Arranjo Produtivo Local de Aqüicultura do Baixo São Francisco
Autoria: Claudia Souza Passador, Joao Luiz Passador, Albert Bartolomeu de Sousa Rosa,
Thiago Alves
Resumo
A região do Baixo São Francisco possui condições ideais para a aqüicultura e conta com área
superior a 1.000 hectares de tanques escavados, centenas de tanques-rede instalados em
grandes reservatórios e no rio São Francisco, fábricas de ração, unidades de beneficiamento
de pescado, estações de produção de alevinos, dezenas de técnicos especializados em
aqüicultura, cerca de 1.000 produtores, cooperativas, associações de produtores e Câmara
Setorial de Aqüicultura, o que a caracteriza como um Arranjo Produtivo Local (APL). Nesse
contexto, o objetivo do presente artigo foi caracterizar esse APL de aqüicultura, apresentando
os principais problemas que estão dificultando a sua estruturação, as políticas demandadas
para o seu desenvolvimento e o papel a ser desempenhado pela Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF). Para atingir tal
objetivo, foram utilizadas informações coletadas nos Censos da Aqüicultura do Baixo São
Francisco – Sergipe, em 2004, e Alagoas, em 2005 – e em questionário específico elaborado
pelos autores. Verificou-se a existência de significativos gargalos, alguns deles são:
assistência técnica deficiente, produtores descapitalizados, reduzido nível de cooperação,
confiança e governança.
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Introdução
Tradicionalmente, diversas comunidades ribeirinhas dos Estados de Alagoas e Sergipe,
na região denominada Baixo São Francisco, tiravam seu sustento da pesca artesanal. A partir
da década de 1970, a construção das barragens de Sobradinho, Itaparica, Moxotó e Xingó,
com o objetivo de promover a regularização da vazão do rio São Francisco para geração de
energia elétrica, a irrigação e a navegação, fez com que a atividade pesqueira enfrentasse
grandes dificuldades, com conseqüências sociais e econômicas negativas a cerca de 6.500
pescadores artesanais que atuavam naquela região (CODEVASF, 1989).
As barragens, em geral, promovem substanciais reduções nos estoques pesqueiros
naturais, por comprometerem a piracema (migração reprodutiva dos peixes) e por evitarem as
tradicionais cheias anuais que possibilitam o acesso dos reprodutores e, conseqüentemente, os
ovos e as larvas nas lagoas marginais, que são berçários naturais para grande parte das
espécies de peixes da bacia do rio São Francisco (PAIVA et alii, 2003).
Como alternativa à pesca artesanal no Baixo São Francisco, foram implementadas
diversas ações de incentivo à criação de peixes em Perímetros de Irrigação da CODEVASF,
em grandes represas e no próprio leito do rio. Essas ações tiveram origem tanto no setor
público quanto no privado. Atualmente, a região conta com fábricas de ração para aqüicultura,
unidades de beneficiamento de pescado, sete estações de produção de alevinos, mais de 1.000
hectares de tanques escavados em perímetros irrigados e em várzeas, milhares de tanques-rede
instalados em grandes reservatórios e no rio, dezenas de técnicos especializados em
aqüicultura, três cooperativas e onze associações de produtores, além da Câmara Setorial de
Aqüicultura do Baixo São Francisco. Conta, também, com o apoio de entidades como a
CODEVASF, a SEAP/PR, os Governos dos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e
Sergipe, Prefeituras Municipais, o SEBRAE, os Bancos do Nordeste e do Brasil, a
INFOPESCA, Universidades, o Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de
Xingó, entre outros. Dessa forma, pode-se caracterizar o Baixo São Francisco como um
Arranjo Produtivo Local (APL) de Aqüicultura.
Nesse contexto, o objetivo do presente artigo é caracterizar o APL de aqüicultura do
Baixo do São Francisco, apresentando os principais problemas que estão dificultando a sua
estruturação, as políticas demandadas para o seu desenvolvimento e o papel a ser
desempenhado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (CODEVASF). Para atingir tal objetivo, serão utilizadas informações coletadas nos
Censos da Aqüicultura do Baixo São Francisco – Sergipe, em 2004, e Alagoas, em 2005 – e
em questionário específico elaborado pelos autores. O artigo divide-se em três seções, além
dessa introdução e das considerações finais. Na primeira, será realizada uma discussão teórica
sobre arranjos produtivos locais. Na segunda, a região do Baixo do São Francisco será
apresentado, destacando a aqüicultura em seu território, que será melhor caracterizada na
terceira seção.
1. Arranjo Produtivo Local (APL)
No Brasil, o apoio federal aos “arranjos produtivos locais” fez com que diversos
municípios, estados e regiões procurassem caracterizar aglomerados produtivos existentes na
sua área de atuação como sendo uma APL. Segundo alguns técnicos e alguns políticos, a
“marca APL” tornou-se necessária para viabilizar o acesso a políticas públicas. Dessa forma,
o termo APL tem sido usado, no âmbito governamental, como designação genérica para
aglomerados produtivos com características significativamente distintas. Mas o que seria,
então, um APL?
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O termo “arranjo produtivo” aparece na literatura como a designação geral de qualquer
forma de organização produtiva que apresente algum grau de integração de agentes
diferenciados (SANTOS; DINIZ; BARBOSA, 2004). Na prática, a concentração de micros,
pequenas e médias empresas (MPME) que não atuam individualmente nos mercados,
apresentando um significativo nível de cooperação e de compartilhamento de conhecimentos
tácitos sobre o processo produtivo com o objetivo de desenvolver certa localidade, passou a
ser conhecida como Arranjos Produtivos Locais (APLs). Nesse sentido, para o
desenvolvimento do artigo será utilizada a seguinte definição adotada pelo BNDES (2004):
Aglomerações produtivas de micro, pequenas e/ou médias empresas, que atuam em
um mesmo setor ou cadeia, situadas em uma mesma localidade geográfica e
detentoras de atributos como: elevado grau de especialização setorial; elevada
participação conjunta na produção nacional no setor em que se encontram
especializadas; potencial de cooperação interinstitucional entre agentes produtivos e
sociais; e cooperação interinstitucional sujeita a algum mecanismo de coordenação
e/ou governança institucionalizado.
Noronha e Turchi (2005) apontam que o sucesso e o dinamismo das aglomerações
setoriais de MPME depende de uma série de fatores internos às localidades e às empresas e,
também, de fatores externos, podendo-se citar: (i) a capacidade das empresas da aglomeração
e do próprio conjunto de gerar e difundir inovações; (ii) a disposição das empresas para o
desenvolvimento de atividades coletivas; (iii) a mobilidade social com coesão sócioeconômica; (iv) a presença de mão-de-obra qualificada e (v) a existência de organizações
voltadas para a coordenação das atividades dispersas, apoiando as empresas de diversas
formas para o desenvolvimento contínuo de inovações e para a realização das reestruturações
produtivas necessárias em momentos de mudanças tecnológicas radicais.
Portanto, para que o APL prospere, conforme destaca Costa e Costa (2005), há
necessidade da ação de intermediários sociais, ou seja, de instituições externas às empresas
“que transmitiriam as informações relevantes, indicariam oportunidades e facilitariam o
acesso a bens públicos”, auxiliando o APL na superação de seus gargalos. Segundo esses
mesmos autores, instituições e as relações sociais existentes em um APL são capazes de
facilitar a coordenação e o envolvimento dos agentes em ações cooperativas que levem a um
desempenho econômico superior. Dessa forma, o capital social – conteúdo de certas relações
sociais que combinam atitudes de confiança, reciprocidade e cooperação – estimula o
aprendizado coletivo e a cooperação e integração dos membros da comunidade, promovendo
ações que possibilitem o desenvolvimento do APL – há estudos que relacionam o capital
social com o desenvolvimento de APLs mais inovadores (ALBAGLI; MACIEL, 2002).
É importante ter em mente que a boa convivência das empresas nos APLs não significa
a ausência de concorrência. Percebem-se diferentes graus de competição entre empresas que
produzem o mesmo produto ou exercem a mesma atividade. No ambiente coexistiriam a
cooperação e a competição. “A cooperação minimizaria as deficiências de escala, contribuiria
para a redução de riscos e de custos de transação, facilitaria o fluxo de recursos, manteria a
capacidade inovativa do aglomerado e divisaria novas oportunidades. A competição, por sua
vez, daria dinamismo ao aglomerado, fortalecendo a competitividade de suas empresas
mediante a difusão de melhores práticas produtivas” (COSTA; COSTA, 2005).
Deve-se apontar também que a atuação governamental é fundamental para o
desenvolvimento dos APLs – a exemplo do ocorrido nos Estados Unidos, na Itália e em outras
regiões européias. Entre as principais ações governamentais que beneficiam os “arranjos”,
pode-se destacar: (i) provisão de infra-estrutura que suporte o crescimento dos APLs; (ii)
apoio ao ensino e à capacitação de mão-de-obra; (iii) funcionamento de centros de pesquisa e
desenvolvimento; (iv) financiamento de investimentos cooperativos e (v) realização de
investimentos públicos. Para Locke (2004), mesmo em regiões onde não há organização,
confiança, cooperação e desenvolvimento, essas situações poderão se reverter com relativa
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facilidade caso o governo ofereça uma série de benefícios que gerem avanços para todo o
APL e não apenas para algumas empresasi. Já para Noronha e Turchi (2005), a proposta
governamental de promover APLs possibilita o desenvolvimento regional a partir das MPMEs
de um mesmo setor atuando de forma cooperativa, mesmo em regiões com sérios problemas
de déficit econômico, conflitos políticos e religiosos.
Portanto, a atuação governamental, ao criar uma política específica de apoio aos APLs,
além de possibilitar o aumento da representatividade das organizações, deve ser entendida
como um mecanismo fomentador da união de agentes econômicos na medida em que cria
incentivos para a cooperação, reduz a possibilidade de pulverização de esforços pela
duplicidade de ações por diferentes entidades numa mesma região e desincentiva posições
oportunistas – ao estabelecer condições universalistas e participativas para acesso aos
benefícios oriundos dessa política –, além de ofertar a infra-estrutura necessária para o
desenvolvimento. Segundo Santos, Diniz e Barbosa (2004), as políticas que incentivam os
APLs podem ser uma das mais eficazes políticas de desenvolvimento regional, ainda que não
tenham apenas essa função e não sejam capazes de serem replicadas em todas as regiões
subdesenvolvidas.
Por último, deve-se apontar que Gorayeb (2002) defende a descentralização das
políticas públicas é o meio institucional mais adequado para adoção de ações direcionadas a
aglomerações setoriais de MPME, observados alguns critérios: (i) as políticas devem visar
alcançar as demandas específicas das empresas e essas demandas só podem ser identificadas
em nível local; (ii) a forma de organização das empresas de uma localidade difere de outras, já
que depende do setor de atividade, do adensamento da cadeia produtiva e da história política e
econômica da localidade, sendo necessário que a formulação de ações específicas fique a
cargo ou conte com a participação de agentes locais que compreendam as relações sociais,
políticas e econômicas do local; (iii) as autoridades públicas locais condutoras de algumas
ações devem se envolver ativamente nos projetos da localidade, sendo importante o
acompanhamento de um agente neutro nas relações comerciais; e (iv) as ações de promoção
às aglomerações devem, necessariamente, contar com o comprometimento das organizações e
dos agentes privados locais relacionados com as atividades dessas aglomerações e, portanto,
espaços públicos devem ser construídos para reuniões, fóruns, associações e atividades
comuns.
2. A aqüicultura na região do Baixo do São Francisco
A região do Baixo São Francisco está localizada entre as coordenadas geográficas de 8º
e 11º de latitude sul e 36º e 39º de longitude oeste, constituindo-se na porção mais oriental da
Bacia do mesmo nome. Ocupa uma extensão territorial de 30.277,7 km2, abrangendo
municípios pertencentes aos estados da Bahia, de Pernambuco, de Alagoas e de Sergipe –
aproximadamente cem municípios –, que totalizam uma população superior a 1,8 milhões de
habitantes. Em relação à quantidade de produtores e às áreas de criação de peixes, é
importante destacar que estes são insignificantes nos municípios dos estados de Pernambuco e
da Bahia, excetuando-se, nesse último, o município de Paulo Afonso. Dessa forma, o estudo
realizado no presente artigo se limitará a esse município e aos demais municípios situados nos
estados de Alagoas e Sergipe.
Conforme foi apontado na introdução, ocorreu, nos últimos anos, uma redução dos
estoques pesqueiros da região. Tal fato decorre, principalmente, de alterações das condições
naturais de reprodução e de desenvolvimento dos peixes provocadas pela construção de
barragens ao longo do rio. Essas barragens limitam, substancialmente, os trechos para a
realização da piracema, alterando a qualidade e a vazão da água e inviabilizando as lagoas
marginais, que são os berçários e grandes responsáveis pela reposição de peixes no rio. Como
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conseqüência, ocorre o desaparecimento de espécies de peixes de importância econômica e
ecológica, a redução da oferta de alimento e a ociosidade e o êxodo de pescadores artesanais,
com graves reflexos sociais em toda a região (PAIVA et alii, 2003). Em resposta a essa
situação, foi incentivada a implantação de ações que gerou um grande desenvolvimento da
aqüicultura – criação de animais e vegetais que utilizam a água como seu principal ou mais
freqüente ambiente de vida – na região.
Na verdade, a aqüicultura extensiva é praticada há décadas no Baixo São Francisco. No
início, restringia-se às lagoas marginais, onde o abastecimento de água era feito pela subida
do nível do rio no período chuvoso. Curimatã-pacu, Piau verdadeiro e Mandi eram as espécies
mais criadas, com os alevinos sendo capturados nas próprias lagoas marginais do rio. Com a
construção da barragem de Sobradinho, em 1979, e a conseqüente regularização do rio São
Francisco no trecho a jusante, grande número de lagoas desapareceu, inviabilizando a
obtenção de alevinos pelos piscicultores (SUDEPE/CODEVASF, 1980).
Já as atividades de aqüicultura no âmbito da CODEVASF tiveram início no município
de Porto Real do Colégio, Alagoas, em 1976, dois anos após a sua criação. Em 1978, entrou
em funcionamento, nesse mesmo município, a Estação Piloto de Piscicultura do Baixo São
Francisco, no Projeto de Irrigação de Itiúba, que se transformaria na Estação de Piscicultura
de Itiúba. Posteriormente, a Companhia ampliou o programa de aqüicultura para todo o Vale
do São Francisco, com destaque para o desenvolvimento da atividade por colonos dos
Perímetros Irrigados nos Estados de Alagoas e Sergipe, visando a diversificação da
monocultura do arroz, como forma de aumentar os rendimentos por unidade de área em
exploração (CODEVASF/PLANVASF, 1989)ii.
Atualmente, dos mais de 20.000 hectares de áreas de várzeas, com solo e topografia
ideais para a construção de viveiros, clima quente o ano todo e recursos hídricos abundantes e
de excelente qualidade, supridos pelo rio São Francisco e seus tributários, cerca de 1.200
hectares de tanques foram construídos no Baixo São Francisco. Estima-se que, nos próximos
dez anos, essa atividade ocupe mais de 5.000 hectares de várzeas no Baixo São Francisco, que
poderão produzir mais de 40.000 toneladas de pescado por ano, gerando entre 7.000 e 12.500
empregos diretos e entre 22.000 e 37.000 empregos indiretos ao longo da cadeia produtiva.
Em Paulo Afonso, Bahia, encontra-se em operação um dos maiores complexos de produção
de Tilápia do mundo, com capacidade instalada para a produção de 4.500 toneladas por ano, e
conta ainda com uma indústria de processamento de pescado e uma fábrica de ração.
Dentre as inúmeras condições favoráveis apresentadas pelo Baixo São Francisco para o
desenvolvimento da aqüicultura, destacam-se:
ƒ grande disponibilidade de água, com baixo conflito de uso e com elevada vazão anual
média na foz;
ƒ extensas áreas de várzeas com topografia e solos adequados, permitindo a construção de
viveiros;
ƒ localização estratégica, próxima a quatro grandes centros consumidores (Aracaju, Maceió,
Recife e Salvador), além da facilidade de escoamento da produção para outros mercados
no país e no exterior;
ƒ excelentes condições climáticas, possibilitando a criação de espécies aquáticas durante
todo o ano;
ƒ presença de extensas áreas irrigadas – aproximadamente treze mil hectares – que, em
grande parte, podem ser convertidas para a produção de peixes e
ƒ grande infra-estrutura instalada para o fornecimento de alevinos por meio de estações de
piscicultura públicas e privadas.
Esses fatores tornam o Baixo do São Francisco uma das regiões brasileiras mais
desenvolvidas em relação à aqüicultura, apresentando boas perspectivas de crescimento.
Tanto é verdade que, atualmente, a região conta com fábricas de ração para aqüicultura,
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unidades de beneficiamento de pescado, sete estações de produção de alevinos, mais de 1.000
hectares de tanques escavados em perímetros irrigados e em várzeas, milhares de tanques-rede
instalados em grandes reservatórios e no rio, dezenas de técnicos especializados em
aqüicultura, três cooperativas e onze associações de produtores, além da Câmara Setorial de
Aqüicultura do Baixo São Francisco. Conta, também, com o apoio de entidades como a
CODEVASF, a SEAP/PR, os Governos dos Estados de Alagoas, Bahia, Pernambuco e
Sergipe, Prefeituras Municipais, o SEBRAE, os Bancos do Nordeste e do Brasil, a
INFOPESCA, Universidades, o Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de
Xingó, entre outros. Tais fatos tornam possível caracterizar o Baixo São Francisco como um
Arranjo Produtivo Local (APL) de Aqüicultura – de acordo com o discutido na seção anterior.
3. Caracterização do APL de Aqüicultura do Baixo do São Francisco
3.1 - Fontes de dados e metodologia
A caracterização do APL de aqüicultura do Baixo do São Francisco – cujos resultados
serão apresentados mais adiante – tomou por base a análise de informações coletadas nas
seguintes fontes:
ƒ Censo da Aqüicultura do Baixo São Francisco no Estado de Sergipe, realizado, em 2004,
por técnicos da 4ª Superintendência Regional da CODEVASF e dos Distritos de Irrigação
dos Perímetros de Propriá, Cotinguiba-Pindoba e Betume;
ƒ Censo da Aqüicultura do Baixo São Francisco no Estado de Alagoas, realizado, em 2005,
pela 5ª Superintendência Regional da CODEVASF, SEBRAE-AL e Universidade Federal
de Alagoas;
ƒ questionário elaborado especificamente para essa pesquisa, respondido por representantes
de organizações de produtores e de entidades públicas e privadas que atuam no APL de
Aqüicultura do Baixo São Francisco, como associações e cooperativas de produtores,
colônias de pescadores artesanais, Distritos de Irrigação, Prefeituras Municipais,
instituições públicas federais e estaduais, banco, empresas que prestam assistência técnica,
fábrica de ração, empresas e fundações privadas com significativa atuação no APL e a
Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São Francisco;
ƒ estudos e relatórios sobre a cadeia produtiva da região, obtidos em acervos de instituições
que atuam no Baixo São Francisco, principalmente da CODEVASF, e publicações
técnicas sobre aqüicultura e arranjos produtivos locais com abordagens similares ou
passíveis de serem aplicadas no APL.
Em relação aos censos, é importante apontar que esses foram realizados por meio de
formulário especifico, composto de cento e vinte perguntas, aplicado diretamente a
proprietários ou gerentes de propriedades com área de aqüicultura em tanques escavados
superior a 1.000 m² e a todos os que realizavam a criação de peixes em tanques-rede. Dos dois
Censos, foram selecionadas as informações consideradas mais relevantes para atingir o
objetivo do estudo.
O questionário, por sua vez, possuía vinte e cinco questões, que identificavam a
instituição, o nome e a função do entrevistado; relacionavam as ações realizadas no APL
pelos entrevistados com vistas a uma possível avaliação dos investimentos e do alcance do
trabalho de cada instituição; avaliavam a visão, o conhecimento, a experiência, as opiniões e
as sugestões dos entrevistados/instituições no que diz respeito às deficiências do APL, ao
estágio de desenvolvimento da aqüicultura na região, à identificação e à priorização de
demandas de políticas que levem à estruturação e ao efetivo desenvolvimento desse arranjo
produtivo; e davam espaço para que o entrevistado/instituição acrescentasse assuntos não
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abordados. As respostas foram tabuladas em planilha específica e analisadas segundo a
freqüência com que os entrevistados optavam pelas alternativas propostas. Em nove questões
exigiu-se uma participação maior dos entrevistados, solicitando que indicassem a ordem de
importância, de 1º ao 6º lugares, das alternativas apresentadas. Para a análise dessas últimas
questões, utilizou-se a Seqüência de Fibonacci – série de números naturais que atribui
diferentes pesos à freqüência com que se está trabalhando –, que possibilita o estabelecimento
da hierarquização dos dados obtidos (ARCELA, 1996). Posteriormente, analisou-se cada uma
das respostas espontâneas descritas pelos próprios entrevistados, que não teriam como ser
tabuladas pela diversidade de opiniões.
3.2 Resultados
Censo da Aqüicultura no Estado de Sergipe
Verificou-se que 57,1% dos entrevistados criavam peixes em viveiros de terra, 39,6%
em açudes/lagoas, 3,1% em tanques-rede e 0,3% em tanques revestidos. Do total dos
produtores que criavam peixes em viveiros de terra, 68,2% não faziam adubação da água;
79,7% não realizavam a calagem (uso de cal para corrigir o pH da água) e 91,4% não faziam
análise físico-química da água. O Tambaqui é a principal espécie, sendo criada em 267
propriedades (44% do total), com uma produção de cerca de 950 toneladas anuais; a Curimatã
é criada em 198 propriedades (33 % do total); a Tilápia em 96 propriedades (16 % do total) e
outras espécies de menor expressão econômica são criadas em cerca de 7% das propriedades.
Em relação à forma de comercialização, é importante apontar alguns aspectos: (i) a
produção de 86,6% das propriedades é comercializada no próprio local, na forma de pescado
vivo; (ii) a produção de 55,9% das propriedades é vendida para intermediários, enquanto
34,8% delas comercializam diretamente ao consumidor; (iii) 53,1% das propriedades têm seus
produtos comercializados em mercados locais e somente 6,3% delas destinam a produção para
outros estados e (iv) a produção de 82,1% das propriedades é comercializada pelos preços de
mercado praticados no dia, 9,9% comercializam pelo preço ditado pelo intermediário, 7%
vendem ao preço estabelecido a partir de outros fatores e apenas 1,1% das propriedades tem
seus preços baseados no custo de produção.
O Censo identificou que 80,2% das propriedades não vinham recebendo assistência
técnica e que 79% dos entrevistados terem afirmado que não calculavam a rentabilidade do
cultivo. Apesar disso, 21,7% dos entrevistados declararam que o lucro líquido obtido com a
atividade era superior a R$ 3.001,00/ano, 18,5% informaram que ficava entre R$ 1.001,00 e
R$ 3.000,00/ano, 12,8% informaram ser entre R$ 501,00 e R$ 1.000,00/ano, 14,9% disseram
que ganhavam até R$500,00 líquidos ao ano, 0,3% informaram que tiveram prejuízo e 31,8 %
não responderam. Quanto ao financiamento da produção, alguns produtores alegaram
dificuldades para a obtenção de crédito bancário devido à exigência de farta documentação,
de licença ambiental e da necessidade de estarem adimplentes com a instituição bancária –
cento e cinqüenta e um produtores (40,4%) utilizaram crédito bancário, sendo que, da
totalidade, 76,8% estão inadimplentes, o que mostra a importância desse assunto para o
adequado funcionamento do APL. No tocante aos insumos que apresentam os maiores custos
na produção de pescado no APL, o Censo revelou que a ração é o insumo mais caro para 69%
dos produtores, seguido da mão-de-obra com 13,9 % e dos alevinos com 8,6%.
Dos produtores entrevistados, 53,7% têm bom nível de satisfação com a atividade,
36,1% têm nível de satisfação médio, 8,6% apresentam nível de satisfação ruim e 1,6% não
responderam. Vale destacar que 33,2% disseram que iriam continuar com a atividade, 3,2%
pretendiam desistir, 61,8 % deles pretendem realizar ampliações em suas áreas de piscicultura
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e 1,9 não responderam. Cerca de 27 % dos produtores são semi-analfabetos e 13 % possuem
curso superior.
Censo da Aqüicultura no Estado de Alagoas
De acordo com os executores do Censo em Alagoas, é possível identificar
características diferenciadas entre três regiões do Baixo São Francisco naquele Estado, que
poderiam sugerir a existência de três arranjos produtivos locais, assim distribuídos: (i) região
da foz do rio São Francisco, (ii) região do reservatório de Xingó e (iii) região da área dos
Açudes. Dos produtores ativos, cento e vinte e cinco estavam na região da foz, dezenove na
região do Xingó e dezesseis na área de Açudes. As três regiões apresentavam área alagada
total de 270,7 hectares, sendo 60% dessa área na região na foz, 23% no Xingó e 17% nos
Açudes.
Em relação à criação de peixes em tanques-rede, na região da foz o volume total era de
1.396 m³, na região do Xingó o volume total de criação era de 4.496 m³ e na área dos Açudes
o volume total era de 2.405 m³. Na foz, o Tambaqui é principal espécie de peixe criada,
representando cerca de 38% da produção, seguido da Curimatã com 33% e da Tilápia com
20%. Na região de Xingó, a Tilápia é a principal espécie criada, com 62% da produção,
seguida do Curimatã e do Tambaqui, ambos com 17%. Nos Açudes, a Tilápia também é a
espécie de peixe mais criada, correspondendo a 75% da produção, seguida do Surubim com
15% e do Tambaqui com 10%. A maior parte da produção da piscicultura no Estado de
Alagoas é comercializada in natura.
A produção de alevinos – insumo – é realizada em três unidades de produção, nos
Municípios de Porto Real do Colégio, Pão de Açúcar e Piranhas. As rações – insumo –
utilizadas são oriundas principalmente de Pernambuco e São Paulo, tendo o Estado de
Alagoas apenas uma fábrica desse insumo, localizada no Município de Arapiraca. Assistência
técnica regular é fornecida por entidades públicas em seis dos vinte e um municípios
pesquisados, enquanto que nos demais a assistência técnica é esporádica, privada ou não
existe.
Questionário
Do total de cinqüenta questionários enviados, foram devolvidos respondidos trinta e seis
(72%), sendo: (i) dezoito de organizações de produtores (três de Alagoas, sete de Sergipe, oito
da Bahia); (ii) um da Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São Francisco; (iii) três de
empresas fornecedoras de insumos; (iv) um de empresa ligada à comercialização de pescado;
(v) oito de representações de órgãos governamentais; (vi) um do SEBRAE-SE; (vii) um do
Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico de Xingó; (viii) um do Banco do
Nordeste; (ix) um do INFOPESCA e (x) um da Associação dos Engenheiros de Pesca-SE.
Na análise das questões, verificou-se que 21% dessas instituições implantaram sozinhas
obras físicas ligadas ao APL e 45% em parcerias; 13% e 48%, sozinhas ou em parcerias,
respectivamente, promoveram treinamento em aqüicultura, associativismo e/ou gestão de
empreendimentos; e 19% financiaram algum tipo de empreendimento relacionado ao APL.
Observou-se também que: (i) 42%, 44% e 14% dos entrevistados informaram,
respectivamente, que a quantidade de criadores de peixe na região é baixa, média e grande;
(ii) 31%, 50% e 19% vêem o grau de motivação dos produtores do APL para essa atividade
como baixo, médio e alto, respectivamente; (iii) 57%, 31% e 11% entendem que o grau de
cooperação e de alianças entre os criadores de peixes do APL é baixo, médio e alto,
respectivamente; (iv) 100% acham que devem ser intensificadas as políticas públicas para a
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promoção do desenvolvimento da aqüicultura na região do Baixo São Francisco e (v) 78%
entendem que o apoio do Governo aos pequenos e médios piscicultores, por meio da
capacitação e do acesso ao crédito, é o caminho mais adequado para o desenvolvimento do
APL, contra 22% que não concordam com a afirmativa.
No que diz respeito ao nível tecnológico e à dependência de financiamento, 8% dos
entrevistados entendem que predomina na região produtores com bom nível tecnológico e que
não apresentam maiores dependências de financiamento; 50% acham que os produtores têm
bom nível tecnológico, mas estão descapitalizados para a atividade; 42% acham que os
produtores têm baixo nível tecnológico, mas em condições de superarem essa deficiência caso
participem de bons programas de capacitação; e nenhum dos entrevistados optou por
“produtores com baixo nível tecnológico em piscicultura e sem condições de assimilarem os
conhecimentos técnicos necessários a uma adequada condução dos empreendimentos de
piscicultura”. Para 28% dos entrevistados, existem empresas líderes na região capazes de
alavancar a aqüicultura no Baixo São Francisco pela integração dos produtores, contra 50%
que dizem que isto não ocorreu e 22% que não sabem.
Perguntados se são utilizados instrumentos de marketing e de promoção comercial para
o pescado produzido no APL de aqüicultura do Baixo São Francisco, 42% dos entrevistados
entendem que “Sim”, 55% afirmam que isto não vem acontecendo e 3% não sabem.
Questionados se os produtores e suas organizações estão preparados para a identificação e o
acesso a mercados para seus produtos, 15% acreditam que “Sim”, 76% que “Não” e 9% não
sabem.
A dificuldade dos produtores no “acesso a crédito para investimento e custeio da
produção” foi identificada como a maior deficiência do APL, seguida, em ordem decrescente
de importância, da “dificuldade na comercialização da produção”, do “baixo nível de
interação entre os principais atores do APL (produtores e suas organizações, bancos,
indústrias, governo e ONGs)”, da “assistência técnica deficiente ou inexistente”, do “baixo
nível tecnológico dos produtores” e da “fraca atuação dos órgãos governamentais”.
O principal problema enfrentado pelos produtores para a comercialização do pescado
produzido na região é, para a maioria dos entrevistados, a “falta ou desconhecimento dos
canais de comercialização”, seguido, em ordem decrescente de importância, do “baixo preço
do pescado pago pelos intermediários/atravessadores”; da “falta de garantia da
comercialização da produção de cada tanque tão logo os peixes atinjam o tamanho comercial,
obrigando os produtores a realizarem a despesca e a venda parcelada por um longo período,
ampliando o tempo de cada ciclo de produção e reduzindo a produtividade e as margens de
lucro”; do “pescado produzido fora dos padrões de qualidade exigidos pelo mercado”; das
“distâncias das áreas de produção aos centros consumidores”. Dezesseis entrevistados
sugeriram problemas diferentes aos apresentados no questionário, sendo que quatro deles
colocaram suas sugestões como sendo a principal alternativa; um citou que o volume e a
freqüência de oferta são baixos, fazendo com que esses fatores desestimulem a parceria dos
produtores com empresas que realizam a comercialização; outro entrevistado concorda com
essa última resposta ao considerar que o problema da comercialização estaria relacionado ao
custo de produção em decorrência dos altos valores da ração e do pequeno volume de
produção que inviabiliza o frete e os demais indicaram a falta de estrutura para processamento
do pescado e para distribuição eficiente da produção.
Avançando na análise da problemática da comercialização do pescado, foi identificado
que o principal problema relacionado ao mercado consumidor do pescado produzido no APL
é a “falta de hábito de consumo de pescado”, seguido, em ordem decrescente de importância,
da “falta de regularidade na oferta”, “desconhecimento dos consumidores com relação às
principais espécies de peixes criadas no APL (Tambaqui e Tilápia)”, do “preço alto do
produto” e do “mau estado de conservação do pescado”. Oito entrevistados sugeriram outros
9
problemas, sendo que quatro deles indicaram como sendo o principal problema a “falta de
estratégia de comercialização por parte dos produtores”; um outro, a “comercialização do
pescado restrita a cidades com baixo poder aquisitivo” e os demais, a “falta de marketing”.
Como solução para melhorar a comercialização do pescado, em nível de produtor,
sugeriram “o aumento da cooperação entre os envolvidos na cadeia produtiva nos processos
de comercialização”, seguida, em ordem decrescente de prioridade, de: “melhoria das
condições da infra-estrutura de varejo (peixarias, mercados municipais, feiras livres,
supermercados), incluindo instalações para a venda de peixes vivos”; “participação dos
produtores em feiras e em outros eventos promocionais, com vistas à abertura de novos
mercados”; “redução dos preços via aumento da escala de produção”; e “melhoria da
qualidade do pescado ofertado ao mercado”. Sete entrevistados sugeriram alternativas
diferentes às propostas do questionário, sendo que três deles as colocaram como sendo a
primeira alternativa; um deles citou que deveria ser colocada em funcionamento a Unidade de
Beneficiamento de Pescado de Própria, recém inaugurada, e outros dois optaram pela mesma
linha, sugerindo que falta estrutura para processamento e para distribuição do produto.
Com relação às principais limitações do APL em relação à infra-estrutura e ao meio
ambiente, a alternativa que indicava as “dificuldades para a obtenção de registros ou de
licença ambiental” foi considerada como o principal problema, seguida, em ordem
decrescente de importância, por: “estradas em estado precário ou insuficientes”; “escassez de
energia elétrica”; “baixas disponibilidade e qualidade de água” e “acesso dos produtores aos
sistemas telefônicos”. Apenas quatro entrevistados propuseram uma alternativa diferente das
sugeridas, sendo que um deles propôs como principal limitação a dificuldade de obtenção de
crédito para construção de tanques e para aquisição de veículos (caminhão de transporte) e
equipamentos (aeradores, oxímetro).
A “ração” foi considerada como o insumo mais limitante, seguida, em ordem
decrescente de importância, por “assistência técnica”, “alevino”, “mão-de-obra” e “água”. De
quatro entrevistados que apresentaram uma outra alternativa, apenas um a colocou como
prioritária, tendo sugerido que o insumo que mais limitava o desenvolvimento do APL seria o
financiamento para investimentos fixos e custeio, seguido da assistência técnica.
Quando perguntado “o que deveria focar as políticas governamentais para o
desenvolvimento do APL de aqüicultura do Baixo São Francisco?” A opção que sugeria a
“garantia da compra da produção, a preços de mercado, pelos Governos Federal, Estadual e
Municipal, para sua inclusão na merenda escolar e em campanhas governamentais de
distribuição de alimentos” recebeu a maior quantidade de indicações, seguida, em ordem
decrescente de prioridade, do “aumento dos investimentos em pesquisa visando a melhoria da
tecnologia de piscicultura empregada na região”; da “geração de postos de trabalho a
pescadores artesanais e a pequenos produtores ribeirinhos, fazendo frente aos baixos
rendimentos obtidos com a pesca artesanal no rio São Francisco”; do “aumento da oferta de
pescado à população como importante fonte de proteína animal” e da “melhoria da renda dos
produtores”. Cinco entrevistados apresentaram uma outra alternativa, mas apenas um a
classificou como a mais importante, sugerindo que o Governo deveria focar a garantia de
assistência técnica no sistema de produção, no associativismo e no gerenciamento do
empreendimento.
O mercado para o pescado produzido voltou a ser abordado em uma outra questão, na
qual foi perguntado em quais locais os produtores deveriam investir para a colocação de seus
produtos: “Salvador e Recife” ficaram em 1º lugar, seguidos, em ordem decrescente de
prioridade, de “Aracaju e Maceió”; dos “próprios municípios produtores”; de “São Paulo, Rio
de Janeiro e Brasília”; e dos “Estados Unidos e Europa”. Oito entrevistados apresentaram
outras sugestões, sendo que três deles colocaram suas propostas como as mais importantes
dentre as alternativas: dois questionados sugeriram que os produtores deveriam investir no
10
mercado brasileiro nas próprias microrregiões produtoras e um outro sugeriu que deveria ser o
mercado regional. Mesmo se esses três votos fossem somados à opção “nos próprios
municípios produtores”, não seria suficiente para alterar a ordem estabelecida acima.
Os entrevistados sugeriram que as instituições as quais pertenciam poderiam contribuir
para uma maior dinamização do APL de Aqüicultura do Baixo São Francisco, “capacitando
os produtores na melhoria técnica e na gestão dos empreendimentos”, seguidos, em ordem
decrescente de prioridade, de: “assegurando assistência técnica aos produtores”; “assegurando
a compra da produção a preços viáveis para manutenção da atividade”; “desenvolvendo
tecnologia adequada à realidade local” e “financiando os produtores em condições atrativas”.
Como alternativa, um entrevistado sugeriu que, em 1º lugar, deveria ser “apoiando a
comercialização da produção de peixes da região, promovendo a aquisição conjunta de ração
e participando de feiras e eventos de divulgação do produto da região” e outro entrevistado
sugeriu “disponibilizando recursos para incrementar a produção, transporte e funcionamento
de Unidades de Beneficiamento de Pescado em construção da região".
3.3 Análise dos resultados e estágio de desenvolvimento
Os resultados obtidos nesse estudo apontam a existência de grande aglomeração de
criadores de peixes nos Estados de Alagoas, Bahia e Sergipe – região conhecida como Baixo
São Francisco. Existem mais de 900 produtores, em sua maioria ocupando áreas de terra
inferiores a três hectares ou em águas do reservatório de Xingó. As duas maiores
concentrações de piscicultores encontram-se em Paulo Afonso, Bahia, por conta da criação de
peixes em tanques-rede no reservatório de Xingó, e em Propriá, Sergipe, por conta da criação
de peixes em tanques escavados em terra nos Perímetros Irrigados de Propriá e CotinguibaPindoba, implantados pela CODEVASF.
O APL conta com vantagens competitivas no agronegócio da aqüicultura, especialmente
no que diz respeito: (i) à disponibilidade de água de ótima qualidade e com baixo conflito de
uso, comparado às demais regiões brasileiras; (ii) aos solos e clima adequados à atividade;
(iii) à infra-estrutura instalada de Perímetros Irrigados; (iii) à existência de estações de
produção de alevinos, fábricas de ração e unidades de beneficiamento de pescado; (iv) ao
nível tecnológico atingido, com a presença de universidades e centros de pesquisa e
treinamento e (v) ao nível de organização dos produtores, com a presença de cooperativas,
associações e da Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São Francisco. Para que a região
aproveite essas vantagens, é necessário que as MPME que compõem o APL desfrutem da
proximidade entre elas para consolidarem ganhos de escala e de escopo e para que possam
concorrer por mercados com grandes empresas e com outros APLs.
Conforme apontado anteriormente, no questionário aplicado a trinta e seis
representantes de instituições da região, 57% admitiram que o grau de cooperação e de
alianças entre os criadores de peixes do APL é baixo. Portanto, há a consciência de que o
estoque de capital social ainda é um ponto fraco do arranjo, apesar da existência de várias
organizações de produtores na região – a prática da confiança, da solidariedade, da
cooperação e da participação cívico-social é produto do desenvolvimento do capital social e
passa pela complexidade das interações entre as pessoas e os grupos que elas compõem. A
competição natural entre produtores não pode ser obstáculo aos ganhos que poderão surgir a
partir da cooperação.
Outro ponto importante para a consolidação do APL de aqüicultura diz respeito ao
desenvolvimento de processos, insumos e produtos que levem ao aumento da competitividade
de toda a cadeia produtiva do pescado (BNDES, 2004). Os entrevistados entendem que os
produtores apresentam um bom nível tecnológico, mas que pode ser melhorado – quando
perguntado “no que deveria focar as políticas governamentais para o desenvolvimento do
11
APL?”, a opção “aumento dos investimentos em pesquisa visando a melhoria da tecnologia de
piscicultura empregada na região” ficou em 2º lugariii.
No quesito “quais os insumos estão limitando mais acentuadamente o desenvolvimento
do APL?”, os entrevistados colocaram a “assistência técnica” em 2º lugar, perdendo para
“ração”, que chega a representar 60% a 80% do custo de produção do pescado na aqüicultura.
Nesse mesmo sentido, o Censo da Aqüicultura realizado em Sergipe identificou que 80% dos
produtores não recebem nenhum tipo de orientação técnica e que cerca de 27% deles são
semi-analfabetos. Já o Censo da Aqüicultura realizado em Alagoas indicou que assistência
técnica regular é fornecida em apenas seis dos vinte e um municípios pesquisados. As
informações a respeito do nível tecnológico, do nível de escolaridade dos produtores e da
necessidade de fornecimento de assistência técnica são fortes indicativos de que esses
segmentos devem merecer maior atenção do poder público.
Como na maioria dos APLs estruturados, a exemplo do Vale do Silício nos Estados
Unidos da América, é fundamental contar com grande densidade de mão-de-obra qualificada
e de centros de pesquisas especializados (BNDES, 2004). Algumas iniciativas
governamentais, além das relacionadas anteriormente, vão ao encontro dessa situação, como a
implantação do Centro de Referência em Aqüicultura do São Francisco, em Porto Real, do
Colégio, Alagoas, numa parceria da CODEVASF com a SEAP/PR, e de outro curso de
Engenharia de Pesca, em Penedo, Alagoas, vinculado à Universidade Federal de Alagoas.
A comercialização da produção é outro importante problema com que se depara o APL.
Dos entrevistados, apenas 28% acreditam que existem empresas privadas na região capazes de
alavancar a aqüicultura do APL por meio da integração dos produtores, 56% afirmam que não
são utilizados instrumentos de marketing e de promoção comercial para o pescado produzido
no APL, e 76% dizem que os produtores e suas organizações não estão preparados para a
identificação e o acesso a mercados. A “dificuldade na comercialização da produção” aparece
nesse estudo como a 2ª maior deficiência do APL, ficando atrás apenas da “dificuldade dos
produtores no acesso a crédito”. Já nas questões mais específicas a respeito desse tema, as
alternativas consideradas foram: “falta ou desconhecimento dos canais de comercialização”,
para a questão que trata dos “principais problemas enfrentados pelos produtores para a
comercialização do pescado”; “falta de hábito de consumo de pescado”, para a questão que
aborda “quais os principais problemas relacionados ao mercado consumidor do pescado
produzido no APL?”; e “aumento da cooperação entre os envolvidos na cadeia produtiva nos
processos de comercialização”, para o item que perguntava “o que deveria ser feito para
melhorar a comercialização do pescado ao nível de produtor?”.
O Censo da Aqüicultura em Sergipe também evidenciou os problemas da
comercialização: 56% dos produtores comercializam o pescado a intermediários e 93% da
produção são comercializados vivos ou inteiros. Esse censo também registrou que 94% da
produção são consumidos em Sergipe e que somente 6% vão para outros estados,
principalmente para Alagoas. A falta de Unidades de Beneficiamento de Pescado na região
limita o acesso da produção a novos mercados, ficando a mesma direcionada ao mercado
local. Além de dificultar a comercialização, isto pode estar contribuindo para a redução das
margens de lucro com a atividade, em decorrência do limitado mercado se comparado à
capacidade instalada de produção. Para sanar esse gargalo, foi inaugurada em 2005 uma
unidade de beneficiamento de pescado em Própria, Sergipe, com capacidade de abate para
cinco toneladas de pescado por dia, e encontram-se em construção três outras unidades, sendo
uma em Pão-de-Açúcar, Alagoas, outra em Penedo, no mesmo Estado, e outra em Paulo
Afonso, Bahia, que, juntas, deverão abater mais de dez toneladas de pescado por dia.
Considerando que a grande maioria dos produtores encontra-se descapitalizada, a
dificuldade no acesso a créditos para financiar a produção pode ser uma das explicações para
12
a ocorrência de áreas de viveiros e de tanques-rede desativados e para as baixas
produtividades, essa última em decorrência, principalmente, dos elevados custos da ração, que
representam até 80% dos custos de produção da aqüicultura no APL. De acordo com a
maioria dos entrevistados, predomina na região “produtores com bom nível tecnológico em
piscicultura, mas descapitalizados para empreenderem essa atividade”. Além disso, apontam
que a maior deficiência do APL é a “dificuldade dos produtores no acesso a crédito para
investimento e custeio da produção”.
A dificuldade para obtenção de licenciamento ambiental tem sido outro importante e
conhecido problema levantado pelos produtores. Das seis alternativas apresentadas como
limitações do APL em relação à infra-estrutura e ao meio ambiente, 86% dos entrevistados
indicaram como principal entrave a dificuldade para a obtenção de registros ou de licença
ambiental. Esse fato é mais significativo quando se refere à concessão do uso de águas
públicas para a aqüicultura, como é o caso da criação de peixes em tanques-rede no
reservatório de Xingó.
Realizada essa análise, o próximo passo é definir o estágio de desenvolvimento em
que se encontra o APL de Aqüicultura no Baixo São Francisco. Para isso, será utilizada a
tipologia de cluster/APL desenvolvida por Mytelka e Farinelli (2000, apud BNDES, 2004),
apresentada no quadro 1, que classifica os APLs em informais, organizados e inovativos.
Características
Existência de liderança
Tamanho das firmas
Capacidade inovativa
Confiança interna
Nível de tecnologia
Linkages
Cooperação
Competição
Novos produtos
Exportação
Quadro 1
Tipologia de cluster/APL
Cluster/APL
Cluster/APL organizados
informais
Baixo
Baixo e Médio
Micro e Pequena
MPME
Pequena
Alguma
Pequena
Alta
Pequena
Média
Algum
Algum
Pequena
Alguma ou Alta
Alta
Alta
Poucos ou Nenhum
Alguns
Pouca ou Nenhuma
Média ou Alta
Cluster/APL inovativos
Alto
MPME e Grande
Contínua
Alta
Média
Difundido
Alta
Média ou Alta
Continuamente
Alta
No caso do APL de aqüicultura do Baixo São Francisco, observa-se as seguintes
características:
ƒ existência de liderança: existência da Câmara Setorial de Aqüicultura do Baixo São
Francisco, de três Cooperativas e de quinze associações de produtores, o que denota a
existência de interação interna;
ƒ tamanho das firmas: grande concentração de micros, pequenos e médios produtores;
ƒ capacidade inovativa: com foco no mercado, vem acontecendo uma significativa alteração
da espécie de peixe mais criada na região, com a gradativa redução do Tambaqui e da
Curimatã, e o aumento da Tilápia, inclusive com a criação do selo de origem da “Tilápia
do Delta do São Francisco”. Também vem ocorrendo a expansão da exploração da
piscicultura em tanques-rede, aproveitando o potencial de grandes reservatórios d’água da
região;
ƒ confiança interna: ocorrência de significativo vínculo de associativismo entre produtores,
apesar do resultado da pesquisa ter demonstrado que o baixo grau de cooperação e aliança
entre as instituições ainda é um ponto fraco do arranjo. O nível de confiança pode ser
evidenciado pelos resultados do Censo da Aqüicultura em Sergipe – cerca de 54% dos
produtores têm bom nível de satisfação com a atividade e que 62% pretendem realizar
ampliação de suas áreas de piscicultura;
13
ƒ
nível de tecnologia: existência de dezenas de técnicos especializados na região; do Centro
de Referência em Aqüicultura do São Francisco em construção em Alagoas; de cursos
para treinamento e capacitação e de fábricas de ração e unidades de beneficiamento de
pescado. O bom nível tecnológico identificado pelos entrevistados na pesquisa realizada
demonstra a importância dos esforços implementados para o crescente desafio para tornar
o APL tecnologicamente competitivo;
ƒ linkages e cooperação: ponto fraco do APL que precisa ser melhor explorado,
considerando que o resultado da pesquisa apontou baixo grau de cooperação e de aliança
entre os produtores;
ƒ competição, novos produtos e exportação: a limitação da destinação da produção ao
mercado local expõe os problemas existentes na comercialização. O frigorífico em
funcionamento em Paulo Afonso na Bahia, a recém inaugurada Unidade de
Beneficiamento de Pescado de Propriá, em Sergipe, e outras três em construção na região;
e o interesse crescente de grupos empresariais voltados à comercialização de pescado de
se instalarem na região deverão ser responsáveis pela mudança dessa situação.
Conforme foi apontado na introdução, o presente artigo também propôs, também,
apontar as políticas públicas demandadas para o desenvolvimento do APL e quais poderiam
ser executadas pela CODEVASF. Pelas respostas da maioria dos entrevistados, o
entendimento é que devem ser intensificadas ações de capacitação, acesso a crédito,
assistência técnica, aumento de investimentos em pesquisa, geração de postos de trabalho e
garantia da compra da produção a preços de mercado.
Considerações finais
A análise realizada no artigo apontou como principais “gargalos” do APL de
Aqüicultura do Baixo São Francisco: (i) a assistência técnica deficiente, (ii) a descapitalização
dos produtores, (iii) as dificuldades de acesso a financiamento da produção. (iv) os elevados
preços da ração, (v) as dificuldades dos produtores na identificação e no acesso a mercados
(vi) e as dificuldades para a obtenção de registros ou de licença ambiental. Verificou-se
também que, apesar de contar com grande número de organizações de produtores e de uma
Câmara Setorial de Aqüicultura atuante, ainda é necessário ampliar as relações de cooperação,
confiança e governança para atingir as condições necessárias de competitividade e de
desenvolvimento.
Entretanto, considerando que a região do Baixo São Francisco conta com grandes
reservatórios com água de ótima qualidade com baixo conflito de uso, solos e clima
adequados à atividade, grande infra-estrutura instalada em Perímetros Irrigados propícia à
piscicultura, estações de produção de alevinos, fábricas de ração, unidades de beneficiamento
de pescado, presença de Universidades e centros de pesquisa e treinamento, Câmara Setorial
de Aqüicultura, entre outros aspectos, pode-se afirmar que o APL encontra-se em estágio de
desenvolvimento intermediário, entre o informal e o organizado, dentro da classificação
utilizada por Mytelka e Farinelli (2000).
A partir do estudo realizado, percebe-se que a administração pública tem papel
importante na promoção do desenvolvimento do APL de Aqüicultura do Baixo São Francisco,
posto que dispõe de instrumentos que podem proporcionar a agregação da comunidade, o
ordenamento de ações públicas, bem como a capacidade de disciplinamento legal. Além
disso, considerando-se as deficiências identificadas, as políticas públicas para o
desenvolvimento do APL deveriam focar a capacitação e a assistência técnica, o acesso ao
crédito, a garantia da compra da produção, o desenvolvimento de tecnologia adaptada à
realidade local, a agilização dos processos de concessão de licença ambiental e a promoção e
14
estímulo a ações cooperativas entre os diversos atores do Arranjo. Neste particular, a
CODEVASF, com reconhecida atuação na aqüicultura na região, poderá contribuir para o
fortalecimento do APL pela ampliação das ações de capacitação, assistência técnica,
desenvolvimento de tecnologia e na mobilização dos produtores com vistas ao
empoderamento (empowerment) ao longo da cadeia produtiva, utilizando, para isto, a Estação
de Piscicultura de Betume e o Centro de Referência de Aqüicultura do São Francisco, este
ainda em fase de implantação.
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15
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SUDEPE/CODEVASF. Diagnóstico da Pesca no Vale do São Francisco. Brasília, 1980.
i
Segundo Santos, Crocco e Lemos (2002), geralmente a política de APL só é eficiente para regiões
subdesenvolvidas se associada a investimento em infra-estrutura e ao fornecimento de serviços públicos. Após o
atendimento dessas necessidades básicas a política de APL passa a servir como política de fomento ao
desenvolvimento daquele setor para a região.
ii
No Brasil, a CODEVASF foi pioneira na difusão de técnicas de propagação artificial de peixes em alta escala
e, na região do Baixo do São Francisco, na produção e distribuição de alevinos, na disseminação de tecnologias e
no fomento à aqüicultura. Também promoveu ações visando atrair investidores para os diversos segmentos da
cadeia produtiva da aqüicultura na região, realizou estudos de mercado e dos custos de produção, firmou
convênios com instituições nacionais e internacionais para a capacitação de recursos humanos e para a
estruturação da atividade na área.
iii
O bom nível tecnológico dos produtores identificado por grande parte dos entrevistados pode ser evidenciado
pela presença na região de dezenas de técnicos especializados, pela existência de três estações de piscicultura
públicas que realizam pesquisa, pela transferência de tecnologia, pelo treinamento e pela capacitação de
produtores, que ocorre há mais de duas décadas.
16
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1 Arranjo Produtivo Local de Aqüicultura do Baixo São