Artigo Saul Neves de Jesus Uma nova aula para as novas gerações: a didática da escola do século xxi Nas últimas décadas ocorreram alterações profundas nas sociedades de países ditos em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, numa época caracterizada pela globalização, em que as mudanças se multiplicam pela interinfluência política, econômica, social etc., existente entre as diversas regiões do planeta. Muitas dessas mudanças têm tido impacto na escola e na sala de aula, bem como na forma de conceber os papéis dos professores e dos alunos na relação pedagógica e no processo de ensino e de aprendizagem. Embora muitos fatores tenham tido a sua influência, como sejam as mudanças ao nível da estrutura das famílias e dos papéis associados ao gênero, o desenvolvimento científico-tecnológico, as alternativas da sociedade de consumo e a emergência de valores sociais essencialmente economicistas, parece-nos que a massificação do ensino foi talvez o aspecto que maior influência direta teve na necessidade da escola mudar para corresponder à nova realidade envolvente. No passado, a escola era reclamada como um direito, havendo muitas crianças e jovens que não tiveram oportunidade de estudar por falta de condições socioeconômicas das famílias. As reformas ocorridas nos sistemas educativos, um pouco por todo o mundo, procuraram alterar esta situação, garantindo o direito à educação escolar a todos, através da democratização do ensino. No entanto, esta aposta na abertura da escola a todos, levou a que esta começasse a diminuir o seu valor enquanto meio de ascensão social e a que muitos alunos passassem a sentir a escola como uma obrigação, o que se tem vindo a traduzir no aumento das situações de desmotivação, com consequências ao nível do insucesso, indisciplina, bullying e violência na escola. Neste âmbito, as investigações realizadas em diversos países sobre a motivação dos alunos concluem que mais de metade não gosta de estudar. Por seu turno, as investigações também revelam que grande parte dos professores se encontram na profissão docente por falta de alternativas profissionais e, se pudessem, mudariam de profissão. Assim, verifica-se que é cada vez mais elevada a percentagem de professores desmotivados e insatisfeitos, sendo inclusivamente a profissão docente das profissões com mais situações de distresse (ansiedade) e burnout (esgotamento). No entanto, a motivação para a profissão docente é fundamental para a concretização do proces- Artigo Saul Neves de Jesus so de reforma educativa, para a qualidade do processo de ensino-aprendizagem, para a motivação dos alunos nas tarefas escolares e para a realização profissional do próprio professor, pelo que a baixa motivação dos professores compromete a concretização dos grandes objetivos da educação escolar na atualidade, os quais não se alcançam por decreto, sendo imprescindível que os professores se sintam envolvidos e empenhados neste processo. Para isso, seriam fundamentais alguns requisitos estarem preenchidos, de acordo com os resultados obtidos em algumas investigações, nomeadamente que os professores se encontrassem na docência com elevada motivação intrínseca, que as condições de trabalho fossem adequadas para realizar aquilo que é exigido aos professores, que a formação preparasse os professores para intervirem de forma eficaz nas situações profissionais que têm de enfrentar, que os professores trabalhassem mais em equipe e que as famílias dos alunos colaborassem mais, e de forma mais concertada, com os professores no processo educativo. A motivação dos professores é tanto mais importante na atualidade, pois tem vindo a aumentar o reconhecimento da importância da componente afetiva da relação pedagógica para a aprendizagem dos alunos. Só conseguimos ter alunos motivados e com sucesso escolar, se os professores manifestarem prazer em ensinar. O professor na sala de aula é um líder, pois procura influenciar os seus alunos para que estes se interessem pelas aulas, estejam atentos e participem, apresentem comportamentos adequados e obtenham bons resultados escolares. Para isso, tem que saber dar o exemplo em termos de motivação e de gosto por ensinar. No passado, o processo de ensino-aprendizagem era muito normativo, sendo os métodos de ensino iguais para todos os alunos e, sobretudo, centrados no conhecimento. Atualmente, o professor deve procurar ir ao encontro dos interesses e da linguagem dos alunos, sendo flexível (de acordo com o provérbio “professor, se eu não aprendo como tu me ensinas, ensina-me de forma que eu aprenda”) e dando o exemplo (um líder não pode funcionar segundo o princípio “faz o que eu digo e não o que eu faço”). Para potencializar a criação de “laços” ou “pontes” com os alunos e a motivação destes, os professores devem evitar o distanciamento, a neutralidade afetiva e o autoritarismo, devendo, ao contrário, fomentar uma relação de agrado, caracterizada pelo diálogo, pela negociação e pelo respeito mútuo. Para além da importância de se mostrar entusiasmado pelas actividades realizadas com os alunos, constituindo um modelo ou exemplo de motivação para eles, o professor pode utilizar algumas estratégias de motivação nas suas aulas, nomeadamente: Artigo Saul Neves de Jesus • deixar os alunos participar na escolha das matérias e tarefas escolares, sempre que possível; • partir de situações ou acontecimentos da atualidade ou da realidade circundante para ensinar os conteúdos programáticos aos alunos; • utilizar um ritmo de ensino adequado às capacidades e conhecimentos anteriores dos alunos, privilegiando a qualidade à quantidade de matérias ensinadas; • utilizar metodologias de ensino diversificadas e que tornem a explicação das matérias mais clara, compreensível e interessante para os alunos; • ter confiança e otimismo nas capacidades dos alunos para a realização das tarefas escolares, explicitando-o verbalmente; • reconhecer e evidenciar tanto quanto possível o esforço e a capacidade dos alunos, não salientando tanto os erros cometidos por estes; • ajudar os alunos a aproveitar o esforço dispendido nas tarefas de aprendizagem, através do desenvolvimento de competências de estudo, pois “mais vale estudar pouco e bem do que muito mas mal”. Tem-se verificado que estas estratégias podem contribuir para uma maior motivação dos alunos na sala de aula, permitindo aumentar o seu prazer em aprender. Sendo a motivação um fenômeno relacional, o prazer em aprender dos alunos vai-se repercutir no prazer em ensinar dos professores, pelo que é importante a criação de um clima de motivação na sala de aula, permitindo construir uma escola de sucesso para as novas gerações do século XXI. * Saul Neves de Jesus é Professor Catedrático da Universidade do Algarve, Portugal. Artigo Saul Neves de Jesus Bibliografia Jesus, S. N. Influência do professor sobre os alunos. Porto: ASA Editores, 1996. Bem-estar dos professores. Estratégias para realização e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Editora, 1998. Como prevenir e resolver o stresse dos professores e a indisciplina dos alunos? Porto: ASA Editores, 1999. Motivação e formação de professores. Coimbra: Quarteto Editora, 2000. Perspectivas para o bem-estar docente. 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