Uma Estória
Pois esta estória
Trata de vida e morte
Amor e riso
E de qualquer sorte de temas
Que cruzem o aval do misterioso desconhecido
Qual somos nós, eu e tu
Seres humanos
Então tomemos acento
No dorso da serpente imortal
Da serpente de Danú
A serpente da Terra
E deixemos Que se comece a estória
Abram‐se as cortinas
E agora sim,
Comecemos.
Num lugar qual engloba céu e inferno
O calor da existência
E o frio do vazio
Num lugar que não é um lugar
Pois ele está em todos os lugares
E em nenhum lugar
Em tempo algum
E em todos os tempos
Respira suavemente
O guerreiro
Aquele qual nunca lutou de fato
Pois sua existência é o conflito
Um momento entre guerra e paz, tumulto e tranqüilidade
Entre vida e morte
No posto mais alto de um penhasco
Ele observa o mundo interior
Toca o vento primal com seus braços abertos
E sente o prazer da infinitude do momento
Mas as sombras da dúvida
Pairam no ar quente de outrora
E sua sede começa a crescer
Em angústia e desespero
Enquanto os ruídos da cachoeira
Da grande cachoeira das eras
O convoca para mergulhar
Mergulhar no mar da consciência
Qual não é um mar comum
Qual não é um lugar comum
Pois sua essência é a tua e a minha
E nenhuma das nossas ao mesmo tempo
Pois neste mar as divisões são desfeitas
E apenas o cheiro permanece
Um convite, um chamado desta cachoeira,
Deste mar não pode ser recusado
Pois a pena é a morte
Este mar não pode ser visto
E seu caminho é incerto
Mas o guerreiro é sábio
E suas intenções são puras
Seu caminho faz‐se
No salto para o nada
Um mergulho em queda livre
Para lugar nenhum
Pois o mar existe em todos os lugares do mundo
E em nenhum lugar também
Um raio corta o céu
Nos gritos dos pássaros irrompe
Outro ruído e outro e outro
Como se nunca mais o silêncio
Pudesse ser alcançado
Um mar envolto em barulhos
Gritos, sussurros.
Barulhos e ruídos
Com ou sem sentido
Aqui e acolá
Cercando e marcando a entrada do guerreiro
No mar do mundo
Pois para entrar é preciso sair
Sair do barulho e mergulhar no silêncio.
“‐Vem, nada para o infinito e esquece estes ruídos. Vem.”
Talvez fosse loucura
Talvez fosse razão o que ouvia o guerreiro
Mas talvez fosse
O chamado de Danú
A sua Deusa clamando
Para aqueles que aventuram‐se
Em seu útero,
“‐Vem guerreiro. Vem a aprende.”
A dúvida é o que te impulsiona
E de tão imbuído dela
Neste momento não se há dúvidas
Do que ser
Do que fazer
Pois nada há para ser
Nada há para se fazer
Além do que se é
Além do que se faz
Apenas segue a dúvida
Siga a luz da escuridão
E o coração do guerreiro
Perguntava‐se e perguntava‐se
Sobre si
Sobre a vida
Sobre a morte
Sobre o amor
Sobre seu caminho por dentre as estrelas
Sobre suas próprias vísceras
Sobre toda esta sorte infinita de coisas
Que não sabemos ao certo discernir
Mas que estão ali
Sem mesmo ser um desejo nosso.
E nadar neste mar é penetrar no mundo
E isto é nunca mais ser o mesmo
Perder o que se foi
Perder o que se é
Perder o que se poderia ser
E encarar um vazio
Pois não se mergulha neste mar por nada
E a pena por fazê‐lo
Seria a morte
E o guerreiro sabia disto quando entrou
E sabia que ele não poderia voltar atrás
Nem mesmo se o mar permitisse
Pois neste momento o guerreiro e o mar
São somente um.
Puras intenções
Aflitivas perguntas
Olhos e vísceras
Músculos e sangue
Vazam por este mar
E tornam‐no assustador
Por seu aspecto cru
Causa medo e pânico
Mas aqueles que seguem o caminho verdadeiro
Aquele qual possui não‐fim e não‐inicio
Qual existe claro como o sol
Qual não existe como a mentira
Entendem que este mar de coisas inexplicáveis
Não nasceu para ser explicado
Eles então respiram
E unem suas mãos
Para sentir sua luz interior e olhar
O caminho que já está escrito em suas próprias entrenhas
“‐ Observa guerreiro. Estes são teus demônios.”
Diz a Deusa para alertar o guerreiro
E faze‐lo prepara‐se
Prepara‐se para seu próprio destino
O qual nunca chega
Pois o destino não é o amanhã
E sim o agora.
Pois o mar de sangue
Agora é um de lágrimas
Tão sofridas que estão apenas abaixo
Do que já é profundo
Pois para toda a ira que o homem mostra
Existe uma ferida para cicatrizar
E esta é sempre uma ferida profunda
Uma ferida aberta na alma.
E eis que neste momento
Surgem diversos monstros
Diversas bestas selvagens e escuras
Sedentas de sangue e agonia
E um anjo aparece
Ou ao menos se parece com um anjo
Pois ele, na verdade
É o guardião.
“‐ Que fazes aqui guerreiro.”
“‐ Busco respostas.”
“‐ Sabei então que tua resposta virá
Mas deveis antes lutar
E deves lutar pois és um guerreiro
E o guerreiro luta
Pois sua vida é um momento entre a guerra e a paz”
“Você deve lutar contra cada uma destas bestas
Pois cada uma delas é tu
E tu é cada uma delas
Cada besta desta é teu pecado encarnado
Cada besta desta é teu orgulho encarnado.”
A sabedoria do guerreiro falou mais alto
E seu instinto de guerra se acalmou
Pois nada poderia ele fazer
Nada poderia ele ser contra aquelas bestas
Além do que ele já é
E assim ele disse ao guardião
Que sua arma seria seu perdão
Pois ele compreendia que cada pecado
Pois ele compreendia que cada orgulho
Era uma maneira de se afastar
Se afastar de algo que nunca afastou‐se dele
Do próprio mar da consciência
E agora que ele ali estava, compreendia
Então o guerreiro chorou
Chorou as lágrimas mais sofridas que alguém já chorou
Ele se arrependeu
Pois ele havia se afastado dele próprio
E havia dado dor aos seus por isto.
Então o guerreiro tomou em suas mãos um rio de lágrimas
E pediu ao guardião por uma chama que nunca se apaga
E por um espelho que nunca acumula pó sobre si
E sempre brilha intensamente
Banhou então o espelho em suas lágrimas
E guiou cada um de seus pecados
E guiou cada um de seus orgulhos para a superfície do mar
Por mais que eles o ferissem e praguejassem contra ele
Até que um por um todos os seus demônios
Tornaram‐se livres dele próprio
E então um raio de luz cruzou o, mas do mundo
E o guerreiro o sentiu atrás de si
E ele olhou para trás
Pois ele sabia que estava agora, olhando para frente
E viu que o caminho para Danú estava aberto.
Nadou e nadou então até lá
Até que à Deusa ele chegou
E ela o acolheu
E como ele a viu é impossível relatar
Pois a Deusa não tem forma
E tem todas as formas
E cada um a verá e verá seus domínios
Como desejar vê‐la
Pois ela é mãe de tudo
Pois ela é mãe de todos
E ela conhece nossos desejos
E ela conhece nossas vontades
E ela conhece nossas fantasias
E ela então o acolheu da forma que ele necessitava ser acolhido
E ela perguntou
“‐ Porque vieste até aqui”
“‐ Para perguntar a ti algo que me agoniza a existência”.
“‐ Para ter uma resposta de teu próprio ventre ó Danú”.
“‐ Então faz a pergunta minha criança”.
“‐ Pois eu me pergunto ó Danú, e me pergunto. Mas existe algo que não possui
resposta e sempre é neste lugar que me prendo. E ali sofro. E minha espada
permanece ágil mas meu espírito o que guia minha espada sofre com a dúvida.”
“‐ Eu te pergunto Danú o que é este sofrimento”.
E a Deusa falou
Sua voz reverberou na própria alma do guerreiro
Ela fez‐se mostrar
E disse
E ensinou tantas coisas Que poderiam ter‐se passado milênios Antes de o guerreiro entender tudo o que ela disse
Mas ela não falava para a razão do guerreiro
Ela falava com sua alma
E isto o fez entender
E isto o libertou de muitos temores
Ela contou coisas simples
Coisas que nós sempre soubemos
Coisas que nós nos damos o trabalho de esquecer
Sobre o céu e o inferno
Sobre o bem e o mal
Sobre a vida
Sobre a morte
Sobre o amor
Sobre o caminho entre as estrelas
Sobre as próprias vísceras do guerreiro
E nisto tudo o guerreiro sentiu‐se estranho
E ele comentou isto com a Deusa
Mas ela já sabia disto
Pois ela nos conhece a todos
E ela sabia como dar ao guerreiro a resposta que ele desejava
Pois ele conhecesse todos os nossos desejos
Por mais obscuros que sejam
Por mais tempestuosos que sejam
E ela nunca os rejeita
Ela sempre os observa
O guerreiro então comentou que agora compreendia
Compreendia muitas coisas que nenhum homem vivo já compreendeu
E ele sentia‐se feliz com isso
Mas algo ainda o incomodava
E ele comentou isto com a Deusa
Pois ele sabia verdades
Verdades sobre o céu e o inferno
Sobre o bem e o mal
Sobre a vida
Sobre a morte
Sobre o amor
Sobre o caminho entre as estrelas
Sobre suas próprias vísceras
Mas algo ainda estava sem resposta.
E a Deusa disse que sabia disto
Que sabia que ele ainda não havia comprendido.
E ela então disse ao guerreiro:
“Você, guerreiro, lutou incontáveis batalhas
Matou e fiz sangue inúmeras vezes
Até que entendeu que sua sede não era por sangue
Ou por mais batalhas.
Então sua espada tornou‐se sua companheira
E não mais sua arma.
Assim você caminhou e procurou por algo a mais
E me encontrou
Talvez em sonhos, talvez num delírio
E agora você me faz uma pergunta
Pois você ainda não descobriu a resposta para esta pergunta
E pensou que eu a teria
E veio até mim
Pois seu sofrimento é demais
E você não agüenta mais carregar esta dúvida sozinho“.
E o guerreiro acenou com a cabeça
Dizendo que as palavras da Deusa eram verdadeiras.
E ela disse então:
“Mas receio que tua resposta está em outro lugar”.
E o guerreiro então se assusta.
“Num lugar qual engloba céu e inferno
O calor da existência
E o frio do vazio
Num lugar que não é um lugar
Pois ele está em todos os lugares
E em nenhum lugar também
Que está em tempo algum e em todos os tempos“.
“‐ Mas eu estava lá”.
“‐ E o que aconteceu”.
“‐ Ouvi teu chamado e o atendi
Pois a pena é a morte”
“‐ E porque achou que aqui eu lhe daria respostas”.
Ele calou‐se por um instante
Pois aquilo era verdade.
“‐ E você então cruzou meus mares de sangue
Olhos e músculos
Libertou teus demônios
Chegou até aqui depois de resolver‐se com o guardião não é mesmo”
Ele acenou que sim
E a Deusa sabia que havia sido assim
Pois ela conhecia o caminho daquele homem
Pois ela conhecia as regras
E sempre há regras.
O Guerreiro então replicou
“‐ E ainda assim não encontrei nenhuma...”
E assim que ele disse o que disse, A Deusa complementou:
“‐Resposta”.
E ele disse que sim.
Mas aquela pergunta fora estranha
E ele sentia‐se estranho
Desta vez mais estranho do que antes
E algo passou por sua mente
Foi tão rápido que ele não conseguiu compreender
E a Deusa então lhe disse que
A resposta apenas lhe fugia
Pois ele não queria fazer a pergunta
E foi então que ele compreendeu o que ela disse
E ele fez‐se a sua pergunta
E ele riu
E é impossível saber que foi a pergunta que foi feita
Pois esta fora a pergunta dele
E é como se tivesse sido feita numa linguagem secreta
E somente ele pudesse te‐la compreendido
E a Deusa sorriu
E o Guerreiro sorriu
E ambos deram gargalhadas
A Deusa, muito satisfeita
Disse então ao Guerreiro que
Na verdade a pergunta que ele se fazia
Era a que todos se fazem
Alguns mais cedo
Outros mais tarde
Mas era algo que seria feito
E a resposta era sempre a mesma
Pois na verdade
Nunca houve uma resposta para esta pergunta
Pois na verdade
Esta pergunta nunca existiu
Ela nunca fora uma dúvida
Sempre fora uma certeza
E nunca fora complexa
Todos os conhecimentos do mundo de nada adiantariam
Pois a pergunta não possuía resposta.
E então a Deusa disse
Com um tom mais doce do que o mel
Com uma suavidade maior do que a brisa do oceano
Ou pluma dos animais
Que era já hora
Hora para ele descobrir um lugar
O lugar qual engloba céu e inferno
O calor da existência
E o frio do vazio
Num lugar que não é um lugar
Pois ele está em todos os lugares
E em nenhum lugar
Em tempo algum
E em todos os tempos
E disse que também era hora de escolher um tempo
Pois o tempo e o lugar andam juntos
Disse que era hora de encontrar
Um lugar e um tempo
Sem respostas
Onde tudo o que houvesse
Fosse o riso
Pois a vida é o caos do destino
E tudo está certo pois nada é certeza
A vida é esta piada
Esta piada cósmico
E disse a ele para não levar as piadas a sério
Pois ele estragaria o sabor da piada se o fizesse
E a pena para isso
Era a morte.
E então o Guerreiro permitiu‐se sondar
Sondar todo o mundo
Pois ele era um com aquele agora
E aquele era um este agora
E ambos eram um com a Deusa
Que era uma com ambos
Então tudo o que era preciso
Seria um lugar
E um tempo
Em que não houvesse respostas
Em que não houvesse perguntas
No qual o riso fosse lei
E a pena para isso fosse a morte
E o Guerreiro sorriu, pois ele compreendeu
E então descobriu
E na verdade não descobriu
Pois este tempo e este lugar
Nunca estiveram cobertos
E nunca estiveram escondidos
E sempre estiveram com o Guerreiro
Em cada batalha
Em cada arrependimento
Em cada questionamento
E o Guerreiro compreendeu
Que uma resposta para algo que se pergunta
Nada mais é do que uma pergunta
Para algo que ainda não se sabe
E é por isso que uma resposta ou uma pergunta
São a mesma coisa
E para uma pergunta sem resposta
Não existe resposta, pois não existe pergunta
E não existe pergunta também
Pois não existe resposta
E assim ele compreendeu que o que existe
O que estava lá
Era o que importava
E não o que se desejava perguntar sobre aquilo
Pois isto não merecia resposta
Pois é mais do que a razão pode dizer
E assim o Guerreiro encontrou um tempo
E assim o Guerreiro encontrou um lugar
Trilhou apenas o que existia
E percebeu quão longe e quão próximo
Estavam dele
Pois eram parte dele
Assim como ele dele.
Então ele tocou a si próprio
E encontrou o lugar em seu peito
Em seu coração
Pois era ali que ele acontecia
Pois ele era um Guerreiro
E sabia que a mente era somente uma mentira
Pois existem coisas além dela
E então ele escolheu também o tempo
E este era a batida do seu coração
Pois ele sabia que ali não havia dúvidas
Nem perguntas
Nem respostas
Apenas aquilo.
Um lugar no qual a dúvida não surge
Um tempo no qual a dúvida não surge
Um tempo e um lugar
No qual o que surge
É simplesmente Existência.
Era, simplesmente
O guerreiro.
Voltando para o lugar do qual ele nunca havia saído
Apenas se esquecido.
Akim Rohula Neto
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(Poesia) Uma estoria - Instituto Reichiano