A Imagem do Arcabouço Curativo:
o universo da verdade que o artista tem acesso primeiro que o
cientista1
Regina Ricci
Nise da Silveira, em seu texto “O mundo das Imagens”2, nos aguça a percepção de
que somos constituídos de dois planos imagéticos: aquele externo mediado pelo olhar e o plano
interno que traz e transforma o invisível no visível. No entanto, estes dois planos resultam em
uma unidade, um sentido particular constatado pela experiência do viver. E esta distinção que
ocorre no universo imagético se apresenta justamente para percebermos a importância da
visualização da imagem interna quando o terreno tratado é a experiência psíquica.
Da profundidade da psique outras imagens se apresentam de um plano arcaico, de
um plano mitológico acionadas em um evento presente. Na citação da Dra. Nise da Silveira, “...
entre os terminais nervosos dos órgãos dos sentidos e a imagem que aparece na consciência está
interpolado um processo inconsciente que transforma o fato físico da luz, por exemplo, na
imagem psíquica luz”. (Silveira, 1992 apud Jung)3
Nada de material é dado à consciência. São imagens que nos são remetidas por um
complexo aparelho nervoso.
Ainda, conforme discorre a autora, o século XIX foi denominado século do livro,
devido, certamente, à predominância da palavra. Em tal século, o predomínio da imagem é
completamente percebido pelos nossos sentidos em todos os planos da comunicação e, no
entanto, quando se trata do plano científico, este fato não recebe o crédito correspondente ao
volume e intenção das mensagens dirigidas. Para os cientistas, há uma deturpação da realidade
dado a instabilidade presente nestas mensagens.
Os cientistas, em suas proposições baseadas no plano cartesiano, não trabalham e
não cogitam a atividade a partir de uma situação em que a imaginação se faça presente, mesmo
reconhecendo que uma filtragem perfeita na ordem racional é impossível.
Silveira apresenta as conclusões de cientistas como Wolfang Pauli, que investigou a
origem interior das teorias científicas em paralelo com as pesquisas da realidade externa e
Kepler, que propunha a tese de que a imagem simbólica vem antes da construção de uma lei
natural e consciente, sendo então as imagens simbólicas e as concepções arquetípicas que levam
à busca das leis naturais.
Kepler partiu da idéia da imagem do Deus Criador, imagem central e solar por
excelência pra chegar à sua teoria da estrutura heliocêntrica do mundo.
1
Resenha elaborada no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da
Arte do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo– disciplina “Estética e Rupturas”
Docente responsável:Profª Dra. Elza Maria Ajzenberg Docente Colaborador:Profª. Dra.Eliane Dias de Castro –
1º semestre de 2009
2
Silveira, Nise, O Mundo das Imagens, cap. 5, in Silveira, Nise. O Mundo das Imagens, SP, Ática, 1992
3
Jung,C.G. Complete Works, 8., p.383
1
Mais instigante ainda a informação à respeito da “tipologia dos escritores”, criada
pelo filósofo Barchelard, mestre na Sorbonne, que, em dado momento, vive um incidente com
um aluno que o critica porque propõe um universo pasteurizado em sua prática docente, e
conclui a importância desta diferença em relação a um universo esterilizado que provavelmente
não promoveria a felicidade de ninguém. Buscou então no universo dos escritores as imagens
arquetípicas provenientes do fogo, da água, do ar e da terra ou, como cremos, a metafísica dos
escritores através das imagens ou base verdadeira contida no universo onírico dos poetas.
Segundo a autora, o filósofo ocasionou uma revolução na crítica literária a partir de
seu profundo estudo neste plano e “ [... frisa que se deve acrescentar sistematicamente ao estudo
de uma imagem particular a pesquisa de sua mobilidade, de sua fecundidade, de sua
vida.](Silveira, 1992 apud Bachelard)4.
E, ainda, citando Gerald Holton, da Universidade de Harvard, que investigou a
imaginação do cientista no instante de sua iniciação à uma idéia científica. Estaria presente a
“alma artista do cientista” neste momento?
Nessa linha, a nosso ver, nada mais verdadeiro que as configurações dadas pela
autora sobre o universo de Artaud (prisioneiro das palavras) e Fernando Diniz (e seu traslado
para o compartimento das imagens). É justamente isto. O plano empírico que experimentamos
reflete-se exatamente nas palavras da Dra. Nise:
O indivíduo cujo campo do consciente foi invadido por conteúdos emergentes das camadas
mais profundas da psique estará perplexo, aterrorizado ou fascinado por coisas diferentes
de tudo quanto pertencia a seu mundo cotidiano. A palavra fracassa. Mas a necessidade
imperiosa inerente à psique, leva o indivíduo a configurar suas visões, o drama de que se
tornou personagem, seja em formas toscas ou belas, não importa. (Silveira, 1992, p. 83)
Este conteúdo fornece a idéia de que hoje o plano da psicologia e/ou das pesquisas
científicas guardam cuidado e respeito quanto ao plano da intuição e da imaginação;
reconhecem a importância e a validade das proposições contidas no plano subjetivo.
4
Bachelard, G. L’air et lês Songes. L. José Corti, Paris 1943
2
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