Impacto de Sistema ERP no Trabalho Individual em Universidade Brasileira Autoria: Luisa Mariele Strauss, Carlo Gabriel Porto Bellini Resumo Os sistemas integrados de gestão (ERPs) são cada vez mais usados em todos os tipos de organizações. Implantar um ERP provoca mudanças organizacionais importantes, com impacto nos processos de trabalho de cada usuário. No presente estudo, impactos foram categorizados por meio da percepção de empregados de uma universidade privada gaúcha que recentemente implantou um ERP líder de mercado como parte de um amplo processo de reconfiguração estratégica e operacional. Em um levantamento (survey) com 94 empregados da universidade e entrevistas focadas com cinco desses informantes para aprofundamento de questões específicas, identificaram-se impactos de natureza sociotécnica (tecnológicos, estruturais, humanos e processuais) sobre as rotinas de trabalho. Dados aspectos distintivos do caso – reportado pelo fabricante do sistema como internacionalmente significativo – e a estratégia de pesquisa adotada (investigação qualitativa após tratamento quantitativo), os resultados apresentam-se robustos e permitem generalização no que diz respeito a dimensões sociotécnicas influenciadas pela implantação de sistemas ERP em universidades brasileiras. 1 Introdução A necessidade das organizações em obterem informações precisas, em tempo real e de forma integrada fez com que um tipo de sistema ganhasse popularidade – o sistema integrado de gestão ou ERP (Davenport, 2002). A implantação desses sistemas objetiva reduzir custos (Hehn, 1999; Davenport, 2002; Lozinsky, 1996; Pollock e Cornford, 2004), efetivar e otimizar processos por meio da implementação de melhores práticas da indústria (Hehn, 1999; Davenport, 2002; Pollock e Cornford, 2004) e obter controle e disponibilidade de informações (Davenport, 2002; Lozinsky, 1996). De acordo com Davenport (2002), a implantação de um ERP não é simples, pois a organização passa por um período de adaptação ao novo sistema, e não implica somente uma nova ferramenta de trabalho, mas sim, um novo modo de trabalhar. De fato, ERPs provocam mudanças organizacionais (Zanela et al., 1999), e, mais especificamente, a tecnologia da informação (TI) exerce influência no trabalho individual, determinando o nível de uso do sistema e, em conseqüência, o impacto organizacional (Torkzadeh e Doll, 1999). Com isso, percebe-se que a implantação de um ERP afeta diretamente as pessoas nas organizações, sobretudo aquelas que trabalham com o sistema – os usuários finais. Orlikowski (2004) também ressalta o fato de que é necessário medir o uso que se faz da TI nas organizações, e não somente os indicadores relativos ao conjunto de maquinaria instalada. Tendo em vista as mudanças que a implantação de um ERP provoca nas organizações e, sobretudo, a mudança provocada na maneira de trabalhar de seu usuário final, esta pesquisa propõe responder a seguinte questão: qual o impacto da implantação de sistemas ERP no trabalho individual de seus usuários, conforme a percepção dos mesmos? O artigo está organizado segundo uma (1) elaboração teórica a respeito do impacto de ERP no trabalho individual, (2) apresentação de estudo de caso junto à implantação de ERP em universidade privada gaúcha, (3) discussão de levantamento (survey) e entrevistas focadas junto a usuários desse sistema, bem como de documentos do projeto, e (4) proposição de dimensões de impacto de ERP no trabalho individual, aplicável especialmente a universidades brasileiras. 2 Sistemas ERP Sistemas ERP são pacotes de sistemas integrados que atendem todas as áreas de uma empresa. Segundo Hehn (1999) e Davenport (2002), os ERPs evoluíram dos sistemas 1 Manufacturing Resource Planning (MRP II), que, por sua vez, são uma evolução dos sistemas Materials Requirements Planning (MRP I). ERPs extrapolam o planejamento de materiais e de produção de seus antecessores, pois produzem e fornecem informações sobre os mais diversos processos, em tempo real (Davenport, 2002; Colangelo Filho, 2001), além de os reformularem e padronizarem (Colangelo Filho, 2001). A nova geração de sistemas, conhecida como ERP II, integra funcionalidades de data warehousing, gestão do relacionamento com o cliente e inteligência empresarial, abrindo o sistema para interação com fornecedores e clientes (Saccol et al., 2004; Davenport, 2002). O início de produção do sistema após a implantação é marcado por “mudanças radicais no dia-a-dia dos usuários (...) e da equipe de projeto” (Colangelo Filho, 2001, p. 135). Nessa fase, também se observa uma queda no desempenho organizacional (Colangelo Filho, 2001; Lozinsky, 1996), causada pela não-familiaridade dos usuários com o sistema, com os novos processos e com a nova maneira de trabalho. O desempenho costuma ser melhorado após um período, com a adaptação dos usuários ao novo sistema e a adaptação do sistema ao cotidiano da organização, por meio da correção de possíveis erros e ajustes em alguns processos. 2.1 Mudanças Organizacionais Provocadas por ERP De acordo com Davenport (2002), Colangelo Filho (2001) e Kallinikos (2004), a implantação de sistemas ERP provoca mudanças profundas nas organizações, semelhantes ao que acontecia com a prática da reengenharia; tal prática teve início no começo dos anos 1990, em função da necessidade constante de melhoria dos produtos e processos das organizações. Atualmente, a reengenharia de processos de negócio (business process reengineering – BPR), embora não isenta de críticas (e.g., Galliers e Swan, 1999), é implementada em projetos de tecnologia da informação (TI), que a viabilizam (Davenport, 2002; Sarker e Lee, 2002). Segundo Sarker e Lee (2002), a BPR consiste em redesenhar e implementar processos de negócios intrafuncionais amplos com a ajuda de ferramentas organizacionais e de TI para obter significativos incrementos de performance. Os autores também defendem que uma reengenharia de processos deva adotar, desde o começo, orientação sociotécnica. Zanela et al. (1999) e Saccol et al. (2003) mapearam as mudanças provocadas por sistemas ERP nas seguintes categorias: tecnológicas (não somente mudanças de hardware e de software, mas também em processos e técnicas de trabalho), estruturais (mudanças na estrutura hierárquica da organização, na divisão do trabalho e na maneira como as tarefas são desempenhadas e controladas) e comportamentais (mudanças na cultura organizacional e em habilidades, atitudes e motivações das pessoas). Essas mudanças podem ser enquadradas sob a perspectiva da abordagem sociotécnica dos sistemas de trabalho, segundo a qual um alto desempenho deve-se não apenas à introdução e administração de um sistema de componentes técnicos, mas à otimização conjunta de componentes técnicos e sociais (Trist e Murray, 1993; Pava, 1983; Nadler et al., 1993; Mumford, 1999; Palvia et al., 2001). Palvia et al. (2001) organizam os componentes da abordagem sociotécnica em quatro dimensões, adaptadas para os objetivos da presente pesquisa conforme apresentado no Quadro 1. Subsistema Técnico Social Dimensão Tecnologia Tarefas Estrutura Pessoas Definição Atributos computacionais do sistema ERP. Atributos dos processos implementados pelo sistema ERP. Atributos estruturais do contexto de aplicação do sistema ERP. Atributos dos indivíduos que se relacionam com o sistema ERP. Quadro 1 – dimensões sociotécnicas da pesquisa 2.2 Resistência do Usuário à Implantação de ERP A resistência dos usuários à implantação de uma tecnologia e, de maneira geral, a 2 qualquer mudança, tem sido tratada e discutida há muito tempo. Hehn (1999) afirma que a resistência às mudanças faz parte da natureza das pessoas e isso não significa que as pessoas sejam mal-intencionadas, ou, sequer, que ajam de forma consciente. Assim, provavelmente haverá resistência à implantação de sistemas ERP (Hehn, 1999; Lozinsky, 1996). Para Hehn (1999), as organizações devem preparar o seu pessoal para passar de um modelo departamental e funcional tradicional para um modelo orientado a processos e fortemente integrado pela TI. Com as modificações de seus modelos mentais, as pessoas podem aceitar melhor as mudanças e contribuir para o sucesso do sistema ERP. 2.3 Aceitação e Adoção de ERP pelo Usuário Davis (1989) desenvolveu o Modelo de Aceitação da Tecnologia (Technology Acceptance Model – TAM), contendo três construtos e causalidades fundamentais: intenção de comportamento (como o usuário pretende portar-se frente a uma nova tecnologia, ou seja, se irá adotá-la ou não), que é influenciada pela utilidade percebida (grau em que o usuário percebe que a tecnologia é útil para o trabalho) e pela facilidade de uso percebida (o quanto o usuário percebe que a tecnologia é fácil de usar), sendo que a percepção de facilidade de uso também influencia a percepção de utilidade. O modelo TAM foi desenvolvido para verificar a aceitação e a adoção de sistemas em situações em que os usuários podem optar por adotá-los ou não. Em contextos ERP, porém, a adoção não é voluntária, mas sim, mandatória (Nah et al., 2004; Amoako-Gyampah, 2005), ou seja, a opção por implementar esses sistemas não parte dos usuários, sendo decidida e imposta pela área gerencial da empresa. Ainda assim, vários estudos baseados em TAM foram realizados junto a ERPs (e.g., Zviran et al., 2005, Calisir e Calisir, 2004, Nah et al., 2004, e Amoako-Gyampah, 2005) e, em todos, verificaramse ações causais semelhantes às do modelo original. Nah et al. (2004) sugerem, porém, que a intenção de comportamento seja substituída por uma adoção simbólica, sinalizando a aceitação mental da novidade. Essa aceitação também pode determinar o comportamento pósadoção, que ocorre com as ações individuais de adotar, usar e estender uma ou mais aplicações do sistema (Jasperson et al., 2005). 2.4 Satisfação do Usuário de ERP A satisfação do usuário é apontada por vários autores como uma das principais medidas de sucesso na implantação de sistemas de informação (Zviran et al., 2005; Zviran e Erlich, 2003; Somers et al., 2003). Segundo Somers et al. (2003), refere-se ao grau em que usuários percebem que o sistema de informação satisfaz suas necessidades de informação. Doll e Torkzadeh (1988) desenvolveram o instrumento End-User Computing Satisfaction (EUCS) para medir a satisfação, sendo composto por cinco construtos: conteúdo (grau em que o sistema fornece informações de acordo com o que o usuário necessita), precisão (se o sistema é preciso ou não), formato (clareza e utilidade das informações), facilidade de uso do sistema, e atualização do sistema (se as informações são conseguidas em tempo e se estão atualizadas). O instrumento foi validado junto a usuários de ERP por Somers et al. (2003). 2.5 Impacto de ERP no Trabalho Individual Torkzadeh e Doll (1999) afirmam que a TI influencia fortemente as pessoas e seu trabalho. Esse impacto no trabalho individual tem conseqüências diretas na organização como um todo, pois determina como os usuários fazem uso dos sistemas. Assim, um impacto no nível de trabalho individual é fator determinante do impacto organizacional. Segundo os mesmos autores, há quatro dimensões de impacto no trabalho individual: produtividade, inovação, satisfação do cliente e controle gerencial. Juntas, as quatro dimensões determinam como uma aplicação de TI influencia os indivíduos no contexto organizacional. Dado que ERPs têm características únicas, dimensões adicionais de análise foram incorporadas na 3 presente pesquisa a partir de uma perspectiva sociotécnica, conforme discussão a seguir. 2.5.1 Tecnologia A tecnologia integra o subsistema técnico e, aqui, tem o significado atribuído por Palvia et al. (2001), dizendo respeito ao ERP em si. Foram incorporadas as variáveis do Quadro 2. Dimensão Referências Interface com o Usuário Doll e Torkzadeh (1988) Nah et al. (2004) Palvia et al. (2001) Hardware e Software Saccol et al. (2003) Colangelo Filho (2001) Integração e Compartilhamento de Informações Davenport (2002) Colangelo Filho (2001) Hehn (1999) Kallinikos (2004) Saccol et al. (2003) Itens O sistema é fácil de usar. Usar o sistema é intuitivo. É fácil entender a nova interface. A quantidade de digitação e movimentos de mouse necessária à execução do trabalho é aceitável. A interface do sistema é agradável. O(s) microcomputador(es) que utilizo em meu trabalho foi(foram) atualizado(s) em função do sistema. Houve atualização de softwares instalados no(s) microcomputador(es) que utilizo em meu trabalho em função do sistema. O sistema fornece as informações de que necessito em meu trabalho. O sistema diminuiu a necessidade de relatórios impressos para obter informações. O sistema permite maior compartilhamento de informações. O sistema integrou as informações no mesmo ambiente. Quadro 2 – itens da dimensão Tecnologia 2.5.2 Tarefas As tarefas ou processos também integram o subsistema técnico e referem-se às atividades implementadas no sistema (Palvia et al., 2001). A reengenharia movida a ERP envolve, entre outras mudanças, a redefinição dos processos de negócio (Davenport, 2002; Colangelo Filho, 2001). O Quadro 3 apresenta as correspondentes variáveis de interesse. Dimensão Referências Itens O sistema me ajuda a economizar tempo. O sistema aumenta minha produtividade. O sistema permite que eu realize mais trabalho do que seria possível sem ele. O sistema ajuda a gerência a controlar o processo de trabalho. O sistema melhora o controle gerencial. O sistema ajuda a gerência a controlar o desempenho do trabalho. Produtividade Torkzadeh e Doll (1999) Davenport (2002) Controle Gerencial Torkzadeh e Doll (1999) Davenport (2002) Kallinikos (2004) Inovação Torkzadeh e Doll (1999) Palvia et al. (2001) Nadler et al. (1993) O sistema me ajuda a desenvolver novas idéias. O sistema me ajuda a explorar novas idéias. Satisfação do Cliente Torkzadeh e Doll (1999) Davenport (2002) O sistema melhora o serviço ao cliente. O sistema aumenta a satisfação do cliente. O sistema me ajuda a satisfazer necessidades do cliente. O sistema permite que o cliente receba um melhor atendimento. O sistema permite que o cliente perceba melhorias na realização do trabalho. Processos de Trabalho Davenport (2002) Colangelo Filho (2001) Lozinsky (1996) Kallinikos (2004) O trabalho tornou-se mais regrado. Os processos de trabalho foram padronizados. Quadro 3 – itens da dimensão Tarefas 4 2.5.3 Estrutura Aspectos estruturais ou de organização pertencem ao subsistema social e dizem respeito ao nível macro no qual o sistema está inserido (Palvia et al., 2001), ou seja, à estrutura organizacional que possibilita a realização do trabalho. Segundo Mintzberg (1995, p. 20), “a estrutura de uma organização pode ser definida simplesmente como o total da soma dos meios utilizados para dividir o trabalho em tarefas distintas e em seguida assegurar a necessária coordenação entre as mesmas”. O Quadro 4 apresenta as variáveis de impacto para esta dimensão. Dimensão Referências Burocracia Nadler et al. (1993) Donaldson (1999) Palvia et al. (2001) Lozinsky (1996) Poder de Decisão Nadler et al. (1993) Mintzberg (1995) Organograma Lozinsky (1996) Davenport (2002) Saccol et al. (2003) Divisão do Trabalho Mintzberg ( 1995) Zanela et al. (1999) Saccol et al. (2003) Davenport (2002) Schein (1996) Itens Comunicar um problema tornou-se mais ágil com o sistema. Resolver um problema tornou-se mais ágil com o sistema. O sistema diminuiu a burocracia em meu grupo de trabalho ou na organização em geral. Resolver um problema é menos burocrático com o sistema. Houve mudança no poder de decisão no meu grupo de trabalho ou na organização em geral em função do sistema. Recebo e forneço, por meio do sistema, informações necessárias para a tomada de decisões. Tenho poder de decisão sobre as tarefas que executo e que são apoiadas pelo sistema. Houve alteração na estrutura do meu grupo de trabalho ou na organização em geral em função do sistema. A implantação do sistema reduziu o número de níveis hierárquicos em meu grupo de trabalho ou na organização em geral. Algumas funções que eu desempenhava agora são realizadas pelo sistema. Minhas funções foram alteradas em função do sistema. Assumi novas funções na Universidade em função da implantação do sistema. Quadro 4 – itens da dimensão Estrutura 2.5.4 Pessoas Aspectos de natureza humana também participam do subsistema social do trabalho, podendo ser de ordem emocional ou psicológica, oriundos das condições de trabalho às quais as pessoas são submetidas. Uma preocupação intensa com o bem-estar dos empregados surgiu com a Escola de Relações Humanas, na década de 1930, focando o indivíduo como vetor de necessidades psicológicas e sociais (Roethlisberger e Dickson citados em Donaldson, 1999). A implantação de um sistema ERP provoca mudanças profundas nas organizações, gerando insegurança e resistência (Davenport, 2002; Colangelo Filho, 2001; Hehn, 1999). Esses sentimentos surgem porque cargos e funções costumam se modificar ou deixar de existir após a implantação de um sistema. Por outro lado, quem se adaptar ao novo sistema e à nova forma de trabalho tende a ser valorizado (Davenport, 2002). O Quadro 5 reúne variáveis de interesse para entender o impacto de um ERP sobre a condição humana no trabalho. 3 Metodologia A pesquisa teve caráter exploratório, uma vez que não foram encontrados estudos semelhantes no contexto de sistemas ERP. Optou-se por um estudo de caso auxiliado por levantamento (survey) e entrevistas focadas com empregados de uma universidade privada gaúcha (doravante denominada “UnivERP”), cuja implantação de ERP é considerada pioneira no Brasil. Adicionalmente, realizou-se pesquisa em documentos e comunicações do projeto. 5 Dimensão Referências Itens O sistema me ajuda a conhecer melhor os processos da Universidade. Minha responsabilidade na realização das atividades apoiadas pelo sistema aumentou. Eu preciso de mais conhecimentos de informática para utilizar o sistema do que era necessário antes. Tenho realizado mais atividades de análise de informações em função do sistema. Usar o sistema representa um desafio profissional para mim. O sistema viabiliza meu desenvolvimento profissional. Competências Rabaglio (2004) Zanela et al. (1999) Saccol et al. (2003) Hehn (1999) Souza (2001) Davenport (2002) Motivação Davis (1989) Nah et al. (2004) Amoako-Gyampah (2005) Zviran et al. (2005) Calisir e Calisir (2004) Somers et al. (2003) Doll e Torkzadeh (1988) Zviran e Erlich (2003) Sinto-me motivado a usar o sistema. Estou satisfeito com o sistema. Sou a favor do uso do sistema. Estou disposto a vencer os desafios de implantar o sistema. Sociabilização Roethlisberger e Dickson apud Donaldson (1999) O sistema melhorou minha relação com colegas de trabalho. O sistema me aproximou de colegas de trabalho. O sistema faz sentir-me importante na Universidade. O sistema viabiliza meu desenvolvimento pessoal e social. Quadro 5 – itens da dimensão Pessoas 3.1 Unidade de Análise e Local de Pesquisa A unidade de análise (objeto de interesse teórico) esteve representada pelas rotinas de trabalho de empregados de universidades que implantam sistemas ERP. Para estudá-la, escolheu-se como local de pesquisa (objeto de interesse empírico) a implantação de ERP na UnivERP. A opção pela UnivERP deu-se porque (1) ela foi a primeira universidade brasileira a implantar um ERP reconhecidamente abrangente e inserido em largas mudanças de ordem estratégica e operacional, e porque (2) ambos os autores nela trabalhavam à época. A UnivERP adquiriu, em 2003, um pacote ERP II da empresa PeopleSoft voltado ao ensino e contendo mais de 60 módulos. Para implantá-lo, o projeto envolveu mais de 130 pessoas, entre elas colaboradores da UnivERP e de empresas de consultoria contratadas externamente. A implantação foi dividida em duas fases: a primeira (foco do presente estudo) encerrou-se em janeiro de 2005 com a implantação dos sistemas de RH, Finanças, Suprimentos, Portal e Operação Acadêmica; e a segunda, em andamento, compreende a gestão do relacionamento com o cliente, a gestão do desempenho empresarial e novas funcionalidades do ambiente Web personalizável (Portal). Concomitantemente à implantação, a UnivERP passou por transformações importantes na estrutura administrativa e operacional. Decorrentes do plano estratégico, as mudanças levaram a uma redução de níveis hierárquicos, alterações profundas no quadro de pessoal e redefinição de processos de negócio. 3.2 Coleta de Dados A coleta de dados aconteceu por meio de quatro fontes de evidências, para tornar mais confiável o conjunto de resultados (Yin, 2005): (a) questionários estruturados autoadministrados por empregados da UnivERP, selecionados por amostragem não probabilística; (b) documentos e informativos veiculados pela organização por meio eletrônico ou impresso para a comunidade em geral; (c) observação direta; (d) entrevistas focadas com informantes. 6 3.2.1 Levantamento Com base nas variáveis dos Quadros de 2 a 5, elaborou-se a primeira versão de um questionário auto-administrável (Babbie, 1999), submetido à validação de face e conteúdo com dois especialistas em TI, três usuários do sistema e uma pesquisadora em marketing. Em seguida, o instrumento foi pré-testado com uma amostra de 56 respondentes selecionados por conveniência, com intenção de verificar possíveis falhas na construção do instrumento e reduzir o número de questões por meio da análise fatorial exploratória (Hair Jr. et al., 1998). O teste Bartlett Test of Sphericity, usado para verificar a presença de correlação entre as variáveis, sugeriu que a amostra não era adequada para análise fatorial, apesar de superior ao mínimo sugerido de 50 casos (Hair Jr. et al., 1998). A inadequação deveu-se ao fato de vários questionários não estarem completos, ou seja, uma ou algumas questões ficaram sem resposta por parte dos respondentes. A partir disso, observou-se a necessidade de incluir a opção de resposta NSO (“Não Sei Opinar”). Nenhuma outra alteração se mostrou necessária ou desejável. Assim, um dos objetivos do pré-teste – verificar a formulação do instrumento – foi atingido e mostrou-se importante. O instrumento, acessível na íntegra mediante solicitação aos autores, ficou estruturado em três partes: (1) apresentação dos objetivos da pesquisa e instruções de preenchimento, (2) questões sobre impacto no trabalho individual, organizadas conforme as dimensões sociotécnicas, e (3) questões demográficas para análise de grupos de entrevistados. As questões sobre impacto foram apresentadas na forma de afirmações (nenhuma codificada reversamente), para as quais os entrevistados deveriam posicionar-se em escala tipo Likert de 1 (“Discordo Totalmente”) a 5 (“Concordo Totalmente”), ou, quando fosse o caso, NSO. A coleta da percepção dos empregados da UnivERP sobre o impacto da implantação do ERP em suas atividades foi realizada por amostragem não probabilística (Babbie, 1999). Foram enviados 457 questionários em formato eletrônico para listas de correio eletrônico, 51 dos quais foram respondidos (11%). Utilizou-se abordagem direta a outros 66 empregados selecionados por conveniência durante o trânsito nos espaços públicos da UnivERP, obtendose mais 43 respostas. De acordo com Hair Jr. et al. (1998), o total de questionários respondidos (94) seria suficiente para análise fatorial, caso todos estivessem completos. Contudo, somente 33 questionários foram completados (1,7% dos empregados da UnivERP), pois nos demais os respondentes marcaram, em ao menos uma variável, a opção NSO, o que foi tratado como dado perdido (missing). Por tal motivo, optou-se por realizar entrevistas focadas para validar as respostas obtidas nos questionários e tentar entender os motivos que levaram tantos respondentes a não se posicionar sobre algumas questões. Os respondentes têm o seguinte perfil: 11,4% de gestores; 45% de mulheres, 49% de homens, e 6% não responderam; 44% de professores e 55% de outros funcionários; 7,4% trabalham na UnivERP há um ano ou menos, 13,5% de um a três anos, 18,1% de três a seis anos, 22,3% de seis a dez anos, 36,2% há mais de dez anos, e 2,1% não responderam; 24,5% utilizam o sistema até um dia por semana, 20,2% de dois a três dias, e 55,3% mais de três dias; 7,4% participaram da equipe de implantação em tempo integral, 8,5% em tempo parcial, 29,8% tiveram participações pontuais, 21,3% participaram somente de treinamentos, 19,1% não participaram de nenhuma etapa da implantação, e o restante não respondeu; quanto à titulação, 9,6% são doutores, 36,2% mestres, 9,6% especialistas, 20,2% graduados, 23,4% cursam graduação, e 1,1% não responderam; 1,1% têm até 20 anos de idade, 35,1% entre 20 e 30 anos, 27,7% entre 30 e 40 anos, 26,6% entre 40 e 50 anos, e 9,6% mais de 50 anos; por fim, todos já faziam uso de computador em suas atividades. 3.2.2 Entrevistas Focadas As entrevistas focadas foram realizadas com cinco empregados da UnivERP, cujos perfis são os seguintes: 7 • Entrevistado A: funcionária há dois anos, cursa graduação, atua como secretária, utiliza o sistema todos os dias, participou somente de treinamentos; • Entrevistado B: funcionária há nove anos, graduada, atua nas inscrições e matrículas de alunos, usa o sistema todos os dias nessas atividades, participou em tempo parcial da equipe de implantação e também de treinamentos; • Entrevistado C: professora, doutora, atua como gestora, trabalha na UnivERP há 27 anos, usa o sistema para aprovar requisições e consultar informações gerenciais; • Entrevistado D: professora da área de ciências humanas, mestre e doutoranda, realiza atividades administrativas e usa o sistema para registrar graus e freqüências e para consultar informações gerenciais; e • Entrevistado E: professor da área de ciências exatas e tecnológicas, mestre, trabalha há 16 anos na UnivERP, não participou de treinamentos. A partir da transcrição das entrevistas, foi realizada análise de conteúdo conforme critérios de Lima Filho (mencionados em Borges, 2000): aglutinação (reunião de termos conceitualmente semelhantes), desmembramento (separação de termos com mesma grafia/pronúncia e diferentes significados específicos), determinância (termos de interesse da pesquisa) e representatividade (termos enfatizados pelo entrevistado). As 61 categorias sociotécnicas resultantes e o roteiro de 16 questões para as entrevistas focadas podem ser obtidos mediante solicitação aos autores. 3.2.3 Documentos Como fonte adicional de evidências, analisaram-se documentos que descreviam a implantação do sistema na UnivERP: informativos enviados por correio eletrônico aos empregados, informações do web site do projeto e do jornal on-line da UnivERP, e apresentações realizadas ao longo da primeira fase de implantação do ERP. 3.2.4 Observação Direta A observação direta foi possível pelo fato de um dos pesquisadores também ser empregado da UnivERP, havendo participado do mapeamento de processos, de apresentações sobre o andamento do projeto e de treinamentos de alguns módulos. 3.3 Análise Fatorial Os dados coletados no levantamento foram submetidos a uma análise fatorial exploratória, com o objetivo de identificar os agrupamentos empíricos das variáveis. Essa análise foi realizada com auxílio do software SPSS for Windows™. Os dados perdidos foram substituídos pela média da variável correspondente (cf. Hair Jr. et al., 1998); apesar de distorcer a distribuição real e a variância, tal decisão é comum em pesquisa. Realizou-se rotação Varimax para uma melhor discriminação de valores. Testes de adequação de amostra para análise fatorial apresentaram resultados satisfatórios. Em uma primeira análise fatorial, identificaram-se 11 fatores, os quais explicavam 75% da variância total. Todas as variáveis apresentaram comunalidades superiores a 0,6, assim apresentando volume de variância suficiente para o conjunto (Hair Jr. et al., 1998). Nessa primeira análise, 12 variáveis foram excluídas por apresentarem carga fatorial inferior a 0,6 (Hair Jr. et al., 1998) ou por não se agruparem conceitualmente ou ficarem isoladas das demais. A partir dessas exclusões, nova análise fatorial foi realizada (Quadro 6), utilizando-se os mesmos parâmetros da primeira. Os testes iniciais mostraram, novamente, adequação da amostra para análise fatorial. Os fatores foram rotulados de acordo com discussão teórica precedente: (1) Produtividade, (2) Desenvolvimento Humano, (3) Satisfação do Cliente, (4) Integração e 8 Compartilhamento de Informações, (5) Interface com o Usuário, (6) Controle Gerencial, (7) Processos de Trabalho, (8) Suporte Tecnológico, (9) Organograma, (10) Funções, e (11) Motivação. Item 1 v12. O sistema me ajuda a economizar tempo. .81 v29. O sistema diminuiu a burocracia em meu grupo de trabalho ou na organização em geral. .80 v30. Resolver um problema exige menos burocracia depois da implantação do sistema. .76 v28 Resolver um problema tornou-se mais ágil com o sistema. .75 v14 O sistema permite que eu realize mais trabalho do que seria possível sem ele. .72 v27 Comunicar um problema tornou-se mais ágil com o sistema. .72 v13. O sistema aumenta minha produtividade. .71 v9 O sistema diminuiu a necessidade de relatórios impressos para obter informações. .65 v8. O sistema fornece as informações de que necessito para meu trabalho. .58* v50. O sistema me aproximou de colegas de trabalho. v51. O sistema faz sentir-me importante na Universidade. v52. O sistema viabiliza meu desenvolvimento pessoal e social. v49. O sistema melhorou minha relação com colegas de trabalho. v44. O sistema viabiliza meu desenvolvimento profissional. v43. Usar o sistema representa um desafio profissional para mim. v22. O sistema me ajuda a satisfazer necessidades do cliente. v21. O sistema aumenta a satisfação do cliente. v23. O sistema permite que o cliente receba um melhor atendimento. v20. O sistema melhora o serviço ao cliente. v24. O sistema permite que o cliente perceba melhorias na realização do trabalho. v10. O sistema permite maior compartilhamento de informações. v11. O sistema integrou as informações em um mesmo ambiente. Item 5 6 7 8 v2. Usar o sistema é intuitivo. .83 v1. O sistema é fácil de usar. .80 v3. É fácil entender a nova interface. .65 v5. A interface do sistema é agradável. .58* v16. O sistema melhora o controle gerencial. .77 v15. O sistema ajuda a gerência a controlar o processo de trabalho. .73 v17. O sistema ajuda a gerência a controlar o desempenho do trabalho. .70 v25. O trabalho tornou-se mais regrado. .79 v26. Os processos de trabalho foram padronizados. .68 v6. O(s) microcomputador(es) que utilizo no meu trabalho foi(foram) .90 atualizado(s) em função do sistema. v7. Houve atualização de softwares instalados no(s) microcomputador(es) que .89 utilizo em meu trabalho em função do sistema. v34. Houve alteração na estrutura do meu grupo de trabalho ou na organização em geral em função do sistema. v35. A implantação do sistema fez com que houvesse redução do número de níveis hierárquicos em meu grupo de trabalho ou na organização em geral. v38. Assumi novas funções na Universidade em função da implantação do sistema. v40. Minha responsabilidade na realização das atividades apoiadas pelo sistema aumentou. v37. Minhas funções foram alteradas em função do sistema. v48. Estou disposto a vencer os desafios de implantar o sistema. v47. Sou a favor do uso do sistema. * Itens movidos entre fatores por motivos de aderência conceitual. ** Fatores criados por motivos conceituais. 2 3 4** .85 .83 .82 .80 .75 .67 .84 .79 .77 .72 .60 9 .64 .45* 10 11* .73 .69 .78 .51* .43* .60* .36* Quadro 6 – composição dos fatores e cargas fatoriais 9 3.4 Testes de Diferenças de Médias Para entender as diferenças de percepções entre perfis de respondentes, foram realizados testes de diferença significativa de médias: teste t para questões que permitiam somente duas opções de resposta, e análise de variância para as demais. 4 Análise das Dimensões Primeiramente, foram analisadas as dimensões emergentes da pesquisa empírica, para entender os agrupamentos comparativamente àqueles encontrados em revisão conceitual. Em seguida, estudaram-se as médias das variáveis e as diferenças de médias entre grupos. 4.1 Produtividade Esta dimensão procura mensurar quanto o sistema aumenta a produtividade de seus usuários, diminuindo a burocracia, agilizando a comunicação e a consulta de informações. Observou-se que o sistema ainda não significou aumento de produtividade. Os entrevistados argumentam que o sistema ainda está em fase inicial; portanto, os usuários ainda estão se adaptando ao novo sistema, aos novos processos de trabalho, assim como o sistema ainda está sofrendo ajustes para encaixar-se na realidade da UnivERP. Também ficou claro que há expectativa de que essa situação seja passageira. Outro aspecto interessante são as diferenças de percepção entre os respondentes que usam o sistema somente de duas a três vezes por semana e aqueles que o utilizam mais de três vezes. As variáveis v28, v14, v27 e v13 receberam médias mais altas entre aqueles que usam o sistema com mais freqüência, o que leva a crer que os respondentes com mais familiaridade com o sistema – pois o utilizam mais freqüentemente – conseguem perceber um impacto maior na produtividade. 4.2 Desenvolvimento Humano Esta dimensão agrupa as variáveis que possibilitam o desenvolvimento das pessoas nas organizações, tanto emocional quanto profissionalmente. O que se observou foi que não é atribuído ao sistema o desenvolvimento pessoal ou profissional; se existe integração e interação entre as pessoas de uma determinada área ou com outras áreas, esta é vista como conseqüência de características pessoais ou de necessidades profissionais. Algumas diferenças de médias foram observadas. Para todas as variáveis da dimensão, houve diferença significativa das médias entre professores (de 1,67 a 2,10) e outros funcionários (de 2,26 a 2,83), sendo que, para os últimos, as médias foram mais elevadas. Essa diferença se explica pelo fato de o funcionário depender mais do sistema para realizar suas atividades, enquanto o professor o utiliza apenas para atividades muito específicas e não em sua atividadefim. Para as variáveis v51 e v52, foram encontradas médias mais altas entre aqueles que participaram da equipe de implantação em tempo integral (3,14 em ambas) e os que não participaram (1,44 e 1,81, respectivamente). Nesse caso, as diferenças eram esperadas, uma vez que participar da equipe de implantação foi considerada, na UnivERP, uma forma de reconhecimento de competências individuais. Quanto à escolaridade, foram encontradas diferenças de média para v52 entre doutores (1,11) e graduandos (2,45), e para v49 entre doutores (1,13) e graduados (2,71). Em ambos os casos, as notas médias de doutores foram mais baixas, provavelmente porque pessoas com escolaridade mais elevada são mais criteriosas ou críticas. 4.3 Satisfação do Cliente Esta dimensão diz respeito ao grau em que o sistema auxilia na satisfação do cliente, seja ele interno ou externo (Torkzadeh e Doll, 1999). Foi possível verificar que ainda não se consegue perceber aumento na satisfação do cliente, por motivos semelhantes àqueles apresentados para a produtividade; ou seja, o sistema ainda não está funcionando em sua 10 plenitude, não permitindo conclusões sobre reflexos no atendimento ao cliente. Além disso, há duas contradições no que diz respeito ao cliente externo “aluno”: por um lado, o sistema ofereceu alguns serviços a esse cliente, como disponibilização dos graus parciais durante o andamento do semestre e da sua situação curricular pelo portal da UnivERP; por outro, esse mesmo cliente também precisou aprender a usar a ferramenta para realizar sua matrícula semestral, o que causou dificuldade inicial e foi considerado pelos entrevistados algo normal, pois é um momento de adoção de nova tecnologia. Ou seja, mesmo que o sistema tenha oferecido alguns serviços, os alunos precisaram aprender a usá-lo para dele usufruírem, o que acabou gerando dificuldade inicial e interferindo na avaliação da satisfação. 4.4 Integração e Compartilhamento de Informações Esta dimensão revela o grau em que o sistema melhora a integração e o compartilhamento das informações, sendo criada por motivos conceituais – dado que a análise fatorial não agrupou as varáveis em um único fator. Tal dimensão tem muita importância quando se trata da implantação de ERP, pois uma das premissas desses pacotes é a integração das informações em um mesmo sistema, o que viabiliza o compartilhamento das mesmas. De acordo com as entrevistas, o sistema PeopleSoft integrou as informações que antes estavam distribuídas em mais de um sistema, e o compartilhamento das informações é conseguido por meio de permissões de acesso a perfis de usuários. Foram encontradas diferenças de médias para a variável v10 entre os empregados da área de Ciências Humanas (2,10) com relação aos empregados das Unidades de Apoio (3,82), da área de Ciências Econômicas (3,71) e da área de Ciências Exatas e Tecnológicas (3,79). Tal diferença parece explicar-se pela suposição de uma das entrevistadas de que esses empregados têm uma relação diferente com a tecnologia do que os outros, pois não estão sempre em contato com o computador. 4.5 Interface com o Usuário Esta dimensão refere-se às telas e à interação do usuário com o sistema. Nas entrevistas em profundidade, três pessoas consideraram o sistema fácil de usar, apresentando telas semelhantes e de fácil navegação. Porém também houve três entrevistados observando que as informações estão muito fragmentadas, ou seja, é necessário consultar várias telas para obter uma informação completa ou atualizar informações. Foram feitas, também, comparações com os sistemas anteriores que eram usados, nos quais as informações sobre o mesmo assunto eram localizadas na mesma tela. Destacam-se duas observações: “... [o sistema] tem [a informação] lá dentro, mas até saber o caminho que tem aquilo de que tu precisas, demora...” e “... é necessário fazer a mesma coisa muitas vezes... só depois de tudo salvo, pronto, processado, é que consegue ver tudo”. Por esse motivo, formas alternativas de consulta a informações continuam sendo utilizadas, de acordo com declaração em uma das entrevistas. Em função de declarações assim, percebe-se por que as notas atribuídas a essa dimensão foram baixas. A inclusão de novas variáveis ao instrumento talvez seja necessária para entender melhor esta dimensão. Houve diferenças de médias entre as pessoas que usam o sistema de duas a três vezes por semana (2,16) e aqueles que o utilizam mais de três vezes (2,94). Essa diferença de percepção pode ser atribuída ao fato de que as pessoas que usam o sistema mais vezes já estão mais familiarizadas com ele, tendendo a considerá-lo mais fácil de usar. 4.6 Controle Gerencial Esta dimensão evoca o grau em que o sistema melhora o controle gerencial. Aqui, as notas foram mais elevadas, apesar de haver muitos casos com resposta NSO. De acordo com as entrevistas, tal fato pode ser devido a que nem todos os usuários conhecem os relatórios e 11 as possibilidades que o sistema oferece. De forma inversa, conclui-se que quem respondeu às variáveis dessa dimensão o fez porque conhece as opções do sistema. A visão de que o sistema proporciona maior controle gerencial foi exemplificada nas entrevistas com três situações: a primeira foi a disponibilização de Demonstrativos de Resultado do Exercício aos gestores, permitindo consultar os gastos realizados por cada área e que está servindo de base para planejar o orçamento anual; a segunda foi o monitoramento de status das requisições de compra que o sistema proporciona, permitindo ao usuário controlar o andamento de pedidos; por fim, o registro de freqüência dos alunos possibilita o controle da evasão ao longo do semestre. 4.7 Processos de Trabalho Esta dimensão diz respeito aos impactos percebidos nas rotinas e processos de trabalho. Na UnivERP, o impacto é percebido em função da adequação dos processos existentes aos apoiados pelo pacote PeopleSoft. Alguns desses processos eram anteriormente apoiados por vários sistemas, e outros eram parcialmente manuais. A adequação resultou em uma padronização apoiada por um conjunto de regras divulgadas aos usuários por meio de treinamentos ou tutoriais. De acordo com as entrevistas, é possível observar que é necessário ter mais disciplina na realização das atividades. A percepção de que o trabalho tornou-se mais regrado (v25) foi menor entre os professores (2,81) do que entre os funcionários (3,51). A diferença pode ser entendida porque os funcionários, na maior parte, utilizam o sistema em suas atividades principais diárias. Já os professores, em sua maioria, utilizam-no somente em uma parcela de suas atividades. As variáveis desta dimensão (v25 e v26) foram percebidas com maior impacto pelas mulheres (3,63 e 3,90, respectivamente) do que pelos homens (2,90 e 3,33, respectivamente). Diferenças de percepção por gênero com o uso da TI já foram estudadas em outros contextos (Ilie et al., 2005; Lerouge et al., 2005) e se referem, geralmente, a questões culturais e sociais. 4.8 Suporte Tecnológico Esta dimensão verifica o que foi necessário fazer, em termos de hardware e software, para que o novo sistema pudesse operar. As notas atribuídas nos questionários e as categorias encontradas por meio das entrevistas focadas permitem concluir que não houve percepção de impacto aqui. Isto se deve a três fatores: primeiro, as pessoas não sabem o que foi necessário atualizar para o sistema funcionar, sobretudo os professores, cuja maioria não tem computadores fixos e pode utilizar o sistema em qualquer ponto da UnivERP ou em casa; segundo, o sistema possui interface Web, ou seja, basta haver acesso à Internet por meio de um programa navegador para poder utilizá-lo; por fim, a UnivERP mantém atualizada sua infra-estrutura tecnológica, ou seja, não foi necessário fazer atualização significativa para possibilitar o pleno funcionamento do novo sistema. 4.9 Organograma Esta dimensão aborda as mudanças no organograma observadas em função da implantação do sistema. A UnivERP passou (e passa) por mudanças significativas em sua estrutura, mas as mesmas não são atribuídas, necessariamente, à implantação do ERP. As mudanças estruturais, mesmo não sendo atribuídas à presença do sistema, têm importante papel na implementação da estratégia da UnivERP – dado que, do ponto-de-vista sociotécnico, o subsistema social, do qual a estrutura organizacional faz parte, também deve ser adaptado quando se introduz tecnologia. 4.10 Funções Esta dimensão trata dos impactos nos tipos de funções e responsabilidades das pessoas 12 com a implantação de sistemas ERP. Um aspecto interessante nesse conjunto de variáveis é que a variável v40 teve uma média superior às demais, e, durante as entrevistas focadas, dois entrevistados destacaram a necessidade de haver mais responsabilidade e comprometimento na utilização do sistema, pois ele não tem muitas restrições de uso. Professores atribuíram notas médias menores do que funcionários às variáveis v38 (1,55 e 2,35) e v40 (2,61 e 3,63). As diferenças são explicadas pelo uso que os dois grupos fazem do sistema. Também para gestores a média de v40 é maior (3,89) do que para os que não possuem cargo gerencial (3,13). Isso parece natural, uma vez que gestores já devem carregar mais responsabilidades do que os demais. Também para os que usam o sistema mais de três vezes por semana as médias das variáveis foram mais altas (2,37, 2,79 e 3,51 contra 1,26, 1,83 e 2,55 nos outros grupos para v38, v37 e v40, respectivamente), provavelmente porque essas pessoas são as que mais necessitam usar o sistema em suas atividades ordinárias. 4.11 Motivação Esta dimensão é a segunda dimensão que não foi construída na análise fatorial final. Na primeira análise fatorial, o fator chegou a ser criado, mas ficou diluído entre outros na segunda etapa de análise. Como esta é uma dimensão bastante discutida na literatura e de grande importância para entender como os usuários se portam frente a novas tecnologias, entende-se que deva ser mantida. De acordo com as entrevistas focadas, houve resistência na implantação do sistema, o que é natural quando se introduz uma nova tecnologia. A resistência inicial, porém, já está cedendo. Também foi possível observar nas entrevistas e na observação direta que vários problemas de adaptação ao novo sistema já foram superados e que aqueles que ainda não o foram provavelmente serão com o tempo. Entre professores e funcionários, foram encontradas diferenças de média (3,44 e 4,25, respectivamente) para v48; também os gestores apresentaram média maior (4,60) do que os demais (3,78). E quanto à escolaridade, as médias dos doutores foram mais baixas (2,67 para v48, contra de 3,85 a 4,27 dos demais grupos, e 2,11 para v47, contra de 3,11 a 3,67 dos demais grupos), o que pode ser associado ao fato de, supostamente, essas pessoas possuírem um maior senso crítico. 5 Modelo Final O modelo final de verificação do impacto de sistemas ERP sobre o trabalho individual em universidades é dado na Figura 1. As dimensões teóricas Inovação e Poder de Decisão não aparecem no modelo, pois não houve mudanças em nenhuma variável dessas duas dimensões. Além disso, as variáveis de Inovação tiveram como moda o valor “1”, e as variáveis de ambas as dimensões distribuem-se em vários fatores e têm cargas fatoriais abaixo de 0,6. Também foi possível propor uma ordenação das dimensões de impacto, por meio das médias de resposta aos questionários e dos relatos nas entrevistas focadas (Figura 2). Tecnologia Integração e Compartilhamento de Informações Suporte Tecnológico Interface com o Usuário Pessoas Desenvolvimento Humano Motivação Tarefas Produtividade Controle Gerencial Processos de Trabalho Satisfação do Cliente Estrutura Organograma Funções Figura 1 – dimensões técnicas e sociais de impacto de ERP no trabalho individual 13 5,00 Interface com o Usuário Funções Suporte Tecnológico Satisfação do Cliente Organograma 2,18 2,27 Produtividade 3,40 Processos de Trabalho 2,70 3,34 Compartilhamento e Integração de Informações 2,63 3,27 Controle Gerencial 2,56 2,75 2,50 3,00 Desenvolvimento Humano Nota Média 4,00 3,56 2,00 0,00 Dimensão Motivação 1,00 Figura 2 – ordenação das dimensões de impacto 6 Considerações Finais O presente estudo buscou identificar aspectos do trabalho que sofrem impacto da implantação de sistemas ERP. O interesse principal foram os impactos sociotécnicos no trabalho individual do empregado (docentes e demais funcionários) do ensino superior, a partir de um caso reconhecido de implantação abrangente e bem-sucedida. A pesquisa empírica, especialmente por meio de levantamento (survey) e entrevistas focadas, permitiu um melhor entendimento e validação das dimensões identificadas na literatura e possibilitou a elaboração de um modelo de impacto de onze dimensões. Com base, ainda, nos diversos procedimentos de coleta de dados, pôde-se identificar que, para várias dimensões, ainda não se percebe impacto no trabalho. Isto ocorre porque o sistema da UnivERP ainda não se encontra em pleno funcionamento. Por outro lado, as dimensões mais impactadas são: Motivação, Processos de Trabalho, Integração e Compartilhamento de Informações, e Controle Gerencial. Conclui-se que os empregados da UnivERP têm disposição para vencer os desafios dessa etapa de implantação do sistema, percebem que houve padronização dos processos de trabalho, que as informações estão mais integradas e que o sistema permite o seu compartilhamento, e que também percebem o sistema como permitindo maior controle gerencial sobre os processos. Outro aspecto importante do trabalho é a diferenciação do tipo de organização estudada, que é uma universidade privada. Essa diferença ficou evidente nos tipos de empregados envolvidos (professores e demais funcionários) e nas diferenças de médias apresentadas em algumas variáveis, apontando uma clara diferenciação tanto no tipo de uso que os empregados fazem quanto no tipo de percepção crítica. Essa constatação sugere que a diferenciação que as universidades têm em relação a outras organizações deve ser levada em conta durante toda a implantação de um sistema ERP, para ser possível minimizar a resistência dos envolvidos. Por fim, os principais resultados para a academia são: a proposta de um modelo de impacto de sistemas ERP no trabalho individual em universidades, o desenvolvimento de um questionário auto-administrável e de um roteiro para entrevistas focadas, e o acréscimo à base de casos com o Modelo de Aceitação da Tecnologia (TAM) no contexto de sistemas ERP. Para a prática, o modelo de impacto pode servir para as empresas entenderem as implicações sociotécnicas de projetos de ERP, e, assim, conduzirem a implantação com maior efetividade. 14 Para pesquisas futuras, uma sugestão é replicar o estudo em outras universidades, para comparação de resultados e nova validação dos instrumentos de coleta de dados (questionário e roteiro). Outra sugestão é aplicar novamente o estudo na UnivERP e em outras universidades em estágios diferentes do uso do ERP, a fim de verificar possíveis mudanças nas variáveis e inferir sobre o aprendizado organizacional. Isto ajudaria a revelar uma curva de aprendizagem própria do uso de ERPs em universidades (aprendizagem necessária ou natural), bem como intervalos de tempo entre mudanças significativas nos valores das variáveis. Por fim, aprofundar o estudo das causalidades específicas do modelo TAM em contextos ERP parece de importância para a base teórica em sistemas de informação. Referências AMOAKO-GYAMPAH, K. Perceived usefulness, user involvement and behavioral intention: an empirical study of ERP implementation. Computers in Human Behavior, 2005. BABBIE, E. Métodos de pesquisa de survey. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999. BORGES, G. Comércio eletrônico: atributos relevantes no processo de decisão de compra. Dissertação (Mestrado em Administração). Porto Alegre: PPGA/EA/UFRGS, 2000. CALISIR, F.; CALISIR, F. The relation of interface usability characteristics, perceived usefulness, and perceived ease of use to end-user satisfaction with enterprise resource planning (ERP) systems. 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