A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis A P R O B L E M ÁT I C A D A V E R D AD E E A L E G I T I M AÇ ÃO S U B J E T I VA DO DIREITO: Uma breve análise da dogmática jurídica na pósmodernidade.1 T H E P R O B L E M O F T R U T H A N D T H E S U B J E C T I V E L E G I T I M AT I O N O F L AW : A b r i e f a n a l y s i s o f l e g a l d o g m a t i c i n p o s t m o d e r n i t y Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis R E S U M O : To m a n d o p o r b a s e a p r o b l e m á t i c a d e M i c h e l F o u c a u l t a c e r c a d o P o d e r e d a Ve r d a d e , r e a l i z a - s e u m a a n á l i s e d a evolução do saber jurídico de caráter dogmático, explicitando a transição entre a dogmática fundada em valores sociais universais de justiça e sua crescente tecnização, tal como apontada por T é r c i o S a m p a i o F e r r a z J r. A m e t o d o l o g i a e m p r e g a d a c o n s i s t e n a análise minuciosa da literatura foucaultiana e no confronto de suas conclusões com as noções da teoria dogmática c o n t e m p o r â n e a t a l c o m o f o r n e c i d a s p o r T é r c i o S a m p a i o F e r r a z J r. e Luis Alberto Warat, para que, assim, possam-se identificar os problemas que o direito enfrenta para se afirmar legítimo perante uma sociedade com progressivo esvaziamento de valores e instituições. A conclusão à qual se chega, no atual desenvolvimento da pesquisa, é que a neutralidade da técnica jurídica, como fundamento para a justiça das decisões, possibilitando uma justiça de caráter formal, não basta para atender à ânsia social pela materialidade da justiça. A questão se agrava, quando se atenta para o fato de que o valor de justiça se torna relativo, adquirindo um caráter diferente para diferentes grupos e indivíduos. 1 Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis, Advogado, mestrando em Filosofia e Te o r i a G e r a l d o D i r e i t o p e l a P o n t i f í c i a U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a d e S ã o Paulo, orientando do professor Márcio Alves da Fonseca. Currículo Lattes disponível em h t t p : / / b u s c a t e x t u a l . c n p q . b r / b u s c a t e x t u a l / v i s u a l i z a c v. d o ? i d = K 8 1 5 7 7 6 8 J 5 ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 184 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis PAL AV R AS C H AV E : Michel Foucault. Filosofia do Direito. Ve r d a d e . P o d e r. P ó s - M o d e r n i d a d e . J u s t i ç a . A B S T R AC T: B a s e d o n M i c h e l F o u c a u l t ´ s p r o b l e m a t i c o n P o w e r a n d Tr u t h , a n a n a l y s i s o f t h e e v o l u t i o n o f d o g m a t i c k n o w l e d g e o f law is carried out, explaining the transition between a dogmatic founded on universal values of justice, as such values are u n d e r s t a n d b y e a c h s o c i e t y, a n d t h e i n c r e a s i n g t e c h n i c i z a t i o n o f d o g m a t i c k n o w l e d g e o f l a w, a s p o i n t e d b y T é r c i o S a m p a i o F e r r á z J r. R e s e a r c h m e t o d o l o g y c o n s i s t s i n c a r e f u l r e a d i n g a n d interpretation of Foucault´s literature, confronting its conclusions w i t h n o t i o n s o f c o n t e m p o r a r y ´ s d o g m a t i c o f c o n t i n e n t a l l a w, a s explained by Tércio Sampaio Ferraz Jr and Luis Alberto Warat, as to identify the challenges faced by law to be subjectively legitimized by a society characterized by the progressive deflation of values and institutions. The conclusion that can be achieved in research´s current development, is that the neutrality of legal technique as a basis for the justice of decisions is not enough to meet society´s longing for materiality of justice. This issue is aggravated when one pays attention to the fact that justice becomes a relative value, wich receive different meanings to different groups and individuals. K e yw o r d s : M i c h e l F o u c a u l t . P h i l o s o p h y o f L a w. Tr u t h . P o w e r. P o s t - M o d e r n S o c i e t y. J u s t i c e . 1. Introdução Michel Foucault, filósofo francês, morto precocemente em 1984, é considerado um dos pensadores mais importantes do século XX. Ao longo de sua vasta produção acadêmica, ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 185 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis compreendida não apenas por livros publicados, mas também por inúmeras entrevistas, conferências, e até mesmo da transcrição das aulas ministradas no Collége de France, instituição na qual lecionou de 1970 até poucos meses antes de sua morte, o pensador aborda temas de grande importância para a filosofia e para demais outros saberes, tais como o conhecimento, a verdade e , s e m d ú v i d a s , c o m m a i o r n o t o r i e d a d e o P o d e r. Ainda que o filósofo nunca tenha feito do direito, propriamente, um objeto de sua pesquisa, utilizando-o mais como um modelo para demonstrar fenômenos que superavam as práticas jurídicas e davam os contornos da sociedade como um todo, a potência de seu pensamento ressoa em diversos temas importantes para o direito. Desta forma, neste trabalho, pretendemos utilizar dois temas amplamente analisados pelo pensamento de Foucault, Ve r d a d e e P o d e r, p a r a t e c e r o b s e r v a ç õ e s a c e r c a d o s a b e r j u r í d i c o contemporâneo e, consequentemente, também sobre as práticas que a este estão vinculadas. Em nossa análise, aplicaremos a problemática foucaultiana acerca da verdade e do poder às modernas noções da dogmática jurídica, tal como estas são abordadas por Tércio S a m p a i o F e r r á z J r. e L u i s A l b e r t o W a r a t , d e m o d o a s e t r a ç a r u m a imagem da dogmática jurídica na pós-modernidade. 2 . A Ve r d a d e ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 186 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Segundo a tradição clássica da filosofia ocidental, o problema da verdade é uma questão que afeta o homem desde a sua origem. Buscar a verdade, querer saber como as coisas são, querer conhecer, é um dos instintos do intelecto humano. Conhecer a verdade torna-se o mesmo que desvendar a realidade essencial das coisas. Esta relação entre verdade e realidade se encontra expressa na famosa máxima aristotélica (ARISTÓTELES, 1973, p.107): “Dizer daquilo que é que não é, ou daquilo que não é que é, é falso, enquanto dizer daquilo que é que é, ou daquilo que não é que não é, é verdadeiro.” Claro que esta aproximação entre verdade e realidade faz-se relativa na história do pensamento tradicional. Desde uma correspondência entre verdade e realidade, tal como a concepção do próprio Aristóteles, até um ponto de convergência entre vários discursos no identificação caminho foge ao para uma intelecto verdade humano, tal derradeira como vemos cuja no pensamento de Charles S. Peirce. Em uma série de conferências proferidas na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro no ano de 1973, as quais d e r a m o r i g e m a o l i v r o A Ve r d a d e e a s F o r m a s J u r í d i c a s , M i c h e l Foucault dedicou grande parte de sua fala, na primeira destas conferências, para tratar a questão da verdade e do conhecimento tal como ela aparece no pensamento de Nietzsche. ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 187 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Segundo Foucault, Em Nietzsche, parece-me, encontramos efetivamente um tipo de discurso em que se faz a análise histórica da própria formação do sujeito, a análise histórica do n a s c i m e n t o d e u m c e r t o t i p o d e s a b e r, s e m n u n c a a d m i t i r a preexistência de um sujeito de conhecimento. ( F O U C A U LT, 2 0 1 3 B , p . 2 2 ) . Na interpretação que Foucault (Idem, p.24) nos fornece do pensamento de Nietzsche, o conhecimento, antes de ser uma ferramenta para revelar e sistematizar a realidade, é uma invenção dos homens, não restando “em absoluto inscrito na natureza humana” (Idem, p.25). A relação entre o conhecimento e os instintos não é de identificação, como se o conhecimento fosse mais um instinto entre os outros, mas é uma relação de produto. Isto é, o conhecimento é o produto resultante “do jogo, do afrontamento, da junção, da luta e do compromisso entre os instintos” (Idem). Reafirmando Nietzsche, Foucault dirá que o conhecimento é “como 'uma centelha entre duas espadas', mas que não é do mesmo ferro que as duas espadas” (Idem, p.26). Esta relação entre instintos e conhecimento torna impossível realizar a dedução analítica do conhecimento a partir de uma espécie de derivação natural. O conhecimento, para Nietzsche e, consequentemente, para Foucault, é a um só tempo contra instintivo e contranatural (Idem). ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 188 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Diante desta perspectiva, somos inevitavelmente levados a uma pergunta: Se o conhecimento não possui uma relação de continuidade para com o mundo ou mesmo para com a natureza humana, tal como propunha, por exemplo, Descartes ou mesmo Kant (Idem, p.27), quais mecanismos epistemológicos dão ao conhecimento a forma que ele tem para nós e, derradeiramente, o que faz com que o conhecimento, notadamente o conhecimento científico, se constitua como verdade? Ora, Foucault assinala que nem sempre as coisas se deram dessa forma. Isto é, houve um tempo em que a verdade se encontrava desvinculada do conhecimento ta l como o compreendemos hoje, Porque, nos poetas gregos do século VI, o discurso verdadeiro – no sentido forte e valorizado do termo – o d i s c u r s o v e r d a d e i r o p e l o q u a l s e t i n h a r e s p e i t o e t e r r o r, aquele ao qual era preciso submeter-se, porque ele reinava, era o discurso pronunciado por quem de direito e conforme o ritual requerido; era o discurso que pronunciava a justiça e atribuía a cada qual sua parte; era o discurso que, profetizando o futuro, não somente a n u n c i a v a o q u e i a s e p a s s a r, m a s c o n t r i b u í a p a r a a s u a realização, provocava a adesão dos os homens e se t r a m a v a a s s i m c o m o d e s t i n o . ( F O U C A U LT, 2 0 1 3 A , p . 1 4 ) Neste caso, a verdade dá-se como um acontecimento, ela surge de um ato de criação, uma força positiva que irrompe no mundo e o transforma. No entanto ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 189 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua relação a referência.(Idem, p.15) A verdade se estabelece então como a demonstração da realidade, deixa de ser um acontecimento, afasta-se do exercício do poder político, e passa a repousar na contemplação e na memória. Segundo Foucault, a partir deste momento, O ocidente vai ser dominado pelo grande mito de que a verdade nunca pertence ao poder político, de que o poder político é cego, de que o verdadeiro saber é o que se possui quando se está em contato com os deuses ou nos recordamos das coisas, quando olhamos o grande sol eterno ou abrimos os olhos para o que se passou. Com Platão, se inicia um grande mito ocidental: o de que há a n t i n o m i a e n t r e s a b e r e p o d e r . S e h á o s a b e r, é p r e c i s o q u e e l e r e n u n c i e a o p o d e r. O n d e s e e n c o n t r a s a b e r e ciência em sua verdade pura, não pode mais haver pode p o l í t i c o . ( F O U C A U LT, 2 0 1 3 B , p . 5 6 ) Foucault fala em mito, pois, como abordará em A Ordem do Discurso, as regras que operam a divisão entre verdadeiro e f a l s o , a q u i l o q u e o f i l ó s o f o c h a m a r á d e Vo n t a d e d e Ve r d a d e , atuam como um sistema de exclusão discursiva, capaz de conjurar os poderes e os perigos do discurso, como podemos ver na seguinte passagem: ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 190 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Certamente, proposição, no se nos interior situamos de um no nível discurso, a de uma separação entre o verdadeiro e o falso não é nem arbitrária, nem modificável, nem violenta. Mas se nos situarmos em outra escala, se levantamos a questão de saber qual foi, qual é constantemente, através de nossos discursos, essa vontade de verdade que atravessou tantos séculos de nossa história, ou qual é, em sua forma muito geral, o t i p o d e s e p a r a ç ã o q u e r e g e n o s s a v o n t a d e d e s a b e r, então é talvez algo como um sistema de exclusão (sistema histórico, institucionalmente constrangedor) que v e m o s d e s e n h a r - s e . ( F O U C A U LT, 2 0 1 3 A , p . 1 3 - 1 4 ) Ora, quando a verdade passa a ser concebida como demonstração do real, a vontade de verdade resta ocultada pela p róp ria ve rdade, ta l como o filó sofo e xpõe na se gu inte citação : O discurso verdadeiro, que a necessidade de sua forma l i b e r t a d o d e s e j o e l i b e r a d o p o d e r, n ã o p o d e r e c o n h e c e r a vontade de verdade que o atravessa; e a vontade de verdade, essa que se impõe a nós há bastante tempo, é tal que a verdade que ela quer não pode deixar de mascará-la.(Idem, p.19) A o s e s e p a r a r a v e r d a d e d o p o d e r, o c u l t a - s e a v o n t a d e de verdade, afinal, como reconhecer jogos de poder em uma verdade que ao referir-se apenas a si mesma, cuja capacidade de ser proferida está ao alcance de todos aqueles que se dispõem a pesquisá-la, e não apenas de alguns poucos que exercem o poder político, torna-se imune a qualquer poder? ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 191 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Em certa medida, podemos dizer que reconhecer a vontade de verdade é invalidar a verdade a partir de suas próprias regras. É torná-la novamente um acontecimento, pois somos levados ao seguinte questionamento: se o discurso verdadeiro não é mais, com efeito, desde os gregos, aquele que responde ao desejo ou aquele que e x e r c e o p o d e r, n a v o n t a d e d e v e r d a d e , n a v o n t a d e d e dizer esse discurso verdadeiro, o que está em jogo, senão o desejo e o poder?(Idem) Antes de aplicarmos a problemática da verdade foucaultiana ao saber jurírido, acreditamos necessário abordar um outro tema que interessa diretamente ao direito e que, para F o u c a u l t , e n c o n t r a - s e e s t r e i t a m e n t e v i n c u l a d o à v e r d a d e , o p o d e r. 3 . O P o d e r. N o p e n s a m e n t o d e F o u c a u l t , Ve r d a d e e P o d e r c o m p õ e m um binômio quase indissociável, afinal, como expomos na seção a n t e r i o r, e n q u a n t o a v e r d a d e é r e c o r t a d a p e l o p o d e r, a o m e s m o t e m p o , e l a e x e r c e p o d e r. Para esclarecer esta problemática, recorre-se ao que se chama, usualmente, de relação Saber-Poder em Foucault. O f i l ó s o f o ( 2 0 1 2 , p . 2 8 9 ) p r o b l e m a t i z a q u e , p o r u m l a d o , o s a b e r, como uma forma de se organizar a verdade, serve como j u s t i f i c a t i v a p a r a o e x e r c í c i o d o p o d e r, e n q u a n t o , p o r o u t r o l a d o , o ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 192 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis exercício do poder cria as condições necessárias para que o saber se forme. A partir destas considerações preliminares, podemos c o m e ç a r a t r a ç a r a l g u m a s c a r a c t e r í s t i c a s d o p o d e r, t a l c o m o o b s e r v a d a s p o r F o u c a u l t . E m p r i m e i r o l u g a r, e t a l v e z e s t a s e j a uma de suas principais características, o poder não possui um caráter unicamente repressivo, na verdade, sua função principal é produtiva, de saberes, de comportamentos, de sujeitos (Idem, p.276). Da mesma forma, o poder não pode ser pensado a partir de relações econômicas e patrimoniais, o poder não é algo que se possui, que se adquire, que se aliena, o poder só existe enquanto é exercido (Idem, 272-274). Foucault concebe o poder como algo que se exerce não a partir de instituições centralizadas, mas sim de capilaridades, d a s r e l a ç õ e s c o t i d i a n a s e n t r e o s i n d i v í d u o s . O p o d e r, p o r t a n t o , não pode ser esquematizado a partir do modelo da pirâmide, mas sim como uma rede que atravessa os indivíduos(Idem, p.282). N e s t a r e l a ç ã o , o s i n d i v í d u o s n ã o s ã o o o u t r o d o p o d e r, n ã o s ã o o objeto sob o qual se impõe a sua dominação, mas são eles m e s m o s i n s t r u m e n t o s d o e x e r c í c i o d o p o d e r, d e s u a a m p l i f i c a ç ã o ou despotencialização (Idem, p.284). Num primeiro momento, parece que Foucault rejeita completamente as concepções da tradição política clássica, no ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 193 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis e n t a n t o , o q u e e l e a r g u m e n t a é q u e e s t a n o ç ã o d e p o d e r, p a u t a d a n a s o b e r a n i a d o E s t a d o c o m o f o n t e d a q u a l e m a n a o p o d e r, f a z - s e incompleta para compreender toda a complexidade das relações de poder em nossas sociedades. O filósofo fará uma inversão do Leviatã de Hobbes que, faz-se a coagulação de individualidades separadas, unidas por um conjunto de elementos constitutivos do Estado: mas no c o r a ç ã o d o E s t a d o , o u m e l h o r, e m s u a c a b e ç a , e x i s t e algo que o constitui como tal e este algo é a soberania, que Hobbes diz ser precisamente a alma do Leviatã. (Idem) Para Foucault (Idem, p.291), o poder não emana da alma do Leviatã, mas dos corpos, periféricos e múltiplos, que o compõem. Sendo assim, invés de pensar o poder a partir da lógica da soberania, ele buscará analisá-lo a partir das relações destes c o r p o s e x t e r n o s , r e l a ç õ e s e s t a s q u e , c o m p r e e n d e o a u t o r, s e d ã o no âmbito da disciplina. (Idem) Estamos então diante de dois conceitos amplamente discutidos por conforme temos tradição da Foucault, exposto, ciência Soberania o política, primeiro tanto e Disciplina, traduz de o matriz sendo modo liberal que, como a quanto m a r x i s t a , a b o r d a o f u n c i o n a m e n t o d o p o d e r. Soberania e Disciplina são formas pelas quais o poder se organiza, e o autor destaca o período transcorrido entre os ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 194 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis séculos XVII e XVIII, como ponto para invenção da mecânica de p o d e r q u e r e s t a i d e n t i f i c a d a c o m o P o d e r d i s c i p l i n a r. M e c â n i c a , esta, completamente incompatível com a relação súdito-soberano, que é a única relação de poder observada pela soberania. (Idem, p.290) Ainda assim, a soberania persiste como teoria que sustenta a organização da ciência política e, sobretudo do direito e seus códigos, segundo Foucault, isto ocorre por dois motivos. E m p r i m e i r o l u g a r, p o i s f o i j u s t a m e n t e a s o b e r a n i a , e m p r e g a d a com um instrumento de crítica permanente contra os mandos e desmandos do soberano, que afastou todos os obstáculos à formação da sociedade disciplinar (Idem, p.292). Em segundo l u g a r, a teoria da soberania, aliada a formação de códigos jurídicos nela fundados, oculta os procedimentos de dominação do poder d i s c i p l i n a r, democratização na da medida soberania, em a que qual só o direito pode se opera fixar a mais profundamente através da coerção disciplinar (Idem). A soberania resta então como uma máscara para o p o d e r d i s c i p l i n a r, n a m e d i d a e m q u e e l a c o n s t i t u i a p r ó p r i a f o r m a a q u a l c o m u m e n t e a t r i b u í m o s a o p o d e r. E s t e p r o c e d i m e n t o d e ocultação nos remete à relação s i m i l a r, anteriormente estabelecida, entre a verdade e a vontade de verdade. 4. O Saber sobre o Direito. O saber jurídico possui uma característica que o ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 195 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis diferencia de alguns saberes científicos, sobretudo aquelas de caráter empírico, tais como, por exemplo a física ou a química. Ora, enquanto estes saberes empíricos, ao observarem os fenômenos da natureza, reorganizando-os linguisticamente, possuem uma função informativa. Isto é, em termos gerais, dizem como seus objetos são. O saber jurídico, não apenas informa como são seus objetos, mas também os conformam, ou seja, diz c o m o e s t e s o b j e t o s d e v e m s e r. P o d e m o s o b s e r v a r e s t a c o n c l u s ã o n a o b r a , j á c i t a d a , d o p r o f e s s o r T é r c i o S a m p a i o F e r r a z j r, q u a n d o aborda a diferença entre a transformação das definições na Física e no Direito. No caso do físico, a definição é superada porque se tornou falsa. No caso do jurista, porque deixou de ser atuante. Ou seja, as definições da física, em geral, são lexicais, as do jurista são redefinições. Nesse sentido, se diz também que a ciência jurídica não apenas informa, mas também conforma o fenômeno que estuda, faz parte dele. A posse é não apenas o que é socialmente, mas também como é interpretada pela doutrina jurídica. (FERRAZ JÚNIOR, 2013, p.17) D e s t a f o r m a , o p r o f e s s o r T é r c i o S a m p a i o F e r r á z J r. divide o saber jurídico em dois enfoques teóricos, o zetético e o dogmático, os quais trabalham justamente privilegiando cada uma estas funções, informativa e diretiva, respectivamente. Segundo ele, ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 196 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis no enfoque zetético predomina a função informativa da linguagem. Já no enfoque dogmático, a função informativa combina-se com a diretiva e esta cresce ali em importâncias. (Idem, p.19) Assim, a chamada zetética jurídica se caracteriza pela possibilidade de questionamento de todos os objetos do conhecimento. Mesmo que se adote premissas como pontos de partidas, estas podem vir a ser descartadas caso tornem-se inadequadas aos critérios de determinada analítica. Via de regra, as âmbito filosofia, de ciências ciência como política, investigações zetéticas partem do a e sociologia, etc., que, psicologia, enquanto história, não sejam propriamente ciências jurídicas, possuem campos dedicados ao estudo do fenômeno jurídico. Por outro lado, a dogmática jurídica, como ressoa no próprio nome, caracteriza-se pela adoção de dogmas inquestionáveis, sem os quais a ação torna-se impossível. No caso, estes dogmas tomam substância no ordenamento jurídico. Tércio Sampaio diz que as dogmáticas são regidas pelo que ele denomina princípio da não negação dos pontos de partida de séries argumentativas, e dirá que podermos encontrar um exemplo de premissa do mesmo gênero no princípio da legalidade, inscrito na Constituição, e que obriga o jurista a pensar os problemas comportamentais ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 197 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis com base na lei, conforme à lei, para além da lei, mas nunca contra a lei. Entretanto, adverte que o o (Idem, p.25) referido conhecimento jusfilósofo dogmático (Idem, não p.26) trabalha nos com as certezas que circundam os dogmas, mas sim com suas incertezas. Isto é, a dogmática não pode negar os dogmas, mas isso não quer dizer que deva apenas repeti-los e afirmá-los, mas sim, confrontálos com questionamentos, a fim de que sejam desenhados os seus contornos. Assim, não basta, para uma análise dogmática, que se constante a existência e vigência de determinada lei, por exemplo, mas sim buscar os significados que podem ser extraídos de sua interpretação, sobretudo dentro do contexto do ordenamento jurídico. O professor Tércio (Idem, p.65) ressalta, ainda, que o que as questões correlação zetéticas funcional, representado pela e através zetética, dogmáticas de e uma dever encontram-se transição ser, em entre ser, representado pela dogmática. Sendo assim, a distinção entre ambas cumpre uma função muito mais didático teórica do que, propriamente, prática. Ainda assim, o autor atenta (Idem, p.25), tem-se notado, ao menos nos últimos 100 anos, a preponderância do enfoque dogmático na formação acadêmica dos juristas, os quais têm sido direcionados para uma especialização cada vez mais centrada e fechada, de modo que se encontrem capacitados a ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 198 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis solucionar toda a sorte de problemas que venham a surgir no interior das dogmáticas. 5. O Direito e a Justiça. É, precisamente, a adoção dos dogmas que possibilita ao direito solucionar os conflitos jurídicos sem, no entanto, abalar as estruturas sociais. Os dogmas operam como uma verdade p r é v i a q u e o j u r i s t a n ã o d e v e i g n o r a r. D e s t a f o r m a , i m p e d e m , q u e a prática jurídica potencialmente se infinitas, perca limitando em o questões escopo e a metafísicas abrangência potencial das questões dogmáticas. Os dogmas, entretanto, ao mesmo tempo que servem de diretrizes para o saber jurídico, são também objetos deste e, conforme já expomos anteriormente, os enunciados da ciência jurídica não possuem apenas função informativa, mas também diretiva. Já nos referimos à mudança na forma da vontade de verdade, tal como problematizada por Foucault. Ora, uma a l t e r a ç ã o s i m i l a r, a c o n t e c e t a m b é m n o s t a t u s d o s d o g m a s c o m o v e r d a d e p a r a o d i r e i t o . N o j á c i t a d o , A Ve r d a d e e a s F o r m a s Jurídicas, o filósofo aborda a maneira pela qual, entre os homens, se arbitram os danos e as responsabilidades, o modo pelo qual, na história do Ocidente, se concebeu e se definiu a maneira como os homens podiam ser julgados em função dos ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 199 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis erros que haviam cometido, a maneira como se impôs a determinados indivíduos a reparação de algumas de suas ações e a punição de outras, todas essas regras ou, se quiserem, todas essas práticas regulares, é claro, mas também modificadas sem cessar através da história – me parecem uma das formas pelas quais nossa sociedade definiu tipos de subjetividade, formas de saber e, por conseguinte, relações entre o homem e a verdade que m e r e c e m s e r e s t u d a d a s . ( F O U C A U LT, 2 0 1 3 B , p . 2 1 ) Ou seja, de maneira resumida, Foucault preocupa-se em analisar a transformação nas regras para formação da verdade nos procedimentos judiciais, observando como, de maneira geral, elas eram expressões do modo como se organizava a vontade de verdade em cada momento histórico, partindo do “juramento entre guerreiros” do período Homérico (Idem, p.39), passando pelo embrião do será o inquérito presente em Édipo-Rei (Idem, p.46), pelas diferentes formas da prova(épreuve) medieval (Idem, p.62), bem como a retomada do uso do inquérito, primeiramente pela igreja medieval, centralizadas, bem e depois como todo pelas o primeiras aparelho monarquias judicial que o acompanhou (Idem, p.68-75), chegando aos contornos gerais da sociedade disciplinar a partir da “reforma, a reorganização do sistema judiciário e penal nos diferentes países da Europa e do mundo” (Idem, p.81). O que se observa, ao longo deste processo, é que sempre houve uma preocupação de que a sentença judicial manifestasse a verdade, entretanto, quando a verdade era tida como um acontecimento, não era necessário demonstrar esta ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 200 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis relação, ela era pressuposta. Quando se torna necessário demonstrar a relação entre a verdade e a realidade, a relação e n t r e o a t o d e p o d e r, q u e é a s e n t e n ç a , e a v e r d a d e d e v e , necessariamente, ser demonstrada. Acreditamos que um processo semelhante ocorre com a relação entre os dogmas e a justiça. As análises históricas do fenômeno jurídico ocidental, frequentemente, referem-se transição do direito, como um fenômeno ético de ordem sagrada, para um fenômeno técnico e racional. Ora, os dogmas capacitam-se como verdade para o direito ao vincularem-se aos valores que, em cada época, transmitem aquilo que é percebido como fonte da justiça. Conforme esclarece o professor Tércio Sampaio Ferraz J r. em Roma (FERRAZ JÚNIOR, 2013, p.32), os dogmas atrelavam-se a fundação contínua da cidade, vista como um ato sagrado, através da auctoritas, para o Direito Medieval, os dogmas manifestavam, em última instância, a vontade divina. O direito, Adquiriu, assim, não porém, perdeu uma seu dimensão caráter de sagrado. sacralidade transcendente, pois de origem externa à vida humana na Te r r a , diferente (caráter sagrado da – dos romanos, mítico – da que era imanente fundação). (FERRAZ JÚNIOR, p.38) Para a Era Moderna, os dogmas vinculavam-se ao ideal ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 201 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis de racionalidade humana definitiva da qual o direito natural seria a expressão no campo da conduta humana, assim, a ciência do direito se transforma Numa teoria que devia legitimar-se perante a razão por meio da exatidão proposições, o metodológica lógica direito especial. da concatenação conquista A redução uma das de suas dignidade proposições a relações lógicas é pressuposto óbvio da formulação de leis naturais, universalmente válidas, a que se agrega o postulado antropológico que vê no homem não um cidadão da cidade de Deus, ou, como no século XIX, do mundo histórico, mas um ser natural, um elemento de um mundo concebido segundo leis naturais. (Idem, p.43) A era moderna marca o início do processo de positivação do direito. Isto é, o direito passa a ser identificado como as normas escritas postas pelo Estado, organizadas em um sistema que é, por princípio e necessidade, completo, coerente e hierarquizado. Assim o direito sagrado. irá E progressivamente a dessacralização correspondente equivalente perder tecnização perda de seu do do seu caráter direito significará a saber caráter jurídico ético, que e a a Era Medieval cultuara e conservara. (Idem, p.41) A partir do século XIX, o direito se consolida como a norma escrita, posta pela vontade do Estado, o que “ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e a precisão de seu entendimento, aguça também a consciência dos limites”(Idem, ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 202 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis p.48). O direito, enquanto norma posta, precisa transformar-se constantemente para se adequar a sociedade, e o saber jurídico permanece relevante pois, para a consciência da época, o direito muda historicamente (Idem, p.51). Em resumo, aquilo que a razão representou para os jusnaturalistas passou a ser substituído pelo fenômeno histórico. Surgiu, assim, dessa exigência de uma fundamentação da mutabilidade do direito, a moderna Dogmática. (Idem, p.53) Ao desvincular o direito de valores ético, a positivação favorece também a sua abstração. Desta forma, a ciência dogmática, sendo abstração de abstração, vai preocupar-se de modo cada vez mais preponderante com a função de suas próprias classificações, com a natureza jurídica de seus próprios conceitos.(Idem, p.55) Estas últimas transformações, iniciadas no século XIX, marcam, sem grandes variações, o modo como a ciência dogmática compreenderá o seu objeto, o direito posto e dado previamente, um conjunto compacto de normas, instituições e decisões q u e l h e c o m p e t e s i s t e m a t i z a r, i n t e r p r e t a r e d i r e c i o n a r, tendo em vista uma tarefa prática de solução de possíveis conflitos que ocorrem socialmente. O jurista contemporâneo preocupa-se, assim, com o direito que ele postula ser um todo coerente, relativamente preciso em suas determinações, orientado para uma ordem ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 203 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis finalista, que protege a todos indistintamente.(Idem, p.57) Ve m o s , então, que a racionalização do direito representa, também, o afastamento entre a dogmática e a justiça. Conforme expõe o professor Tércio A ciência dogmática, na atualidade, não deixa de ser um saber prático. Mas com uma diferença importante. Enquanto para os antigos o saber prático, por exemplo, a romana, jurisprudência verdade, visto verdadeiro no que era campo do não um estava saber útil, do apartada que justo, da produzia o do a belo, tecnologia moderna deixa de nascer de uma verdade contemplada H e i d e g g e r, pela de ciência, uma surgindo “exigência” antes, posta pelo como homem diz à natureza para esta entregar-lhe sua energia acumulada. Assim, a tecnologia dogmática, ao contrário da jurisprudência romana, torna-se uma provocação, uma interpelação da vida social, para extrair dela o máximo q u e e l a p o s s a d a r. A t e c n o l o g i a j u r í d i c a a t u a l f o r ç a a vida social, ocultando-a, ao manipulá-la. Diante da natureza das coisas. (Idem, p.60-61) Assim, da mesma maneira que o século V a.C. marcou a separação entre a verdade e o exercício do poder político na problemática foucaultiana, o processo de racionalização, iniciado na modernidade, marca a separação entre o direito e a justiça. A ordem jurídica não representa mais, necessariamente, ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 204 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis a justiça e, por isso, deve constantemente provar-se justa para manter sua legitimidade. A erosão de tradições culturais em nome da prioridade da eficiência técnica gera, assim, uma necessidade crônica de legitimação do direito e do saber jurídico em termos de ordem justa. (Idem, p.331) Neste contexto, os dogmas se caracterizam menos como verdade, e mais como elementos do que Luis Alberto Warat chama senso comum teórico dos juristas. Uma vez que Trata-s e de um pano de f undo que c ondic iona todas as atividades cotidianas. Sem ele não pode existir prática jurídica, isto é, não se tem como produzir decisões ou s i g n i f i c a d o s s o c i a l m e n t e l e g i t i m á v e i s . ( W A R AT, p . 1 9 7 9 , p.19) C o n f o r m e p o d e m o s o b s e r v a r, a c r i s e d e l e g i t i m i d a d e d o direito não funcionalidade implica, técnica. necessariamente, Conforme coloca uma crise o professor de sua Tércio S a m p a i o F e r r a z J r. ( 2 0 1 3 , p . 3 4 0 ) , “ é p o s s í v e l à s v e z e s , a o h o m e m e à sociedade, cujo sentido de justiça se perdeu, ainda assim sobreviver com seu direito”. O que esta situação parece nos mostrar é, o direito não p o d e s e r c o m p r e e n d i d o , a p e n a s , c o m o e x p r e s s ã o o u a t o d o p o d e r, uma vez que não é por seu império que ele resta legitimado. Ele é, antes, atravessado pelo poder disciplinar ou, para conjurar uma imagem mais didática, é mais um campo em que se dão as d i s p u t a s d o p o d e r. ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 205 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis Um saber sobre o direito, enquanto se propõe também como uma verdade sobre o mesmo, não poderá nunca ser l i b e r t a d o d o p o d e r, v i s t o q u e , c o m o F o u c a u l t ( 2 0 1 2 , p . 5 4 ) d e i x a claro, a “própria verdade é poder”. Entretanto, um saber sobre o direito, que pretenda legitimá-lo, na mesma medida em que o informa e conforma, deve ter o poder de sua verdade desvinculado das formas hegemônicas que permeiam nossa sociedade ou, inevitavelmente, permanecerá puro arbítrio. Referências Bibliográficas: ARISTÓTELES. M e ta f í s i c a . Tr a d u ç ã o : Leonel Va l l a n d r o . Porto Alegre: Globo, 1969. C A S T R O , E d g a r d o . 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IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 206 A Problemática da Verdade e a Legitimidade Subjetiva do Direito: uma breve análise da dogmática jurídica na pós-modernidade Rodrigo Ferlin Saccomani dos Reis W A R AT, L u í s A l b e r t o . M i t o s e Te o r i a s n a I n t e r p r e ta ç ã o d a L e i . Edição Única. Porto Alegre: Síntese, 1979. ATHENAS vol. 1, ano. IV, jan-out. 2015 / ISSN 2316-1833 / www.fdcl.com.br/revista 207