"Eles" (os funcionários públicos) são uma parte de "nós" sinal, e, infelizmente, como imoralidade social, rompendo um contrato social que é suposto ser o tecido da nossa sociedade em democracia, em que existem diferenças e diferenciações aceitáveis e outras inaceitáveis. É porque o Governo quer esconder as inaceitáveis que assume agora uma espécie de igualitarismo para os imbecis, proclamando-se de uma rasoira igualitária que serve para violar contratos e garantias, direitos e condições, em nome de um "dinheiro" que não há nestes casos e que parece haver sempre nos outros. Alguém disse esta semana, e bem, que nunca ouviu o Governo responder que "não havia José Pacheco Pereira dinheiro" para as PPP, nem para os contratos Público de 08/06/2013 swap, nem para a banca, só para os Se há um princípio cívico de moralidade, o que trabalhadores e para os reformados. está a acontecer aos funcionários públicos É por isso que o que o Governo está a fazer aos deveria fazer soar todos os sinais de alarme funcionários públicos tem um significado social O que se passa na actual ofensiva do Governo muito mais vasto do que as peculiaridades do contra a função pública está muito para além seu estatuto social e profissional. E o invólucro da condição de se ser "funcionário público". O de uma pseudo-"reforma do Estado" é apenas a discurso do Governo - mais uma vez um expressão orwelliana para mais um corte cego discurso de divisão entre os portugueses, a que nos serviços públicos, sem nexo, sem chamei e chamo "guerra civil" - pretende consistência, nem sustentação, sem sequer legitimar as suas acções como tendo a ver com corresponder a qualquer poupança estrutural, aquilo que apresenta como "privilégios" dessa porque os custos das coisas mal feitas são condição profissional. Os corolários são sempre muito maiores do que a poupança orçamental os mesmos; está-se a atacar privilegiados, cujos obtida a curto prazo. privilégios são pagos pelos dinheiros dos contribuintes, em nome da "equidade". Se temos impostos altos é porque esta gente "do Estado" tem o emprego garantido, ganha mais do que os trabalhadores do sector privado, tem maiores reformas. Tudo em parte verdade, tudo em absoluto mentira. Este discurso colhe, porque as sementes da cizânia pegam sempre em momentos de empobrecimento, em que a mais fácil das cegueiras é olhar para o lado e ver que o vizinho tem mais uns tostões do que eu e ficar fixado nessa socialização da inveja entre os de baixo, muito próximos em condição e dificuldades, em vez de olhar para outro lado, para o lado de onde vem a minha miséria e a do meu vizinho. Para o lado de cima. Um dos aspectos mais inaceitáveis deste processo é o grau de dolo e fraude em que ele é feito. Repito-me, mas este é um dos aspectos mais repulsivos da actual governação. Todos os governantes juraram várias vezes, há dois anos, e há dois meses, que nunca haveria despedimentos na função pública, nunca haveria "mobilidade especial" para os professores, e que apenas quem quiser sair teria abertas as portas a "rescisões amigáveis". O que ofende mais a consciência comum é que as mesmas pessoas que usaram o "nunca", várias vezes e em contextos que não permitiam a ambiguidade, estão hoje na vanguarda de piruetas verbais mais obscenas para se desdizerem, parecendo aliás muito pouco preocupados com o valor da sua palavra. O que se passa com a função pública é Quando se justificaram, no passado próximo, relevante para todos nós, como método, como muitas medidas de cortes salariais na função CP Página 1 de 3 ELES (OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS) SÃO UMA PARTE DE NÓS pública com o argumento de que podiam ser que o que já estão a perder. E como o discurso mais gravosas para os funcionários públicos, da divisão deixa cada um sozinho na sua fábrica, visto que eles tinham "a garantia do emprego", na sua escola, na sua repartição, o medo ainda o que se estava a fazer era mentir a todos, é eficaz. Mas o medo é destrutivo da sociedade como método de actuação. O mesmo dolo foi a e da democracia, e dá saída apenas para o "mobilidade especial" e agora a "requalificação" desespero, o momento em que as pessoas que não são mais do que classificações percebem que já não há mais a perder. E nessa enganosas em burocratês para os altura o seu desespero não se verá em despedimentos. O despedimento de manifestações da CGTP ou dos "indignados". funcionários públicos estava inscrito no código genético desta governação desde o primeiro Uma das razões por que prefiro mesmo o dia. Escrevi-o na altura com absoluta certeza de desconhecido e o arriscado à situação presente, que iria ser assim. E foi. como sejam eleições antecipadas sem grandes expectativas, é que prefiro um tumulto que Tudo isto nos diz respeito, funcionários ou abra o espaço político a uma situação nova, à trabalhadores do sector privado, porque continuidade de uma governação que é uma ninguém tenha dúvidas de que se o Governo forma muito pior de tumulto, é a destruição de pudesse fazer a todos os trabalhadores um país em que a condição de se ser português portugueses o mesmo que está a fazer aos não significa nada, porque já não existem laços funcionários públicos, fá-lo-ia sem hesitar. Se, comunitários em que nos reconheçamos. por despacho ou lei ordinária, em muitos casos sem sequer ir à Assembleia da República, fosse Soares apelou às esquerdas, mas com idêntico possível aumentar o horário de trabalho, impulso crítico podia-se apelar às direitas, no permitir despedimentos discricionários por mesmo sentido de acção contra este Governo. decisão unilateral do patrão ou do capataz, Quem tiver um mínimo senso patriótico e individuais e colectivos, sem qualquer nacional, mesmo aceitando-se o lugar-comum enquadramento legal que proteja a parte mais de que é à direita que esse sentimento de fraca, nem simulacros de leis laborais seriam patriotismo é mais agudo, não pode deixar de precisas. se preocupar e muito com a obra de destruição de Portugal e do tecido que uniu até hoje os E tudo isto nos diz respeito, porque é o medo o portugueses. lubrificante do discurso de guerra civil do Governo. Sim, o medo das pessoas normais, O enorme falhanço da esquerda e da direita que sabem que ninguém as defende, que não está em querer traduzir numa linguagem confiam na força dos sindicatos, que sabem que estereotipada e sectária uma realidade de o silêncio cúmplice de Seguro não destoa dos devastação que em muito ultrapassa o discurso actos de Passos Coelho, que sabem que se político tradicional. Os partidos políticos que escorregarem ainda mais no plano inclinado da assentam em termos programáticos numa ideia pobreza, cujo grande salto é o despedimento, de cidadania (como o PS) ou de "pessoa terão uma vida infernal, difícil e envergonhada. humana" (como o PSD e o CDS) estariam à E por isso hesitam, temem, retraem-se, têm a partida vocacionados para, pelo menos, ilusão de que podem passar despercebidos ao compreender o que se está a passar e travar olhar do chefe que vai escolher quem vai para a esta forma miserável de luta de uns contra os "mobilidade especial", ou para a outros que não ousa dizer o nome, mas que é "requalificação", ou seja, quem vai ser muito parecida com a "luta de classes". Mas despedido. cada um ao seu modo, nas suas lideranças, traiu os seus programas e, por isso, está a estragar A razão pela qual o povo português parece ser Portugal e a democracia. mais "paciente" resulta muito simplesmente de que muitos têm medo de perder ainda mais do CP Página 2 de 3 ELES (OS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS) SÃO UMA PARTE DE NÓS Não é irrelevante o que se está a passar, para quem seja "justo", para quem não seja indiferente ao tónus moral e cívico de uma sociedade, com todos os piores instintos a ser despertados e alimentados, para garantir um terreno favorável a um projecto de engenharia política que hoje está em decadência, mas que envenena a terra em que está a apodrecer. Se há um princípio cívico de moralidade - e é um cínico e um relutante defensor de argumentos morais em política que escreve isto - o que está a acontecer aos funcionários públicos deveria fazer soar todos os sinais de alarme. Face a esta situação, precisávamos de gente como Thomas Paine que nos ensinasse que a "moderação no Bem" não é uma coisa boa. E que se a "moderação no temperamento é sempre uma virtude, a moderação nos princípios é sempre um vício". Há momentos em que é precisa esta intransigência. ___________ Historiador. Escreve ao sábado CP Página 3 de 3