Desenvolvimento territorial nos Perímetros de Irrigação do Submédio do Vale do São Francisco (PE/BA): avaliação preliminar 1 Tiago Farias Sobel - Mestrando em Economia na Universidade Federal de Uberlândia - Rua Miguel Rocha dos Santos, n. 377/203, Sta. Mônica. CEP: 38.408-190. Uberlândia-MG. - [email protected] Antonio César Ortega - Professor Adjunto do Instituto de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal de Uberlândia. - Avenida João Naves de Ávila, 2160, Campus Universitário Santa Mônica / Instituto de Economia, 38400 – 902 Uberlândia – MG. - [email protected] Área Temática Área Temática: Desenvolvimento Territorial e Ruralidade Forma de Apresentação: Apresentação em sessão sem debatedor 1 Este artigo é baseado em dissertação de mestrado em andamento. Desenvolvimento territorial nos Perímetros de Irrigação do Submédio do Vale do São Francisco (PE/BA): avaliação preliminar Resumo Este trabalho visa qualificar e questionar em que sentido pode-se considerar que houve sucesso na forma de atuação governamental observada no Submédio do Vale do São Francisco, apontando as razões para a obtenção dos resultados observados. Para isso, fez-se uma revisão bibliográfica sobre as diferentes formas de atuação governamental relacionada ao desenvolvimento local - de cima para baixo e de baixo para cima – enfatizando a primeira estratégia, visto que foi desta forma que se deu a atuação pública na região de estudo. De uma forma geral, conclui-se que a intervenção ocorrida na microrregião de estudo alavancou de forma contundente sua economia. No entanto, isto não significa necessariamente melhoria na qualidade de vida da população. Mas a constituição de um capital social inserido à nova realidade produtiva da região contribuiu para que este crescimento econômico se potencializasse e se transformasse, também, em desenvolvimento social. PALAVRAS-CHAVE: desenvolvimento territorial, Pólo Irrigado Petrolina-Juazeiro, políticas públicas. Desenvolvimento territorial nos Perímetros de Irrigação do Submédio do Vale do São Francisco (PE/BA): avaliação preliminar 1. Introdução O desenvolvimento local é foco de debate dentre vários autores no campo da ciência econômica e política. Dar melhores condições de vida a uma população que se encontra cada vez mais refém de um contexto que busca incessantemente a valorização do capital financeiro, a busca da máxima produtividade, etc., virou tema de vários discursos, debates e trabalhos; principalmente a partir da década de 90, quando a globalização começa a impor um contexto de desenvolvimento baseado nas premissas do Consenso de Washington. A partir desta década o Estado aprofunda a reformulação de suas funções de principal fomentador do desenvolvimento econômico, passando a atuar cada vez mais no papel de regulador do mercado. A partir daí, passa-se a assistir, segundo ACSELRAD (2002), uma mudança na forma de atuação governamental, no que tange à estratégias de desenvolvimento local. Observa-se que no Brasil a maioria dos municípios se encontra às margens do contexto global, apresentando elevados índices de pobreza, analfabetismo, mortalidade, etc., sem vislumbrar a possibilidade de se inserir neste contexto de forma autônoma. Neste sentido, é imprescindível se discutir estratégias de desenvolvimento local, visando auxiliar entidades governamentais e locais a atingir um grau de desenvolvimento que os possibilite: i) melhorar as condições de vida da população; e ii) inserir-se no contexto global para, a partir daí, manter um caminho do desenvolvimento de forma autônoma, baseado em fatores endógenos. Desta forma, discutir e confrontar as estratégias de desenvolvimento implementada no Submédio do São Francisco (de cima para baixo) e a atualmente implantada nos pequenos municípios (de baixo para cima) é de suma importância para se analisar qual deve ser a melhor estratégia a ser aplicada, quando se deseja obter melhores retornos sócio-econômicos nos investimentos públicos. Através do estudo de caso do Pólo Frutícola Petrolina-Juazeiro, poderá se identificar os impactos advindos da primeira estratégia – dada às condições específicas da época no local. A questão se torna ainda mais complexa na medida em que o trabalho visa analisar um território situado no sertão nordestino, onde se encontram os piores indicadores sociais do país. Desta forma, a otimização dos benefícios advindos dos investimentos públicos nesta região é imprescindível, o que torna a discussão sobre o tema proposto ainda mais necessário, para servir como ponto de apoio para possíveis formas de atuação nesta sub-região. A escolha do local (Pólo Petrolina-Juazeiro) obedeceu a critérios ligados à sua importância, sendo este o mais importante e mais dinâmico dos pólos de fruticultura irrigada no Nordeste. Além disso, esta microrregião constitui uma importante referência para análise de projetos de desenvolvimento. Isto porque ela apresenta (ou apresentava) uma série de especificidades características do semi-árido nordestino e, mesmo assim, conseguiu se destacar no cenário nacional através da elevação do seu dinamismo econômico. Portanto é interessante analisar, dada as especificidades desta região, o que foi feito para se potencializar as atividades locais. De uma forma geral, o objetivo deste trabalho é qualificar e questionar em que sentido pode-se considerar que houve sucesso na forma de atuação governamental observada no Submédio do Vale do São Francisco, apontando as razões para a obtenção dos resultados observados. E para tanto será feita uma discussão com relação aos investimentos observados nesta microrregião enquanto política de desenvolvimento territorial. Para isso, fez-se uma revisão bibliográfica sobre as diferentes formas de atuação governamental relacionada ao desenvolvimento local, basicamente: a atuação centralizada pelo governo federal (de cima para baixo) e a descentralizada, com participação ativa da sociedade local (de baixo para cima). Neste sentido, pretende-se mostrar como o Estado agia – na época em que foram contemplados os primeiros projetos de irrigação no Submédio do Vale do São Francisco (governo militar) – quando objetivava desenvolver algumas regiões, e como ocorreu o processo de mudança para uma política descentralizada durante meados dos anos 1980, aprofundando-se nos anos 1990. A partir daí, disserta-se sobre as diferenças básicas destas duas formas de planejamento, detalhando seus principais benefícios e malefícios. Em seguida, analisa-se se realmente pode se considerar o caso do Vale do São Francisco como um caso de sucesso no planejamento público, viabilizando o desenvolvimento territorial. Por fim, procura-se de alguma forma contribuir, através das análises expostas, na implantação de políticas públicas que tenham como objetivo o desenvolvimento local, focando na análise, principalmente, o semi-árido nordestino, visto que a região de estudo situa-se nesta área. 2. Problemas a serem superados A agricultura constitui um importante setor para a economia mundial, principalmente em economias atrasadas (países em desenvolvimento). O Brasil está inserido nesse grupo de países. A agricultura tem dado, historicamente, uma inquestionável contribuição ao processo de desenvolvimento do Brasil, participando na geração de emprego, renda e divisas. Segundo FRANÇA (2001), o PIB do setor agropecuário brasileiro manteve uma participação variável da ordem de 8% a 10% entre 1990 e 1998. No entanto, calculando-se as cadeias do agronegócio, a sua participação passa a ser de 46% (HEINZE, 2002), transformando-o na atividade econômica mais importante do país. Isso ocorre porque a agroindústria (indústria voltada tipicamente para a agricultura) e uma série de serviços de armazenamento, transporte e beneficiamento, além da indústria de insumos, máquinas e equipamentos, não existiriam sem a agropecuária. Por sua vez, o Nordeste representa a região mais pobre do país, com índices de pobreza preocupantes. Esta região, por apresentar uma grande parte de suas terras situadas sob o clima árido/semi-árido com forte escassez de água, acaba apresentando baixa produtividade agrícola, ocasionando uma baixa renda per capita, já que esta seria, praticamente, a única fonte de renda disponível para tais localidades. Apesar disso, segundo FRANÇA (2001), a agropecuária emprega mais de 80% da população economicamente ativa da região, ao mesmo tempo em que este mesmo setor representa apenas 10% do PIB da região. Estes números comprovam o baixo valor agregado gerado neste setor no Nordeste, caracterizando-se como uma das principais razões para a miséria rural nordestina (HEINZE, 2002). O sertão apresenta-se como a sub-região mais miserável do Nordeste. Vários autores afirmam não vislumbrar uma reversão, de forma autônoma, da triste realidade sertaneja, fazendo-se necessário uma intervenção estatal neste local, quando se objetiva seu desenvolvimento. No entanto, observa-se que a política econômica restritiva adotada nos últimos anos pelo Estado brasileiro – principalmente após o Plano Real – vem limitando, cada vez mais, os recursos destinados à projetos de desenvolvimento local/regional. Desta forma, nos resta enfatizar a necessidade de obtenção de máxima eficiência no emprego dos recursos públicos, buscando assim alcançar, os maiores benefícios econômicos e sociais para uma determinada localidade. Mas para se obter o máximo retorno positivo através destes investimentos, é de suma importância se fazer uma análise dos possíveis impactos esperados de diferentes tipos de projetos para uma determinada região. Resumidamente, JANVRY e SADOULET (2004) afirmam ser necessário analisar os impactos de novos projetos de investimentos que visem o desenvolvimento territorial antes que este ocorra, devido: i) a escassez de recursos públicos; e ii) à possibilidade de existirem outros projetos que apresentem retornos esperados maiores. Este fato se mostra ainda mais prioritário em regiões onde a pobreza apresenta os maiores índices do país, no caso o sertão nordestino. Vale ressaltar ainda o hábito de economistas em classificar a atuação pública como exitosa, ou não, seguindo uma visão extremamente economicista, onde a análise só se fundamenta em variáveis econômicas agregadas, tais como: níveis de renda, taxas de desemprego, arrecadação governamental, balança comercial, entre outros. Entretanto, sabe-se que o desenvolvimento de uma região envolve, além de fatores econômicos, outros mais amplos – escolaridade, taxas de violência, acesso à serviços de saúde e saneamento básico, distribuição de renda, qualidade do emprego, relações econômicas, etc. Desta forma, PAULILLO (2000) acredita que as análises feitas nos estudos sobre desenvolvimento local não devem ser de caráter estritamente econômico, mas, também, direcionadas ao desenvolvimento social e cultural. Neste sentido, observa-se que investimentos que visem apenas o crescimento agregado sem a preocupação com a inclusão social, podem acabar piorando tais índices, mesmo que os retornos econômicos sejam observados. Desta forma, faz-se necessário uma análise onde estas variáveis sejam consideradas, visando retratar, de forma mais contundente, a real condição sócio-econômica do local à ser estudado. Feitas estas colocações iniciais, observa-se que nos últimos anos o governo brasileiro mudou sua forma de atuação referente ao desenvolvimento local – nos 1970s, “de cima para baixo”; e hoje, com algumas iniciativas “de baixo para cima”. Portanto, sugere-se, para se saber qual a estratégia de desenvolvimento que eleve os benefícios sociais, uma análise em diversos projetos das duas formas de atuação governamental: i) o de cima para baixo, onde a estratégia de desenvolvimento local é planejada de forma centralizada pela esfera federal ou; ii) o de baixo para cima, onde os planos de desenvolvimento local são feitos de forma descentralizada, através da participação das esferas públicas e privadas. O primeiro tipo de estratégia tende a apresentar um maior apelo econômico, em detrimento do social; ou seja, sua principal preocupação não é a inclusão das classes mais pauperizadas, mas o aumento do nível de emprego e renda agregados. De acordo com os formuladores de tais políticas, a elevação do nível de emprego e renda significaria alcançar os objetivos de inclusão, o que nem sempre é verdade – como detalharemos mais adiante. Já a segunda estratégia, por se caracterizar pelas parcerias governo-sociedade local, apresenta um maior potencial para o desenvolvimento local. Isto porque a descentralização do planejamento acarreta em uma maior organização da comunidade, aumentando a sua participação nas diretrizes que o município deve seguir. Desta forma, neste segundo tipo de investimento: i) há uma maior preocupação com aspectos sociais da localidade; ii) há um maior conhecimento das necessidades das famílias e das características locais, podendo-se aumentar a eficiência na exploração de suas potencialidades; iii) há um maior comprometimento da comunidade com o êxito dos programas implementados. Além destes benefícios, a elaboração de um plano de baixo para cima fomenta a democracia local, além de elevar a consciência da comunidade de sua responsabilidade social. Assim, ORTEGA & NUNES (2001) acreditam que esta forma de atuação confere maior legitimidade e eficácia aos modelos locais de desenvolvimento. Não obstante todos esses fatores positivos, o planejamento descentralizado tende a apresentar relativamente piores resultados à nível agregado para as variáveis econômicas – emprego, renda, infra-estrutura, entre outros – como observou JANVRY & SADOULET (2004) estudando alguns casos de atuação estatal na América Latina 2 . Este trade-off apresenta-se como um problema, no momento em que os formuladores de políticas públicas procuram estabelecer suas estratégias de desenvolvimento local. Quando o objetivo é a melhoria das condições sociais da população mais marginalizada em pequenos municípios rurais, claramente as experiências mostram que a atuação descentralizada resulta em melhores resultados. No entanto, se o objetivo for melhorar as condições infra-estruturais, visando: i) reduzir os custos de produção do país; ii) elevar os superávits comerciais; iii) alavancar a economia e os níveis de emprego, entre outros, uma atuação centralizada garante melhores resultados. Neste caso, chegar a fórmula em que os melhores resultados possam ser alcançados nas duas instâncias acima postas – social e econômica – é um desafio bastante complexo, porém necessário para que o país passe a crescer economicamente, elevando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento social e diminuindo as desigualdades (JANVRY & SADOULET, 2004). Portanto, visto que o crescimento agregado não necessariamente trás desenvolvimento, novas abordagens para o desenvolvimento rural precisam levar em consideração a distinção entre a elevação da renda e os aspectos sociais. Logo, procuraremos examinar qual é o caso do pólo Petrolina-Juazeiro: i) apenas desenvolvimento das variáveis econômicas; ou ii) crescimento econômico juntamente com forte apelo social. Visto que na região em estudo as decisões foram tomadas de cima para baixo, é de se esperar que seu desenvolvimento siga a regra descrita acima no primeiro item. No entanto, não seria surpresa se houvesse desenvolvimento social e crescimento econômico agregado do Pólo. Existem várias condições locais que podem conduzir a este resultado. De acordo com PAULILLO (2000), fatores sociais, políticos, econômicos e culturais determinam o tipo de desenvolvimento da localidade. Ou seja, os capitais cultural e social específicos da região fazem com que os mesmos tipos de políticas apresentem diferentes resultados em localidades distintas. Além disso, o fato de outras localidades apresentarem investimentos baseados no planejamento centralizado, entretanto, obterem resultados diferentes do submédio apresenta-se como mais um problema à ser analisado com maior detalhamento. Além disso, o elevado índice de concentração de renda e de terras se apresenta como um problema adicional para o país em geral e para o Nordeste em particular. Neste sentido, observase que investimentos que visem apenas o crescimento agregado, sem a preocupação com a inclusão social, podem acabar piorando tais índices, mesmo que os retornos econômicos sejam observados. Na maior parte dos investimentos de grande porte ocorridos no país nos 1970s, observou-se uma elevação na concentração de renda. Isto porque, os investimentos ocorridos nas zonas rurais visando a modernização da agricultura foi concentrada à uma determinada parcela dos produtores, deixando as pequenas unidades à margem. Desta forma, nota-se que apesar dos investimentos nas zonas rurais terem possibilitado a criação dos Complexos Agroindustriais (CAIs) no país, a população pobre manteve-se excluída deste processo (GRAZIANO DA SILVA, 1996). JANVRY & SADOULET (2004) afirma, inclusive, que a assimetria dos ganhos de renda é uma marca do desenvolvimento rural não apenas brasileiro, mas praticamente de toda a América Latina. E visto que este foi o padrão de desenvolvimento observado no submédio, é importante analisar como se deu a evolução social/econômica da microrregião visando saber se este território pode ser apontado como mais um caso dentro do contexto descrito acima – de concentração de renda e de terras – ou se o caso do pólo é especial, apresentando particularidades que o diferenciam da regra nacional e, inclusive, continental. 2 Este ponte será melhor abordado na Referência Bibliográfica. De uma forma geral, o problema central a ser superado é a identificação de qual a estratégia de desenvolvimento local que alcance maiores retornos benéficos à região. Assim, através de um estudo de caso, procura-se saber se a estratégia de desenvolvimento implementado no pólo é a mais condizente com tais objetivos, ou se os investimentos baseados na cooperação com o local alcançam melhores resultados. 3. Descrição da Região Os efeitos causados pela implantação de projetos de irrigação no semi-árido vêm modificando a estrutura econômica de algumas microrregiões do Nordeste. No entanto, há locais onde a implantação da irrigação vem logrando êxito bastante contundente, como é o caso do pólo Petrolina/Juazeiro. Petrolina fica localizada às margens do rio São Francisco, no extremo Oeste de Pernambuco, vizinha à cidade de Juazeiro, formando o Pólo Agroindustrial Petrolina-Juazeiro (ver Figura 1). Localizado numa região semi-árida (CODEVASF, 2001), em pleno sertão nordestino, possui um clima adequado ao cultivo da fruticultura, com temperatura média anual de 26oC, bons solos e abundância de recursos hídricos para a irrigação. Apresenta mais de 70 mil ha. já irrigados (com capacidade para 200 mil irrigáveis) com insolação de 3.000 horas/ano. Apresenta um baixo nível de precipitações pluviométricas, com uma média anual de 401 mm/ano. Possui um longo período de estiagem de 8 meses, de abril a novembro, constituindo um fator limitante para o desenvolvimento das atividades agrícolas de sequeiro na região, mas ao mesmo tempo um fator positivo por inibir a maior propagação de pragas e fungos. Tal pólo consiste na principal experiência de sucesso na implementação de projetos de irrigação no semi-árido nordestino, apresentando elevados índices de crescimento econômico e desenvolvimento social, devido à geração de empregos e renda resultantes da implantação da agricultura irrigada na região. De acordo com FRANÇA (2001), as cidades de Petrolina e Juazeiro são as mais importantes da região e onde se concentram os negócios do setor agrícola. O pólo apresenta ampla área urbana, atravessada por importantes entroncamentos rodoviários do Nordeste e dotado de infra-estrutura de transporte ferroviário, hidroviário e aéreo, de grande potencial de aproveitamento. O Pólo se caracteriza, também, pela existência de grande número de empresas de industrialização e comercialização de produtos agrícolas. Lá encontram um ambiente favorável à diversificação e à complementação de atividades indispensáveis aos novos paradigmas de competitividade regional (FRANÇA, 2001). Hoje, o pólo conta com seis perímetros de irrigação em funcionamento, como destacado na tabela 1 abaixo. Tabela 1. Irrigação Pública Federal. Perímetro Municípios Data de inicio da operação Bebedouro Petrolina 1968 Mandacaru Juazeiro 1968 Maniçoba Juazeiro 1982 Curaçá Juazeiro 1982 Tourao Juazeiro 1984 Nilo Coelho Petrolina 1984 Superfície total (ha) 9.321 823 12.317 15.077 11.024 40.763 FONTE: CODEVASF – Divisão de Planejamento (apud OLIVEIRA, 1991:54). Os dois primeiros perímetros foram implementados de modo quase que experimental, visando observar se estes teriam condições de alcançar os objetivos pretendidos na região que seria de tornar seu crescimento auto-suficiente. No entanto, durante a década de 1980, a irrigação deixou sua fase “experimental” para tornar-se uma atividade desenvolvida em moldes inteiramente comerciais e em grande escala, fazendo se sentir com maior intensidade – tanto no setor agrícola, quanto em setores não-agricolas – os principais reflexos da transformação verificada no meio agrário. Neste momento, são construídos outras perímetros (ver Tabela 1) que causa enormes efeitos multiplicadores para a economia local, além de sacramentar de vez, a agricultura irrigada como principal atividade fomentadora do desenvolvimento territorial para o submédio. Vale lembrar ainda que um novo projeto de irrigação, o Projeto Pontal, vem sendo desenvolvido no município de Petrolina, com a promessa irrigar uma área de cerca de 7,5 mil hectares (SOBEL & COSTA, 2004). Figura 1: Localização dos municípios de Juazeiro e Petrolina. Fonte: Enciclopédia Microsoft Encarta, 1993-2001 Microsoft Corporation. Segundo OLIVEIRA et all (1991), a melhoria nos indicadores da qualidade de vida da microrregião, como a queda na taxa de mortalidade e o aumento na expectativa de vida, faz com que a região apresente altas taxas de migração, tornando-se, assim, pólo de atração demográfica. Entre 1970 e 2000 o IDH de Petrolina passou de 0,37 (CODEVASF, 2001) para 0,748 (PORTAL FRIGOLETTO, 2005). Com isso sua taxa de crescimento populacional entre os anos de 1960 e 2001 foi de 515,3%, passando de 35.517 para 218.538. Juazeiro elevou sua população, no mesmo período, em 328,5%, movendo-se de 40.742 para 174.567 habitantes. Com relação à População Economicamente Ativa (PEA) de Petrolina houve um crescimento de 543% entre 1960 até 1996, passando de 10.478 para 67.388 (SAMPAIO, 1999). Já os PIBs municipais de Petrolina e Juazeiro variaram 652,32% e 454,22%, respectivamente, apenas no período entre 1970 e 1996, comprovando o elevado dinamismo adquirido pela região neste período. SAMPAIO (1999) acredita que esses crescimentos da população, da PEA e do PIB acima dos 70% podem ser atribuídos aos investimentos pioneiros na irrigação no município, já que 70% é a taxa de crescimento registrada por municípios do semi-árido que, sendo em tudo semelhantes a Petrolina (num ano inicial de referência, por SAMPAIO tomado como 1970) não tiveram, entretanto, a implantação da agricultura irrigada em seus territórios. Destaca-se o desenvolvimento da fruticultura no pólo, setor esse que tem atraído investidores e mudado o perfil da economia dessa região. O crescimento verificado tem se mostrado expressivo no caso das culturas de uva, coco, manga, banana, goiaba, graviola, melão, pinha e mamão. O pólo é o maior centro produtor de uvas finas de mesa do País, exportando, segundo a CODEVASF (2001), cerca de 70% das exportações de uvas do Brasil em 1998. Responde, também, por 70% das exportações de manga, segundo dados da CODEVASF em 1998. Por se destacar na produção de manga e uva e, inclusive, na exportação desses produtos para os mercados americano e europeu, várias indústrias/empresas já se instalaram no Pólo. Dentre as principais indústrias, destacam-se segundo FRANÇA (2001): Agrovale (açúcar, álcool e manga); Fruitfort e Curaçá Agrícola (manga); Carrefour – Labruinier, Vale das Uvas e Orgânica Vale (uva); Grupo Queiroz Galvão – Fazenda Timbaúba (uva e manga) e CAJ (uva e manga); Grupo Special Fruit – Sueme (uva e manga); Fazenda Brasiuvas (uva); e, Fazenda Nova Fronteira Agrícola (manga). Este fato demonstra o impulso econômico que a irrigação impõe à região, atraindo várias indústrias e gerando emprego e renda. Portanto, devido aos altos investimentos, o Pólo vem apresentando uma das maiores taxas de crescimento econômico dentre os demais municípios da Região Nordeste, nos últimos 30 anos. Esse crescimento, segundo OLIVEIRA et all (1991), vem resultando na melhoria dos indicadores da qualidade de vida da região – por exemplo, queda na taxa de mortalidade e aumento na expectativa de vida, entre outros – fazendo, em conseqüência, com que a região apresente altas taxas de migração, tornado-se, assim, pólo de atração demográfica. 4. Estratégias de desenvolvimento local: o caso do Pólo Petrolina-Juazeiro O debate referente a crescimento econômico sempre ocupou a agenda dos economistas no país. Isto ocorre, porque o Brasil sempre figurou entre o grupo dos países pobres. Além disso, observa-se que há uma forte concentração geográfica do desenvolvimento do país nas regiões Sul/Sudeste, enquanto no Nordeste encontram-se os maiores índices de pobreza. A economia do Nordeste concentra quase 30% da população do Brasil; entretanto, sua participação no PIB nacional não passava de cerca de 16,0% em 1998. Em conseqüência, o PIB per capita nordestino em 1998 atingia apenas o patamar de 56,1% do respectivo PIB nacional (SUDENE, 1999 apud LIMA 2003). Além disso, a desvantagem no produto per capita é acrescida por uma distribuição de renda regional ainda pior que a média do país. Efetivamente, enquanto em 1997 o coeficiente de Gini era de 0,58 para o Brasil, no Nordeste chegava a 0,60 (no Sul era de 0,54). Esses indicadores resumem uma situação econômica nordestina muito pouco satisfatória, em termos de renda per capita e de distribuição, mesmo se comparada com a também insatisfatória condição média da economia brasileira. Vale ressaltar que estes índices já foram piores num passado recente; entretanto, um conjunto de políticas regionais organizadas pelo governo federal, através da SUDENE, foi responsável pela relativa melhora nas condições de vida da população nordestina (LIMA, 2003). No entanto, os resultados obtidos eram ambíguos, já que estas políticas aplicadas na ditadura militar se restringiam a estimular a acumulação de capital físico nas regiões deprimidas. Ou seja, observava-se que várias empresas/indústrias instaladas em regiões pobres, devido aos estímulos governamentais, não geravam melhorias nas condições de vida da população daquela região, visto que “o tipo de investimento verificado não necessariamente respeitava as vocações locais nem era compatível com a dotação de fatores locais” gerando distorções alocativas, não contribuindo, assim, para o desenvolvimento regional (TONETO JR, 2004, pp:25). Atualmente, o governo perdeu o hábito de aplicar este tipo de política centralizada, baseada principalmente em estímulos à ampliação do capital físico por meio de agentes exógenos à região. Os novos modelos de políticas regionais se baseiam, principalmente, em formas descentralizadas de implantação, buscando-se estimular o desenvolvimento local com base em forças endógenas da comunidade por meio da articulação dos atores presentes na região, respeitando as vocações e tradições locais. Segundo FISHER (2002), as ações de desenvolvimento que ocorriam entre as décadas 50 e 70 tinham o governo como ator estratégico central e agente de mudança quase que exclusivo. Nestas décadas, os projetos eram implementados de forma extremamente centralizada pelo governo federal. No entanto, a partir de 1985, este modelo sofre um impacto, havendo uma intensa reformulação do papel do Estado fruto de uma nova realidade histórica de falência do sistema centralizado estatista, aliado à aceleração de seu endividamento público e externo. O Estado sai da área de produção, seguindo para a área de regulação do mercado e de administração de serviços sociais básicos, visando a conservação ambiental, a equidade social e o equilíbrio espacial, além de dar ênfase às relações da economia brasileira com o mercado internacional. Além destes determinantes estruturais, MATOS (1988) (apud BUARQUE, 2002), aponta como fator preponderante à mudança na forma de planejamento a própria demanda vinda da comunidade local, querendo participar da formulação e implantação dos programas. Exemplo disso está na implantação dos Pólos Integrados do Nordeste pelo BNB, que conta com a participação de diversos atores da comunidade local de forma voluntária, sem que estes recebam qualquer tipo de remuneração ou benefício (TONETO JR., 2004). Deve-se ressaltar ainda a importância da promulgação da Constituição de 1988, visto que se iniciou, a partir daí, um processo de descentralização político administrativa com distribuição de responsabilidades e poder decisório para os estados e municípios, reduzindo, assim, o peso da União (BUARQUE, 2002). Some-se à isso as recomendações de instituições internacionais, como Banco Mundial, que passou a recomendar o desenvolvimento local como política de redução das obrigações dos Estados e tentativa de equilibrar as contas públicas. Segundo ACSELRAD (2002), os documentos do Banco Mundial influenciaram de forma contundente a emergência de uma nova ordem mundial acerca do desenvolvimento local. Por fim, vale frisar a influência da experiência da política de desenvolvimento rural européia – o programa LEADER – no Brasil. Este programa, criado em 1991, buscava desenvolver as zonas desfavorecidas de alguns países europeus, promovendo a participação da população e dos agentes econômicos locais na elaboração e gestão dos projetos, de modo que estes auxiliassem na proposição de saídas criativas para a geração de atividades que elevassem a renda e gerassem emprego nos territórios específicos (ORTEGA & CARDOSO, 2002). Segundo GALVÃO & VERGOLINO (2004), esses novos cenários trouxeram enormes desafios, mas também imensas oportunidades no desenvolvimento de territórios, dependendo da capacidade de reação de seus agentes produtivos, bem como dos governos, à esses novos eventos. Desta forma, nos anos 90 se inicia um novo ciclo do modelo de desenvolvimento onde formas alternativas de gestão são postas em prática, buscando o desenvolvimento localizado dos territórios, com projetos e fontes de financiamento diversos como, por exemplo, Orçamento Participativo, Agenda 21, Comunidade Ativa e múltiplos conselhos, entre outros. Este fato leva ACSELRAD (2002, pp:34) a afirmar que, a partir da década de 90, “substitui-se a política operada em escalas abrangentes pelos procedimentos técnicos acionados em escalas locais e fragmentárias”. Já FISHER (2002, pp:27) conclui haver uma passagem de uma configuração política “baseada na predominância da ação governamental sobre o local para um policentrismo do poder”. Assim, “deve-se destacar a mudança de ênfase [das políticas que visam o desenvolvimento local], deixando-se de depender de fatores exógenos, mas criando condições para que as forças endógenas se desenvolvam. Ou seja, estimula-se o desenvolvimento potencializando-se as iniciativas e possibilidades locais” (TONETO JR, 2004, pp:26). Desta forma, observa-se que as políticas de desenvolvimento deixam de se basear apenas na dotação de capital físico, visto que nem sempre as restrições locais correspondem à falta de capital. Os entraves podem estar na falta de articulação dos agentes, falta de cooperação, ausência de capital humano, etc. Portanto, de uma forma geral, as duas formas de atuação estatal com vistas ao desenvolvimento territorial aqui apresentadas são: i) o de cima para baixo, onde a estratégia de desenvolvimento local é planejada de forma centralizada pela esfera federal, com maior preocupação voltada à elevação da renda agregada; e ii) o de baixo para cima, onde os planos de desenvolvimento local são feitos de forma descentralizada, através da participação das esferas públicas e privadas, com uma maior preocupação voltada à melhoria nas condições de vida da população. Portanto, acredita-se, de fato, que as políticas centralizadas tendem a alcançar bons resultados econômicos (apresentem eles maior ou menor porte). No entanto, é muito importante ressaltar algumas questões que ficam em aberto: i) se esta estratégia realmente viabiliza o crescimento sustentável e; ii) mesmo que haja o crescimento e melhore os indicadores “macroeconômicos” locais, qual é o ganho real de bem-estar da população 3 . (TONETO JR, 2004). ASCELRAD (2002) enaltece a importância deste segundo ponto, afirmando que o desenvolvimento local não é condição única para que haja melhoria social, visto que o desenvolvimento local pode seguir um viés elitista, principalmente quando sucumbida aos interesses empresariais de apenas focar o aumento de vantagens competitivas, visando aumentar a competitividade internacional do local. Analisando alguns países latino-americanos, JANVRY & SAUDOLET (2004) observaram que na Bolívia houve uma forte descentralização na atuação governamental, a partir de 1994, o que acarretou um incremento na quantidade de projetos de desenvolvimento em educação, saúde, saneamento básico, comunicação, qualidade de água, entre outros. No entanto, os projetos 3 Crescimento econômico não pode ser confundido com desenvolvimento local. O primeiro se constitui no acréscimo de renda agregada, enquanto o segundo envolve um amplo conjunto de variáveis que indicam melhoria nas condições de vida da população, tais como expectativa de vida, acesso à serviços de saúde, educação, etc. relacionados à geração de renda – tais como energia, indústria, turismo, transporte e agricultura – estagnaram ou regrediram. A Colômbia seguiu o mesmo caminho da Bolívia, mas no ano de 1983, seus resultados foram semelhantes, com os ganhos principais na área de serviços sociais básicos e em infra-estrutura de pequena escala. Estes são dois bons exemplos para mostrar quais os principais benefícios e limites da política descentralizada. Nos dois casos houve muito progresso na formação de capital social local, principalmente na expansão das organizações de sociedade civil, passando esta a defender seus interesses de forma mais direta e intensiva. No entanto, projetos de infra-estrutura relacionados à geração de renda apresentaram resultados pouco satisfatórios. Isto aparece como um complexo problema no momento em que os formuladores de políticas públicas procuram estabelecer suas estratégias de desenvolvimento local. E dada a escassez de recursos públicos no país, enfatiza-se a necessidade de obtenção de máxima eficiência no emprego do orçamento, buscando assim os maiores benefícios econômicos e sociais. Ou seja, faz-se necessário que os investimentos públicos sejam racionalizados, trazendo o máximo retorno social através da elevação dos níveis de bem-estar da população. Esta busca de máxima eficiência se mostra ainda mais prioritário em regiões onde a pobreza apresenta os maiores índices do país, caso do semi-árido nordestino. Esta sub-região, apresenta maior parte de suas terras situadas sob o clima árido/semi-árido com forte escassez de água, apresentando baixas produtividades agrícolas, o que resulta em uma baixa renda per capita, já que esta seria, praticamente, sua única fonte de renda disponível. Logo, a escassez de recursos e o elevado nível de miséria no sertão nordestino, aliados à suas condições naturais e estruturais faz com que seja necessário uma intervenção estatal quando se objetiva a melhoria das condições de vida nesta sub-região, por não se mostrar visível uma reversão desta realidade de forma autônoma. Observando o caso do Vale do São Francisco, OLIVEIRA et all (1991, pp. 21) afirma que “as forças de propulsão local teriam que vir, necessariamente, de fora da região” dada suas frágeis condições. Obviamente que o governo, após inúmeros estudos, se baseou em potencialidades naturais observadas na região – clima, solo, nível educacional, disponibilidade de água, etc. No entanto, “mesmo quando as decisões externas tenham um papel decisivo na reestruturação socioeconômica do município ou localidade, o desenvolvimento local requer sempre alguma forma de mobilização e iniciativas dos atores locais em torno de um projeto coletivo. Do contrário, o mais provável é que as mudanças geradas desde o exterior não criem raízes no local e não se traduzam em efeito desenvolvimento e não se internalizem na estrutura social, econômica e cultural local ou municipal, reduzindo as possibilidades de irradiação e transbordamento das oportunidades no dinamismo econômico e no aumento da qualidade de vida de forma sustentável”, (BUARQUE, 2002, pp.30). Desta forma, não se pode afirmar que a atuação estatal representou condição si ne qua non para que a atividade se desenvolvesse na região da forma como ocorreu. Mas, pode-se afirmar que a intervenção foi fundamental para acelerar este processo, visto que o Submédio do São Francisco não possuía nenhuma atividade de porte considerável e grande parte de sua população vivia em míseras condições. Observa-se que no caso do Pólo Agroindustrial Petrolina-Juazeiro houve a intervenção estatal implantando perímetros de irrigação; e esta forma de atuação se deu de modo centralizado. Apesar disso, vários autores acreditam que esta localidade apresentou uma melhoria tanto nas variáveis econômicas, quanto nos seus índices sociais (SAMPAIO & SAMPAIO, 2004). No entanto, isto não é nenhuma surpresa. OLIVEIRA et all (1991, pp.61), analisando outras experiências de investimentos de grande porte em irrigação, observou que os efeitos destas políticas podem variar “bastante de região para região, em função de sua escala, da tecnologia utilizada, da natureza dos bens produzidos e de uma série de outros fatores circunstanciais”. De acordo com ORTEGA & NUNES (2001), tais fatores que determinam a resposta da localidade à política adotada são, além de suas possibilidades econômicas, as suas especificidades culturais, institucionais, sócio-políticas e ambientais, e a participação da sociedade civil. Desta forma, pode-se afirmar que não existe um programa único de desenvolvimento que atenda a todas as regiões, fazendo com que formas iguais de atuação governamental em diferentes localidades apresentem diferentes resultados, dada as especificidades locais acima descritas. Segundo ORTEGA & CARDOSO (2002), boa parte das discussões acerca do desenvolvimento local buscam responder exatamente a esta questão: por que as mesmas políticas públicas dirigidas a comunidades aparentemente semelhantes apresentam resultados distintos? Aí se entra na discussão da influência do capital social para os resultados das políticas públicas. De maneira bastante ampla podemos conceituar o capital social como: “características da organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAN, 1996 apud TONETO, JR, 2004, pp:36). Assim, o chamado capital social pode potencializar o desenvolvimento econômico ao diminuir os problemas decorrentes das falhas de mercado, principalmente os decorrentes a “assimetria de informações”. Percebe-se, portanto que o capital social pode ampliar a eficiência econômica local, ampliando a produtividade dos fatores e o crescimento econômico; ou seja, os benefícios dos programas locais de desenvolvimento podem ser alavancados (MOYANO, 1999 apud ORTEGA & CARDOSO, 2002). Para melhor ilustrar a influência do capital social, observa-se que a forma de atuação governamental no submédio (planejamento centralizado) também ocorreu em outros Pólos; no entanto, houve sucesso em alguns casos, enquanto em outros não. A constituição ou a construção de um capital social diferenciado em distintas regiões é apontada como a razão para esta variedade de resultados (TONETO, 2004). Analisando o trabalho do SAMPAIO & SAMPAIO (2004), observa-se que os municípios de Petrolina e Juazeiro conseguiram construir um capital social bastante integrado à nova realidade do pólo, sendo esta uma das possíveis razões para o relativo sucesso observado. Esta constituição em torno da fruticultura irrigada se deu no longo prazo, ou seja, à medida que os projetos iam amadurecendo e atraindo bons resultados econômicos, a população local começou a se organizar diante da atividade agrícola da fruticultura, passando, a partir daí, aos resultados dos futuros perímetros implantados na região, na década de 1980 e 1990, serem potencializados. No entanto, deve-se se atentar ao fato de que os impactos destas políticas nem sempre ficam retidos na própria região onde se verifica a atuação estatal, impactando em outras localidades (OLIVEIRA et all, 1991). Segundo CARVALHO (1988), no caso dos investimentos em grandes Projetos de Irrigação, isto ocorre pois esta nova atividade – quando bem alocada numa região com potencial para expansão da agricultura irrigada – acaba atraindo indústrias e incentivando o seu fortalecimento, exercendo influência direta e indireta sobre o mercado de trabalho na região. Portanto, após a implantação de Projetos de Irrigação (OLIVEIRA et all, 1991) um grande número de estabelecimentos industriais ligados ao setor agrícola – agro-econômicos e agroindustriais – devem se fixar na região gerando vários empregos. Com a economia mais dinâmica, cresce o nível de renda e o efeito multiplicador de novos investimentos na região, contribuindo, assim, para o crescimento de renda per capita na região. A industrialização, por sua vez, juntamente com o desenvolvimento da agricultura irrigada, influencia indiretamente o setor de serviços, provocando efeitos positivos no nível de empregos. Ainda, segundo SAMPAIO (1999), o capital público investido em infra-estrutura reduz os custos e os riscos do investimento privado e, desta forma, induz novos investimentos na região. Gera uma alavancagem direta, que inclui o capital privado investido em atividades diretamente relacionadas à agricultura irrigada, ou seja, capital investido pelos colonos, pelas empresas e pelas agroindústrias; e alavancagem indireta, que inclui investimentos decorrentes da expansão da agricultura irrigada (no comércio, em serviços, em pequenas indústrias de equipamentos, por exemplo) ou em infra-estrutura (melhoria de estradas, aeroportos, saúde e educação). Sendo assim, projetos de irrigação criam condições para o surgimento de uma nova estrutura produtiva na região onde são implantados, gerando condições para que tais regiões tornem-se menos sensíveis à crises agrícolas que, por ventura, venham a ocorrer. Isto ocorre devido a uma maior complexidade nas relações econômicas, fruto de um crescente grau de urbanização e industrialização local. Dada estas transformações, tais regiões passam a ter características de centros com fluxos migratórios, causando impactos sobre outras localidades, principalmente as que às circundam (SILVA, 1989). Observa-se que um grande contingente populacional passa a dirigir-se para essas regiões, atraídas pelo aumento do dinamismo, em busca de emprego nos setores secundários e terciários. E este fato pode gerar alguns inconvenientes, como apontado por LÓCIO (1997): “o grande problema hoje nos perímetros de irrigação, nas áreas onde estas estão sendo implantadas, é o chamado impacto social. (...). A atração pelo emprego é determinante (tem cidades e municípios de onde três, quatro mil pessoas se dirigem todo ano para Petrolina, para a colheita da uva). Aí você tem o problema da segurança, de habitação, saneamento, educação, saúde, etc.”. ALVES et all (1999) defendem esse argumento afirmando que essa migração acaba agravando os problemas urbanos de emprego e de violência. Além do fluxo migratório, outras regiões podem ser afetadas no caso específico dos Projetos de Irrigação devido à utilização das Bacias Hidrográficas que também servem de uso para outros fins (consumo humano, geração de energia elétrica, etc.); pela degradação do meio ambiente, etc (BRASIL. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2004). Desta forma é necessário que a infra-estrutura urbana cresça a um ritmo, no mínimo semelhante às necessidades da população e da atividade econômica, caso contrario, corre o risco de se criarem obstáculos ao desenvolvimento local (OLIVEIRA et all, 1991). A princípio observa-se que os investimentos realizados pelo governo federal na infra-estrutura básica do Submédio São Francisco (setores de transporte, energia e comunicação) e, principalmente, nos projetos públicos de irrigação, a partir da década de 60, resultou numa trajetória semelhante à acima apontada, ou seja, em crescimento nos níveis de renda e emprego agregado, sendo apontado, em 1991, como “uma estória de sucesso de desenvolvimento regional” (OLIVEIRA et all, 1991, pp:13). No entanto, estudos mais recentes começam a apontar o surgimento de alguns problemas antes exclusivos das metrópoles nos centros urbanos de Petrolina e Juazeiro. 5. Conclusões preliminares e perspectivas O presente estudo ainda está em andamento, estando previsto ainda uma pesquisa de campo, bem como tabulação e análise de uma série de dados sobre a região. Neste sentido, as conclusões até aqui apresentadas ainda não respondem plenamente a todas as questões levantadas para a solução do problema de pesquisa. No entanto, assinalam-se indícios para responder as questões postas nos objetivos deste mesmo trabalho. Os Projetos de Irrigação instalados no Submédio do Vale do São Francisco contribuíram de forma substancial para a geração de melhores condições para a vida da população local. E acredita-se que este benefício teve suas bases alicerçadas em dois pontos principais: i) a atuação governamental, visando criar uma estrutura produtiva baseado nas potencialidades locais da região; e ii) a construção de um capital social embasado na principal atividade local – a agricultura irrigada. A introdução dos projetos de irrigação aumentou a intensidade e a qualidade do uso do solo, o que acabou elevando a produtividade, a produção e, conseqüentemente, a renda nas unidades produtivas afetadas pela irrigação. Dessa forma, estas unidades passaram a necessitar mais trabalhadores para suprir o aumento da produção. Isto aumentou a renda, resultando em um aumento substancial do nível de emprego e esses fatos geraram efeitos multiplicadores na economia da região. Observou-se, portanto, um aumento no nível de emprego e este criou pressões sobre outros setores da economia, gerando impactos indiretos no nível de renda. Logo, a atuação governamental na região gerou impactos positivos na quantidade de empregos e renda direto e indireto, através do aumento da produtividade rural e das conseqüências com que este aumento de produtividade alavancou a economia da região, principalmente, nos principais centros urbanos onde estes projetos se situam – Juazeiro e Petrolina. Portanto, daí pode-se tirar a primeira conclusão, de que a atuação governamental alavancou a economia do Submédio do São Francisco. E este crescimento econômico tende em contribuir para o desenvolvimento social do Pólo Petrolina-Juazeiro, além de cidades vizinhas. Mas, para que isso efetivamente ocorra, é necessário que se consolide na região um certo capital social baseado nas atividades introduzidas no local. Daí é que surge uma suposição – que será alvo de investigação mais minuciosa – que alicerça este trabalho: a de que os investimentos nos Perímetros de Irrigação no Pólo Petrolina-Juazeiro obtiveram sucesso, de uma forma geral, na melhoria das condições de vida, porque houve a construção e consolidação do capital social necessário para que isto ocorresse. Ou seja, o provável sucesso dos investimentos na região esta ligado à capacidade local de construir um sólido capital social baseado na agricultura irrigada. Tal fato pode ser melhor demonstrado, quando se observa que alguns municípios com características e políticas semelhantes não apresentaram os mesmos resultados – por exemplo, os pólos do: Uruçuí-Gurgéia (no sul do Piauí); oeste baiano; Baixo Jaguaribe (Ceará); Alto Piranhas (semi-árido do oeste da Paraíba) (LIMA & MIRANDA, 2000). Alguns destes pólos ainda estão com potencial de expansão; outros já estão com um bom índice de dinamismo, no entanto, nenhum apresenta o grau de expansão observado no Pólo em estudo. Isto geralmente ocorre, segundo ORTEGA & NUNES (2001), devido à maior capacidade de organização que uma localidade apresenta em relação à outra, devido também à presença de um capital social bem constituído apresentado na região de maior dinamismo. Daí pode se tirar a suposição acima descrito de que o provável sucesso do investimento no Submédio ocorreu devido à construção de um capital social inserido na nova realidade produtiva da microrregião. No entanto, esta suposição deve ser confirmada (ou não) através da pesquisa de campo prevista para esta pesquisa, à ser realizada no mês de maio de 2005. SAMPAIO & SAMPAIO (2004), em seu estudo, demonstra, de forma indireta, que houve esta constituição de um forte capital social no pólo. No entanto, acreditamos ainda não estar muito claro esta afirmativa, razão esta que nos leva a apresentar a construção deste capital na região não como fato concreto, mas como uma suposição. Em síntese, observa-se de fato que a intervenção ocorrida na microrregião de estudo alavancou de forma contundente sua economia. No entanto, este crescimento econômico não significa necessariamente melhoria na qualidade de vida da população. Mas a constituição de um capital social inserido à nova realidade produtiva da região pode ter contribuído para que este crescimento econômico se potencializasse e se transformasse, também, em desenvolvimento social. 6. Bibliografia ACSELRAD, H. 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