VICTOR HUGO E A SOMBRA DO SEPULCRO Carlos Bernardo Loureiro “Victor Hugo, guiado pelo seu daimon poético, procurou o sentido da vida e da história” Humberto Mariotti (“Victor Hugo Espírita” – Edições Correio Fraterno). Victor Hugo nasceu em 1802 e desencarnou em 1885. Poeta, dramaturgo, romancista, ensaísta francês. O seu primeiro volume de “ODES” surgiu em 1822. Daí em diante ele se investiu na justa posição de líder do movimento literário na França, representando o ponto alto do romantismo, Besançon, sua cidade natal, pertenceu durante muito tempo à Espanha, fato realmente significativo, pois a sua obra reflete nítida influencia espanhola. Em 1923, é dado a público o romance “han de Islândia”; em 1824, um segundo volume de “ODES”; em 1825, BUG JARGAL: no mesmo ano, um terceiro volume de “ODES”, seguido de “Baladas”; em 1827, o drama Gromwell, cujo prefácio se transformaria no manifesto do romantismo. As principais produções líricas, na primeira parte de sua carreira, são: os “OS ORIENTAIS” (1828), admiráveis pelo estilo e riqueza de ritmo. “AS FOLHAS DE OUTONO” (1831); os “CANTOS DOS CREPÚSCULO” (1835); “AS VOZES INTERIORES” (1837); os “RAIOS E AS SOMBRAS”. (1840). Depois de “Gromwell”, escreveu vários dramas, em verso: “Hernani” (1830); os “Marion Delorne” (1830); O “Rei Diverte-se” (1832). Em prosa: “Lucrécia Borges e Naria Tudor” (1833); “Angelo” (1835). Eleito membro da Academia Francesa em 1841 e nomeado par da França em 1845. A partir daí Victor Hugo volta-se para a política, tronando-se chefe da esquerda democrática. Combateu Luiz Bonaparte (sobrinho de Napoleão Bonaparte) que desterrou, após o golpe de estado de 2 de dezembro de 1851. Passou 18 aos no exílio. Primeiro em Bruxelas (dezembro de 1851), e, posteriormente, na Ilha de Jersey. Em 1859, surge o primeiro volume de “Lendas dos Séculos”, série de narrações e cenas épicas. “Este poema” – admitem os críticos da poética hugoana – “é a alma mais grandiosa, a mais distinta de Victor Hugo e a mais simples na sua magnificência”. Em 1862, publica “OS MISERÁVEIS”, um romance de fortíssimo conteúdo social e humanitário. Ao voltar do exílio (1872) publica uma série de obras de magnífico valor literário, entre os quais a segunda série da “Lendas dos Séculos” (1877), “Religião e Religiões” (1880), “Os Quatro Ventos do Espírito” (1881). Ao tempo em que quase se dedicava intensamente, à arte de escrever, Victor Hugo retorna às lides políticas, integrando o partido republicano. Ao desencarnar, aos 83 anos, deixou uma produção literária imensa, que o eleva á posição de um dos mais talentosos escritores e poeta não apenas da França, mas de todo o mundo. Madame de Girardin e as mesas girantes No verão de 1855 (06 de dezembro) Madame Delphine de Girardin (*) desembarca na Ilha de Jersey para uma visita à família Hugo, então instalada numa vivenda conhecida como “Marine Terrace”. Ela trazia, além das novidades da vida política e social de Paris, notícias sobre a mania então em voga na Capital Francesa: o contato com os mortos através da mesa. Ela então contou aos incrédulos membros da família Hugo que as mesas davam pancadas e se inclinavam misteriosamente, como podiam também ser levadas a bater palavras inteiras e sentenças em código. Auguste Vacquerie (1819-1895) que também visitava a família Hugo, ele que fora cunhado da jovem Léodoldine, filha de Victor Hugo, morta tragicamente em um acindente no Rio Sena, registrou, com detalhe, a estada de Madame Girardin em “Marine Terrace”: “Era a intuição de sua morte (Mme. Girardin sabia-se muito enferma e viria a morrer um ano e pouco depois) que a fazia interessar-se pela vida extraterrena? Estava muito preocupada com as mesas girantes e, creio, a primeira palavra que me dirigiu foi para perguntar se eu acreditava nelas. Ela acreditava, e passava a noite a evocar os mortos... Ela fazia questão absoluta que todos os participassem de sua convicção e, na mesmo dia da sua chegada, tivemos trabalho para fazê-la esperar o fim do jantar. Levantou-se à sobremesa e arrastou um dos convivas para o parlour onde atormentaram uma mesa que, de resto, permaneceu muda. Ela pôs a culpa na mesa, cuja forma quadrada contrariava os fluidos. Na manhã do dia seguinte foi comprar, numa casa de brinquedos, uma mesinha redonda, de um pé só, terminando em dedo-de-galo”. A mesa adquirida por Mme. de Girardin servia exatamente a seus propósitos; entretanto, nada aconteceu. “Os Espíritos – esclareceu – não eram cavalos de fiacre, que esperam pacientemente o burguês, mas seres livres e dotados de vontade; vêm quando querem”. Após várias e fracassadas tentativas, eis que se ouviu um ligeiro estalido na madeira. O estalido se repetiu. De repente um dos pés se ergueu. Mme. de Girardin disse: “Há alguém presente? Se houver e quiser falar-nos, dê uma batida. O pé caiu com um ruído seco – Há alguém, gritou Mme. de Girardin. Fazeis as perguntas”. Passamos a palavra a Auguste Vacquerie: “Perguntávamos e a mesa respondia. Respostas breves uma ou duas pancadas quando muito, hesitantes, indecisas, às vezes inteligíveis”. Estabeleceu-se, a partir daí, longo e interessante diálogo entre os encarnados e desencarnados, através da mesa. A certa altura da sessão Mme. de Girardin ao perguntar que Espírito estava, naquele momento, se comunicando, a mesa escreveu Léopoldine, a filha mais velha de Hugo, casada com um irmão de Auguste Vacquerie. O casal morreu afogado no Rio Sena. “Aqui a desconfiança morreu” – acrescenta Vacquerie -; “ninguém teria coração ou cabeça para fazer, ente nós, uma farsa sobre essa tumba. Já era difícil admitir uma mistificação, mas uma infâmia! A suposição seria, por si mesma, desprezível. Charles Hugo (irmão) conversou com Léopoldine, que dava, à ilustre família, o testemunho da imortalidade da alma. A mãe chorava e todos estavam ali atentos e profundamente convencidos da realidade do fenômeno. Dias depois, Mme. de Girardin retornava a Paris para viver o que lhe restava de vida, cercada de doces lembranças dos tempos idos, quando a sua casa era o cenáculo das mais talentosas manifestações da fina-flor dos pensadores franceses, entre os quais fulguravam Balzac e Lamartine. “A Sra. Emilio de Girardin” – afirma Zêus Wantuil – “após sua desencarnação, enfilerou-se, incontinenti, na vasta legião dos servidores da Terceira Revelação”. Allan Kardec inclui em “O LIVRO DOS MÉDIUNS”, no Capítulo das “Dissertações Espíritas”, um ditado-espontâneo da Espírito de Mme, de Girardin. “O princípio da página mediúnica” – observa Wantuil – “deixa entender claramente que ela mantinha um intercâmbio com Kardec e o seu grupo de colaboradores, transmitindo instruções e conselhos bebidos nas Escolas do Infinito”. OS MANUSCRITOS DE JERSEY Afirma que Auguste Vacquerie teria incentivado o maior dos poetas europeus a prosseguir no contato com os seres invisíveis da dimensão imponderável, Assim, as sessões não tiveram solução de continuidade em “Marine Terrace”, sendo todo esse intercâmbio registrado em dois volumosos cadernos, escritos pelo próprio Victor Hugo, encontrados por Paul Maurice, um dos executores testamentários do acervo literário de Victor Hugo. Desses cadernos tomou conhecimento o Astrônomo e discípulo de Kardec, Camile Flammarion, que deles fez referência na série de artigos sob o título: “Les Experiences de Victor Hugo à Jersey et du groupe Fouriériste à Paris”, publicada em maio de 1899 em “Les Annales Politiques et Littéraires” Sully-Prudhome, poeta, membro da Academia Francesa de Letras e Prêmio Nobel, examinou os “manuscritos de Jersey”. “A sua opinião a respeito é das mais interessantes para a defesa de nossa causa” – escreveu a “Revista Internacional do Espiritismo Científico”, de 1902. Prudhome diz, de fato, que as páginas espíritas de Jersey freqüentemente são iguais às mais belas de Victor Hugo, e, às vezes, até mesmo superiores. Nos manuscritos há a presença inconfundível de poetas e autores dramáticos do porte de Moliére, Ésquilo, Shakespeare, Dante, Camões, além de Galileu, Alexandre o Grande e outros. O Espírito Shakespeare, em resposta a uma questão proposta por Victor Hugo (22-01-1854), enfatizou, em certo trecho: “Eu vos pergunto mais, pobres homens de gênio, que é a vossa grandeza, para ousardes afrontar o Deus dos abismos? Que são vossas obras primas para que ouseis desafiar o Deus da eternidade? Que são vossos Ruy Blas, que são vossos dramas, que são vossos mundos diante da Criação?” E então o autor de Hamlet fazendo poesias dessas suas palavras, impregnou-as de seu portentoso lirismo: “Ó mon Dieu j’agenouille à tes [pieds mes victoires; Hamlet, Lear, à genoux! A genoux, [Domés! Courlez-vous, mês drapéaus, devant [le Dieu des glories! Vous chantiez Homini, la tombe dit [Deo”. O Espírito Shakespeare passaria, a partir daí, a comunicar-se em belíssimos versos, de improviso, num estilo fluente. A SOMBRA DO SEPULCRO Victor Hugo, que informara aos Espíritos não saber improvisar versos, arquitetou duas perguntas versificadas dirigidas a Moliére: “Le rois et vous là-haut, changuez[vous d’enveloppe? Louis quatorze au ciel n’est-il pas ton [valet? François premier est-il et Lou de Tri[boulet, Et Crésus le laquais d’Ésope? Não é Moliére quem responde, mas a entidade que se denominava SOMBRA DO SEPULCRO: “Le ciel ne punit pas par telles [grimaces Et ne travestit pas es fou François pre[mier L’enfer n’est pas um bal de grotesques [paillasses, Dont le noir châtiment serait le costu[mier”. O poeta insistiu em obter a resposta de Moliére. E mais uma vez a SOMBRA DO SEPULCRO intervém, respondendo, com profunda ironia, à indagação. Victor Hugo levanta-se e indignado deixa a sala. "Júlio Bois" - informa Zêus Wantuil - "revela, mesmo, que as últimas páginas dos cadernos ditados pela mesa estão cheias de uma luta singular, duelo gitantesco entre o novo Jacob, que é Hugo, e a SOMBRA DO SEPULCRO, o anjo-espírito. E, desta vez, diz o escritor de "Le Monde Invisible", Jacob é vencido, mas não sem protestar... Hugo deixou o seu lugar, quase irritado, quase deslumbrado. Ele perdera a partida; mas a derrota do poeta não implica uma admiração ilimitada. Antes de sair, de subir ao seu quarto para o repouso de sono, ele inscreve em resposta na margem do caderno: "À SOMBRA DO SEPULCRO: Vós sóis enorme, mas só Deus é imenso". A SOMBRA DO SEPULCRO também se comunicava em prosa, "em uma prosa igualmente magnífica", como afirmou Charles Richet em "Traité de Metapsychique". Victor Hugo, certa feita, censurou A SOMBRA DO SEPULCRO pelo uso reiterado de expressões simbólicas e de termos bíblicos, no que o Espírito argumentou: Imprudente! Dizes: A SOMBRA DO SEPULCRO fala a linguagem humana, servindo-se de imagens bíblicas, de palavras, de metáfora, de ficções, para dizer a verdade... A palavra é a cadeia do espírito; o vosso ideal é o cabresto da alma; vosso sublime é a enxovia; vosso céu é o teto de uma adega; vossa língua é ruído encadernado num dicionário. "A língua para mim é a Imensidade, é o Oceano, é a Borrasca. Minha Biblioteca contém milhões de estrelas, bilhões de planetas, milhões de constelações. O Infinito é o livro supremo, e Deus é o leitor eterno. Se queres que te fale a minha linguagem, sobe ao Sinai, e me ouvirás nos relâmpagos; eleva-te ao Calvário, e me verás nos raios; desce ao túmulo, e me sentirás na clemência". Embora todos do círculo de Hugo, acreditassem, inquestionavelmente, na comunicação dos Espíritos através da mesa, houve quem afirmasse, como Charles Richet, sem qualquer base, que os extraordinários ditados, em prosa e verso, proviam do inconsciente do médium Charles Hugo. Diziam, também, ter havido o desdobramento de um dos participantes da sessão, ao qual se deviam respostas, caindo as "suspeitas" no próprio Victor Hugo. Ele seria, então, o autor inteligente e inconsciente das notáveis manifestações da Ilha de Jersey. Criaram, até, um mecanismo telepático para justificar o "fenômeno" - Victor Hugo transmitia os seus pensamentos ao filho Charles, e este os retransmitia através da mesa. ANTEVISÃO HUGOANA O consagrado autor de "OS MISERÁVEIS", antevendo o que iriam dizer os eternos negadores da imortalidade da alma e de sua comunicabilidade, escreveu num manuscrito de "La Légende des Siécles", de sua autoria, a seguinte advertência, transcrita na obra "As Mesas Girantes" de Zêus Wantuil. "É confirmado o fenômeno do velho tripé, estranho fenômeno a que tenha assistido amuidamente. Uma mesa de três pés dita versos por meio de batidas, e estrofes saem da sombra. Escusado dizer que jamais misturei os meus verso um verso sequer que provém do mistério: estes religiosamente sempre os deixei ao desconhecido, que deles é o único autor... O trabalho do cérebro humano deve conservar-se à parte, e nada pedir de empréstimo aos fenômenos. As manifestações exteriores do invisível são um fato, e as criações interiores do pensamento são outro. A muralha que separa os dois fatos deve ser respeitada no interesse da observação da Ciência. Os Espíritos da Ilha de Jersey estavam, provavelmente, abrindo caminho para o advento da Codificação do Espiritismo. O próprio Victor Hugo, informa Zêus Wantuil, comentaria que as revelações feitas pela mesa, publicadas após a morte dos exilados, fundariam "uma nova religião que abrangeria o Cristianismo, ampliando-o, como, o Cristianismo abrangeu o Judaísmo". Em 31 de outubro de 1855, a família Hugo segue para a Ilha de Guernesey, passando em residir em Hauteville-House, onde o admirável poeta gravou, em uma das suas portas, a expressão ditada, certa ocasião, pela mesa: "EDE, I, ORA": "COMA, CAMINHE E ORE". Paulo Berret, definiu a sentença como a "fórmula da vida, da atividade e do progresso para Deus, pela oração". Em "Les Annales Politiques et Littéraires", de maio de 1899, Camile Flammarion afirmou: "Victor Hugo, alguns anos antes de sua morte, por várias vezes conversou pessoalmente comigo, em Paris; ele jamais deixara de crer nas manifestações de Espíritos". VICTOR HUGO E O PRINCÍPIO DA REENCARNAÇÃO Além da imortalidade da alma, cria, também, o poeta maior, na reencarnação quando afirmou: "Quem nos diz que eu não me torne a encontrar no séculos? Shakespeare escreveu: 'A vida é um conto de fadas que se lê pela Segunda vez'. Ele teria podido dizer: pela milésima vez! Por que não há século em que eu não veja passar a minha sombra". E finalizou: "Há meio século que escrevo meu pensamento em prosa e verso: história, filosofia, dramas, romances, lendas, sátiras, odes, canções, etc.; tudo tenho tentado, mas sinto que não disse a milésima parte do que está em mim. Quando me curvar para o túmulo, não direi como tantos outros: terminei minha jornada. Não, a sepultura não é um beco sem saída, é uma avenida; ela se fecha no crepúsculo, ela se abre na aurora!" (*) - DELPHINE DE GIRARDIN, era esposa de célebre publicista francês. Autora de romances e comédias de valor, era conhecida literalmente pelo nome de Delphine Gray. Nota extraída do artigo de Wallace Leal Rodrigues, publicado no "Anuário Espírita" - 1971 - IDE BIBLIOGRAFIA: 1 - "AS MESAS GIRANTES" (FEB) Zêus Wantuil; 2 - "ELES CONHECERAM O DESCONHECIDO" (Pensamento) Martin Ebon 3 - "VICTOR HUGO ESPÍRITA" (Edições Correio Fraterno) Humberto Mriotti 4 - "ANUÁRIO ESPÍRITA" - 1971 (IDE)