Planejamento e gestão em unidades de conservação: comunidade,
visitantes e preservação ambiental.
Prof. Dr. Giovanni de Farias Seabra
As mudanças ambientais globais e locais estão quase sempre associadas às
intervenções humanas no espaço geográfico, cujos impactos provocam
irreversíveis transformações do meio ambiente. Estas alterações estão
vinculadas a diversos fatores sócio-econômicos e sócio-ambientais, como
adensamento
populacional,
surgimento
de
novos
povoamentos,
metropolização, expansão agropecuária, desmatamento, industrialização e a
crescente
produção
de
resíduos
sólidos.
Entretanto, as mudanças do meio ambiente também se processam ao longo de
extensos períodos geológicos, manifestados através de fatores físico-naturais,
a exemplo das migrações continentais, mudanças climáticas, deslocamentos
das geleiras e soerguimento das cordilheiras. Ás vezes os desequilíbrios
ecológicos podem ser súbitos e catastróficos devido aos desastres naturais
provocados pelos terremotos, maremotos, erupções vulcânicas e quedas de
meteoros.
No livro Diversidade da Vida, Wilson (1994) relata que há cerca de 75.000 anos
atrás, uma enorme explosão vulcânica abalou a região central da ilha de
Sumatra, com grande perda de vida selvagem e dos povos paleolíticos. A
depressão central aberta pela hecatombe deu origem posteriormente o Lago
Toba.
A história geológica da vida registra fatos como estes ocorrendo há milhões de
anos, causando desastres ambientais em todo o mundo e provocando a
extinção da biodiversidade em quase a sua totalidade. Com dimensões mais
reduzidas, fenômenos vulcânicos acompanhados de erupções e derrames de
lavas acontecem todos os anos em várias partes do planeta.
Mais recentemente, na manhã do dia 26 de dezembro de 2004, a humanidade
surpreendeu-se com a catástrofe provocada por um terremoto na ilha de
Sumatra, e o conseqüente maremoto que varreu cidades litorâneas de dez
países, deixando cerca de trezentas mil vítimas fatais e milhares de
desaparecidos. Em minutos a ilha de Trinkat, situada no Oceano Índico, partiuse ao meio e a metade do seu território desapareceu nas profundezas do mar.
Contudo, em nível global, a espécie humana detém o maior poder de
destruição na atualidade, lançando para a eternidade uma parcela significativa
das espécies contemporâneas. Esse processo histórico de degradação
ambiental remonta às sociedades primitivas, prosseguindo nos chamados
tempos
modernos
e
na
pós-modernidade.
São inúmeros casos de destruição de dimensões consideráveis provocados
pelas intervenções do homem sobre o meio ambiente ao longo do tempo.
Cerca de oito mil anos atrás, colonizadores polinésios dizimaram as aves de
grande porte que habitavam as ilhas do Pacífico. Durante as longas travessias
oceânicas, esses paleoíndios extinguiram quase a metade das espécies
endêmicas que encontraram nos arquipélagos. Navegando em pequenos
barcos a remo, os polinésios partiam do sudoeste da Ásia e avançavam sem
parar, de ilha em ilha, devorando tudo o que encontravam pela frente deixando
no rastro as marcas da devastação. No início de 1900, 500 mil tartarugas
gigantes habitavam as ilhas Galápagos, no Equador; atualmente restam
apenas 15 mil desses quelônios protegidos no Parque Nacional Galápagos.
A história recente revela que em algumas centenas de anos a ocupação da
América do Norte extinguiu 73% dos mamíferos de grande porte que povoavam
o continente no final do Pleistoceno; por outro lado, a colonização da América
do Sul destruiu 80% da fauna pleistocênica (Wilson, op. cit.). Junto a esses
dados, pode-se acrescentar a quase total extinção das tribos indígenas em
todo o continente americano, devido ao avanço da colonização e das frentes
pioneiras. No período colonial, 10 milhões de africanos foram eliminados. Na
descoberta do Brasil a população indígena totalizava três milhões de
indivíduos, dos quais restam pouco mais de 300 mil, em sua maioria perecendo
pela
fome,
desnutrição
e
doenças
infecto-contagiosas.
Esses fatos permitem compreender o processo evolutivo da questão ambiental
nacional. O fenômeno pode ser explicado através do mecanismo de exploração
dos recursos naturais que perdurou ao longo de toda história deste país. Por
suas extensas dimensões territoriais criou-se no Brasil, desde sua descoberta,
a mentalidade colonial-extrativista e o mito dos recursos naturais inesgotáveis.
Bastaram poucos séculos para que a mata atlântica fosse quase toda
dizimada, como também extensas áreas dos biomas de cerrado, floresta
amazônica e caatinga, este último em flagrante processo de desertificação.
Foram suficientes apenas quinhentos anos, desde a descoberta do Brasil, para
que a degradação ambiental atingisse uma situação alarmante. Primeiramente
houve a exploração do pau-brasil, fartamente utilizado na Europa pelas
indústrias de tinturaria; posteriormente madeiras-de-lei nativas da mata
atlântica eram indiscriminadamente utilizadas no fabrico de caixotes para o
transporte do açúcar, construções, aquecimento das fornalhas dos engenhos e
ainda, florestas inteiras foram incendiadas para facilitar o apresamento dos
índios, abrir caminho para os canaviais e dar lugar às cidades litorâneas e o
povoamento
do
interior.
O avanço das frentes agropecuárias sobre ecossistemas de cerrado e floresta
amazônica, associada à extração madeireira, incentivados pelo caráter
devastador das políticas públicas, situam o Brasil no primeiro lugar em
desmatamento, conforme registrado no Guiness Book. Para se ter uma idéia do
tamanho da devastação florestal, o país desmata 25.000 km² por ano, uma
área correspondente ao estado de Sergipe. Diante dos níveis alarmantes da
devastação florestal, em jornais londrinos foram publicados anúncios dizendo:
Protejam
as
florestas,
queimem
um
brasileiro.
A devastação histórica e catastrófica do planeta faz surgir a pergunta: Então
para que conservar a natureza? Pelo simples fato de que os componentes
ambientais são obras da criação divina e por isso devem ser preservados.
Entretanto, a questão ambiental é fortemente influenciada pelos aspectos
econômicos, políticos e administrativos, tanto públicos como privados,
dificultando seguramente a aplicação dos princípios da sustentabilidade,
conforme o documento Nosso Futuro Comum, apresentado em 1987 pela
Comissão
Mundial
sobre
Meio
Ambiente
e
Desenvolvimento.
No contra-fluxo da degradação ambiental, provocada pelo desenvolvimento
econômico, são criadas as unidades de conservação, cujo maior objetivo é
garantir a proteção dos recursos naturais e manter as funções ecológicas do
meio ambiente, estando nele incluídas a biodiversidade e as populações
tradicionais.
Neste sentido, torna-se imperativo a conservação não somente dos
ecossistemas naturais, mas também dos valores culturais sistemicamente
inseridos nas unidades de conservação (Seabra, 1998). Esses valores
correspondem tanto à tradição indígena como também aos povos tradicionais
de base familiar, como extrativistas, pescadores, agricultores e mineiros. A
tendência da conservação da biodiversidade mundial inclui nas áreas
protegidas os grupos sociais tradicionais Este fato é da maior importância, visto
que cerca de 80% dos parques nacionais existentes no mundo mantêm
populações residentes dentro dos seus limites (Terborgh, 2002). No Brasil o
problema é acentuado devido à superposição das unidades de conservação
sobre terras indígenas. São 55 casos de sobreposição entre terras indígenas e
unidades de conservação hoje existentes no país (Ricardo, 2004).
Após o maremoto que devastou as ilhas do Pacífico sul e do Oceano Índico,
autoridades do Sri Lanka querem usar animais no sistema de alerta de
terremotos e tsunamis, aproveitando os instintos animais que permitiram à vida
selvagem do país escapar quase incólume das ondas gigantes. Guardas do
Parque Nacional de Yale, o maior do Sri Lanka, acreditam que os animais
fugiram antes que o tsunami atingisse a costa no dia 26 de dezembro de 2004,
matando mais de 38 mil pessoas no país. Especialistas afirmaram que
elefantes e outros animais do parque tiveram tempo de fugir devido aos
aguçados sentidos como a audição, permitindo-os detectar em tempo hábil a
aproximação
do
tsunami.
Na Índia, os povos nativos que habitam as ilhas de Andaman e Nicobar
escaparam da destruição refugiando-se nas partes mais altas, após serem
alertados pela mudança de comportamento dos animais. Estes aborígenes
pertencentes a tribos primitivas seminômades são caçadores e coletores que
produzem fogo pelo atrito de pedras, utilizam arco e flecha para obter alimento
e
vivem
em
cabanas
feitas
de
folhas
e
galhos.
Infelizmente, o mesmo não acontece no Brasil, os povos tradicionais são
permanentemente ameaçados de destruição, em função do modelo econômico
adotado e a insuficiente aplicação dos mecanismos para a conservação
ambiental.
Segundo dados do Instituto Sócioambiental – ISA, publicados em 2005, o Brasil
possui 6% do seu território destinado à proteção da fauna, flora e demais
recursos naturais, ocupando o 17º lugar no ranking da América Latina. Essa
porcentagem é ainda muito reduzida, quando comparada a outros países como
a Costa Rica, que destina 26% do território nacional à conservação ambiental.
Por outro lado, a conservação da natureza pode significar uma grande fonte de
divisas para o país. O Protocolo de Kyoto, ratificado por 141 países em
fevereiro de 2005, prevê cotas de preservação ambiental em troca de CO²
produzido pelas empresas poluidoras. Existem inúmeras agências
empenhadas em financiar a conservação ambiental no mundo inteiro.
No Brasil existem cinco sítios do Patrimônio Natural da Humanidade, título
concedido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura - UNESCO. O reconhecimento mundial do patrimônio natural atrai a
atenção de investidores, facilitando negociações internacionais de empréstimos
e financiamentos de projetos de preservação ou recuperação ambiental.
São considerados como patrimônio natural da humanidade o Parque Nacional
do Iguaçu (Paraná), P. N. Costa do Descobrimento (Bahia), a Floresta
Atlântica/Reserva do Sudeste (Paraná e São Paulo), P. N.do Pantanal (MS) e o
P.
N.do
Jaú,
no
estado
do
Amazonas.
Entretanto, a sobrecarga de visitantes e o descuido das autoridades com a
conservação ambiental estão colocando em risco a manutenção do título
concedido, a exemplo do Parque Nacional do Iguaçu, que mantém no seu
interior intenso tráfego de veículos através da Estrada do Colono e excessiva
visitação,
superando
um
milhão
de
pessoas
ao
ano.
A realidade nos mostra que os impactos negativos provocados pela criação de
unidades de conservação são inevitáveis, especialmente devido à expulsão
das comunidades tradicionais, introdução de novos valores culturais, aumento
da demanda sobre o uso dos recursos naturais e, mais recentemente, o
turismo
ecológico.
Visando disciplinar o uso das áreas protegidas, o Governo Federal aprovou em
2000 a Lei Federal 9.985, instituindo o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação – SNUC. O sistema criou novas categorias de áreas protegidas
reunidas
em
dois
grupos:
I
–
Unidades
de
Proteção
Integral;
II
–
Unidades
de
Uso
Sustentável.
As Unidades de Proteção Integral compreendem as seguintes categorias de
UCs: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento
Natural,
e
Refúgio
da
Vida
Silvestre.
No grupo Uso Sustentável encontram-se as categorias: Área de Proteção
Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva
Extrativista, Reserva de Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável e
Reserva
Particular
do
Patrimônio
Natural.
A nossa abordagem adotou como parâmetro reflexivo as seguintes categorias:
Parque Nacional (PN), Área de Proteção Ambiental (APA), Floresta Nacional
(Flona), Reserva Extrativista (Resex), Estação Ecológica, e Reserva Particular
do
Patrimônio
Natural
(RPPN).
Algumas dessas unidades de conservação alcançaram êxito, através da
aprovação e execução dos planos de manejo por meio da gestão participativa,
envolvendo os diversos setores sociais e entre eles as comunidades
tradicionais. Os benefícios adquiridos pelas comunidades com o uso
sustentável dos recursos naturais são evidentes, principalmente nas reservas
extrativistas e nas florestas nacionais. Alguns projetos bem sucedidos em
unidades de conservação podem ser apontados, como a Reserva Extrativista
Chico Mendes (AC), administrada por associações de seringueiros, e a
Floresta Nacional do Araripe (CE), cuja gestão segue o modelo participativo.
Segundo o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros, aprovado em
setembro de 1979, pelo Decreto Nº 80.017, os parques nacionais
compreendem
áreas geográficas extensas e delimitadas, dotadas de atributos naturais
excepcionais, objeto de preservação permanente, submetidas à condição de
inalienabilidade
e
de
indisponibilidade
no
seu
todo.
Essas áreas de proteção integral destinam-se a fins científicos, culturais,
educativos e recreativos, sendo criados e administrados pelo Poder Público
Federal.
O Parque Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro, foi o primeiro a ser criado no
Brasil, no ano de 1937, 65 anos após a criação do primeiro do mundo, o
Parque Nacional de Yellowstone (EUA), fundado em 1872. Existem atualmente
58 parques nacionais no Brasil, sendo que em sua maioria não contam com
infra-estrutura necessária à preservação dos ecossistemas e ao acolhimento,
acompanhamento
e
fiscalização
dos
visitantes.
Conseqüentemente, essas unidades de conservação de preservação integral
convivem com problemas diversos, como a não desapropriação e conflitos de
terras, incêndios criminosos, exploração de madeiras e minerais, a caça
predatória , além do turismo mal conduzido e sem sustentabilidade sócioeconômica
e
ambiental.
Para atender interesses econômicos, houve mudanças significativas nos
objetivos dos parques nacionais, e a administração dessas unidades de
conservação está sendo transferida às organizações não governamentais e ao
setor privado. Para que esse fim fosse alcançado, a primeira medida adotada
pelo Governo Federal foi suprimir o conceito de parque nacional do SNUC, cuja
ênfase reside na preservação do patrimônio natural e incentivo à pesquisa
científica, introduzindo o turismo ecológico nos seus objetivos.
Na maioria das unidades de conservação federais a atuação do poder público é
insuficiente, estando ausente ou transferindo a administração ao terceiro setor
através de convênios. Segundo o Fundo Mundial para a Natureza, para cada
dez mil quilômetros quadrados de áreas destinadas à conservação, são
necessários 27 funcionários. O Brasil possui quatro funcionários em média,
portanto insuficientes para garantir a manutenção da biodiversidade e a
preservação
dos
monumentos
naturais.
O Parque Nacional do Jaú (AM), segundo maior do Brasil, com 2,27 milhões de
hectares, é protegido por apenas três fiscais do Ibama; o Parque Nacional das
Montanhas de Tumucumaque (AP), o maior do mundo em região tropical, com
3,8 milhões de hectares, possui apenas um funcionário, o diretor do parque,
residente
em
Macapá.
As áreas de proteção ambiental (APAs) são destinadas a proteger e conservar
a qualidade ambiental e os sistemas naturais existentes, visando à melhoria da
qualidade de vida da população local e a proteção dos ecossistemas regionais.
Segundo os objetivos de criação das APAs, são autorizadas nos seus limites
atividades
econômicas
não
causadoras
de
danos
ambientais.
Contudo, não é o que acontece na realidade. As APAs servem muito mais para
mascarar a degradação ambiental provocada pela instalação dos
empreendimentos do que propriamente para proteger o meio ambiente.
Durante a implantação da Área de Proteção Ambiental de Guadalupe, no
estado de Pernambuco, foi constatado o desrespeito à legislação,
evidenciando-se inúmeros impactos sócio-ambientais, provocados pelas
empreiteiras durante a abertura das vias de acesso ao Centro Turístico
Guadalupe, comprometendo áreas de mangues e acelerando processos
erosivos nos taludes, além da marginalização dos pescadores e catadores de
crustáceos
(Seabra,
2001a).
Em visita à APA de Itacaré, litoral sul da Bahia, constatamos a destruição de
áreas de mangues, mata atlântica e povoados de pescadores, devido à
construção da estrada ecológica, uma rodovia litorânea, com 48 quilômetros de
extensão,
ligando
Ilhéus
às
praias
de
Itacaré.
As reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs) são imóveis do domínio
privado que possuem condições naturais primitivas ou semi-primitivas, cujas
características justifiquem ações de recuperação pelo seu aspecto paisagístico,
ou para a preservação do ciclo biológico de espécies da fauna ou da flora
nativas
do
Brasil.
Diante da falta de recursos e funcionários para administração dos parques
nacionais, o Ministério do Meio Ambiente está transferindo o controle dessas
unidades de conservação às organizações não governamentais e ao setor
privado, sem que haja participação efetiva das comunidades locais na tomada
de decisões. As ONGs responsáveis pela administração dos parques nacionais
padecem da falta de recursos e de funcionários suficientes para garantir os
objetivos
da
conservação.
Podemos citar alguns parques nacionais administrados pelo terceiro setor,
como o Parque Nacional da Amazônia (Fundação Vitória Amazônica), o Parque
Nacional Grande Sertão Veredas (Funatura), o Parque Nacional da Serra da
Capivara (Fundham) e o Parque Nacional do Pantanal (Ecotrópica).
Devido à exigüidade de recursos, está ocorrendo a privatização dos parques
nacionais através de concessões feitas pelo Ministério do Meio Ambiente às
operadoras
de
turismo.
Em 2002, o site do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis – IBAMA, publicou matéria intitulada Parques Nacionais:
oportunidade de negócios oferecendo os Parques Nacionais como mercadoria
a ser explorada pelas empresas de ecoturismo. O texto relatava que no Brasil
esse novo negócio foi responsável pela movimentação de R$ 2,2 bilhões em
1994, pulando para R$ 3 bilhões em 1995. Um salto de 36% em apenas um
ano,
muito
acima
da
média
mundial,
de
20%.
Para este ano de 2005, o IBAMA estima um movimento de 10,8 bilhões de
dólares em razão do aumento da atividade ecoturística nas unidades de
conservação. Vale salientar que nessas cifras estão computados apenas os
lucros, sendo excluídos os custos sócio-ambientais, sobretudo com relação à
preservação da biodiversidade e exclusão das populações tradicionais.
As viagens à natureza com objetivos de contemplação da paisagem e de
interação com as comunidades locais reúnem-se no conceito de ecoturismo,
aqui tomado como sinônimo de turismo ecológico, definido pela União
Européia/Embratur
como:
“O turismo desenvolvido em localidades com potencial ecológico, de forma
conservacionista, procurando conciliar a exploração turística com o meio
ambiente, harmonizando as ações com a natureza, bem como oferecer aos
turistas um contato íntimo com os recursos naturais e culturais da região,
buscando a formação de uma consciência ecológica”. (EMBRATUR/IBAMA,
1994).
O conceito de ecoturismo demonstra que nesse tipo de atividade devem estar
presentes as componentes ecológica e social, portanto em franco desacordo
com as estratégias governamentais de valoração e comercialização do espaço
natural através da promoção desenfreada do turismo massificado. Convém
aqui lembrar que o ecoturismo é uma viagem responsável dirigida às áreas
naturais com o fim de conservar o meio ambiente e promover o bem estar da
comunidade
local.
Esse segmento é o que proporcionalmente apresenta maior crescimento nos
fluxos turísticos, tendo como principais produtos as áreas ecologicamente
protegidas.
Em virtude da divulgação massiva dos lugares exóticos e da natureza
intocável, estima-se que 500 mil pessoas pratiquem o ecoturismo no Brasil,
gerando emprego para 30 mil trabalhadores, por intermédio de cinco mil
empresas e instituições privadas, segundo dados fornecidos pela Embratur.
Somadas as viagens realizadas por famílias, grupos informais e entradas
individuais nos Parques Nacionais, o número de ecoturistas ultrapassa 10
milhões no Brasil. Por isso, o marketing que promove o lazer em unidades de
conservação deve ser feito com cautela, para evitar a sobrecarga dos visitantes
sobre os habitats naturais, mananciais hídricos e as populações tradicionais.
Com essa estratégia, apoiada pelo marketing ecoturistico massificado, as áreas
protegidas que deveriam ser administradas pela União, passam
sorrateiramente ao controle do setor privado. A proposta de abertura dos
parques nacionais administrados pelo IBAMA e organizações não
governamentais ao ecoturismo ganha contornos mais definidos com a cessão
de
áreas
para
exploração
pela
iniciativa
privada.
O Programa de Uso Público e Ecoturismo em Parques Nacionais –
Oportunidade de Negócios, em sua primeira fase, pretende atrair investimentos
para adequar a infra-estrutura dos espaços visando a estimular o acesso
público nos parques nacionais. Segundo essa proposta mercadológica, do
IBAMA, as áreas protegidas representam, “por seus valores bio-sócio-culturais,
verdadeiras
escolas
conservacionistas
ao
ar
livre”.
Em outras palavras, é a privatização das unidades de conservação.
Uma comissão do Ministério do Meio Ambiente está realizando levantamentos
em 16 parques nacionais que terão seus serviços e equipamentos
terceirizados. Segundo essa avaliação, os parques nacionais de Brasília,
Caparaó, Iguaçu, Chapada dos Veadeiros e outros, possuem diversos atrativos
turísticos com valor agregado, principalmente aqueles ligados aos chamados
esportes de aventura, como canoagem, alpinismo, espeleologia, ciclismo e
montanhismo, além de serem propícios para caminhadas, passeios de barcos,
pescarias,
banhos
de
rios
e
observação
de
fauna.
Entre as unidades de conservação já licitadas estão os parques nacionais de
Brasília (DF), Chapada dos Veadeiros (GO), Caparaó (MG) e Iguaçu (PR),
agora classificados como de múltiplo uso pelo público, ou seja, podem ser
explorados para atividades que vão desde passeios ecológicos até os esportes
de
aventura.
A gestão participativa encontra dificuldades desde o processo de criação das
unidades de conservação, porque as comunidades locais são excluídas das
fases iniciais e de implantação dos projetos. De acordo com o Programa de
Monitoramento de Áreas Protegidas do Instituto Sócioambental, entre as 1.034
Unidades de Conservação existentes hoje no país, apenas 97 contam com
Conselhos Gestores - instâncias previstas na gestão das UCs, que devem ser
formadas de forma paritária por representantes da sociedade civil, do governo
e da população local, dependendo da categoria da unidade de conservação.
Os principais problemas dos conselhos gestores são relativos à falta de meios
de comunicação, à lentidão dos órgãos ambientais em repassar verbas para o
funcionamento, implementação das decisões tomadas e o desinteresse dos
chefes
das
UCs.
O método geográfico aplicado ao planejamento, manejo e gestão de unidades
de conservação, tem contribuído significativamente à preservação de áreas
protegidas
e
das
populações
tradicionais.
A título de ilustração, destacamos o projeto desenvolvido para implementação
do Parque Ambiental da Usina São José, localizado na Zona da Mata Norte, no
estado
de
Pernambuco.
Localizado no Município de Igarassu, o Parque Ambiental São José
corresponde a uma área definida como Reserva Ecológica, fazendo parte da
Área Piloto Reserva da Biosfera de Mata Atlântica – RBMA. A delimitação
dessa Área Piloto deve-se à sua importância ecológica e histórica, sendo
prioritária para implantação de projetos de conservação e de preservação
ambiental.
Num total de 4.150 hectares de Reserva Legal, a usina destinou uma área de
Mata Atlântica, com extensão de 150 hectares, para criação e implantação do
Parque Ambiental, com o objetivo de reunir objetivos múltiplos de usos
permitidos por lei, como a pesquisa científica, a educação ambiental e o
turismo ecológico, associados ao objetivo maior, ou seja, a preservação dos
bancos genéticos da fauna e flora e dos recursos hídricos.
Os procedimentos metodológicos que nortearam o Plano de Manejo da
unidade de conservação fundamentaram-se na Teoria dos Sistemas de
Bertalanffy (1973), proporcionando análise integrada dos componentes
sistêmicos, a partir dos diagnósticos físico-biótico e sócio-econômico,
necessários ao zoneamento ambiental e a proposta de plano de manejo
(Seabra,
2001b).
Quanto aos níveis de interferência humana no meio ecológico, tomamos como
referência à metodologia ecodinâmica de Tricart (op.cit.), que classifica o meio
ambiente como instável, intergrade e estável. Nos meios estáveis foram
adotadas medidas de preservação e implementação dos programas de
pesquisa científica. Os meios intergrades e instáveis estão sendo reabilitados e
integrados aos programas de infra-estrutura e equipamentos, visitação,
educação ambiental e ecoturismo. Os trabalhadores da cana participaram do
projeto nas fases de elaboração, implantação e atualmente atuam na
orientação dos visitantes, monitoramento dos ecossistemas e controle dos
processos
erosivos.
O procedimento operacional incluiu inventário e classificação das espécies
mais representativas da fauna e flora, controle de erosão, traçado e
mapeamento de trilhas educativas, projetos de equipamentos para
pesquisadores e visitantes, vias de acesso, circulação e estacionamento de
veículos, porto de embarque às margens do lago, viveiros de espécies vegetais
nativas e áreas para solturas de animais da fauna silvestre.
O parque está sendo interligado às outras reservas de Mata Atlântica da Usina
São José, através da implantação de corredores ecológicos, tendo como vias
migratórias os rios, córregos e matas ciliares, garantindo a circulação e
reprodução
dos
animais
em
seu
habitat
natural.
Nos últimos quatro anos, a administração da Usina São José vem tomando
medidas no sentido de proteção da área com vigilância constante, evitando a
caça e a retirada de madeira, introduzindo animais silvestres nativos,
incentivando a pesquisa científica e permitindo visitas controladas.
Exemplos como este estão se multiplicando pelo País. Existem atualmente
quase setecentas reservas particulares espalhadas por todos os estados
brasileiros, totalizando uma área preservada de 520 mil hectares.
Pelo sim pelo não, até o momento, é o que está dando certo.
Referências
Bibliográficas
BERTALANFFY, L. v. Teoria Geral dos Sistemas. (Trad. Francisco M.
Guimarães).
Petrólpolis:
Vozes,
1973,
351
p.
BERTRAND, G. Paysage et géographie physique globale: esquisse
méthodologique. Rev. Géog. Dês Pyrinées et du Sud-ouest (Tolouse), v. 39, n.
3,
p.
249-72,
1968.
BRASIL. Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC. Lei Nº
9.985,
de
18
de
julho
de
2000.
EMBRATUR/IBAMA. Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo.
Brasília,
1994.
FOLADORI, G. Limites do desenvolvimento sustentável. Campinas: Editora
Unicamp,
2001,
221
p.
LIMA e SILVA, P. P. et. al. Dicionário Brasileiro de Ciências Ambientais. Rio de
Janeiro:
Thex
Editora,
2002,
251
p.
RICARDO, F. Terras indígenas e unidades de conservação: o desafio das
sobreposições. São Paulo: Instituto Soçioambiental, 2004, 687 p.
SEABRA, G. F. Do garimpo aos ecos do turismo: o Parque Nacional da
Chapada Diamantina. Tese de Doutorado. São Paulo: FFLCH / USP, 1998.
_____________. Fundamentos e Perspectivas da Geografia (2ª edição). João
Pessoa:
Editora
UFPB,
1999,
148
p.
____________. Ecos do Turismo: o turismo ecológico em áreas protegidas.
Campinas:
Editora
Papirus,
2001a,
95
p.
_____________. Pesquisa Científica: O método em questão. Brasília: Editora
UnB,
2001b,
124
p.
TERBORGH, J. et al. (orgs). Tornando os parques eficientes: estratégias para
a conservação da natureza nos trópicos. Curitiba: Fundação O Boticário /
Editora
UFPR,
2002.
TRICART, J. J. L. Ecodinâmica. Rio de Janeiro: IBGE/SUPREN, 1977, 91 p.
WILSON, E. O. Diversidade da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
www.socioambiental.org. Acesso em 15 de janeiro de 2005, às 08:30.
www.ibama.gov.br. Acesso em 23 de janeiro de 2005, às 17:15.
Download

Planejamento e gestão em unidades de conservação: comunidade