EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA COMARCA DE FLORIANO -PI URGENTE “O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças”.(IngoWolfgangSARLET1) O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, representando interesses indisponíveis da sociedade, por seus agentes ao final subscritos, podendo serem pessoalmente intimados na rua Fernando Marques, 760, centro nesta cidade de Floriano, no prédio sede da Promotoria de Justiça, usando das atribuições que lhes são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso III, da Constituição da República e fundamentado no artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º 8.625, de 12-2-1993, em combinação com os artigos art. 36, IV, alínea “c” da Lei Complementar nº 12/93 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público); 3º, 5º, 11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput e parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições pertinentes, bem como, no Procedimento Administrativo Ministerial n.º 46/2005, em anexo, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA contra o ESTADO DO PIAUÍ, pessoa jurídica de direito público interno, ora representado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado, com endereço na Av. Senador Area Leão, 1650, bairro jóquei, na cidade de Teresina, e fazendoa na exata forma preconizada pelo Direito e, esperando, ao final, ver devidamente providas as suas razões de ingresso arrimado nos fatos e fundamentos a seguir expostos: PREFACIALMENTE A Constituição Federal proclama que a República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana. A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio jurídico essencial contido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna - já se encontrava inserta na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”. Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer tese. Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e especialmente, neste caso, da idéia que o princípio jurídico da dignidade contempla. Como o próprio nome revela, o aludido princípio fundamentase na essência da pessoa humana e esta, por sua vez, pressupõe, antes de mais nada, a presença de uma condição objetiva: a própria vida. Considerando-se cada indivíduo em si mesmo, tem-se que a vida é condição necessária da própria existência. Como fundamento primeiro da República, o princípio jurídico da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana como pressuposto. Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras, pelos nossos Tribunais, como se lê no seguinte pronunciamento do Supremo Tribunal Federal: “Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo — uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida.” (STF– Petição n.º 1246-1-SC MIN. CELSO DE MELLO). Ora, se o direito à vida está intrinsecamente ligado à idéia de dignidade humana, como visto, tem-se que o seu corolário necessário - o direito à saúde – também está, uma vez que este (a saúde), na sua essência, cuida da preservação daquela (a vida). A saúde, concebida como o “estado completo de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de doença ou enfermidade” (Organização Mundial de Saúde) é, pois, direito humano fundamental, oponível ao Estado nos termos do art. 196 da CF, que viabiliza a garantia da própria vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana e, como tal, deve ser incansavelmente protegido e respeitado, sendo inadmissível qualquer conduta comissiva ou omissiva, especialmente da Administração Pública, tendente a ameaçá-lo ou frustrá-lo. RAZÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA Desde os idos de 2005, o Ministério Público do Estado do Piauí, através do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde – CAODS, vem recebendo representações acerca da superlotação dos hospitais da rede pública estadual e da conseqüente dificuldade em garantir a acessibilidade imediata dos pacientes aos serviços de alta complexidade – especialmente as internações hospitalares, que resultou na instauração do Procedimento Administrativo nº 46/2005. A notória superlotação de corredores dos hospitais da rede pública estadual (especialmente o Hospital Getúlio Vargas) tornam evidente a conclusão de que não tem sido garantidos, em quantidade suficiente a atender a demanda da população piauiense, leitos de retaguarda, seja de internação hospitalar, seja em Unidades de Terapia Intensiva – UTIS. Percebe-se ainda um agravamento da celeuma oriunda de falta de planejamento e ações voltadas a uma regionalização da saúde, neste específico nos procedimentos de alta complexidade. A falta desta regionalização acarreta um intenso aporte de pacientes oriundos do interior do estado, principalmente no HGV, o que contribui de sobremaneira para uma maior superlotação daquele nosocômio. Sendo assim, versa o presente feito, em síntese, sobre o descumprimento, por parte do Réu, de um termo de compromisso de ajustamento de conduta, onde o mesmo acordara em por em efetivo funcionamento leitos de UTI, de acordo com a normatização vigente, no HOSPITAL REGONAL TIBÉRIO NUNES, município de Floriano-Pi, com a devida contratação de pessoal, aquisição de equipamentos e aporte de recursos mensais para a efetivação desta unidade de saúde. Eis o teor do Termo de Compromisso, firmado no 10 de março de 2005, nos autos do PA nº 46/05 que versa sobre a problemática da superlotação das urgências e emergências do HGV, da pouca resolutividade de algumas unidades básicas de saúde do município de Teresina, atrelada às transferências desordenadas de pacientes provenientes do interior deste Estado, que dentre outras medidas, destaca: “ O Estado do Piauí, através da Secretaria Estado, obriga-se ainda a contratar pessoal de recursos humanos para fazer funcionar a UTI dos municípios de Parnaíba, FLORIANO e Picos no prazo de 08( oito) meses a contar da assinatura deste Termo” Consta, ainda do PA nº 46/05, ofício Gab/SESAPI Nº 2468, de 31 de outubro de 2005 da lavra da sra. Secretária Estadual de Saúde, em anexo, solicitando prorrogação por mais 20 ( vinte) meses do prazo anteriormente fixado para o funcionamento das UTIs nos municípios de FLORIANO e Picos, alegando, que: “ b) vem adotando todas as medidas administrativas com vistas ao funcionamento de UTI’s nas Unidades Estaduais de saúde localizadas nos municípios de FLORIANO e Picos, contudo tem encontrado dificuldades, uma vez que não há profissionais médicos capacitados/qualificados, de acordo com os critérios exigidos pela Portaria MS/GM nº 3432, de 12/08/1998, em quantidades suficientes para o funcionamento de novas Unidades de Tratamento Intensivo, sejam servidores estaduais, contratados. sejam profissionais liberais que possam ser Por outro lado, a SESAPI, está viabilizando o funcionamento de Unidades Semi Intensivas nas Unidades Estaduais de Saúde localizadas nesses municípios, até a capacitação de seus servidores médicos, a qual está sendo providenciado mediante a contratação do Curso de Pós-Graduação em Medicina Intensiva, que será ministrado pelo Instituto Camilo Filho em parceria com a Associação Médica Intensivista do Brasil ( AMIB). Desta feita, por tudo o exposto, e tendo em vista que o Curso tem duração prevista de 15 (quinze) meses, solicita a SESAPI prorrogação por mais 20 (vinte) meses do para funcionamento das UTIs nos municípios de FLORIANO e Picos” Findo o prazo solicitado pelo Réu, através da SESAPI, em 18 de outubro de 2006, em audiência conjunta realizada com a presença do Promotor de Justiça com serventia na Comarca de Floriano e o Diretor de Organização Hospitalar da SESAPI, dr. Telmo Gomes Mesquita, fora reafirmado o compromisso de implantação do serviço, nos termos que segue: “ (...) Que até o momento não foi implantada a semiintensiva em FLORIANO, em razão da ausência de pessoal especializado ( intensivista) que estão fazendo um curso de especialização, inclusive, financiado em parte pela SESAPI e, com término previsto para dezembro do corrente ano. Que já foram concluídas as reformas de instalações físicas, restando a parte de gases. Que em relação aos demais equipamentos necessários ao funcionamento do serviço, estes estão em processo de aquisição e que o atraso deveu-se em razão das emendas parlamentares, no entanto, os mesmos serão adquiridos com recursos do tesouro estadual. Ademais, até o final de janeiro de 2007 o serviço acha-se em pleno funcionamento, haja visto, o compromisso de ajustamento com este órgão ministerial” A conduta omissiva do ente estatal acarreta considerável déficit de leitos de UTI através do Sistema Único de Saúde, não só no âmbito local, mas também na capital do Estado (haja vista o excessivo deslocamento de pacientes necessitados de Terapia Intensiva), gerando gravíssimos prejuízos para a saúde da população Piauiense. Assim, Exa., até a presente data, estão os pacientes e cidadãos sem a adequada e integral assistência à sua saúde, omitindo-se o Estado em seu dever constitucional e causando, com tal conduta, o falecimento de seus governados. Ante tal quadro, não restou a essa Promotoria outra medida senão a presente ação, eis que a urgência e a gravidade da questão pontuada não confere arbítrio qualquer ao Ministério Público Estadual para concessão de intermináveis prazos e ajustamentos extrajudiciais, sob pena de negar-se efetividade e integralidade ao direito à saúde. DO DIREITO Relevante a transcrição das normas jurídicas que tratam do direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata compreensão da efetiva proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso País, possibilitando-lhe, individual ou coletivamente, o exercício desse direito público subjetivo em face do Estado. DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: Constituição Federal: Art. 1º, incisos II e III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:... II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana”, Art. 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Iconstruir uma sociedade livre, justa e solidária; ... III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” ... § 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. Art. 23, inciso II: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ...II – cuidar da saúde e assistência pública...” Art. 37 caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” Art. 196: “A vida é direito de todos e dever do Estado, garantido políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Art. 197: “As ações e os serviços de saúde têm relevância pública”. Art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais; ...” Lei nº 8.080/90 ( Lei Orgânica do SUS) Art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. §1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.” Art. 4º: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS”. Art. 5º: “São objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS: ...III- a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.” Art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde – SUS: I – a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;” Art. 7º: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS, são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; XXII- capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência”. Art. 8º: “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.”. Art. 17: “À direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS compete: II – acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde – SUS; III – prestar apoio técnico o financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde; IX – identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional”; Código de Defesa do Consumidor Art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.” Constituição do Estado do Piauí xxxxxxx Porquanto, é obrigação do Estado do Piauí promover a descentralização dos leitos de UTI, se preocupando em oferecer leitos em diversas regiões do território, para descentralizar o atendimento, beneficiar a população e desafogar os grandes centros. Assim, um dos primeiros passos é a instalação e funcionamento da UTI do HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, no município de Floriano, o que contribuirá para reduzir um pouco a sobrecarga da capital do Estado, que há muitos anos é praticamente a única cidade no estado a receber pacientes portadores de enfermidades carentes de terapia intensiva, por força do art. 17, I, da Lei Orgânica do SUS (Lei no 8.080/90). A Regionalização da Saúde deve ser entendida enquanto um processo de organização das ações e serviços de saúde numa determinada região, visando a universalidade do acesso, a equidade, a integralidade e resolutividade. Regionalizando a saúde, com qualidade, promove-se uma integralidade da atenção, corrige-se desigualdades territoriais e sociais, promovese a equidade, racionaliza-se gastos e otimiza-se recursos. Assim, é necessário o estabelecimento de compromissos acerca da responsabilidade sanitária com a organização da atenção e da gestão do sistema e dos serviços para o enfrentamento dos problemas de saúde da população em um determinado território. No entanto, mister se faz a existência de mecanismos institucionais que promovam a articulação e pactuação para o desenvolvimento das ações e serviços de natureza regional, inclusive no co-financiamento. O que parece óbvio é que não se deve transferir para uma esfera de maior abrangência aquilo que pode ser realizado pela esfera local/municipal. Assim, tendo em vista que é o gestor estadual o responsável por questões que transcendem à jurisdição municipal, pelo atendimento de referência aos pacientes que, pela própria limitação do sistema de saúde do município onde moram, recorrem aos serviços mais complexos existentes na capital do estado ou em cidades maiores, a que se deve a RESPONSABILIZAÇÃO POR ESTAS AÇÕES. Neste diapasão, afeita-se na figura do gestor estadual, a pessoa que deve ter a competência para planejar, organizar, administrar e executar tais serviços e ações, pois é esse nível de governo que detém a visão geral de toda a realidade da saúde pública regional. Desse contexto, verifica-se que as adequações necessárias à implementação de leitos de UTI, com os recursos humanos e físicos necessários constituem deveres impostergáveis do Réu. Toma-se emprestadas as doutas palavras de Marlon Alberto Weichert que assinala: “A ação civil pública é, por excelência, a ferramenta de promoção e defesa judicial, pelo Ministério Público, do direito à saúde. Em função da nota constitucional, seu uso deve ser admitido – sem a possibilidade de barreiras legais – para a defesa dos interesses coletivos e indisponíveis, de modo amplo.”4 CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO Depreende-se, da realidade fática, que a atual prestação de serviços de internação hospitalar pela rede estadual é insuficiente para atender à demanda da população piauiense e a omissão estatal tem redundado em desassistência e risco à saúde das pessoas. Esta é a realidade no Estado do Piauí: Pacientes com necessidade de internação hospitalar ou em UTI aguardando longos períodos, em situação não ideal, em pronto-atendimentos, sem estrutura física e de pessoal adequada ao atendimento de alta complexidade. Pacientes com necessidade de submissão a procedimentos cirúrgicos aguardando longos períodos, em pronto-socorro superlotado ou mesmo em suas residências, aguardando uma vaga de UTI ou leito de retaguarda. Como demonstrativo real desta situação, eis uma das relações de pedidos de TERAPIA INTENSIVA NÃO ATENDIDOS NAS UTIS, NO HGV, no período de 19/08/2006 a 31/12/2006, em anexo. Todavia, tal destino ocorre não mais por uma fatalidade, mas pela omissão do Governo Estadual. Omissão claramente ilegal, que desrespeita o direito público subjetivo que esses pacientes têm de receberem toda a atenção à saúde de que necessitam, na forma e grau de assistência indicada para seu tratamento. A legislação acima transcrita traz em suas linhas várias regras que podem assim ser resumidas. A primeira delas é que tais doentes, enquanto pessoas humanas, detentoras do direito fundamental à vida e à saúde, enquanto pacientes do SUS, têm direito ao tratamento integral. E tratamento integral, para os pacientes graves com indicação de internação hospitalar, seja ou não em UTI ou mesmo de procedimento cirúrgico é a internação hospitalar e o procedimento cirúrgico e não a espera em corredores de pronto-atendimentos ou pronto-socorros. Isso não é assistência à saúde. Se é, é apenas do ponto de vista da gestão estadual de saúde, mas não da Constituição Federal. As normas definidoras desse direito constitucional têm aplicação imediata, não se tratando de meras regras programáticas. O Governo Estadual não está obedecendo à Carta Magna e nem à lei e muito menos sendo eficaz, quando não disponibiliza o necessário aos usuários do SUS, violando manifestamente o disposto no artigo 37 da CF. É seu dever assegurar à ao paciente atendido pelo Sistema Único de Saúde, gratuitamente, o tratamento assistencial integral, o que não vem ocorrendo, por reiteradas vezes, até o presente momento por culpa exclusiva da Secretaria de Estado da Saúde. Deveria ser diretriz do SUS, neste Estado, a eqüidade como meio para o tratamento desigual de casos desiguais. Se quadros de gravidade de alguns pacientes exigem procedimentos de alta complexidade, tal modalidade de assistência está plenamente garantida pela Lei, que garante o respeito às necessidades de todos os seguimentos da população. Outra regra salienta a responsabilidade da direção Estadual do SUS de identificar estabelecimentos de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência regional, como é o caso do HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, em Floriano. É sua obrigação, portanto, prover serviços de internação hospitalar, inclusive de UTI , que atendam à demanda real da população, em quantidade e qualidade que garanta à vida e à saúde dos pacientes que necessitem do acesso, sob pena de responsabilização objetiva do Estado do Piauí, enquanto pessoa jurídica de direito público. Não adianta garantir às pessoas tratamento limitado, insuficiente, que abreviará suas mortes, pois essa postura omissa desobedece a diretriz da “resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral, pois não resolve o problema do cidadão, e, pior, por vezes, antecipa sua morte ou gera seqüelas. Não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A fixação de prioridades de governo é amplamente acobertada pela Lei, desde que, na sua execução, não se deixem direitos fundamentais e indisponíveis ao desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área dos direitos sociais, como a saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade. Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais, porque o atendimento à saúde é serviço de relevância pública, e o respeito ao ordenamento jurídico é dever fundamental de qualquer esfera de governo. Não há que se falar em limites orçamentários ou em observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpa para a manutenção da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o cidadão têm direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificados em normas jurídicas auto-aplicáveis. O direito à saúde representa prerrogativa constitucional indisponível do indivíduo. E, em situação similar, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que prerrogativas jurídicas dessa natureza impõem ao Estado, por meio da alta significação de que se reveste, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira correta, o atendimento integral à saúde do indivíduo/coletividade, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. Vale citar trecho da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, exemplificada no RE n. 436.996-Agr/SP: “EMBORA RESIDA, PRIMARIAMENTE, NOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO, A PRERROGATIVA DE FORMULAR REVELA-SE E EXECUTAR POSSÍVEL, NO POLÍTICAS ENTANTO, PÚBLICAS, AO PODER JUDICIÁRIO, DETERMINAR, AINDA QUE EM BASES EXCEPCIONAIS, ESPECIALMENTE NAS HIPÓTESES DE POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS NA CONSTITUIÇÃO, SEJAM ESTAS IMPLEMENTADAS PELOS ÓRGÃOS ESTATAIS INADIMPLENTES, CUJA OMISSÃO – POR IMPORTAR EM DESCUMPRIMENTO DOS ENCARGOS POLÍTICO-JURÍDICOS QUE SOBRE ELES INCIDEM EM CARÁTER MANDATÓRIO – MOSTRA-SE A COMPROMETER A EFICÁCIA E A INTEGRIDADE DE DIREITOS SOCIAIS E CULTURAIS IMPREGNADOS DE ESTATURA CONSTITUCIONAL. A QUESTÃO PERTINENTE À RESERVA DO POSSÍVEL.” Nesses termos o voto do Ministro Celso de Mello, ao julgar o referido Rext 436.996-6, enfrentar a questão da teoria da RESERVA DO POSSÍVEL, bem esclarecendo: “Não se ignora qeu a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um enescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado na Carta Política. Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal hipótese, cirar obstáculo artificial qeu revele, a partir de indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência (ADPF 45/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo/STF nº 345/2004). Cumpre advertir, desse modo, na linha de expressivo magistério doutrinário (OTÁVIO HENRIQUE MARTINS PORT, “Os Direitos Sociais e Econômicos e a Discricionariedade da Administração Pública, p. 105/110, item n. 06, e p. 209/211, itens ns. 17-21, 2005, RCS Editora Ltda.), qeu a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência do justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, constitucionais, do cumprimento notadamente de quando, suas dessa obrigações conduta governamental negativa, puder resultar nulificação, ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA MUNIZ (“O Direito à Educação”, p. 92, item n. 3, 2002, Renovar), cuja abordagem do tema – após qualificar a educação como um dos direitos fundamentais da pessoa humana – põe em destaque a imprescindibilidade de sua implementação, em ordema promover o bem-estar social e a melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das classes menos favorecidas, assinalando, com particular ênfase, a próposito de obstáculos governamentais que possam ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigação constitucional, que “o Estado não pode se furtar de tal dever sob alegação de inviabilidade econômica ou de falta de normas de regulamentação.” Assim, conclui-se, ser a ação civil pública o instrumento processual apto a corrigir ofensa a interesses indisponíveis decorrentes da constatação de déficit de leitos de UTIs nas diversas áreas de abrangência da Saúde de Floriano, bem como toda a sua micro-região, em flagrante prejuízo dos pacientes que necessitam de tratamento intensivo, como ora se trata e, dessa forma, ao Ministério Público, enquanto representante da sociedade, convencido da existência de lesão daí decorrente, impõe-se provocar a função jurisdicional do Estado visando a efetiva defesa do interesse indiscutivelmente maculado. DO NÚMERO DE LEITOS NECESSÁRIOS O Ministério da Saúde, em sua portaria de no 1.101/GM, determina em seu item 3.5. que o número necessário para regiões como a microregião de Floriano é o seguinte: 3.5. NECESSIDADE DE LEITOS HOSPITALARES Em linhas gerais, estima-se a necessidade de leitos hospitalares da seguinte forma : a) Leitos Hospitalares Totais = 2,5 a 3 leitos para cada 1.000 habitantes; b) Leitos de UTI: calcula-se, em média, a necessidade de 4% a 10% do total de Leitos Hospitalares; (média para municípios grandes, regiões, etc.). De acordo com o parecer emanado pelo Departamento de Atenção Especializada, da Secretaria de Atenção à Saúde, daquele Ministério, o mesmo corrobora com aquela determinação ao dispor: “...de acordo Portaria/GM com 1.101 parâmetros de recomendados 12/06/2002, pela considerando a população referenciada, e a necessidade de 2,5 leitos para cada 1000 habitantes... “...números que iriam atender ao mínimo preconizado pela Portaria Ministerial acima citada, que é de 4% (quatro por cento) do número de leitos hospitalares necessários” Assim sendo, microrregião de Floriano é uma das microrregiões do estado brasileiro do Piauí pertencente à mesorregião Sudoeste Piauiense. Sua população foi estimada em 2006 pelo IBGE em 121.544 habitantes e está dividida em doze municípios. Possui uma área total de 18.333,419 km².1, sendo formada pelos seguintes municípios: • • • • • • • • • • • • • Canavieira Flores do Piauí Floriano Guadalupe Itaueira Jerumenha Nazaré do Piauí Pavussu Rio Grande do Piauí São Francisco do Piauí São José do Peixe São Miguel do Fidalgo Aplicando o disposto naquela portaria (1.101/02), para esta população informada, tem-se que a necessidade de leitos da microrregião é de 303 a 364 leitos hospitalares. O que gera um número mínimo de 12 a 14 LEITOS DE UTI instalados no HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, na cidade de Floriano. Diante do quadro apresentado e de todo o mais que foi exposto, estão evidenciadas as seguintes conclusões: A uma, que vem havendo reiterada omissão do Estado do Piauí em atender à demanda de leitos hospitalares. A duas, que é inconteste a obrigação do Poder Público em garantir integral assistência à saúde aos seus cidadãos. 1 Dados colhidos no sítio da internet http://pt.wikipedia.org/wiki/Microrregi%C3%A3o_de_Floriano Assentadas as conclusões, restam ainda, ao Ministério Público Estadual, algumas perguntas fundamentais, a serem respondidas: Se afinal uma gestão estadual do SUS deve executar política de saúde para atender às reais necessidades da população, ou simplesmente pretender que a população se adeque ou se satisfaça com as disponibilidades de uma rede desestruturada? Se a cidadania, ao se deparar com as mazelas da saúde, se contenta apenas com encaminhamentos de longo prazo, que não evitam e nem apagam as dores do hoje e do amanhã? É de estarrecer a desumanidade que pode ser causada pela omissão. E estarrece sempre pensar na conseqüência prática do que aqui se relata. O bom senso naturalmente repele toda sorte de abusos, e assim deve ser, em especial, quando tema é a negligência à vida das pessoas. Afinal, é preciso lembrar que a desesperança é um fardo grande para os pacientes que vivenciam a omissão estatal na saúde, porque leva a pecha de todas as carências possíveis ao homem. Essa desesperança só não é maior do que o próprio lastro de sua culpa, porque esta vai exatamente até o ponto onde ainda se podem vislumbrar as suas mazelas. A realidade da saúde no Estado do Piauí não sugere dúvidas sobre a necessidade de adequações, porque para o descaso, não há escusas plausíveis. Aqui, sequer se discute o desrespeito; discute-se, talvez, a medida de sua irreversibilidade na vida daqueles que o sofreram e, mais importante, o quanto urge fazê-lo cessar aos que ainda o sofram. Como prefaciou certa vez Doutor Frederico Mayor, à época em que era Diretor-Geral da UNESCO, “não podemos mais continuar a ser espectadores aterrorizados da barbárie. Em um mundo cada vez mais transparente, tornamonos cúmplices se pensamos que o inadmissível é irremediável. É necessário, portanto, agir, e agir rápido, antes que o círculo vicioso ação-reação se instale. Senão, qualquer intervenção será apenas a constatação do fracasso, já que posterior ao sofrimento, ao ferimento e à morte. Intervindo muito tarde somos, ao mesmo tempo, portadores e atores de métodos obsoletos...”2. A responsabilidade pública é grande. E vale lembrar que, onde há poder, há sempre culpa. Talvez a adoção das medidas judiciais cabíveis tenha delongado, a ponto de ser preciso encarar duramente algumas de suas conseqüências. Mas há ainda há espaço para a atuação de nossas consciências. Este o mister que se nos apresenta, e pelo seu resultado certamente responderemos ao final. Por isso, essa ação não é apenas um instrumento judicial, é também o resultado de um apelo que vem sendo feito diuturnamente pelos pacientes do SUS e seus familiares, em razão de todos os fatos que se passam na rede pública de saúde. A partir de agora, o apelo está posto como pleito de salvaguarda de direitos. DA TUTELA ANTECIPADA A Lei n.°8.952, de 13 de dezembro de 1994, conferiu nova redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, no sentido de possibilitar a antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, ao enunciar: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: 2 MAYOR. Frederico apud SAÚDE: UM DIREITO INVIOLÁVEL À VIDA, p. 19. I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.” Os dois critérios gerais eleitos pelo legislador para a antecipação de tutela são, portanto, como dispõe a lei processual, prova inequívoca e verossimilhança do alegado. Comentando esses requisitos, Teori Albino Zavascki pondera que “atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição de direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como deixar de identificar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: nos dois casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. (…) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade.” O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão nos autos do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0 (Julgado em 16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de dispositivo legal para o custeio e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique comprovada a responsabilidade do Estado, pois “decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o direito assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da CF/98, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados na busca da proteção de saúde: “SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO. DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E 198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O CIDADÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. AS entidades federativas têm o dever ao cuidado da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência de saúde, a teor do disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode prestar à fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do orçamento e das normas de realização de despesa pública, quando verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência devida”. (Agravo de Instr. Nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel.: Des. Marcus Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”. No caso ora posto sob apreciação judicial, todos os requisitos exigidos pela lei processual para o deferimento da tutela antecipada encontram-se reunidos. A verossimilhança da alegação decorre da própria certeza com relação aos fatos. O fumus boni iuris encontra-se induvidosamente presente, assentado sobre os argumentos jurídicos que apontam para cristalina violação do princípio fundamental do respeito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), da saúde como direito social (CF, art. 6°, caput) e como direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196). Com efeito, as inúmeras normas constitucionais e infraconstitucionais que consagram o direito à saúde, com prioridade para a existência de Unidades de Tratamento Intensivo, DE FORMA DESCENTRALIZADA POR TODO O ESTADO DO PIAUÍ, mais do que evidenciam a necessidade de tutela imediata do interesse difuso concernente à assistência médico-hospitalar intensiva neste Município, que há muito vem sendo negligenciada pelo Poder Público. Presente também o periculum in mora posto que a situação atual é insustentável, valendo enfatizar as inúmeras mortes que ocorrem nas dependências dos hospitais da micro região de Floriano, pela ausência de leito em UTI no Hospital de Referência, ou a permanecer a “ ambulancioterapia” consistente na transferência desordenada de pacientes para o Hospital Getúlio Vargas, que também não dispõe de leitos de UTI suficientes para atender a demanda de todo o Estado e regiões vizinhas, onde os médicos precisam realizar a dura missão de selecionar quem vive e quem morre, quando conseguem chegar à Capital e/ou vaga disponível pelo SUS. Impor à coletividade que aguarde a ação voluntária do Estado para o gozo de seus direitos mais basilares, enquanto pessoas continuam a falecer por falta de assistência adequada seria manter, por prazo indefinido, a situação de injustiça e de grave violação aos direitos fundamentais. A jurisprudência já tem mostrado ser possível a concessão da antecipação de tutela em desfavor do Poder Público, notadamente quando se faz necessária a manutenção do estado de saúde, conforme se pode conferir pela leitura de recente e emblemático acórdão, da lavra do Superior Tribunal de Justiça: “1. O Pedido de Obrigação de Fazer em face da Fazenda Pública deve vir acompanhado da medida de coerção cognominada de multa diária, cujo caráter patrimonial visa a vencer a obstinação do devedor no cumprimento da obrigação contraída intuitu personae, sob pena de inutilidade do acolhimento do pedido. Nesse sentido tivemos a oportunidade de discorrer: 'A influência francesa, responsável também pela concepção 'liberal' do inadimplemento, remediou a sua pretérita condescendência com os devedores e instituiu a figura das 'astreintes' como meios de coerção capazes de vencer a obstinação do devedor ao não-cumprimento das obrigações, principalmente naquelas em que a colaboração do mesmo impunha-se pela natureza personalíssima da prestação. A multa diária apresenta, assim, origem e fundamento nas obrigações em que o atuar do devedor é imperioso mercê de não se poder compeli-lo a cumprir aquilo que só ele pode fazer – nemo potest cogi ad factum.'. (In "Curso de Direito Processual Civil", Editora Forense, 3.ª Edição, 2005, págs. 194 e 195). (...) 4. Deveras, pacífica a possibilidade de imposição de astreintes consoante se colhe do teor dos seguintes precedentes de igual conteúdo: 'PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO A PESSOA HIPOSSUFICIENTE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO. INADIMPLEMENTO. COMINAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO MULTA MEIO DE DIÁRIA. ASTREINTES. COERÇÃO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO. 1. Recurso especial que encerra questão referente à possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a hipossuficiente portador de Werdnig-Hoffman (atrofia de corno anterior da medula espinhal), a concessão de tutela antecipada, implementando medidas executivas assecuratórias, proferida em desfavor de ente estatal. 3. In casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento ao paciente que em virtude de doença necessita de medicação especial para sobreviver, cuja imposição das astreintes objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e conseqüentemente resguardar o direito à saúde. 4. 'Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a Fazenda Pública.' (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001). 5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp 775.567/RS, Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.10.2005; REsp 770.524/RS, Relatora Min.ELIANA CALMON, DJ 24.10.2005; REsp 770.951/RS, Relator Min. CASTRO MEIRA, DJ 03.10.2005; REsp 699.495/RS, Relator Min. LUIZ FUX, DJ 05.09.2005. 6. A Constituição não é ornamental, não se resume a um museu de princípios, não é meramente um ideário; reclama efetividade real de suas normas. Destarte, na aplicação das normas constitucionais, a exegese deve partir dos princípios fundamentais, para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo, merece destaque o princípio fundante da República que destina especial proteção a dignidade da pessoa humana. 7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao que obteria se a prestação fosse cumprida voluntariamente. O meio de coerção tem validade quando capaz de subjugar a recalcitrância do devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar com o proceder do Estado, que condenado pela urgência da situação a entregar medicamentos imprescindíveis proteção da saúde e da vida de cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela judicial deferida e aos valores fundamentais por ele eclipsados. 8. Recurso especial provido.' (REsp 771.616/RJ, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 01.08.2006) 5. Recurso Especial provido, divergindo do E. Relator.” É perfeitamente justificado o receio de ineficácia do provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão liminar dos efeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos pacientes com indicação de internação hospitalar, facilmente evitável se o Poder Público Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável a evitar novas lesões à saúde pública. DOS PEDIDOS Isso exposto, protestando-se pela produção de todas as provas admitidas em direito, pleiteia-se: a) O deferimento de tutela antecipada, sem justificativa ou oitiva da parte contrária, diante da possibilidade prevista no artigo 12 da Lei 7.347/85, já que presentes os requisitos necessários para a concessão pretendida, a fim de que seja determinado ao Estado do Piauí a adoção das providências necessárias para que, no prazo em que Vossa Excelência entender como cabível, comece a dar existência e colocar em funcionamento, mensalmente, no mínimo 01 (uma), de 12 a 14 leitos de UTI, correspondente ao déficit total de unidades apurada, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais, atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432, de 12 de agosto de 1998, sob pena de, não o fazendo, arcar com a imposição de multa diária à razão de R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 11 da Lei Federal n° 7.347/85, a qual deverá ser revertida ao Fundo Estadual de Saúde, sem prejuízo da responsabilização criminal da autoridade a quer der causa a desobediência; b) A citação do Estado do Piauí, por sua procuradoria judicial no intuito de que, querendo, contestem a presente ação e a acompanhem, até final sentença, sob pena de revelia; c) A intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos do processo; d) Sejam, ao final, julgados procedentes os pedidos, com o propósito de que seja determinado ao Estado do Piauí a adoção das providências necessárias para que o déficit total de UTIs apurado, na microrregião de Floriano, em número correspondente entre 12 a 14 leitos, seja integralmente suprido, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais, atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432; e) A produção de todas as provas admitidas em direito, especialmente inquirição de testemunhas, juntada de documentos e exames periciais que se fizerem necessários; f) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, nos termos do art. 18, da Lei Federal nº 7347/85; g) A condenação do réu ao pagamento das despesas processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deve ser revertido ao Fundo de Modernização do Ministério Público do Estado do Piauí, criado pela Lei Estadual nº 5.398, de 8 de julho de 2004. Dá-se à causa, por ser inestimável, apenas para fins fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais). N. Termos, P. Deferimento. Teresina, 23 de outubro de 2.007. CLÁUDIA PESSOA MARQUES DA ROCHA SEABRA Promotora de Justiça Coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde EDMAR PIAUILINO BATISTA Promotor de Justiça da Comarca de Floriano