VOZ AOS ALUNOS Informar Sem Educar Instruendo Aluno Flávio Peixoto “Vem por aqui” – dizem-me alguns com os olhos doces Estendendo-me os braços, e seguros De que seria bom que eu os ouvisse Quando me dizem: “vem por aqui!” Eu olho-os com olhos lassos, (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) E cruzo os braços, E nunca vou por ali... (...) Ninguém me diga: “vem por aqui”! A minha vida é um vendaval que se soltou. É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou - Sei que não vou por aí! “ José Régio in “Cântico Negro” Bastaria recuarmos dez anos em Portugal, altura em que a internet se tornou acessível comercialmente ao grande público, para compreendermos o privilégio que era, o acesso à informação. Quatro canais nacionais, ou televisão por cabo, meia-dúzia de enciclopédias do Círculo de Leitores a ganhar pó na estante e uma colecção de “Maria” e Tv Guia” sempre a engordar. O hábito de leitura não era o forte dos portugueses, mas as coscuvilhices sobre as vidas dos famosos, as mais grotescas histórias sexuais ou saber o próximo episódio da novela das 21h, garantiam o exercício mínimo deste hábito erudito. A televisão era já, há algumas décadas o centro de reunião familiar, a fazer lembrar as reuniões do Homem primitivo em volta da fogueira. A televisão era a principal fonte de entretenimento e informação, e era tão fácil quanto sentarmo-nos em frente ao aparelho. Mas era, ainda assim, uma actividade colectiva. Os conteúdos exibidos eram variados, e felizmente, os que não eram “made in Portugal”, eram legendados e não dobrados, garantindo que cada português, ao menos pela sonoridade, fosse capaz de identificar alguns idiomas. O Canal 2 da RTP, assegurava conteúdos mais alternativos e culturais e o alinhamento de canais da televisão por cabo, ofereciam uma maior consciência global. Abriam as primeiras lojas FNAC, que reuniam pela primeira vez em Portugal, livraria, loja de informática e de artigos audiovisuais, bilheteira e cafetaria, tudo num só espaço. O conceito da loja permitia a qualquer pessoa, sentarse e folhear ou ouvir a maior parte dos artigos expostos. Os estudantes regozijavam. O acesso à escolaridade era já um dado garantido para a maior parte das crianças. O ensino obrigatório estava fixado no 12º ano, mas formavam-se já milhares de licenciados oriundos de todas as classes sociais. Disseminavam-se também os cursos de formação profissional de equivalência ao 12.º ano e de formação profissional co-financiada pela U.E. para desempregados. No que diz respeito a números, estávamos ainda longe da realidade europeia, mas os modelos de ensino papel-químico, cumpriam as metas nacionais estabelecidas pelo governo, e milhares de profissionais aptos a ingressar na sociedade activa. Quando, em 1948, T. S. Eliot publica “Notas para uma Definição de Cultura”, estava em causa a necessidade de evitar o mau emprego de um conceito, cuja (re)“definição” poderia cumprir um desígnio salvador, contrariando o declínio da “nossa cultura” ou, se se quiser, o perigo iminente que os nossos “bens espirituais”corriam. T.S. Eliot, pôs em causa as definições de educação que apontam para objectivos individuais e, neste caso, definições que consideram que o objectivo da educação é a “felicidade”. Sabemos hoje, que à excepção dos dados estatísticos, nesta última década, tirar um curso superior não é necessariamente uma mais valia, e hoje em dia, em grande parte dos casos, é um estandarte de frustração. Uma vez que o ensino, essencialmente profissionaliza, concluo também que não forma cidadãos. Forma profissionais, mas não forma indivíduos com sentido de nação, de colectivo, com deveres e responsabilidades cívicas e valores humanos. Os únicos sinais de cultura de povo que testemunho, são os movimentos de apoio à selecção nacional e de votação para o programa “Ídolos”. O advento da internet tornou acessível a todos, o que há dez anos ainda era privilégio de alguns. Os livros, a música, filmes, séries e documentários, muitos deles distribuídos de forma gratuita ou pirateada, garantiram a democratização do acesso à cultura de conteúdos em formato digital. Mas como tudo o que é dado por garantido, depressa é desvirtuado. Vivemos numa sociedade de informação, e se é verdade que podemos escolher quando aceder a informação, também é verdade que a maior parte das vezes isto não é possível. Se podemos seleccionar a informação à qual acedemos, também é verdade que uma grande parte da população não sabe o que escolher. A informação apenas informa, mal ou bem. Se a educação falha na formação de melhores indivíduos, o seu valor deverá residir na capacidade de nos proteger do maior dos perigos: a sedução pela “pura contemporaneidade”. Segundo T.S. Eliot, a barbárie é o esquecimento do passado, como acontece nas culturas massificadas. A educação deve, pelo menos, assegurar a continuidade da cultura e das ideias que moldaram os tempos em que vivemos. Como sabemos o que escolher, se não sabemos a validade das coisas? “Seria de lamentar que olvidássemos as possibilidades da educação como meio de adquirir sabedoria, que menosprezássemos a aquisição de conhecimentos para satisfação da curiosidade, sem outro motivo que o desejo de saber, e que perdêssemos os respeito pela erudição.” - T. S. Eliot. O ensino pressupõe uma hierarquia, ou seja, o professor tem autoridade inquestionável dentro da sala de aula e do recinto escolar, e os alunos, devem, dentro do razoável, obedecer e executar as tarefas que lhe são delegadas. Dentro de moldes mais rígidos, espera-se o mesmo no exército. Para o bom funcionamento de qualquer sistema, as hierarquias devem ser respeitadas. Para a boa vivência dentro de um sistema, o respeito pelos colegas e pelo grupo também não deve ser questionado. Estou a falar de adultos, que passaram por algumas etapas do sistema de ensino, mas que se mantiveram impermeáveis a ensinamentos tão elementares como estes. Profissionalizados mas invariavelmente competitivos são os adultos que chegam hoje às fileiras. Neste momento estão a ser formados na Escola de Sargentos do Exército 142 novos Sargentos para o quadro permanente do Exército, os Sargentos do Futuro da nossa Pátria. Os instruendos de hoje, serão instrutores num futuro próximo. Desde os primórdios dos tempos que os Homens são instruídos na arte da guerra, que vem sendo ajustada à realidade de cada época, no seu contexto sócio-cultural, variando a instrução de acordo com o terreno, clima, fauna, flora, recursos a obter, objectivos a conquistar e um extenso número de outras variáveis. O que nunca mudou foi o elemento principal de combate, o Homem e a sua vontade, e a necessidade de aprender, de se moldar e ajustar as situações, sabendo que a sua sobrevivência dependia disso.