MEMÓRIAS DE TRADUÇÃO NO PARLAMENTO EUROPEU A IMPORTÂNCIA DO MULTILINGUISMO Numa breve consulta da página dedicada ao Multilinguismo no site oficial do Parlamento Europeu (www.europarl.europa.eu), deparamos com a seguinte realidade: - O Multilinguismo consiste na obrigação de o Parlamento Europeu disponibilizar em todas as línguas oficiais da União Europeia todos os documentos necessários ao bom desempenho do papel atribuído ao Parlamento Europeu. - Esta Instituição trabalha com 24 línguas oficiais; - São possíveis 552 combinações linguísticas; - Todas as línguas têm o mesmo estatuto; - Os Deputados ao Parlamento Europeu têm o direito de obter os textos de que necessitam para trabalharem na língua da sua escolha; De acordo com a realidade acima descrita, e com a importância que o Parlamento Europeu tem vindo a adquirir ao longo do tempo, sobretudo depois da entrada em vigor do Tratado de Lisboa, são muitos e variados os documentos produzidos por esta Instituição. A quantidade e a variedade da documentação dimanada do Parlamento Europeu na atualidade poderá ser melhor aferida, se pensarmos que existem 349 diferentes modelos para os textos que são traduzidos na Instituição. Os mais importantes dizem respeito ao trabalho desenvolvido pelo Parlamento enquanto legislador. Neste âmbito, para além da produção dos seus próprios documentos, esta Instituição tem de utilizar e de se basear em documentos de todas as outras Instituições Europeias, nomeadamente da Comissão Europeia e do Conselho. Partindo desta realidade, tornou-se óbvio que esta Instituição tinha de evoluir no sentido de encontrar meios técnicos que a ajudassem a lidar com: - Grandes fluxos de trabalho - Curtos prazos de tradução 1 - Grande variedade de textos, Oferecendo ao mesmo tempo um serviço de tradução de elevada qualidade. O CONTEXTO EM QUE SE DESENVOLVE O TRABALHO DA TRADUÇÃO NO PARLAMENTO EUROPEU Todos os pedidos de tradução são centralizados numa Unidade, o Planning, que atua como um elo de ligação entre os serviços requerentes e as Unidades de Tradução (em número de 24). Ao Planning compete a coordenação da tradução de todos os documentos do Parlamento Europeu, o tratamento de questões levantadas pela qualidade dos originais, o controlo da admissibilidade dos documentos enviados para tradução, a negociação de prazos, o cálculo do número de páginas a traduzir e o envio dos originais a todas as Unidades de Tradução. Quando o original é enviado pelo Planning às Unidades de Tradução, é-lhe atribuída uma referência, a qual individualiza o trabalho e acompanha o seu percurso desde a entrada nestas Unidades até à finalização e consequente envio aos serviços que a solicitaram. FdR («feuille de route», ou folha de acompanhamento) é a designação escolhida para este documento, que podemos considerar um documento administrativo onde se registam todas as características do documento: o prazo para a sua tradução, a quantidade de páginas a traduzir, a(s) língua(s) a partir das quais vai ser traduzido, se é um documento legislativo ou não e, no caso de ser legislativo, em que processo se insere. Nesta fase da transmissão do original às Unidades de Tradução, aparece um outro serviço de fundamental importância para o nosso trabalho: A PreTrad ou Euramis Pre-Translation Unit. Aproveito para esclarecer que estamos neste momento (maio-junho de 2014) em plena transição entre duas ferramentas de trabalho. Temos trabalhado até agora com o programa Trados TWB e dentro de pouco tempo passaremos a utilizar o programa SDL Studio 2014. 2 Esta Unidade, com base no documento que acompanha os originais e que foi atrás mencionado, vai dar início, através da utilização de programas criados para este fim, à constituição automática de memórias de tradução em todas as línguas. Os programas informáticos utilizados vão “ler” esse documento administrativo que acompanha o original, vão cruzar as referências nele contidas e vão incluí-las em memórias de tradução. Para cada original existirão três memórias diferentes: - Uma primeira memória de tradução, que apenas engloba o documento que serve de base ao trabalho (num processo legislativo, por exemplo, poderá ser um documento da Comissão Europeia ou um documento do Conselho da União Europeia). - Uma segunda memória, onde estarão todos os documentos que forem considerados pertinentes para a tradução e que foram encontrados através do cruzamento de informações contidos no documento que acompanha o original. Faz também parte desta memória um documento obtido através da comparação entre o original e toda a base de dados Euramis, ou seja, entre o original e todo o acervo de documentos produzidos por todas as Instituições que depositam o resultado do seu trabalho neste repositório. É nesta memória ainda que quaisquer dos intervenientes, Assistentes, Tradutores, Documentalista(s) podem inserir documentos que foram encontrados através de pesquisas documentais/terminológicas paralelas. - Há ainda uma terceira memória — a memória normativa — onde aparecem as frases/os elementos padronizados que se repetem nos documentos traduzidos pelo Parlamento Europeu. Estas memórias são utilizadas pelo pool de Assistentes da Unidade de Tradução para a preparação do trabalho e pelos Tradutores durante o processo de tradução, segundo regras específicas para a sua utilização. Depois do trabalho concluído e de o resultado final, ou seja a tradução, ter sido enviado para o repositório Euramis e para a entidade requerente, estas memórias de trabalho são destruídas. 3 MEMÓRIAS DE TRADUÇÃO COMPLEMENTARES À medida que fomos utilizando estas memórias automáticas, fomo-nos dando conta dos seus limites. Porquê? Porque, sendo constituídas automaticamente, por vezes ficavam privadas de documentação importante que não pode ser encontrada de uma forma automática. Surgiu a ideia de as completar com outras memórias específicas constituídas dentro da Unidade. Foi assim que demos origem à constituição de «memórias temáticas», ou seja, passámos a criar dentro da Unidade, por processos não automatizados, memórias subordinadas a um determinado tema que vamos enriquecendo com documentos pertinentes tendo como origem diversas fontes (bases de dados como Euramis, Eur-Lex, Oeil, IATE, outras Instituições Europeias, organizações internacionais, organismos portugueses) que representem uma mais-valia para o tradutor. Por exemplo, durante as Sessões Plenárias do Parlamento Europeu, constituímos ou atualizamos memórias temáticas destinadas às diferentes resoluções apresentadas pela Instituição (digamos, a título de ilustração, a situação na Ucrânia). A grande vantagem destas memórias é que não são destruídas, pois ficam alojadas num servidor adstrito à Unidade de Tradução Portuguesa. A qualquer momento podem ser introduzidos nela documentos que sejam pertinentes, o que significa que podem ser atualizadas. Portanto, para além da memória criada automaticamente, o tradutor tem à sua disposição uma memória complementar, onde existe um repositório de documentos sobre um determinado tema que o ajuda a encontrar a terminologia que lhe interessa. A lista referente a estas memórias é publicada na página da Unidade de Tradução Portuguesa na Internet, para que todos tenham conhecimento das memórias temáticas existentes. Existem vários pontos positivos neste tipo de organização do trabalho: 4 Recuperação de texto o já traduzido pela nossa Instituição o traduzido por outras Instituições Todas as Unidades recebem um pacote de memórias já pronto que contém a informação básica de que necessitam, o que é positivo para a preparação dos trabalhos pelos assistentes e permite ao tradutor receber um trabalho já preparado com tudo o que necessita; As memórias são constituídas automaticamente por um outro Serviço da DireçãoGeral de Tradução e são disponibilizadas às Unidades de Tradução no momento em que o original aparece. Como o Parlamento Europeu externaliza uma parte do seu trabalho, estas memórias de tradução são enviadas aos seus tradutores externos, passando estes a dispor da mesma informação que qualquer tradutor do Parlamento Europeu. As memórias constituídas, tanto automaticamente, como manualmente, têm a suficiente flexibilidade para poderem ser manuseadas no sentido de lhes serem acrescentados documentos pertinentes em qualquer altura. Se o trabalho estiver dividido entre vários tradutores, o que é uma situação normal no Parlamento Europeu devido à diversidade de línguas utilizadas, estas memórias estão acessíveis a vários Tradutores. Ao utilizarem uma mesma memória, é fácil detetar-se quais são os outros tradutores envolvidos no mesmo processo ou a traduzir o mesmo trabalho, ou até, eventualmente, trabalhos diferentes mas pertencentes a um mesmo processo, podendo contactar entre si para a escolha da melhor terminologia a utilizar. Existe uma maior uniformização da maneira de trabalhar das Unidades de Tradução, visto que todas utilizam memórias de tradução baseadas nos mesmos critérios e organizadas da mesma maneira. 5 CONCLUSÃO Terminamos, concluindo que deixámos para trás métodos de trabalho mais limitados, como a utilização apenas de fontes em formato papel, como acontecia há 27 anos quando assumi funções de documentalista no Parlamento Europeu, para passarmos a uma utilização mais extensiva de todo um conjunto de ferramentas informáticas que possibilitam uma maneira de trabalhar mais eficaz, mais proveitosa e, porque não admiti-lo, mais interessante para todos os envolvidos no processo: tradutores, assistentes e documentalistas. 6