Prefácio, orelhas e capa — Os trabalhadores do mar — Victor
Hugo
O imenso mar interior de Hugo
Felipe Leão Esteves
Victor Hugo é poeta e é prosador e um exemplo clássico dessa união de gêneros literários
dentro de um romance está nesta obra clássica. Os trabalhadores do mar é uma verdadeira prosapoética ao estilo do grande precursor do romantismo francês – a riqueza contextual que propõe o autor
é de uma profundidade imensurável, além das imagens elaboradas no decorrer do texto, que nos levam
à elaboração de uma fantasia bucólica, a qual nos aproxima da tristeza, ao tempo que nos deslumbra
através dos protagonizantes heroísmos que desnudam barreiras morais em preferência ao sentimento
genuíno. Hugo versa sobre insatisfações, inconformismos e convicções – versa também sobre o amor
inalcançável, sobre a injustiça da vida terrena e sobre a resignação – a aceitação diante dos desígnios
vitais, sem revoltas ou vitimizações, valores que são explorados por seus personagens, mesmo diante da
morte – outro fator vislumbrado pelas lentes da convicção – mostrando o desencarne voluntário como
um entendimento certeiro do fim.
Hugo nos faz sentir tudo o que pretende ao descrever metaforicamente a vida do ser humano
de sua época refletida no cotidiano de um povo que vive na ilha de Guernesey, com descrições
detalhadas, com a presença da mulher idealizada, o herói e suas luzes e a tragédia – porém, não são
exatamente os fatos de sua narrativa que nos leva a vivenciar tais sentimentos, mas a beleza de suas
colocações, a forma como usa suas palavras – nos pegamos vivenciando dicotomias: ficamos eufóricos
ao ler lamentações – mas sabemos de toda a coerência que nos cerca, uma vez que a euforia vem do
prazer de viver e sentir o que se lê. De toda forma, Hugo deixa exposto em sua narrativa as fatalidades
das quais geralmente discorre em suas obras: a religião, a sociedade e a natureza, além de destacar a
fatalidade interior, a qual permeia o coração humano, deixando claro que em relação a este até o
homem do mar, bravo e forte, sucumbe à vida ao identificar o amor que lhe afoga ao mesmo tempo em
que lhe traz o ar necessário para a sobrevivência – um amor que paira nos nossos ideais, que está acima
da vida e da morte, que liberta e condena, que não tem formas, mas que é necessário se viver.
A inspiração de Victor Hugo para escrever esse clássico da literatura francesa e mundial veio
diretamente da ilha de Guernesey, local no qual o escritor passou quinze anos de sua vida exilado por
motivos políticos – Hugo foi um feroz opositor do império de Napoleão III e, depois de ser banido na
Bélgica e na ilha de Jersey, atracou sua âncora neste pedaço do território britânico, em meio ao Canal da
Mancha, onde se encontra a “rocha da hospitalidade e da liberdade”, como cita durante a obra. As
questões interiores – políticas, sociais e existenciais – que destila de forma leve durante o texto, Hugo,
de certo, expressaria em qualquer lugar, mas o fator imagístico e sensorial que seu novo lar
proporcionou em suas aspirações foi o que valeu para a sua criação. Hugo não só se inspira como dedica
sua obra à ilha que tanto o acolheu – descreve a batalha do homem solitário e pobre, que tem no mar
sua única perspectiva de sabedoria e sustento; narra a relação desse homem ilhado com seu próprio
coração, com sua própria moral; torna o romance épico nos momentos de luta brava entre o homem e
criaturas do mar, as quais faz questão de alto dimensionar.
A história gira em torno de Gilliatt – personagem que se torna fio condutor para as construções
de enredo e exemplo imediato para as divagações de Victor Hugo –, um solitário, que vive a margem das
movimentações sociais, mas que carrega uma nobreza interior sólida. Gilliatt empenha toda sua moral e
vontade na conquista do que aliviaria seu coração – um amor idealizado, sem barreiras aprisionadoras.
Com esse intuito, embrenha-se numa empreitada ardorosa de luta contra o meio, chegando a enfrentar
polvos gigantes para conquistar o que se destinou a fazer. A grande motivadora da vida de Gilliatt é
Deruchette, sobrinha do navegador Lethierry, que tem sua embarcação naufragada no rochedo de
Douvres, lugar de perigos misteriosos. Em desespero, Deruchette promete casar-se com quem consiga
consertar o motor a vapor do barco e retirá-los do local que os aprisionou. A obra é temporizada logo
após das Guerras Napoleônicas e incorpora os elementos decisivos da primeira Revolução Industrial,
fazendo um contraponto entre progresso e pobreza, valores materiais e valores essenciais.
O tempo todo enxergamos Gilliatt como vítima do meio natural ou do meio social, nunca um
agente que interfere e faz por onde, mas sempre alguém que serve de peça de manobra, que sofre a
opressão de mundos maiores e mais potentes. As fatalidades da vida, antes descritas, são inevitáveis,
segundo a visão de Victor Hugo – nessa aura de pensamento, não esperamos outro fim para Gilliatt se
não o que nos é apresentado. Mas, o personagem central de Hugo é como o próprio mar, que não se
cansa de ir vir e que bate sobre a rocha até furar.
4ª Capa
Victor Hugo escreveu em Os trabalhadores do Mar (1866) o que viu, viveu e sentiu na
Ilha de Guernesey, situada no Canal da Mancha, que foi o lugar em que viveu por quinze anos no
autoexílio em oposição a Nopoleão III. O romance se passa nessa mesma ilha no momento do pósguerras napoleônicas. Ali, falando sobre a vida do povo de Guernesey, Victor Hugo nos põe diante das
necessidades constitutivas, universais, do ser humano; e, por intermédio de Gilliatt, o protagonista que
enfrenta os reveses da sociedade e da natureza, faz-nos conhecer um espírito corajoso e livre, que, a
despeito das dificuldades e das derrotas, é capaz do sentimento libertador do amor. Considerado um
dos maiores expoentes da prosa e da poesia do Romantismo na França, Hugo influenciou grandemente
as novas gerações de escritores franceses. Teve atuação política destacada, favorável a uma democracia
liberal e humanitária, e foi um defensor dos direitos humanos, da liberdade de imprensa, opondo-se à
pena de morte.
Orelha 1
Em Os trabalhadores do Mar, Victor Hugo deixa claro que os percalços da vida são inevitáveis,
são fatalidades a serem vividas, mas, para o autor, a renúncia a essas provações devem ser cogitadas,
uma vez que o amor está na vida, mas também está na morte: “Vós, que sofreis, porque amais, amai
ainda mais. Morrer de amor é viver dele.” Segundo Hugo, estamos cercados, aprisionados em
convenções e o amor ainda liberta: “Quando há duas criaturas, a vida é possível. Havendo uma só,
parece que nem se pode arrastá-la. Renuncia-se a ela.”
Nesta obra, chegamos a ouvir o barulho das ondas no encontro com as rochas, tamanha é a
destreza estilística desse autor – precursor do romantismo francês –, que descreve a solidão e a bravura
de viver de um povo que vive na ilha de Guernesey. Através de seu protagonista – o reto Gilliatt – Hugo
usa de metáforas na elaboração de duras críticas contra aristocracia, sempre exaltando a busca pela
liberdade individual através do amor e da emancipação social. Para Victor Hugo “a vida é a viagem, a
idéia é o itinerário. Sem itinerário, pára-se.”
Orelha 2
Victor-Marie Hugo (Besançon, 26 de fevereiro de 1802 — Paris, 22 de maio de 1885) foi um dos
precursores do romantismo francês. Além de romancista, Hugo se dedicou a novelas, ensaios, poesia,
dramas, pinturas e política. Ficou conhecido pelo seu ativismo em favor dos direitos humanos na França
e foi contra a pena de morte. Foi autor de diversas obras, mas as de maiores destaques foram NotreDame de Paris (1831), Os Miseráveis (1862) e Os trabalhadores do mar (1866).
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Prefácio, orelhas e capa — Os trabalhadores do mar — Victor Hugo