FICHA LIMPAx CONTA SUJA
"Ainterpretação mais recente dada pelo T5E entende que, no caso da desaprovação
das contas de campanha eleitoral, o candidato não terá a certidão de quitação
eleitoral. É o mesmo que afirmar a criação de uma nova inelegibilidade ou a
restrição ao direito de se candidatar por meio de interpretação do Tribunal, e
não em razão do disposto em lei complementar."
• POR ALBERTO LUIS MENDONÇA
ROLLO
ão é distante toda a celeuma jurídica
que envolveu as alterações da chamada
Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar n° 64/90), pela também Lei Complementar nO 135/10, esta última apelidada de
"Lei da Ficha Limpa'.
É importante destacar que já havia, no texto
original da Lei das Inelegibilidades, uma série
de restrições às candidaturas daqueles que não
apresentassem ou preenchessem determinadas
exigências. As reclamações que acabaram motivando as alterações diziam respeito à efetividade
desta norma jurídica.
Naquela oportunidade, reclamavam a sociedade e todos aqueles que se diziam seus representantes para esta matéria, basicamente, de dois
pontos: um, a demora no trânsito em julgado das
decisões judiciais que poderiam causar a inelegibilidade ou a suspensão dos direitos políticos;
dois, o curto período das sanções, que contadas
invariavelmente a partir do pleito em que ocorrida a ilegalidade, estariam cumpridas na oportunidade de um próximo pleito.
Pois bem, todos aqueles que militam na seara
do Poder Judiciário sabem que o sistema processual brasileiro é tudo, menos rápido. O Direito
Eleitoral, apesar de contar com ritos processuais
mais céleres, acaba também dependendo dos
outros ramos do Judiciário para a execução e
N
efetiva aplicação das suas decisões. Salvo engano,
a começar pelo próprio texto constitucional, que
garante o pleno exercício da ampla defesa e do
contraditório (art. 5°, inciso LV).O princípio que
norteia o processo judicial brasileiro é o da mais
ampla garantia, até que se tenha, efetivamente e·
nos autos, a certeza, quer da procedência, quer
da improcedência da ação proposta.
E, na nossa opinião, é bem
assim mesmo que deve ser.
Não concordamos com
aquela personalidade
da
República que disse, certa feita, que os
"advogados usam as brechas da lei para retardar
a conclusão dos processos", pelo menos por dois
motivos: porque existem advogados e "advogados" no mundo jurídico brasileiro, e certamente e infelizmente, haverá aqueles que não
se comportam da melhor maneira; e porque, se
a "lei tem brechas", é porque foi mal elaborada,
mal feita, o que permite mudanças, pelo mesmíssirno processo legislativo.
Isto implica dizer: se a lei é ruim, mude-se para
adequá-la aos novos anseios da sociedade e eventualmente ao direito processual mais moderno,
célere e efetivo. O que não está correto, entretanto,
é pretender resolver uma questão de morosidade
do sistema processual e do próprio Poder Judiciário, para atender aos anseios da sociedade,
sacrificando-se o princípio da presunção de inocência.
A questão que permanece é se esta mesma sociedade
não pretende para o Brasil um sistema processual, como
um todo, mais célere e moderno, menos burocrático, com
a adoção de avanços tecnológicos, para todos os ramos e
áreas do Direito? Por que as mesmas forças que tanto pressionaram pela aprovação da Lei Complementar n° 135/10
não defendem, também, a bandeira da modernização de
todo o sistema processual e do Judiciário brasileiro?
Com certeza, o resultado seria muito mais amplo, duradouro e atingiria muito mais pessoas, como aqueles que
ganham suas causas trabalhistas e custam para receber seus
créditos, os que acabam morrendo nas filas dos precatórios
e todos que precisam aguardar toda uma tramitação processual para verem satisfeitos os seus direitos.
O que se viu com a aprovação da Lei Complementar n°
135/10, na ânsia de dar uma resposta à sociedade - mesmo
que qualquer uma -, foi a afronta ao princípio da presunção
da inocência, a partir da efetiva aplicação das várias sanções nela prevista, já que não somente após o trânsito em
julgado, mas a partir de uma decisão colegiada.
É conhecida a fala de um dos membros do Supremo Tribunal Federal, quando lembrou de outros tempos, momento
em que bastava a existência de um inquérito policial para
gerar a inelegibilidade do candidato. Pelo que me lembro,
o Ministro referia-se à década de 70, quando não se pode
afirmar que o Brasil vivia uma democracia plena.
Outro Ministro da Suprema Corte, em ocasião distinta
daquela, apontou uma estatística de provimento de recursos
na instância extraordinária, da ordem de 25% de todos os
recursos que lá chegam. Nesse contexto, seria possível
afirmar que a sociedade, que tanto defende a aplicação
irrestrita da Lei Complementar n° 135/10, admite a prática
de 25% de erros judiciários, na medida em que, seguindo
a proporção apresentada, um quarto dos candidatos que
tiverem seus pedidos de registros indeferidos por contarem com algum tipo de empecilho decidido por órgão
colegiado, e que certamente verão as decisões reformadas,
não poderão mais ser candidatos.
Pensar diferente disso, ou seja, que a decisão de órgão
colegiado realmente é suficiente para representar a correta
distribuição de Justiça, é colocar em dúvida a necessidade
dos próprios Tribunais Superiores, incluindo-se aí o Superior
Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal.
É claro que não concordamos com este raciocínio, mas
também não podemos concordar que a decisão de órgão
colegiado, ainda sem o definitivo trânsito em julgado, possa
afetar o direito individual do cidadão de disputar uma
eleição, ou seja, fazer com que o cidadão que pretende ser
candidato tenha seus direitos afetados de forma definitiva,
mesmo sem o trânsito em julgado.
Muito embora o Supremo Tribunal Federal já tenha superado esta questão, pelo menos por votação da maioria, este
é um assunto que precisa ser pensado com maior profundidade e amplitude.
Neste passo, a sociedade começará a exigir dos condenados em outras esferas do direito a execução da condenação, em toda e qualquer situação.
Vai no mesmo sentido a questão que está sendo apelidada de "conta suja", que em verdade reflete uma interpretação emprestada pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre a
obtenção da certidão de quitação eleitoral.
Com certeza, não defendemos aqui a existência de "caixa
dois" de campanha, de dinheiro não contabilizado e outras
práticas que alguns dizem ser "comuns a todos os partidos
políticos", da mesma forma como não podemos defender
aquele que foi condenado por malversação do dinheiro
público da inelegibilidade.
O que estamos defendendo é a aplicação e a obediência
aos princípios básicos do Direito, como abordamos anteriormente, e que, no caso de prestação de contas de campanha eleitoral, não se pode chegar ao limite de impedir
candidaturas futuras.
A interpretação mais recente dada pelo TSEentende que,
no caso da desaprovação das contas de uma campanha eleitoral, o candidato não terá a certidão de quitação eleitoral
(art. 52, § 2°, Resolução n° 23.376/12). Esta situação causa,
automaticamente, o indeferimento do pedido de registro
por ausência de um dos requisitos (certidão de quitação
eleitoral). É o mesmo que afirmar a criação de uma nova
inelegibilidade ou a restrição ao direito de se candidatar
por meio de interpretação do Tribunal, e não em razão do
disposto em lei complementar, como expresso no art. 14,
§ 9°, da Constituição Federal.
A interpretação minoritária daquele julgamento, já que a
aprovação da Resolução TSEn° 23.376/12 se deu em decisão
tomada por maioria de quatro votos a três, entende que, se a
apresentação das contas de campanha eleitoral não ocorreu
"de qualquer jeito", apenas para cumprir uma formalidade,
independentemente da sua aprovação, o candidato pode
ter a certidão de quitação eleitoral.
É lógico que a Justiça Eleitoral não vai aceitar qualquer
apresentação de contas, mas também é difícil exigir a aprovação da prestação de contas, notadamente quando o seu
exame e conferência são realizados por técnicos altamente
especializados, preparados, treinados e concursados, em
detrimento dos assessores dos candidatos, quando não os
próprios, que acabam fazendo as prestações de contas sem
os conhecimentos técnicos mínimos.
Enfim, se por um lado a sociedade exige transparência,
correção, absoluta lisura no procedimento dos candidatos,
ao longo de todo o seu passado, presente e principalmente
futuro, quando eleitos, não se pode retirar do povo o direito
e a liberdade de escolha.
Afinal, todo poder não emana do povo, como preconiza
o parágrafo único do art. 1° da Constituição Federal?
•
ALBERTO LUIS MENDONÇA ROLLO é Advogado em São Paulo. Especialista em Direito Eleitoral. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).Professor do Curso de Graduação em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo.
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