, destacando que em seu auge, ao final da década de 1970, a indústria de construção naval brasileira “chegou a representar cerca de 4% da produção mundial de embarcações e a ocupar a segunda posição no ranking mundial de encomendas para construção de navios, empregando diretamente 40 mil trabalhadores”. Sofreu um refluxo com a crise dos anos 1980, mas despencou na década de 1990 com as políticas de abertura de mercados e liberalização da economia. Nessa década, os armadores brasileiros, à mercê da concorrência internacional, tiveram seus negócios contraídos. Segundo os autores, ao final dos anos 1990, “observaram-se os primeiros sinais da retomada da atenção governamental para o setor de construção naval com o Plano Navega Brasil, o qual se baseava predominantemente na navegação fluvial e contava com volume relativamente baixo de recursos”. Destacam, no entanto, que apenas a partir de 2003 que essa indústria experimentou a revitalização com aporte de políticas do Estado (PIRES, GOMIDE e AMARAL, 2013, p. 10). É nesse contexto que Rio Grande se constituiu em um dos polos navais do Brasil. A cidade experimentou um substancial e rápido aporte de uma força de trabalho alóctone que ocasionou algumas consequências sociais para a população. Dentre elas, o aumento do número de trabalhadores oriundos de diversas regiões do Brasil e de outros países, que competiam pelos empregos com a população local: Segundo informações da Polícia Federal, entre os anos de 2006 e 2013 ingressaram em Rio Grande o total de 896 trabalhadores estrangeiros temporários. Os maiores movimentos de registros foram nos anos de 2011, 2012 e 2013. Segundo os dados dessa mesma fonte, só no primeiro trimestre 6 Fonte: http://wp.clicrbs.com.br/rumosdosul/2010/04/04/riograndedesencalha/?topo=13,1,1,,,13&status=encerrado Acesso em 10 de abr. 2010. de 2013 ingressaram aproximadamente 300 trabalhadores no município de Rio Grande e as nacionalidades tem variado de acordo com as principais atividades econômicas especializadas desenvolvidas por um determinado país (FABRES e SPOLLE, 2014, p. 15). Além do movimento migratório, surgiram problemas urbanos que envolvem a mobilidade. De acordo com Quadros et. al. (2013) “em três anos a frota de veículos aumentou em 50% apresentando em 2010 um veículo para cada três habitantes (IBGE, 2010)”, dados de 2014 do IBGE apresentam 61.834 automóveis e em 2010 esse número era 42.903, isto é, para 2014 representa um aumento de quase 19 mil automóveis. Ademais para o autor, o Plano de Mobilidade Urbana “contratado pela cidade (...) apresenta-se como um todo bem elaborado; porém para resolução de problemas a curto prazo e pontuais” (QUADROS, et al, 2013, p. 13). A moradia também foi uma questão importante, pois houve a supervalorização de preços dos aluguéis7, e demandas de serviços culminando, por exemplo, na implantação de dois shoppings centers na cidade, uma série de pensionatos e empreendimentos imobiliários residenciais e comerciais. Feito essa breve contextualização dessa indústria e do contexto socioeconômico que se encontrava a cidade, assim como dos problemas suscitados quando da implantação do polo e que persistiram, voltamo-nos nas páginas que se seguem a discutir o mote proposto para este artigo: a questão dos padrões de contratação, no polo naval e offshore em Rio Grande/RS. A flexibilização como padrão no “novo” cenário do capitalismo Os estudos de David Harvey (1993) sinalizaram para a crise no regime de acumulação de padrão fordista e a transição para o regime de acumulação flexível. O padrão de contratação fordista, “embora não tenha se implantado igualmente em todos os países industrializados, tornou-se referência ao longo do século XX, como modelo mais adaptado à produção em massa e a esta nova fase do processo de acumulação capitalista” (RAMALHO, 2010, p. 88), passou a ser considerado o grande “vilão” e causador do desemprego, sofrendo 7 Dados do Instituto de Ciências Econômicas, Administrativas e Contábeis da Universidade Federal do Rio Grande, que analisa o setor imobiliário desde 2000, deixam claro que existe a supervalorização dos preços, como foi constatado pelo pesquisador Rogério Piva: "Do ano de 2000 até 2006, quando começa a história do Polo Naval de Rio Grande, os preços aumentaram, em média, nesse período de seis anos, em torno de 70%. De 2006 a 2012, o mesmo tempo de análise se aproxima dos 400%", afirma Piva. A razão pela disparada no valor dos imóveis, de acordo com o pesquisador, se deve à grande demanda de locais para moradia, e a pouca oferta de imóveis na cidade de Rio Grande. Halley Araujo é carioca e está desde 2007 em Rio Grande, trabalhando no Polo Naval. Ele conta que não está fácil alugar imóveis no município: "Está difícil, e o preço cada vez aumentando mais devido ao Polo Naval. Aluguéis que em 2007 eram um preço, hoje são o dobro", conta, Halley. Fonte: http://gaucha.clicrbs.com.br/rs/noticia-aberta/migracao-de-trabalhadores-para-polo-naval-impacta-nosetor-imobiliario-de-rio-grande-102958.html Acesso em 04 de jun. de 2014 ataques de diversas ordens. No caso do Brasil, a flexibilidade da contratação da força de trabalho (KREIN, 2001, LEITE, 2009) que, historicamente, caracteriza o nosso mercado de trabalho, se ampliou e adquiriu novas configurações nos anos 1990, no contexto dos governos Collor e Cardoso. Em um contexto de crise econômica e de crescimento do desemprego, tomou substância o discurso da flexibilização e de novas formas de gestão do trabalho como “estratégias adotadas pelo capital para manter seu ciclo de acumulação face à crise econômica pela qual passou na década de 1970” (BRIDI e BRAUNERT, 2015). Nos termos de Krein (2001), a flexibilização pode ser compreendida como a “liberdade” das empresas em determinar as condições de uso da mão de obra, as formas de contratação, de remuneração, de jornadas. Lembra o autor que “flexibilização” e “flexibilidade” em si não significam precarização, precariedade. Entretanto, a forma com que foi se configurando e ganhando expressão no mercado de trabalho, passou a significar piora nos padrões de contratação. As políticas nas relações de trabalho, “empregadas no bojo das crises econômicas consonantes com o pensamento liberal, trouxeram a deterioração do trabalho” (BRIDI, 2006, p. 298). Tais políticas envolveram a criação de “medidas flexibilizadoras das relações de trabalho no Brasil nos anos 1990, que facilitaram a contratação por tempo determinado (Lei 9.601/98), temporário (portaria 2, 29/06/96), o Banco de Horas (Lei 9.061/1998 e MP 1709/98), a flexibilização da remuneração de acordo com metas ou resultados estipulados pelas empresas (MP 1029/94), apenas para citar algumas. O significado dessas medidas, na prática, está na “corrosão dos sistemas de proteção e das garantias dadas pelo emprego, tanto no plano individual quanto no coletivo, produzindo uma situação de insegurança para amplas parcelas de trabalhadores” (BRIDI, 2006, p.298). A partir de 2003, embora com a entrada de um governo de perfil trabalhista, o governo Lula, segundo Dedecca, não conseguiu ampliar a regulação pública dos contratos de trabalho por estar submetido a uma dinâmica de política econômica conservadora, que relega as políticas de desenvolvimento social a determinação e controle fiscal e monetário. Desse modo, a flexibilidade dos contratos de trabalho que se consolidou nos anos 1990, se reproduziu na “década seguinte, apesar do desejo do governo de revertê-la” (DEDECCA, 2009, p.140). Contudo para o autor, se o novo governo não fez retroceder os padrões flexíveis de contratação concebidas pelo governo anterior, em certa medida conteve seu avanço, ampliando a fiscalização dos contratos de trabalho, adotando a política de valorização do salário mínimo, aderindo à agenda da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre trabalho decente, dentre outras medidas. Segundo Krein, Santos e Moretto (2013, p. 37), à medida que a [...] a agenda desenvolvimentista foi ganhando maior expressão e os indicadores do mercado de trabalho melhoraram, a flexibilização como tese perdeu força, mas continuou prevalecendo em aspectos de interesse do governo, tais como a pressão pela regulamentação da terceirização e a previdência pública. Como exemplos da perda de força da tese flexibilizadora, pode-se ressaltar [...] a política de valorização do salário mínimo, a ampliação do seguro desemprego, a ampliação do aviso prévio, a ampliação da cobertura previdenciária e o reconhecimento das centrais sindicais (KREIN, SANTOS, MORETTO, 2013, p.37). É nesse quadro de padrões flexíveis de trabalho no Brasil que se deu a instalação e desenvolvimento do Polo Naval e Offshore de Rio Grande, que contribuiu para diversificar a estrutura ocupacional no munícipio (D’AVILA e BRIDI, 2015), como veremos na sequência deste artigo. A dinâmica das contratações no período recente e o perfil dos trabalhadores do Polo Naval No que diz respeito à indústria naval, de acordo com Pasin (2002) o desenvolvimento da indústria naval brasileira, adquiriu novo fôlego no final da década de 1990 e está relacionado à promulgação da Lei do Petróleo, bem como ao programa Navega Brasil, e uma série de medidas governamentais, e de planos na área de investimento, modernização da frota, capacitação de profissionais, entre outros. A Lei do Petróleo (Lei 9.478/97) “abriu o mercado de exploração e refino do hidrocarboneto a novos players além da Petrobrás, acelerando a expansão da exploração de petróleo offshore” (PASIN, 2002, p. 129). Em novembro de 2000, o governo federal lançou o programa Navega Brasil, que alterou as condições de crédito aos armadores e estaleiros (PASIN, 2002). Um dos grandes diferenciais que se estabeleceu no ano de 2003, foi o forte conteúdo nacional que o governo de Luís Inácio Lula da Silva, delineou para o setor com o fito de fomentar a indústria nacional, a criação de empregos e o desenvolvimento de certas regiões do país. Determinou a prioridade para estaleiros locais, de navios, e de equipamentos de exploração e produção de petróleo para a Petrobrás. Então, em 2004, a Transpetro (subsidiária da Petrobras) lançou o Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF), que “integra o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo Federal e é responsável por renovar a frota da Transpetro” 8 que voltou a 8 Fonte: http://www.transpetro.com.br/pt_br/promef.html Acesso em mai. de 2014. prioridade para licitação de petroleiros de grande porte em estaleiros brasileiros. O PROMEF possui três pilares: a) construir navios no Brasil; alcançar índice de conteúdo nacional mínimo de 65% na primeira fase, e de 70% na segunda fase; b) atingir competitividade internacional, após a curva de aprendizado. Com isso, grupos industriais nacionais passaram a investir na construção de estaleiros. Logo, houve uma desconcentração do parque naval, que até então se concentrava no Rio de Janeiro, espraiando-se para novos locais, tais como o Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, e o de Suape em Pernambuco (D’AVILA E BRIDI, 2015). Conforme mencionado anteriormente, o Polo Naval de Rio Grande e Offshore tem uma estrutura que compreende atualmente três estaleiros: Estaleiro Rio Grande 1 e 2 (ERG 1; ERG 29) e o Estaleiro Honório Bicalho. O polo naval conta com uma infraestrutura de 430mil m² “para construção e reparos de unidades marítimas (offshore) para a indústria do petróleo, tais como plataformas flutuantes de perfuração, produção e de apoio” 10 . Atualmente é operado pelo consórcio QGI e pela empresa ECOVIX. A “Petrobrás possui direito de uso, através de comodato, por dez anos contados a partir de setembro de 2010 e possibilidade de renovar contrato de uso por mais dois anos” (FABRES, 2014, p.33). A última assinou contratos de concessão com um consórcio empresarial, assim como com uma empresa, o consórcio está voltado para a instalação e integração de módulos de plataformas de petróleo e a empresa, por sua vez, realiza a construção de cascos replicantes11 para exploração de pré-sal (D’AVILA e BRIDI, 2015). Observamos uma dinâmica de contratação de mão de obra que contém uma de suas peculiaridades, as atividades contratadas por projeto, situação que ocorre quando um consórcio empresarial ou empresa do Polo ganha uma licitação e firma um contrato com data de início das obras e de entrega da plataforma. Foi essa observação, somada a explicação de dirigentes empresariais, que nos levou a pensar a sazonalidade contida no título deste artigo. Evidente que a sazonalidade é distinta daquela da agricultura, dos tempos de produção, do 9 Em novembro de 2011, começou a ser construído ao lado do ERG 1 o Rio Grande 2 (ERG 2), que terá área total de 274 mil metros quadrados de capacidade adicional e capacidade de corte de chapas de aço de 102 mil toneladas por ano. O ERG 2 construirá três sondas de perfuração para atender à Petrobras e, também, partes dos painéis e blocos que irão compor os cascos das oito plataformas replicantes. A construção do ERG 2 será concluída no segundo trimestre de 2015. Fonte: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=272691 Acesso em 18 de jul. 2014. 10 Fonte: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=135344 Acesso em 30 de out. 2010. 11 Até o primeiro trimestre de 2018 estão na carteira do Estaleiro Rio Grande 1 a construção de oito cascos FPSOs (Floating Production, Storageand Off-Loading Plataffor) - Plataforma Flutuante de Produção, Armazenamento e Escoamento – replicantes: P-66, P-67, P-68, P-69, P-70, P-71, P-72 e P-73. FPSOs replicantes são plataformas feitas como réplica, idênticas entre si, onde cada plataforma repete o projeto da anterior, permitindo ganhos de custos e de prazos na construção. O conteúdo local previsto para os oito navios é de 70% para a construção dos cascos, de 69,5 a 85,5 % para os módulos da planta de processo e de 74% para a integração. Fonte: http://www.revistafatorbrasil.com.br/ver_noticia.php?not=272691 Acesso em 18 de jul. 2014. cultivo e de colheita; aqui a sazonalidade se refere as fases do processo de construção, instalação e integração dos módulos e outras etapas do projeto contratado que resulta na plataforma. A sazonalidade é atribuída a característica cíclica da indústria naval, que de acordo com um dirigente da QUIP em 2012 (antigo consórcio que antecede a QGI), “o dirigente admite que a cultura da indústria de óleo e gás é ‘muito perversa’, tendo uma característica cíclica. “Uma hora há uma grande demanda e na outra dá uma parada” 12. Essa atividade cíclica é marcada pelo projeto, por exemplo, a P-55; a P-63. Nos termos de Boltanski e Chiapello (2009) a cité por projetos é o sétimo regime justificatório orientado pela lógica de redes, a qual enfatiza a mobilidade, a adaptabilidade, dentre outros aspectos. No entanto, de acordo com os dirigentes sindicais a modalidade de remuneração praticada por uma determinada empresa é homem/hora, o que cria um embaraço para aquela abordagem, que pressupõe o engajamento no projeto contratado a fim de que o trabalhador desenvolva suas habilidades e competências, crie sua rede de contatos e possa ser requisitado no próximo projeto. Mas no contrato homem/hora o que é pago ao trabalhador é tão somente o total de horas trabalhadas, e é uma relação de ganho imediato que se não anula totalmente, pode comprometer o engajamento do trabalhador no processo produtivo. Dito isto, passamos primeiramente aos dados gerais sobre as contratações de acordo com o CAGED. No período de janeiro a dezembro de 2012 na indústria da transformação do município de Rio Grande, considerando o subsetor indústria do material e do transporte, numa pesquisa de movimentação agregada demonstra que ocorreram 5.219 admissões e 1.434 desligamentos. Sabemos que esse é um cálculo geral visto que é uma categoria ampla, mas a indústria naval está inclusa nesses dados. Assim, observamos, conforme tabela abaixo que o número de desligamentos foi inferior quando comparado à taxa de admissões: Tabela 1 – Admissões e desligamentos: 2012 na indústria do material e do transporte Ano Movimentação agregada 1) Admissões 2) Desligamentos Variação Absoluta 2012 Total 5.219 1.434 3.785 5.219 1.434 3.785 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 13. 12 Fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=90590 Acesso em 07 de mai. de 2012. Disponível em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php Acesso em 15 de mai. de 2015. 13 No ano de 2013 no período de janeiro a dezembro, a indústria de transformação do município, no subsetor indústria do material e do transporte, aumentou o número de admissões, mas os desligamentos também foram altos. Em termos percentuais, os desligamentos corresponderam a 51,66% ao passo que as admissões foram de 48,34%, como demonstra a tabela abaixo: Tabela 2 – Admissões e desligamentos: 2013 a indústria do material e do transporte Ano Movimentação agregada 1) Admissões 2) Desligamentos Variação Absoluta 2013 7.389 6.914 475 Total 7.389 6.914 475 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 14. No comparativo entre esses dois anos, podemos afirmar que em 2013 houve mais admissões, mas também contou com um alto número de desligamentos. Uma das empresas prestadora de serviços à Petrobrás, que compõe o subsetor acima tratado, tem na sua carteira dois projetos: o Drill ship que são os três navios sondas que perfuram os poços de petróleo e os oito cascos replicantes, ou seja, os cascos das plataformas. Segundo dirigentes empresariais, os trabalhadores ficam em média, de dois a dois anos e meio trabalhando, depois desse período são dispensados e ficam aguardando até a próxima licitação. No ano de 2014, por exemplo, de acordo com um representante do consórcio empresarial, de fevereiro a setembro esse consórcio empresarial passou de quatro mil para doze mil “colaboradores”, isto é, em quatro meses entraram praticamente quatro mil pessoas, duas mil pessoas por mês, quinhentas pessoas por semana, mais de cem pessoas por dia15. Para o referido período, de acordo com os dados do CAGED, foram admitidos 3.348 trabalhadores e desligados 2.640, conforme a classificação da CNAE por grupo de construção de embarcações, explicitado na tabela abaixo: Tabela 3 – Admitidos e desligados do grupo construção de embarcações: competência declarada de fevereiro a setembro de 2014 Admitidos/Desligados Admitidos 14 15 Total de trabalhadores 3.348 Disponível em: http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php. De acordo com os representantes do Setor de Saúde, Meio Ambiente e Segurança. 2.640 5.988 Desligados Total Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 16 No entanto, esse boom de contratações relatado pela empresa não aparece nos termos mencionados nos dados disponibilizados pelo CAGED17. A forma como as contratações são realizadas reflete um dos problemas no Polo, assim como demandas diversas relativas a cidade tais como questões urbanas, de moradia, serviços públicos, entre outras. Nesse sentido, cabe dizer que a região atraiu milhares de trabalhadores que buscavam empregos no Polo. Grande parte desses trabalhadores que se empregavam no Polo apresentava baixa qualificação e treinamento, de acordo com os dirigentes sindicais entrevistados. Houve períodos de contratações de centenas de trabalhadores feitas de modo abrupto (em pouco mais de seis meses, passou de 4 mil para 12 mil cf. dados acima). Isto está associado aos maiores patamares de acidentes de trabalho, principalmente nos três primeiros meses de contratação do trabalhador. Para os representantes das empresas, no que tange aos elevados níveis de rotatividade, é uma condição atribuída também à ausência de uma “cultura de Polo”. Tal ausência é afirmada pelo representante do setor de saúde entrevistado, [...] Existe uma relação direta [entre] esse turn-over com as condições que possibilitam o acidente, por uma razão bastante natural, principalmente aqui. Você pode ter certeza pra gente só estar com 12 mil funcionários com um nível de qualidade que requer a gente não encontra aqui e nem consegue trazer, importar todo esse modelo aqui. A gente acaba utilizando uma mãode-obra que não é totalmente preparada. Imagina um local desse? [...] a gente não tem tradição em cultura naval (Representante empresarial, Pelotas, novembro de 2014). A “cultura de Polo” é identificada pelos nossos entrevistados quando comparam e confrontam os modelos de gestão implantados nos estaleiros, a saber: modelos japonês e chinês, que aqui são apresentados como conflituosos. Nesta direção, tanto os consórcios empresariais que operam no Polo, quanto o sindicato apontam para uma ausência de “cultura de polo”, seja ela atribuída a dificuldade de qualificação dos trabalhadores locais ou a uma questão de tradição em construção e reparação naval18. Os representantes da empresa reconhecem a questão dos acidentes e da rotatividade, mas atribuem à curva de aprendizado, ao passo que o sindicato expõe argumentos distintos, como, por exemplo, o caso do contrato homem-hora e a fragilidade também do ponto de vista legal, dos desempregados de empresas terceirizadas e quarteirizadas, conforme destaca o 16 http://bi.mte.gov.br/scripts10/dardoweb.cgi Ver sobre essa questão na página 12 deste artigo. 18 Sobre isso ver mais em D`Avila e Bridi (2015). 17 entrevistado que afirma, “a empresa fez um contrato paralelo com a Petrobras, o qual consiste no trabalho homem/hora trabalhada”, por sua vez, essa empresa possui uma listagem “x” de trabalhadores que apresenta, quando necessário, à Petrobras. Esses trabalhadores estão na planta, mas são remunerados conforme o total de horas trabalhadas. É atribuído a esse fato o atraso na entrega dos oito cascos de plataformas. Sendo assim, embora o trabalho seja feito por projetos (P-53; P-55; P-63, entre outras plataformas), há uma coexistência com uma forma de contrato que, para o sindicato, significa um cabide de empregos. Até a década de 1970, o setor industrial contratava serviços de manutenção, basicamente [...] a modalidade mão de obra (pagamento por HOMEM-HORA). Como o próprio nome expressa, prestadores de serviço tinham a responsabilidade única de garantir a presença de seus funcionários na planta industrial dos clientes, sendo remunerados pela quantidade total de horas trabalhadas. Apesar de ainda praticada em larga escala, essa modalidade de contratação não exige comprometimento do fornecedor com resultados e, invariavelmente, as consequências para a indústria são negativas. Kardec e Nascif (2001) abordam o assunto e criticam a modalidade homem-hora, afirmando que o contrato resulta numa relação de alto risco empresarial e trabalhista e que não deve ser praticada por qualquer empresa que tenha visão de futuro moderna, e que queira sobreviver por longo prazo no mercado. É uma relação praticamente unilateral, do ganho imediato. Enfim, pode-se supor que é a política do "perde-ganha". Para serem mais precisos, os autores afirmam que, a médio e longo prazo é uma política do perde-perde, pois o modelo revela-se ruim para quem contrata e para quem fornece o serviço (GARCIA, 2003, p. 24). O indicativo da existência deste tipo de contrato, somado às subcontratações e terceirizações e a forma como é feita a seleção e contratação em época de “pico de atividades” pode ser um indicativo da rotatividade, que, somada a sazonalidade que diz respeito as etapas de instalação e integração dos módulos nas plataformas e a fabricação dos cascos, corroboram para o fenômeno. Segundo um entrevistado, representante empresarial, em novembro de 2014 a empresa Y tinha 8.400 trabalhadores diretos e 3.600 indiretos, esses trabalhadores e trabalhadoras – convivem diariamente, mas estão submetidos a contratos de trabalho diversos. O segundo entrevistado argumenta que, no ano de 2012 a empresa X possuía um total de funcionários ativos em torno de 2.500, já em 2013 esse número chegava a aproximadamente 6.500. Em relação ao ano de 2014 não obtivemos os dados via empresa, mas segundo jornais locais, com a Operação Lava-Jato19, a empresa X parou de contratar e em maio de 2015 19 Deflagrada em março de 2014, a Operação Lava-Jato é uma investigação da Polícia Federal que apura desvios de recursos da Petrobras e envolve servidores públicos, políticos e empresários. No Rio Grande do Sul, a ação refletirá em demissões de funcionários de pelo menos uma empresa envolvida no esquema. Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2014/11/entenda-a-operacao-lava-jato-as-empresas-envolvidas-e-oimpacto-no-rio-grande-do-sul-4646007.html Acesso em 20 de nov. 2014 ameaçou rescindir o contrato com a Petrobrás20. Todavia, no começo de julho a Petrobrás suspendeu a decisão de mandar as Plataformas P-75 e P-77 para a China, e de mantê-las sob a responsabilidade do Consórcio empresarial X em Rio Grande/RS. No entanto, as contratações ainda não começaram estando previstas para daqui a 80 dias. Em 2013 o polo naval empregava em torno de 20 mil pessoas e hoje, segundo o presidente do sindicato, esse número não passa de 6,5 mil (D’AVILA e BRIDI, 2015) 21 . Abaixo expomos uma tabela que apresenta o perfil do município de acordo com as ocupações que mais admitiram 22 e desligaram no período que compreende desde janeiro de 2011 a dezembro de 2014, numa pesquisa de quadro consolidado e de movimentação agregada, de acordo com o nível de ocupação23. Tabela 4 – Ocupações, salários médios, admissão e desligamentos: Polo Naval: 2011 a 2014 Perfil das ocupações do Município Classificação Brasileira de Ocupações 2002 724315:Soldador 724205:Montador de Estruturas Metálicas 723315:Pintor de Estruturas Metálicas 910105:Encarregado de Manutenção Mecânica de Sistemas Operacionais 414105:Almoxarife 782515:Motorista Operacional de Guincho 724405:Caldeireiro (Chapas de Cobre) 724410:Caldeireiro (Chapas de Ferro e Aço) 20 Salário Médio Adm. 1.354,70 97 124 -27 934,71 1.091,56 41 16 49 142 -8 -126 1.166,00 1.165,38 15 8 14 10 1 -2 1.363,57 1.273,00 7 7 8 15 -1 -8 1.410,00 6 9 -3 Admissão Desligamento Saldo Devido a Operação Lava-Jato a Petrobrás não concorda com os aditivos do contrato pedido por uma das empresas. O impasse ainda não foi definido. Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2015/05/impasse-sobre-plataformas-de-petroleo-ameacanovos-investimentos-em-rio-grande-4765180.html Acesso em 22 de mai. 2015. 21 Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2015/02/polo-naval-de-rio-grande-vai-da-euforiaao-vazio-4704780.html Acesso em mar. de 2015. 22 O quadro foi editado pelas autoras. Retiramos as outras ocupações e nos concentramos naquelas presentes no Polo Naval e Offshore. Consideramos o setor: Indústria de Transformação e o subsetor: Indústria metalúrgica. 23 O saldo de variação absoluta corresponde ao cálculo: admissões menos desligamentos. O saldo pode ser positivo (foram admitidos mais trabalhadores do que desligados) e isto significa geração de postos de trabalho, ou pode ser negativo (quando mais trabalhadores foram desligados do que admitidos) e assim temos perda de postos de trabalho. Entende-se por admissão toda entrada de trabalhador no estabelecimento, qualquer que seja sua origem (primeiro emprego ou reemprego). Por desligamento entende-se toda saída de trabalhador, cuja relação de emprego com o estabelecimento cessou durante o mês por qualquer motivo (demissão, aposentadoria ou morte), seja por iniciativa do empregador ou do empregado. Fonte: http://www3.mte.gov.br/casa_japao/caged_historico.asp Acesso em 4 de mai. 2015. 782220:Operador de Empilhadeira 716610:Pintor de Obras 1.106,50 1.181,75 6 4 7 1 -1 3 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 24. Segundo os dados do CAGED, no período de três anos houve a admissão de noventa e sete soldadores e o desligamento de cento e vinte e quatro, sendo que no município de Rio Grande, houve a perda de vinte e sete postos de trabalho (-27). O salário médio para essa categoria no município gira em torno de R$1.354,70. A segunda ocupação que mais admitiu foi a de montador de estruturas metálicas, totalizando quarenta e uma admissões no período referido, mas também foi a ocupação que desligou quarenta e nove funcionários, ou seja, muito mais do que o contratado no período. O pintor de estruturas metálicas tende a ser a ocupação que mais evidencia o trabalho por temporada no Polo, pois de 2011 a 2014 admitiu dezesseis trabalhadores e foram desligados cento e quarenta e dois, apresentando um saldo negativo muito alto (126), ou seja, uma perda de postos de trabalho. Esse número está ligado às plataformas de petróleo e a diminuição de contratação devido à operação Lava-Jato. Isto é, a movimentação desse profissional está ligada as etapas de construção de uma plataforma. Dentre as ocupações selecionadas, observamos que o caldeireiro de chapas de aço e ferro é aquele que recebe o maior salário, assim como apresenta um índice baixo de desligamento. Uma vez que nos utilizamos da base de dados do CAGED, é preciso dizer que os descompassos entre os dados obtidos pela entrevista com os representantes empresariais e os números registrados oficialmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) se deve também às limitações na base de dados. Conforme o MTE, a principal [limitação] diz respeito à omissão de declaração dos estabelecimentos, secundada por erro de preenchimento. Esta última pode ocorrer por informações incompletas ou incorretas. Outro problema existente está relacionado às declarações agregadas na matriz, quando o procedimento correto seria o fornecimento dessas informações por estabelecimento. Esses problemas, principalmente o primeiro, ocorrem, frequentemente, em municípios menores, daí a preocupação de o Ministério do Trabalho e Emprego em esclarecer aos usuários sobre o uso desses dados. Em alguns setores, percebem-se informações mais comprometidas que em outros. Inserem-se nesse contexto a Agricultura, a Administração Pública e a Construção Civil (...). As análises das informações oriundas dos Registros Administrativos muitas vezes divergem das obtidas a partir das pesquisas domiciliares, em razão de diferenças metodológicas envolvendo, entre outras, a conceituação de variáveis, a cobertura, o período de captação das informações e as fórmulas de cálculo utilizadas. Há, portanto, necessidade de alguns ajustes caso se deseje fazer estudos comparativos entre essas fontes de informações. No entanto, considerando as particularidades de cada uma, 24 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> em termos gerais verifica-se a mesma tendência na captação do fenômeno (BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, s/d) 25. Embora, sem precisarmos a dimensão, consideramos esses alertas trazidos pelo próprio TEM que recebe e disponibiliza os dados sobre o emprego, é que apresentamos as informações sobre ocupações, admissões, demissões etc. no município de Rio Grande/RS nos anos de 2012 e 2013. Ou seja, as informações por nós capturadas revelam as principais tendências nos segmentos analisados; mas, se contraposta a algumas das entrevistas realizadas, há alguns descompassos, mas que não invalidam as tendências apresentadas. Esta informação é importante, pois se compararmos os dados referentes à contratação fornecidos pelos entrevistados dos consórcios empresariais X e Y, veremos que são números que não coincidem com a base de dados oficial. Assim, futuramente em nosso estudo, buscaremos analisar também três variáveis que podem ser explicativas para os nossos achados: a) que os dados do CAGED apontam apenas para os trabalhadores formais celetistas; b) atentar para a questão: se durante o processo de admissão o contrato de trabalho é efetivado (formalizado) ou se nem há tempo para tanto, pois os trabalhadores logo são dispensados, conforme a demanda de trabalho; c) outra possibilidade a se investigar é se a contratação não é feita primeiro por uma empresa de intermediação de mão de obra (que pode ser fora do munícipio) e por isso, os dados oficiais não capturam totalmente26. Os dados consultados possibilitam trazer ainda alguns elementos que nos permitem traçar um perfil da força de trabalho contratada no Polo Naval e Offshore de Rio Grande. Mais especificamente neste artigo, daqueles trabalhadores que atuam no setor naval denominado pela CNAE 2.0 grupo (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) como construção de embarcações. Tabela 5 - Faixa de tempo de emprego do trabalhador dispensado: Construção de embarcações de Rio Grande, 2012 e 2013. Faixa Tempo Emprego 0 Meses27 25 Total dos trabalhadores 12.360 Disponível em: http://portal.mte.gov.br/portal-pdet/o-pdet/registros-administrativos/cuidados-nainterpretacao.htm Acesso em 25 de jul. 2015. 26 A Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), por exemplo, “não capta trabalhadores que desempenham suas atividades em Rio Grande e que no efetivo registro em carteira de trabalho conste outra localidade de trabalho. Ou seja, o trabalhador pode desempenhar suas atividades em Rio Grande, porém seu registro em carteira constar em outra região do país, por exemplo, onde está instalada a sede da empresa ou na cidade em que residia quando da sua contratação” (FABRES, 2014, p. 44). 27 Em 2012 os dispensados agrupados em menos de 1 mês de tempo de emprego eram 4.978, já em 2013 esse número aumenta para 7.382 trabalhadores. Esses desligamentos foram maiores em 2013, pois no dia 4 de dezembro a P-58 deixou o porto de Rio Grande. “A plataforma é a quarta a ser concluída em Rio Grande. As 1,0 a 2,9 3,0 a 5,9 6,0 a 11,9 12,0 a 23,9 24,0 a 35,9 36,0 a 59,9 60,0 a 119,9 120,0 ou Mais {ñ class} Total 1.220 1.926 2.846 1.569 385 163 25 1 114 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 28. Considerando os dados da tabela acima, temos que mais da metade dos trabalhadores (12.360) foram dispensados com menos de um mês de emprego. O período de seis meses a 11,9 meses é o tempo de contrato de maior duração com 2.846 trabalhadores, e em terceiro lugar o contrato de três a quase seis meses é de maior duração. Os dados, em uma primeira observação, não corroboram com o apresentado pelos entrevistados empresariais, os quais argumentam que os trabalhadores ficam em média de dois anos a dois anos e meio trabalhando. Todavia, se relacionarmos a tabela 5 com os dados da tabela 6, poderemos levar em conta outras dimensões explicativas. Nesse sentido, considerando dados referentes as admissões e desligamentos de acordo a movimentação agregada e desagregada29 observamos que: Tabela 6 – Movimentação desagregada por tempo de emprego em Rio Grande no setor de construção de embarcações: 2012 e 2013. Tipo Movimentação Desagregado Admissão por Primeiro Emprego Admissão por Reemprego Desligamento por Demissão sem Justa Causa Desligamento por Demissão com Justa Causa Desligamento a Pedido Desligamento por Morte Admissão por Reintegração Desligamento por Término de Contrato Contrato Trabalho Prazo Determinado Término Contrato Trabalho Prazo Determinado Total Total de trabalhadores 668 11.635 6.222 109 624 7 1 1.269 56 18 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 30. anteriores, pela ordem, foram P-53, P-63 e P-55”. Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2013/12/plataforma-p-58-deixa-o-porto-de-rio-grande-emdirecao-ao-espirito-santo-4354042.html Acesso em 7 de dez. 2013. 28 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> 29 A movimentação desagregada é o detalhamento das formas que foram realizadas as admissões e desligamentos. 30 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> A admissão por reemprego é a mais representativa do setor, essa denominação evidencia a “rotatividade (...) que no CAGED é o registro de trabalhadores desempregados que voltam a atuar no mercado formal de trabalho” 31. Este fato tende a estar correlacionado com o tempo de emprego dos trabalhadores dispensados que tem sua maior faixa em menos de um mês, isto é, pode ser que durante o processo de admissão o contrato de trabalho não seja efetivado (formalizado) ou então nem haja tempo para tanto e os trabalhadores logo são dispensados, conforme a demanda de trabalho ou a pedido, conforme hipótese aventada acima. Isto, reforça o argumento da sazonalidade ou melhor, o trabalho por temporada e a rotatividade nesse setor. Os desligamentos sem justa causa ficam em segundo lugar na tabela 6, apresentando 6.222 trabalhadores. Em terceiro lugar, há os trabalhadores que foram desligados por término de contrato (1.269). Como podemos observar na tabela 7, quando relacionamos o tempo de emprego ao grau de instrução, obtivemos que do total de 20.609 trabalhadores, 10.201 possuem o ensino médio completo, seguido de ensino fundamental completo (3.207), o terceiro lugar referente ao grau de educação formal figura entre os trabalhadores de 6ª a 9ª série do ensino fundamental, chegando a 2.871 para o período analisado. Tabela 7 – Grau de instrução dos trabalhadores: Construção de Embarcações de Rio Grande 2012 e 2013. Grau Instrução Total de trabalhadores Analfabeto Até 5ª Incompleto 5ª Completo Fundamental 6ª a 9ª Fundamental Fundamental Completo Médio Incompleto Médio Completo Superior Incompleto Superior Completo Total 4 112 155 2.871 3.207 2.381 10.201 853 825 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 32. Do total dos 20.609 trabalhadores, quando consideramos a variável sexo por tempo de emprego, observamos que o contingente feminino figura numa posição muito abaixo, apresentando apenas 2.138 trabalhadoras quando comparado aos 28.471 trabalhadores do sexo masculino no referido período, conforme tabela abaixo: 31 Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/500757-a-movimentacao-do-emprego-no-vale-do-sinos Acesso em 30 de jul. 2015. 32 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> Tabela 8 – Trabalhadores no setor de construção de embarcações de Rio Grande por sexo: 2012 e 2013. Total de trabalhadores e trabalhadoras 18.471 2.138 20.609 Sexo Masculino Feminino Total Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 33. Sendo assim, observamos que de acordo com dados por tempo de emprego, houve o predomínio de desligamento de trabalhadores com menos de um mês de permanência no emprego, no qual 10.201 trabalhadores possuíam o ensino médio completo. Tal quadro era composto, na sua maioria, por homens (18.471 trabalhadores) ao passo que o contingente feminino figurava apenas 2.138 trabalhadoras do total dos 20.609 empregados. Tabela 9. Faixa etária dos trabalhadores no grupo Construção de Embarcações: 2012 e 2013 Até 17 234 18 a 24 5.114 25 a 29 4.984 Faixa Etária 30 a 39 40 a 49 6.678 2.415 50 a 64 1.149 65 ou mais 35 Total 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 34. Tabela 10 - Faixa de quantidade de horas contratuais de trabalho por semana do trabalhador. Construção de Embarcações de Rio Grande: 2012 e 2013 16 a 20 h 76 Faixa Hora Contratada 21 a 30 h 31 a 40 h 41 a 44 h 177 7 Total 20.349 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE 35. Tabela 11 - Faixa de salário mensal do trabalhador. Construção de Embarcações de Rio Grande: 2012 e 2013 Faixa Salarial Mensal (em salário mínimo) Até 0.50 1.01 a 1.5 1.51 a 2.0 2.01 a 3.0 3.01 a 4.0 4.01 a 5.0 33 Total de trabalhadores 249 3.039 2.104 8.832 3.609 442 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> 35 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> 34 5.01 a 7.0 7.01 a 10.0 10.01 a 15.0 15.01 a 20.0 Mais de 20.0 Total 1.134 427 369 219 185 20.609 Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do CAGED/MTE36. A faixa etária desses trabalhadores é, em primeiro lugar, de 30 a 39 anos com 6.678, seguido de 25 a 29 anos com 4.984 e em terceiro de 18 a 24 anos com 5.114 trabalhadores. Ou seja, predominantemente jovem se somarmos as duas faixas entre 18 e 29 anos. O contrato de trabalho predominante é de 41 a 44 horas semanais (20.349 trabalhadores), seguido de 16 a 20 horas semanais com setenta e seis trabalhadores. Segundo os dados da tabela 11, uma parcela significativa dos trabalhadores (8.832) recebe de dois a três a salários mínimos. Seguido de três a quatro salários mínimos, temos 3.609 trabalhadores para o referido período. Aqueles que ganham de um salário mínimo a um salário mínimo também são significativos (3.039 trabalhadores). Quando da instalação do Polo Naval e Offshore na cidade e logo nos seus primeiros anos, os impactos positivos e negativos se fizeram presentes. Para a região significava não somente a retomada da indústria naval, mas também a possibilidade de sair da estagnação econômica impulsionada pelos investimentos e o promissor futuro alardeado. Contudo, com a Operação Lava-Jato a indústria naval entrou em retração no país, o mesmo ocorreu em Rio Grande, pois sem a perspectiva de novas licitações as empresas desligaram centenas de trabalhadores. A Petrobrás e um consórcio empresarial entraram num acordo sobre os aditivos do contrato da P-75 e da P-77 que serão construídas na cidade, ao invés de enviadas para a China. Esse foi um ponto muito importante, mas as contratações ainda não começaram e estão previstas para depois de outubro/2015. Ademais, para o período tratado nesse artigo 2012 e 2013, no qual as atividades transcorriam “normalmente”, observamos que os trabalhadores são massivamente homens, jovens, cujos contratos são de 41 a 44 horas semanais e o nível de escolaridade predominante é o ensino médio completo. Além disso, constatamos que mais da metade do contingente analisado é admitido pelo reemprego, um indicativo da rotatividade no polo o qual pode estar ligado a sazonalidade, devido a característica do trabalho por projeto e por fases. Além disso, a tabela 6 aponta que mais da metade dos trabalhadores foram desligados antes de completarem um mês de emprego. Esse dado suscita algumas questões que não foram aprofundadas no presente trabalho, mas pode apontar para a flexibilidade do 36 Disponível em <http://bi.mte.gov.br/bgcaged/caged_perfil_municipio/index.php> contrato quando observamos que em segundo lugar, seguido de 0 meses, temos os contratos que vão de seis meses a quase um ano; e que, embora os contratos por tempo determinado sejam baixos (56), o contrato por homem/hora – ainda que não possa ser captado pelos dados do CAGED – se constitui num forte indicativo de flexibilização da remuneração de acordo com o total das horas trabalhadas e com as metas impostas pela empresa aos trabalhadores. Considerações finais Identificamos a partir do conjunto das entrevistas com empresas, sindicatos, da análise de dados sobre emprego, que o padrão de contratação da indústria naval é a forma flexível. São contratados por demanda, de acordo com a fase do processo produtivo o que em tese aumentaria a rotatividade. Para os trabalhadores locais, um dos principais problemas é o emprego de um grande contingente de trabalhadores de fora da cidade, do estado, que são qualificados e têm experiência. Na visão do sindicato, por exemplo, esses trabalhadores migrantes retiraram o emprego dos trabalhadores locais. O argumento é que eles conseguem o emprego porque são “fichados” (conforme linguagem do sindicato e da empresa) de acordo com o endereço local que fornecem, e não pela identidade que revelaria a naturalidade. Por parte das empresas, a preocupação central é com o lucro e, para isso, o que importa é manter a entrega das plataformas dentro do prazo acordado com a Petrobrás (D`AVILA e BRIDI, 2015). Somente em 2015, pela primeira vez é noticiado nos veículos midiáticos que uma empresa está empregando preferencialmente trabalhadores locais, o que se concebermos o conjunto não é difícil de entender: esses trabalhadores possuem experiência, e não por um critério de “generosidade e reconhecimento”. E a contratação de trabalhadores locais acontece em momento crítico para a indústria naval. Os dados apresentados captam somente os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Dessa forma, cumpre ressaltar que o perfil traçado para os anos de 2012 e 2013 diz respeito ao setor de construção de embarcações, mas não engloba as empresas que não prestam esse tipo de declaração mensal ao Ministério do Trabalho e Emprego, sendo portanto um perfil geral do setor. Um fato que chama atenção para outra modalidade de contratação é a terceirização, visto que foi necessária a criação de duas varas de trabalho a mais na cidade de Rio Grande (totalizando quatro varas), em virtude da grande demanda – a cada ano, as Varas do trabalho recebem cerca de oitocentos processos. Só em 2014, havia mais de 2,8 mil processos em andamento por vara do trabalho37. E o mote causador desses processos, em grande maioria, está relacionado à terceirização e reivindicação de direitos, por parte dos trabalhadores. O trabalho por projeto e o fato do projeto ser constituído por fases no processo produtivo é um indicativo da rotatividade do setor. Queremos dizer que, embora o trabalho seja por projeto o fato do trabalhador não estar presente em, pelo menos, a maioria das fases, em tese o impossibilitaria de se engajar no mesmo, conforme os termos de Boltanski e Chiapello (2009). A contratação via homem-hora trabalhada também é um aspecto a ser considerado, juntamente com terceirizações e quarteirizações, fatores que possibilitam afirmar a flexibilidade dos contratos quando eles chegam a existir formalmente. Todavia, nesse momento, limitamo-nos a essa caracterização, sem o intuito de qualificá-la como precariedade, visto que se trata de um estudo preliminar. Num plano mais amplo que se insere essa dinâmica da reativação da indústria naval, impulsionada por políticas públicas, esta também impactou a região sul do Estado do Rio Grande do Sul, observamos impulso que retirou a região da estagnação que se encontrava. Em termos de desenvolvimento entre a metade sul e a metade norte isso pode ser constatado, por exemplo, no IDHM de Rio Grande que, em 1991 era considerado muito baixo (0,527), em 2000 foi para 0,652 (médio), e em 2010 saltou para 0,744 (alto). As novas contratações para a P-75 e P-77 retomarão a dinâmica do setor? É o que veremos a partir dos desdobramentos da conjuntura econômica e política do Brasil. Se sim, isto nos possibilitará aprofundar muitos dos elementos trazidos neste artigo. 37 Fonte: http://www.jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=3&n=62221 acesso em 13 de ago. 2014 Referências ALVES, Flamarion Dutra; BATISTA, Inajara Martins; SILVEIRA, Vicente C. Pires. 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