Quimioterapia parasitária
Princípios,
mecanismos,
desenvolvimento de novos fármacos.
A prevenção das doenças parasitárias, tais como:
- adoção de medidas ecológicas,
- sanitarismo,
- controle de vetores, sem dúvida a melhor maneira de evitar o
sofrimento da população.
Contudo, uma vez instalada a doença, o recurso
que resta para amenizar o sofrimento é o tratamento.
• Consiste
na
administração
quimioterápicos específicos.
de
agentes
– quimio = químicos, geralmente moléculas orgânicas;
– terápicos = tratamento.
- desenvolvimento de quimioterápicos
específicos está condicionado ao entendimento
da fisiologia do parasito.
- recíproca é verdadeira, isto é, o entendimento
do modo de ação de um quimioterápico pode
fornecer informações sobre a fisiologia do
parasito.
- modo de ação de diferentes classes de drogas,
permite, com base no conhecimento da bioquímica do
parasita, uma discussão de ação em diferentes alvos e
assim propicia o substrato para o desenvolvimento de
novas drogas.
- novos fármacos são sempre necessários
mecanismos diversos de resistência
1. O agente anti-parasitário deve causar dano ao
parasito sem contudo ser prejudicial ao hospedeiro.
- alvos de ação específicos
preferência estejam ausentes no hospedeiro
- se presentes, a especificidade deve ter
maior afinidade no parasito do que no
hospedeiro
2. O fármaco deve ser de fácil administração e de
preferência deve causar nenhum ou poucos efeitos
colaterais no hospedeiro.
- administração oral - melhores que injetáveis
- Outros alvos ou reações adversas, mesmo que
inofensivas (por exemplo, alteração da cor da urina)
devem ser evitadas.
A penicilina é um exemplo marcante de
”fármaco perfeito". No seu mecanismo
de ação ocorre a interferência na
síntese da parede bacteriana, uma via
biossintética sem correspondência no
hospedeiro vertebrado!
1. Material Genético : danos em DNA, RNA,
Síntese de Proteínas.
2. Respiração celular.
3. Transporte e movimento.
4. Permeabilidade.
5. Metabolismo em geral.
• 1. Formação de Radicais Livres Tóxicos.
• 2. Interferência na Biossíntese ou Metabolismo de Folatos.
• 3. Interferência da Biossíntese de Pirimidinas.
• 4. Interferência no Metabolismo de Purinas.
• 5. Interferência em reações de metilação.
• 6. Interferência na síntese de poliaminas.
• 7. Interferência da via glicolítica.
• 8. Efeito em microtúbulos.
• 9. Efeitos em Nervo e Músculo.
• 10. Outros alvos.
• 11. Mecanismo ainda desconhecido.
1. Formação de Radicais Livres Tóxicos:
• A demonstração que uma droga afeta
uma determinada enzima ou uma
atividade biológica particular não
constitui uma prova de que aquele é
o modo de ação da droga. Além disso
um fármaco pode agir em diferentes
atividades metabólicas ao mesmo
tempo. Este é o caso para agentes
que exercem seus efeitos através da
formação de radicais livres tóxicos
(a).
• Metronidazol
derivado de 5-nitroimidazol
• Organismos que apresentam metabolismo
anaeróbico.
• Giardia lamblia, Entamoeba histolytica, Trichomonas
vaginalis.
• DANO: Material genético, proteínas e possivelmente
outros alvos.
• A enzima que faz a redução do metronidazol é a
piruvato ferrodoxina oxidoredutase. Essa enzima não
existe em células de mamíferos.
2- Interferência na Biossíntese ou Metabolismo
de Folatos.
• A síntese de novo de pirimidinas envolve a ação
de folato coenzimas .
• O hospedeiro vertebrado é normalmente capaz de
sintetizar pirimidinas, mas necessita de uma fonte
exógena de ácido fólico.
• Parasitas em que ocorre síntese de ácido fólico
são sensíveis a drogas tais como ácido aminobenzóico, (sulfa) que inibe a formação do
ácido fólico.
3 - Interferência da Biossíntese de Pirimidinas.
Hidroxinaftoquinonas
(quinonas - cloroquina)
Inibem a síntese de
pirimidinas.
Provavelmente a
dihidroorotato
deshidrodrogenase.
Derivados sintéticos
As afinidades são diferentes o que acaba tornando o
composto mais efetivo em doses terapêuticas
•
BW720C é efetivo em doses
terapêuticas de 2,5 mg/kg
quando comparado a
parvaquone cuja dose é 20
mg/kg. (Theileria em gado)
4 - Interferência no metabolismo de purinas.
•
protozoários requerem uma fonte exógena de purinas.
–
Nenhum é capaz de sintetizar purinas de novo.
•
também foi observado para Schistosoma mansoni.
•
parasitas, ao contrário do seu hospedeiro vertebrado dependem de várias vias de salvação de
purinas.
–
•
enzimas únicas para alvos quimioterápicos, principalmente se a enzima não é encontrada no hospedeiro.
A nucleotidil fosfotransferase, encontrada em Leishmania, transfere grupamentos fosfato de
uma variedade de esters monofosfatos para a posição 5' de purina nucleosídeos e análogos.
- análogos fosforilados
- Ou inibem fortemente enzimas essenciais do metabolismo de purinas
- Ou caso formem nucleotídeos correspondentes, podem ser incorporados no
DNA/RNA do organismo - molécula defeituosa e portanto letal.
Alopurinol: efetivo no tratamento de leishmaniose.
Atenção : é usado para tratamento de gota (reduz os níveis
de ácido úrico no sangue). Mas deve ser observada a
idade do paciente.
Quando o alvo da droga é DNA ou RNA, mesmo que a
droga atue em enzimas do hospedeiro, deve se levar em
consideração que a velocidade de replicação ou o próprio
metabolismo do parasita é maior que a do hospedeiro, o
que faz com que os danos sejam maiores para o parasita
do que para o hospedeiro.
5 - Interferência em reações de metilação.
* A droga sinefungin é um análogo de adenosina conhecido
por inibir metil transferases. Em uma concentração de 0,3 M
ocorre a completa inibição do crescimento de P. falciparum,
in vitro.
É ativa na inibição de outros protozoários parasitas, mas,
em nenhum caso foi demonstrado o mecanismo exato de
ação e a relação com a metilação.
* Tendo em vista a importância da metilação no controle da
expressão gênica e do tRNA metilado na síntese proteica,
este é um campo aberto para ser explorado.
6 - Interferência na síntese de poliaminas.
As poliaminas estão presentes em todos os
organismos vivos e sua função está
relacionada com a proliferação celular e
diferenciação. (empacotamento de DNA)
• O primeiro e limitante passo da biossíntese de
poliaminas é a formação de putrescina a partir da
ornitina, numa reação catalisada pela ornitina
descarboxilase.
• As outras poliaminas, espermidina e espermina são
sucessivamente formadas a partir da putrescina em
reações envolvendo a descarboxilato S-adenosil
metionina.
• Um antimetabolito da ornitina, -(difluorometil)ornitina,
DFMO, inibe especificamente a enzima ornitina
descarboxilase.
7 - Interferência da via glicolítica.
Plasmodium, Schistosoma, e
Trypanosoma (sanguíneo) usam a
via glicolítica para a obtenção de
energia.
Na forma sanguínea do
tripanosoma, a enzima lactato
desidrogenase está ausente. A
regeneração do NAD a partir de
NADH+ depende de um "shuttle"
entre dehidroacetona
fosfato:glicerol-3-fosfato mediado
pela glicerol 3-fosfato oxidase.
Em condições anaeróbicas
ocorre o acúmulo de glicerol
como produto final.
O ácido salicil-hidroxâmico
(SHAM) inibe a glicerol 3
fosfato oxidase provocando
uma simulação de
anaerobiose. Se glicerol for
acrescentado, inibindo a
glicerol quinase o
metabolismo para e o
tripanosoma morre.
8 - Efeito em microtúbulos.
Nesta categoria vamos encontrar os principais
antihelmínticos.
A ação está baseada no bloqueio do transporte de
grânulos secretores e movimentação de organelas
subcelulales de nematóides parasitas de intestino.
Estes efeitos coincidem com o desaparecimento dos
microtúbulos citoplasmáticos.
Mebendazol e fenbendazol inibem a ligação de
colchicina a tubulina de Ascaris com uma constante
de inibição de 1.9 x 108 M e 6.5 x108 M
respectivamente, valores estes de 250-400 vezes
mais altos que aquele observado para inibição de
ligação de colchicina a tubulina de cérebro bovino
(7.3 x 106 M e 1.7 x 105 M).
Esta afinidade diferencial certamente é favorável para a
alta eficiência dessas drogas como antihelmínticos.
Além disso, os benzimidaziois não são absorvidos pela
mucosa intestinal.
9 - Efeitos em Nervo e Músculo.
• Obviamente drogas cuja ação afeta a motilidade muscular só
são ativas em parasitas metazoários, tais como helmintos e
artrópodes.
• A sua eficácia depende de importantes diferenças entre o
sistema nervoso desses parasitas e dos seus hospedeiros
vertebrados.
• Vertebrados apresentam prefencialmente receptores
colinérgicos nicotínicos nas junções neuro-musculares
enquanto que os nervos nos quais o ácido g -aminobutírico
funciona como transmissor se encontram confinados no
sistema nervoso central e portanto protegidos da ação de
agentes presentes na circulação sanguínea pela barreira
hemato-encefálica.
• Nos insetos, os músculos apresentam sinápses
excitatórias que utilizam o ácido L-glutâmico e um nervo
inibidor que se utiliza de GABA como transmissor. O
nervo colinérgico é coordenado pelo sistema nervoso
central.
• Em nematóides sinápses colinérgicas e GABAérgicas
estão distribuidos ao longo de todo o corpo do
organismo. Levamisole pode penetrar pela cutícula dos
nematóides e agir sobre os receptores colinérgicos das
junções neuro musculares, paralisando assim o verme
que é então excretado pelo hospedeiro (ascaris eliminado pelas fezes).
Um importante grupo de quimioterápicos nesse tópico é
constituído pelas avermectinas. Seu modo de ação
consiste em agir como agonistas de GABA e assim
causar paralisia.
A droga não age sobre o hospedeiro pois não tem ação
sobre o sistema nervoso central, uma vez que não
atravessa a barreira hemato-encefálica.
É interessante notar que avermectinas não tem ação
sobre tremátodes e cestóides, o que sugere que nestes
helmintos o sistema nervoso apresenta diferenças
daquele dos nematóides.
• Praziquantel - uma droga efetiva no tratamento de
esquistossomose, afeta a contração muscular desses
vermes aumentando o influxo de cálcio.
• Em Schistosoma, a contração muscular é dependente da
tomada de Ca2+ externo. Novamente vemos uma
diferença entre nematóides e cestóides, uma vez que
nestes últimos a contração muscular é dependente do
Ca2+ endógeno.
• A motilidade de Schistosoma pode também ser afetada
através do metabolismo. A via glicolítica é a principal
porém a formação de ovos requer oxigênio.
• Ainda é interessante notar que drogas cuja ação consiste num
bloqueio de motilidade devem ter ação prolongada a ponto de
dar tempo de se eliminar o parasita.
• Por exemplo: metrifonato é eficiente para S. hematobium e não
para S. mansoni.
• O S. hematobium paralisado se solta das veias da bexiga e é
carregado para os pulmões e daí são eliminados ou quando
cessa o efeito da droga não conseguem voltar à bexiga.
• Já S. mansoni solta das veias mesentéricas e é carregado para
o fígado. Ao se recuperar da paralisia retorna para as veias
mesentéricas.
10 - Outros alvos gerais.
• Tetraciclina - anti malárico, inibindo síntese de proteína
mitocondrial.
• Glaucorubinoses - droga efetiva contra câncer - anti
malárico, inibidor de síntese proteica.
• Quelantes - atuam na deprivação de metais essenciais
como ferro, ou interferem na ação de metalo-proteases,
enzimas cuja ação é importante em alguns passos
metabólicos
• Ex: fenol oxidase é essencial para a formação de ovos
em Schistosoma - a droga disulfuram inibe
específicamente estas oxidases causando portanto uma
produção anormal de ovos.
• Organismos com um ciclo de vida complexo possibilitam
a intervenção de quimioterápicos em diferentes pontos.
• Por exemplo, Schistosoma possue sexos separados e a
fêmea necessita estar alojada no canal ginecóforo para
estar madura sexualmente e assim colocar ovos.
• A droga oxamniquine mata diferencialmente machos de
Schistosoma e assim a fêmea sem os fatores produzidos
pelo macho sofre uma regressão no sistema reprodutivo
e para de por ovos.
• Eliminação dos principais efeitos patogênicos, mas
mantém a presença do verme: imunidade concomitante impedindo novas infeções.
11 - Drogas cujo mecanismo de ação
era ou ainda é desconhecido.
Cloroquina, quinina, mefloquina, artenisina ou qinghaosu já
eram utilizadas na China por volta de 1596 para o tratamento de
malária. No entanto, o mecanismo de ação era desconhecido
até recentemente.
Em 1992, Wellems publica na revista Nature um possível
mecanismo de ação. A sugestão inicial era que a droga
acumularia no vacúolo parasitóforo (lisosomal) aumentando o
pH e interferindo na digestão da hemoglobina, causando
privação de aminoácidos. Wellems sugere que a droga inibe a
enzima heme polimerase, responsável pela destoxificação dos
grupamentos heme gerados durante a digestão da hemoglobina
que são citotóxicos para a célula.
11 - Drogas cujo mecanismo de ação
era ou ainda é desconhecido.
• Arsênicos - efeito em DNA de cinetoplasto.
• Intercalantes de DNA ou promovem uma desestruturação
do giro da molécula de DNA através de "binding".
• Descinetoplastização: drogas como acriflavina, etídio,
antricide promovem a eliminação de DNA de cinetoplasto
e consequente perda da organela.
• Como a organela é importante para a respiração
aeróbica, elimina-se o tripanosoma no inseto.
A exposição a doses sub-letais de um agente citocida
ou citoestático leva ao aparecimento de parasitas
resistentes ao agente.
IMPORTANTE: Ocasiona a constante
necessidade de desenvolvimento de novos
fármacos.
• Cinco mecanismos bioquímicos básicos podem estar
envolvidos no aparecimento de resistência:
• 1- metabolizar a droga para uma forma inativa.
• 2- alterar a permeabilidade da droga, diminuíndo a
tomada ou aumentando a excreção.
• 3- desenvolvimento ou ativação de vias metabólicas
alternativas que promevem um "by pass" do passo
lesionado.
• 4- alteração do alvo de modo a baixar a afinidade da
droga.
• 5- aumento da quantidade do alvo de modo a diminuir as
consequências metabólicas.
• O aparecimento de parasitas resistentes a drogas já
existentes, a falta de efetividade absoluta, a existência de
efeitos colaterais não desejados, são motivos suficientes
para que a busca de novos fármacos seja motivada.
• Devem ser buscadas as vantagens:
• 1. melhor eficácia,
• 2. baixa toxicidade,
• 3. ação sobre uma via preferencial,
• 4. atividade sobre cepas resistentes a outras drogas,
• 5. meia-vida ambiental curta (especialmente para
veterinária).
•
•
Normalmente quando se pensa num
alvo para um quimioterápico, se pensa
numa enzima. Outras proteínas no
entanto podem ser consideradas, tais
como aquelas que atuam no transporte
de macromoléculas ou nas bombas de
íons. Outras macromoléculas devem
ser consideradas tais como DNA e
colesterol.
A identificação de alvos como estes
deve ser obtida através de estudos da
biologia molecular, bioquímica e
fisiologia do parasita e do hospedeiro.
Outra maneira é através da
investigação de mecanismos de ação
de drogas já existentes.
Não esta claro qual é o melhor
caminho. No primeiro caso não
se sabe do sucesso até o estudo
estar completado, no segundo,
uma droga já utilizada, pode ter
ocasionado o aparecimento de
resistência.
Um passo crítico na caracterização do alvo potencial ou a validação do
mecanismo de ação da droga, é o estabelecimento de um ensaio in vitro
que seja de fácil execução, reprodutível e rápido, necessitando
quantidade razoáveis de parasitas.
Esse teste pode então ser usado para identificar drogas
potenciais.
Por último, depois de ter sido estabelecido um mecanismo
de ação através de bioquímica comparativa, se encontra a
necessidade de demonstrar que:
1 - a ação in vivo leva a morte ou paralisação do patógeno;
e
2 - não existe contrapartida de ação no hospedeiro, ou se
existir que a diferença seja altamente significante levando a
uma seletividade e baixa toxicidade da droga.
• A identificação de um quimioterápico pode seguir um
dos seguintes caminhos:
• 1- Identificação casual de compostos já existentes.
• 2- Seleção racional das drogas já existentes para um
determinado alvo.
• 3- Análise de literatura, procurando químicos cuja ação
já é conhecida em outros patógenos.
• 4- Síntese de análogos de substratos bem definidos.
Requer muitos testes posteriores.
• 5- Desenho de novos fármacos baseados em estrutura
de raio-X, NMR e computação gráfica.
Leituras Complementares
Living together - The biology of animal
parasitism -Trager, W. 1986
capítulo 25
Modern Parasitology - Ed Cox, F.E.G. 1993
Capítulo 9 Chemotherapy
Gutteridge,W.E.
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