EXMO. SR. DR.
JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA COMARCA DE FLORIANO -PI
URGENTE
“O que se percebe, em última análise, é que onde não houver
respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser
humano, onde as condições mínimas para uma existência
digna não forem asseguradas, onde não houver limitação
do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a
igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos
fundamentais não forem reconhecidos e minimamente
assegurados, não haverá espaço para a dignidade da
pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não
passar
de
mero
objeto
de
arbítrio
e
injustiças”.(IngoWolfgangSARLET1)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PIAUÍ, representando interesses
indisponíveis da sociedade, por seus agentes ao final subscritos, podendo serem
pessoalmente intimados na rua Fernando Marques, 760, centro nesta cidade de
Floriano, no prédio sede da Promotoria de Justiça, usando das atribuições que
lhes são conferidas pelos artigos 127, caput e 129, inciso III, da Constituição da
República e fundamentado no artigo 25, inciso IV, alínea “a”, da Lei Federal n.º
8.625, de 12-2-1993, em combinação com os artigos art. 36, IV, alínea “c” da Lei
Complementar nº 12/93 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público); 3º, 5º,
11, 12 e 19, todos da Lei Federal n.º 7.347, de 24-7-1985, e 273 e 461, caput e
parágrafos 3º e 4º, do Código de Processo Civil Brasileiro e demais disposições
pertinentes, bem como, no Procedimento Administrativo Ministerial n.º 46/2005,
em anexo, vêm, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, propor a
presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
contra o ESTADO DO PIAUÍ, pessoa jurídica de direito público interno, ora
representado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral do Estado, com endereço na
Av. Senador Area Leão, 1650, bairro jóquei, na cidade de Teresina, e fazendoa na exata forma preconizada pelo Direito e, esperando, ao final, ver devidamente
providas as suas razões de ingresso arrimado nos fatos e fundamentos a seguir
expostos:
PREFACIALMENTE
A Constituição Federal proclama que a República Federativa
do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, tem como um de seus
fundamentos a dignidade da pessoa humana.
A expressão “dignidade da pessoa humana” - princípio
jurídico essencial contido no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna - já se encontrava
inserta na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, na qual se
assevera que o reconhecimento da “dignidade inerente a todos os membros da
família humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.
Mas o direito do século XXI não se contenta com conceitos
axiológicos formais, que podem ser usados retoricamente para qualquer tese.
Demanda, sim, o aprofundamento dos mesmos e especialmente, neste caso, da
idéia que o princípio jurídico da dignidade contempla.
Como o próprio nome revela, o aludido princípio fundamentase na essência da pessoa humana e esta, por sua vez, pressupõe, antes de mais
nada, a presença de uma condição objetiva: a própria vida. Considerando-se cada
indivíduo em si mesmo, tem-se que a vida é condição necessária da própria
existência.
Como fundamento primeiro da República, o princípio jurídico
da dignidade tem, portanto, a proteção e a defesa da vida humana como
pressuposto. Essa tese é reconhecida, acima de todas as outras, pelos nossos
Tribunais, como se lê no seguinte pronunciamento do Supremo Tribunal Federal:
“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se
qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela
própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer
prevalecer,
contra essa prerrogativa fundamental, um
interesse financeiro e secundário do Estado, entendendo —
uma vez configurado esse dilema — que razões de ordem
ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: o
respeito indeclinável à vida.” (STF– Petição n.º 1246-1-SC MIN. CELSO DE MELLO).
Ora, se o direito à vida está intrinsecamente ligado à idéia de
dignidade humana, como visto, tem-se que o seu corolário necessário - o direito à
saúde – também está, uma vez que este (a saúde), na sua essência, cuida da
preservação daquela (a vida).
A saúde, concebida como o “estado completo de bem-estar
físico, mental e social e não simplesmente como a ausência de doença ou
enfermidade” (Organização Mundial de Saúde) é, pois, direito humano
fundamental, oponível ao Estado nos termos do art. 196 da CF, que viabiliza a
garantia da própria vida, pressuposto da dignidade da pessoa humana e, como tal,
deve ser incansavelmente protegido e respeitado, sendo inadmissível qualquer
conduta comissiva ou omissiva, especialmente da Administração Pública, tendente
a ameaçá-lo ou frustrá-lo.
RAZÕES DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Desde os idos de 2005, o Ministério Público do Estado do
Piauí, através do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde – CAODS,
vem recebendo representações acerca da superlotação dos hospitais da rede
pública estadual e da conseqüente dificuldade em garantir a acessibilidade
imediata dos pacientes aos serviços de alta complexidade – especialmente as
internações hospitalares, que resultou na instauração do Procedimento
Administrativo nº 46/2005.
A notória superlotação de corredores dos hospitais da rede
pública estadual (especialmente o Hospital Getúlio Vargas) tornam evidente a
conclusão de que não tem sido garantidos, em quantidade suficiente a
atender a demanda da população piauiense, leitos de retaguarda, seja de
internação hospitalar, seja em Unidades de Terapia Intensiva – UTIS.
Percebe-se ainda um agravamento da celeuma oriunda de
falta de planejamento e ações voltadas a uma regionalização da saúde, neste
específico nos procedimentos de alta complexidade. A falta desta regionalização
acarreta um intenso aporte de pacientes oriundos do interior do estado,
principalmente no HGV, o que contribui de sobremaneira para uma maior
superlotação daquele nosocômio.
Sendo assim, versa o presente feito, em síntese, sobre o
descumprimento, por parte do Réu, de um termo de compromisso de ajustamento
de conduta, onde o mesmo acordara em por em efetivo funcionamento leitos
de UTI, de acordo com a normatização vigente, no HOSPITAL REGONAL
TIBÉRIO NUNES, município de Floriano-Pi, com a devida contratação de
pessoal, aquisição de equipamentos e aporte de recursos mensais para a
efetivação desta unidade de saúde.
Eis o teor do Termo de Compromisso, firmado no 10 de
março de 2005, nos autos do PA nº 46/05 que versa sobre a problemática da
superlotação das urgências e emergências do HGV, da pouca resolutividade de
algumas unidades básicas de saúde do município de Teresina, atrelada às
transferências desordenadas de pacientes provenientes do interior deste Estado,
que dentre outras medidas, destaca:
“ O Estado do Piauí, através da Secretaria Estado,
obriga-se ainda a contratar pessoal de recursos humanos para fazer
funcionar a UTI dos municípios de Parnaíba, FLORIANO e Picos no prazo de
08( oito) meses a contar da assinatura deste Termo”
Consta, ainda do PA nº 46/05, ofício Gab/SESAPI Nº 2468,
de 31 de outubro de 2005 da lavra da sra. Secretária Estadual de Saúde, em
anexo, solicitando prorrogação por mais 20 ( vinte) meses do prazo anteriormente
fixado para o funcionamento das UTIs nos municípios de FLORIANO e Picos,
alegando, que:
“ b) vem adotando todas as medidas administrativas
com vistas ao funcionamento de UTI’s nas Unidades Estaduais de saúde
localizadas nos municípios de FLORIANO e Picos, contudo tem encontrado
dificuldades,
uma
vez
que
não
há
profissionais
médicos
capacitados/qualificados, de acordo com os critérios exigidos pela Portaria
MS/GM nº 3432, de 12/08/1998, em quantidades suficientes para o
funcionamento de novas Unidades de Tratamento Intensivo, sejam
servidores estaduais,
contratados.
sejam
profissionais
liberais
que
possam
ser
Por outro lado, a SESAPI, está viabilizando o
funcionamento de Unidades Semi Intensivas nas Unidades Estaduais de
Saúde localizadas nesses municípios, até a capacitação de seus servidores
médicos, a qual está sendo providenciado mediante a contratação do Curso
de Pós-Graduação em Medicina Intensiva, que será ministrado pelo Instituto
Camilo Filho em parceria com a Associação Médica Intensivista do Brasil
( AMIB).
Desta feita, por tudo o exposto, e tendo em vista que o
Curso tem duração prevista de 15 (quinze) meses, solicita a SESAPI
prorrogação por mais 20 (vinte) meses do para funcionamento das UTIs nos
municípios de FLORIANO e Picos”
Findo o prazo solicitado pelo Réu, através da SESAPI, em 18
de outubro de 2006, em audiência conjunta realizada com a presença do Promotor
de Justiça com serventia na Comarca de Floriano e o Diretor de Organização
Hospitalar da SESAPI, dr. Telmo Gomes Mesquita, fora reafirmado o compromisso
de implantação do serviço, nos termos que segue:
“ (...) Que até o momento não foi implantada a semiintensiva em FLORIANO, em razão da ausência de pessoal especializado
( intensivista) que estão fazendo um curso de especialização, inclusive,
financiado em parte pela SESAPI e, com término previsto para dezembro do
corrente ano. Que já foram concluídas as reformas de instalações físicas,
restando a parte de gases. Que em relação aos demais equipamentos
necessários ao funcionamento do serviço, estes estão em processo de
aquisição e que o atraso deveu-se em razão das emendas parlamentares, no
entanto, os mesmos serão adquiridos com recursos do tesouro estadual.
Ademais, até o final de janeiro de 2007 o serviço acha-se em pleno
funcionamento, haja visto, o compromisso de ajustamento com este órgão
ministerial”
A conduta omissiva do ente estatal acarreta considerável
déficit de leitos de UTI através do Sistema Único de Saúde, não só no âmbito
local, mas também na capital do Estado (haja vista o excessivo deslocamento de
pacientes necessitados de Terapia Intensiva), gerando gravíssimos prejuízos para
a saúde da população Piauiense.
Assim, Exa., até a presente data, estão os pacientes e cidadãos
sem a adequada e integral assistência à sua saúde, omitindo-se o Estado em seu
dever constitucional e causando, com tal conduta, o falecimento de seus
governados.
Ante tal quadro, não restou a essa Promotoria outra medida
senão a presente ação, eis que a urgência e a gravidade da questão pontuada
não confere arbítrio qualquer ao Ministério Público Estadual para concessão de
intermináveis prazos e ajustamentos extrajudiciais, sob pena de negar-se
efetividade e integralidade ao direito à saúde.
DO DIREITO
Relevante a transcrição das normas jurídicas que tratam do
direito do cidadão à saúde, para que se tenha exata compreensão da efetiva
proteção que lhe dá o ordenamento jurídico de nosso País, possibilitando-lhe,
individual ou coletivamente, o exercício desse direito público subjetivo em face do
Estado.
DA LEGISLAÇÃO APLICÁVEL:
Constituição Federal:
Art. 1º, incisos II e III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:... II- a cidadania; III- a dignidade
da pessoa humana”,
Art. 3º “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: Iconstruir uma sociedade livre, justa e solidária; ... III – erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação”.
Art. 5º caput: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:”
...
§ 1º: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata”.
Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer,
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
Art. 23, inciso II: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios: ...II – cuidar da saúde e assistência pública...”
Art. 37 caput: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência...”
Art. 196: “A vida é direito de todos e dever do Estado, garantido políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
Art. 197: “As ações e os serviços de saúde têm relevância pública”.
Art. 198: “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada
e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de
governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízos dos serviços assistenciais; ...”
Lei nº 8.080/90 ( Lei Orgânica do SUS)
Art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§1º: O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução
de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doença e de
outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso
universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção,
proteção e recuperação.”
Art. 4º: “O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e
instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direta e
Indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único
de Saúde – SUS”.
Art. 5º: “São objetivos do Sistema Único de Saúde – SUS: ...III- a assistência
às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação
da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades
preventivas.”
Art. 6º: “Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de
Saúde – SUS: I – a execução de ações: d) de assistência terapêutica integral,
inclusive farmacêutica;”
Art. 7º: “As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados
ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde – SUS, são
desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no artigo 198 da Constituição
Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de
assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e
coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do
sistema;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer
espécie;
XXII- capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência”.
Art. 8º: “As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde
– SUS, seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa
privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis
de complexidade crescente.”.
Art. 17: “À direção estadual do Sistema Único de Saúde – SUS compete:
II – acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de
Saúde – SUS;
III – prestar apoio técnico o financeiro aos Municípios e executar supletivamente
ações e serviços de saúde;
IX – identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas
públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional”;
Código de Defesa do Consumidor
Art. 22: “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto
aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único: Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das
obrigações
referidas
neste
artigo,
serão
as
pessoas
jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma
prevista neste Código.”
Constituição do Estado do Piauí
xxxxxxx
Porquanto, é obrigação do Estado do Piauí promover a
descentralização dos leitos de UTI, se preocupando em oferecer leitos em
diversas regiões do território, para descentralizar o atendimento, beneficiar a
população e desafogar os grandes centros.
Assim,
um dos primeiros passos é a instalação e
funcionamento da UTI do HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, no município
de Floriano, o que contribuirá para reduzir um pouco a sobrecarga da capital do
Estado, que há muitos anos é praticamente a única cidade no estado a receber
pacientes portadores de enfermidades carentes de terapia intensiva, por força do
art. 17, I, da Lei Orgânica do SUS (Lei no 8.080/90).
A Regionalização da Saúde deve ser entendida enquanto
um processo de organização das ações e serviços de saúde numa
determinada região, visando a universalidade do acesso, a equidade, a
integralidade e resolutividade.
Regionalizando a saúde, com qualidade, promove-se uma
integralidade da atenção, corrige-se desigualdades territoriais e sociais, promovese a equidade, racionaliza-se gastos e otimiza-se recursos.
Assim, é necessário o estabelecimento de compromissos
acerca da responsabilidade sanitária com a organização da atenção e da gestão
do sistema e dos serviços para o enfrentamento dos problemas de saúde da
população em um determinado território.
No entanto, mister se faz a existência de mecanismos
institucionais que promovam a articulação e pactuação para o desenvolvimento
das ações e serviços de natureza regional, inclusive no co-financiamento.
O que parece óbvio é que não se deve transferir para uma
esfera de maior abrangência aquilo que pode ser realizado pela esfera
local/municipal.
Assim, tendo em vista que é o gestor estadual o responsável
por questões que transcendem à jurisdição municipal, pelo atendimento de
referência aos pacientes que, pela própria limitação do sistema de saúde do
município onde moram, recorrem aos serviços mais complexos existentes na
capital do estado ou em cidades maiores, a que se deve a
RESPONSABILIZAÇÃO POR ESTAS AÇÕES.
Neste diapasão, afeita-se na figura do gestor estadual, a
pessoa que deve ter a competência para planejar, organizar, administrar e
executar tais serviços e ações, pois é esse nível de governo que detém a visão
geral de toda a realidade da saúde pública regional.
Desse contexto, verifica-se que as adequações necessárias
à implementação de leitos de UTI, com os recursos humanos e físicos necessários
constituem deveres impostergáveis do Réu.
Toma-se emprestadas as doutas palavras de Marlon Alberto
Weichert que assinala:
“A ação civil pública é, por excelência, a ferramenta de
promoção e defesa judicial, pelo Ministério Público, do
direito à saúde. Em função da nota constitucional, seu uso
deve ser admitido – sem a possibilidade de barreiras legais
– para a defesa dos interesses coletivos e indisponíveis, de
modo amplo.”4
CONFRONTO ENTRE OS FATOS E A LEGISLAÇÃO
Depreende-se, da realidade fática, que a atual prestação de
serviços de internação hospitalar pela rede estadual é insuficiente para
atender à demanda da população piauiense e a omissão estatal tem redundado
em desassistência e risco à saúde das pessoas.
Esta é a realidade no Estado do Piauí:
Pacientes com necessidade de internação hospitalar ou em UTI
aguardando longos períodos, em situação não ideal, em pronto-atendimentos,
sem estrutura física e de pessoal adequada ao atendimento de alta complexidade.
Pacientes com necessidade de submissão a procedimentos
cirúrgicos aguardando longos períodos, em pronto-socorro superlotado ou mesmo
em suas residências, aguardando uma vaga de UTI ou leito de retaguarda.
Como demonstrativo real desta situação, eis uma das relações de
pedidos de TERAPIA INTENSIVA NÃO ATENDIDOS NAS UTIS, NO HGV, no
período de 19/08/2006 a 31/12/2006, em anexo.
Todavia, tal destino ocorre não mais por uma fatalidade, mas pela
omissão do Governo Estadual. Omissão claramente ilegal, que desrespeita o
direito público subjetivo que esses pacientes têm de receberem toda a atenção à
saúde de que necessitam, na forma e grau de assistência indicada para seu
tratamento.
A legislação acima transcrita traz em suas linhas várias regras
que podem assim ser resumidas.
A primeira delas é que tais doentes, enquanto pessoas humanas,
detentoras do direito fundamental à vida e à saúde, enquanto pacientes do SUS,
têm direito ao tratamento integral. E tratamento integral, para os pacientes
graves com indicação de internação hospitalar, seja ou não em UTI ou mesmo de
procedimento cirúrgico é a internação hospitalar e o procedimento cirúrgico e não
a espera em corredores de pronto-atendimentos ou pronto-socorros. Isso não é
assistência à saúde. Se é, é apenas do ponto de vista da gestão estadual de
saúde, mas não da Constituição Federal.
As normas definidoras desse direito constitucional têm aplicação
imediata, não se tratando de meras regras programáticas.
O Governo Estadual não está obedecendo à Carta Magna e nem
à lei e muito menos sendo eficaz, quando não disponibiliza o necessário aos
usuários do SUS, violando manifestamente o disposto no artigo 37 da CF. É seu
dever assegurar à ao paciente atendido pelo Sistema Único de Saúde,
gratuitamente, o tratamento assistencial integral, o que não vem ocorrendo, por
reiteradas vezes, até o presente momento por culpa exclusiva da Secretaria de
Estado da Saúde.
Deveria ser diretriz do SUS, neste Estado, a eqüidade como meio
para o tratamento desigual de casos desiguais. Se quadros de gravidade de
alguns pacientes exigem procedimentos de alta complexidade, tal modalidade de
assistência está plenamente garantida pela Lei, que garante o respeito às
necessidades de todos os seguimentos da população.
Outra regra salienta a responsabilidade da direção Estadual
do SUS de identificar estabelecimentos de referência e gerir sistemas
públicos de alta complexidade, de referência regional, como é o caso do
HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, em Floriano.
É sua obrigação, portanto, prover serviços de internação
hospitalar, inclusive de UTI , que atendam à demanda real da população, em
quantidade e qualidade que garanta à vida e à saúde dos pacientes que
necessitem do acesso, sob pena de responsabilização objetiva do Estado do
Piauí, enquanto pessoa jurídica de direito público.
Não adianta garantir às pessoas tratamento limitado, insuficiente,
que abreviará suas mortes, pois essa postura omissa desobedece a diretriz da
“resolutividade”. “Meio-tratamento” não é tratamento integral, pois não resolve o
problema do cidadão, e, pior, por vezes, antecipa sua morte ou gera seqüelas.
Não se está, aqui, estabelecendo prioridade na atuação da
administração pública, colocando-se na posição do Poder Executivo Estadual. A
fixação de prioridades de governo é amplamente acobertada pela Lei, desde que,
na sua execução, não se deixem direitos fundamentais e indisponíveis ao
desamparo da atuação Estatal. Mesmo na área dos direitos sociais, como a
saúde, pode-se estabelecer prioridades, no exercício da discricionariedade.
Todavia, sua efetivação não pode ensejar situações ilegais, porque o atendimento
à saúde é serviço de relevância pública, e o respeito ao ordenamento jurídico é
dever fundamental de qualquer esfera de governo.
Não há que se falar em limites orçamentários ou em
observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, como desculpa para a
manutenção da situação ilegal narrada nesta inicial. A sociedade, a população, o
cidadão têm direitos aqui extraídos do ordenamento jurídico em vigor, identificados
em normas jurídicas auto-aplicáveis.
O direito à saúde representa prerrogativa constitucional
indisponível do indivíduo. E, em situação similar, o Supremo Tribunal Federal já
decidiu que prerrogativas jurídicas dessa natureza impõem ao Estado, por meio da
alta significação de que se reveste, a obrigação constitucional de criar condições
objetivas que possibilitem, de maneira correta, o atendimento integral à saúde do
indivíduo/coletividade, sob pena de configurar-se inaceitável omissão
governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento,
pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da
Constituição Federal.
Vale citar trecho da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, exemplificada no RE n. 436.996-Agr/SP:
“EMBORA RESIDA, PRIMARIAMENTE, NOS PODERES
LEGISLATIVO E EXECUTIVO, A PRERROGATIVA DE
FORMULAR
REVELA-SE
E
EXECUTAR
POSSÍVEL,
NO
POLÍTICAS
ENTANTO,
PÚBLICAS,
AO
PODER
JUDICIÁRIO, DETERMINAR, AINDA QUE EM BASES
EXCEPCIONAIS, ESPECIALMENTE NAS HIPÓTESES DE
POLÍTICAS PÚBLICAS DEFINIDAS NA CONSTITUIÇÃO,
SEJAM
ESTAS
IMPLEMENTADAS
PELOS
ÓRGÃOS
ESTATAIS INADIMPLENTES, CUJA OMISSÃO – POR
IMPORTAR EM DESCUMPRIMENTO DOS ENCARGOS
POLÍTICO-JURÍDICOS QUE SOBRE ELES INCIDEM EM
CARÁTER
MANDATÓRIO
–
MOSTRA-SE
A
COMPROMETER A EFICÁCIA E A INTEGRIDADE DE
DIREITOS SOCIAIS E CULTURAIS IMPREGNADOS DE
ESTATURA CONSTITUCIONAL. A QUESTÃO PERTINENTE
À RESERVA DO POSSÍVEL.”
Nesses termos o voto do Ministro Celso de Mello, ao julgar o
referido Rext 436.996-6, enfrentar a questão da teoria da RESERVA DO
POSSÍVEL, bem esclarecendo:
“Não se ignora qeu a realização dos direitos econômicos,
sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade
de seu processo de concretização – depende, em grande
medida, de um enescapável vínculo financeiro subordinado às
possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a alegação de incapacidade
econômico-financeira da pessoa estatal, desta não se poderá
razoavelmente exigir, então, considerada a limitação material
referida, a imediata efetivação do comando fundado na Carta
Política.
Não se mostrará lícito, contudo, ao Poder Público, em tal
hipótese, cirar obstáculo artificial qeu revele, a partir de
indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou
político-administrativa – o ilegítimo, arbitrário e censurável
propósito de fraudar, de frustar e de inviabilizar o
estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos
cidadãos, de condições materiais mínimas de existência
(ADPF 45/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Informativo/STF nº
345/2004).
Cumpre advertir, desse modo, na linha de expressivo
magistério doutrinário (OTÁVIO HENRIQUE MARTINS
PORT,
“Os
Direitos
Sociais
e
Econômicos
e
a
Discricionariedade da Administração Pública, p. 105/110,
item n. 06, e p. 209/211, itens ns. 17-21, 2005, RCS Editora
Ltda.), qeu a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a
ocorrência do justo motivo objetivamente aferível – não pode
ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se,
dolosamente,
constitucionais,
do
cumprimento
notadamente
de
quando,
suas
dessa
obrigações
conduta
governamental negativa, puder resultar nulificação, ou, até
mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados
de um sentido de essencial fundamentalidade.
Daí a correta observação de REGINA MARIA FONSECA
MUNIZ (“O Direito à Educação”, p. 92, item n. 3, 2002,
Renovar), cuja abordagem do tema – após qualificar a
educação como um dos direitos fundamentais da pessoa
humana – põe em destaque a imprescindibilidade de sua
implementação, em ordema promover o bem-estar social e a
melhoria da qualidade de vida de todos, notadamente das
classes menos favorecidas, assinalando, com particular
ênfase, a próposito de obstáculos governamentais que possam
ser eventualmente opostos ao adimplemento dessa obrigação
constitucional, que “o Estado não pode se furtar de tal dever
sob alegação de inviabilidade econômica ou de falta de
normas de regulamentação.”
Assim, conclui-se, ser a ação civil pública o instrumento
processual apto a corrigir ofensa a interesses indisponíveis decorrentes da
constatação de déficit de leitos de UTIs nas diversas áreas de abrangência da
Saúde de Floriano, bem como toda a sua micro-região, em flagrante prejuízo dos
pacientes que necessitam de tratamento intensivo, como ora se trata e, dessa
forma, ao Ministério Público, enquanto representante da sociedade, convencido da
existência de lesão daí decorrente, impõe-se provocar a função jurisdicional do
Estado visando a efetiva defesa do interesse indiscutivelmente maculado.
DO NÚMERO DE LEITOS NECESSÁRIOS
O Ministério da Saúde, em sua portaria de no 1.101/GM,
determina em seu item 3.5. que o número necessário para regiões como a microregião de Floriano é o seguinte:
3.5. NECESSIDADE DE LEITOS HOSPITALARES
Em linhas gerais, estima-se a necessidade de leitos
hospitalares da seguinte forma :
a) Leitos Hospitalares Totais = 2,5 a 3 leitos para cada 1.000
habitantes;
b) Leitos de UTI: calcula-se, em média, a necessidade de 4% a
10% do total de Leitos Hospitalares; (média para municípios
grandes, regiões, etc.).
De acordo com o parecer emanado pelo Departamento de
Atenção Especializada, da Secretaria de Atenção à Saúde, daquele Ministério, o
mesmo corrobora com aquela determinação ao dispor:
“...de
acordo
Portaria/GM
com
1.101
parâmetros
de
recomendados
12/06/2002,
pela
considerando
a
população referenciada, e a necessidade de 2,5 leitos para
cada 1000 habitantes...
“...números que iriam atender ao mínimo preconizado pela
Portaria Ministerial acima citada, que é de 4% (quatro
por cento) do número de leitos hospitalares necessários”
Assim
sendo,
microrregião
de
Floriano
é
uma
das
microrregiões do estado brasileiro do Piauí pertencente à mesorregião Sudoeste
Piauiense. Sua população foi estimada em 2006 pelo IBGE em 121.544 habitantes
e está dividida em doze municípios. Possui uma área total de 18.333,419 km².1,
sendo formada pelos seguintes municípios:
•
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•
•
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•
•
Canavieira
Flores do Piauí
Floriano
Guadalupe
Itaueira
Jerumenha
Nazaré do Piauí
Pavussu
Rio Grande do Piauí
São Francisco do Piauí
São José do Peixe
São Miguel do Fidalgo
Aplicando o disposto naquela portaria (1.101/02), para esta
população informada, tem-se que a necessidade de leitos da microrregião é de
303 a 364 leitos hospitalares. O que gera um número mínimo de 12 a 14 LEITOS
DE UTI instalados no HOSPITAL REGIONAL TIBÉRIO NUNES, na cidade de
Floriano.
Diante do quadro apresentado e de todo o mais que foi exposto,
estão evidenciadas as seguintes conclusões: A uma, que vem havendo reiterada
omissão do Estado do Piauí em atender à demanda de leitos hospitalares. A
duas, que é inconteste a obrigação do Poder Público em garantir integral
assistência à saúde aos seus cidadãos.
1
Dados colhidos no sítio da internet http://pt.wikipedia.org/wiki/Microrregi%C3%A3o_de_Floriano
Assentadas as conclusões, restam ainda, ao Ministério Público
Estadual, algumas perguntas fundamentais, a serem respondidas:
Se afinal uma gestão estadual do SUS deve executar política de
saúde para atender às reais necessidades da população, ou simplesmente
pretender que a população se adeque ou se satisfaça com as disponibilidades de
uma rede desestruturada?
Se a cidadania, ao se deparar com as mazelas da saúde, se
contenta apenas com encaminhamentos de longo prazo, que não evitam e nem
apagam as dores do hoje e do amanhã?
É de estarrecer a desumanidade que pode ser causada pela
omissão. E estarrece sempre pensar na conseqüência prática do que aqui se
relata. O bom senso naturalmente repele toda sorte de abusos, e assim deve ser,
em especial, quando tema é a negligência à vida das pessoas.
Afinal, é preciso lembrar que a desesperança é um fardo grande
para os pacientes que vivenciam a omissão estatal na saúde, porque leva a pecha
de todas as carências possíveis ao homem. Essa desesperança só não é maior
do que o próprio lastro de sua culpa, porque esta vai exatamente até o ponto onde
ainda se podem vislumbrar as suas mazelas.
A realidade da saúde no Estado do Piauí não sugere dúvidas
sobre a necessidade de adequações, porque para o descaso, não há escusas
plausíveis. Aqui, sequer se discute o desrespeito; discute-se, talvez, a
medida de sua irreversibilidade na vida daqueles que o sofreram e, mais
importante, o quanto urge fazê-lo cessar aos que ainda o sofram.
Como prefaciou certa vez Doutor Frederico Mayor, à época em que
era Diretor-Geral da UNESCO, “não podemos mais continuar a ser espectadores
aterrorizados da barbárie. Em um mundo cada vez mais transparente, tornamonos cúmplices se pensamos que o inadmissível é irremediável. É necessário,
portanto, agir, e agir rápido, antes que o círculo vicioso ação-reação se instale.
Senão, qualquer intervenção será apenas a constatação do fracasso, já que
posterior ao sofrimento, ao ferimento e à morte. Intervindo muito tarde somos, ao
mesmo tempo, portadores e atores de métodos obsoletos...”2.
A responsabilidade pública é grande. E vale lembrar que, onde há
poder, há sempre culpa. Talvez a adoção das medidas judiciais cabíveis tenha
delongado, a ponto de ser preciso encarar duramente algumas de suas
conseqüências. Mas há ainda há espaço para a atuação de nossas consciências.
Este o mister que se nos apresenta, e pelo seu resultado certamente
responderemos ao final.
Por isso, essa ação não é apenas um instrumento judicial, é
também o resultado de um apelo que vem sendo feito diuturnamente pelos
pacientes do SUS e seus familiares, em razão de todos os fatos que se passam
na rede pública de saúde. A partir de agora, o apelo está posto como pleito de
salvaguarda de direitos.
DA TUTELA ANTECIPADA
A Lei n.°8.952, de 13 de dezembro de 1994, conferiu nova
redação ao art. 273 do Código de Processo Civil, no sentido de possibilitar a
antecipação dos efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, ao enunciar:
“O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido
inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença
da verossimilhança da alegação e:
2
MAYOR. Frederico apud SAÚDE: UM DIREITO INVIOLÁVEL À VIDA, p. 19.
I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil
reparação;
II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.”
Os dois critérios gerais eleitos pelo legislador para a
antecipação de tutela são, portanto, como dispõe a lei processual, prova
inequívoca e verossimilhança do alegado. Comentando esses requisitos, Teori
Albino Zavascki pondera que
“atento, certamente, à gravidade do ato que opera restrição
de direitos fundamentais, estabeleceu o legislador, como
pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das
espécies de antecipação da tutela, que haja (a) prova
inequívoca e (b) verossimilhança da alegação. O fumus
boni
iuris
deverá
estar,
portanto,
especialmente
qualificado: exige-se que os fatos, examinados com base na
prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Em
outras palavras: diferentemente do que ocorre no processo
cautelar (onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e
de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação
da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao
fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza
quanto à verdade dos fatos. Sob esse aspecto, não há como
deixar de identificar os pressupostos da antecipação da
tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado
de segurança: nos dois casos, além da relevância dos
fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a
matéria fática. (…) Assim, o que a lei exige não é,
certamente, prova de verdade absoluta, que sempre será
relativa, mesmo quando concluída a instrução, mas uma
prova robusta, que, embora no âmbito de cognição sumária,
aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do
juízo de verdade.”
O Supremo Tribunal Federal – STF, em acórdão nos autos
do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 238.328-0 (Julgado em
16.11.99), no voto do Relator Ministro Marco Aurélio, quando provocado a se
pronunciar sobre a matéria, afirmou que a falta de dispositivo legal para o custeio
e distribuição de remédios para AIDS não impede que fique comprovada a
responsabilidade do Estado, pois “decreto visando-a não poderá reduzir, em si, o
direito assegurado em lei”. E, esclareça-se desde já, com base no art. 23 da
CF/98, que o cidadão pode demandar contra qualquer dos entes federados na
busca da proteção de saúde: “SAÚDE PÚBLICA. FORNECIMENTO GRATUITO
DE MEDICAMENTOS POR ENTIDADE PÚBLICA MUNICIPAL PARTICIPANTE
DO SUS. CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPADA EM PLEITO ORDINÁRIO.
DIREITO À VIDA. DEVER COMUM DOS ENTES FEDERADOS. ARTS. 196 E
198 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES PRETORIANOS.
AUSÊNCIA DE PREVISÃO ORÇAMENTÁRIA QUE NÃO PODE PENALIZAR O
CIDADÃO. AGRAVO NÃO PROVIDO. DECISÃO CONFIRMADA. AS entidades
federativas têm o dever ao cuidado da saúde e da assistência pública, da
proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência de saúde, a teor
do disposto no art. 23 da Constituição Federal. Assim, não se pode prestar à
fuga de responsabilidade a mera argüição de violação ao princípio do
orçamento e das normas de realização de despesa pública, quando
verificado que o Estado, na condição de instituição de tributo especial
dirigido a suplementar verbas da saúde, não o faz com competência devida”.
(Agravo de Instr. Nº 1999.002.12096, 9ª Câm. Cível, TJRJ, Rel.: Des. Marcus
Tullius Alves, Julgado em 02.05.2000)”.
No caso ora posto sob apreciação judicial, todos os
requisitos exigidos pela lei processual para o deferimento da tutela antecipada
encontram-se reunidos. A verossimilhança da alegação decorre da própria certeza
com relação aos fatos. O fumus boni iuris encontra-se induvidosamente presente,
assentado sobre os argumentos jurídicos que apontam para cristalina violação do
princípio fundamental do respeito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), da saúde
como direito social (CF, art. 6°, caput) e como direito de todos e dever do Estado
(CF, art. 196).
Com
efeito,
as
inúmeras
normas
constitucionais
e
infraconstitucionais que consagram o direito à saúde, com prioridade para a
existência
de
Unidades
de
Tratamento
Intensivo,
DE
FORMA
DESCENTRALIZADA POR TODO O ESTADO DO PIAUÍ, mais do que
evidenciam a necessidade de tutela imediata do interesse difuso concernente à
assistência médico-hospitalar intensiva neste Município, que há muito vem sendo
negligenciada pelo Poder Público.
Presente também o periculum in mora posto que a situação
atual é insustentável, valendo enfatizar as inúmeras mortes que ocorrem nas
dependências dos hospitais da micro região de Floriano, pela ausência de leito em
UTI no Hospital de Referência, ou a permanecer a “ ambulancioterapia”
consistente na transferência desordenada de pacientes para o Hospital Getúlio
Vargas, que também não dispõe de leitos de UTI suficientes para atender a
demanda de todo o Estado e regiões vizinhas, onde os médicos precisam realizar
a dura missão de selecionar quem vive e quem morre, quando conseguem chegar
à Capital e/ou vaga disponível pelo SUS.
Impor à coletividade que aguarde a ação voluntária do
Estado para o gozo de seus direitos mais basilares, enquanto pessoas
continuam a falecer por falta de assistência adequada seria manter, por
prazo indefinido, a situação de injustiça e de grave violação aos direitos
fundamentais.
A jurisprudência já tem mostrado ser possível a concessão
da antecipação de tutela em desfavor do Poder Público, notadamente quando se
faz necessária a manutenção do estado de saúde, conforme se pode conferir pela
leitura de recente e emblemático acórdão, da lavra do Superior Tribunal de
Justiça:
“1. O Pedido de Obrigação de Fazer em face da Fazenda
Pública deve vir acompanhado da medida de coerção
cognominada de multa diária, cujo caráter patrimonial visa
a vencer a obstinação do devedor no cumprimento da
obrigação contraída intuitu personae, sob pena de
inutilidade do acolhimento do pedido. Nesse sentido tivemos
a oportunidade de discorrer:
'A influência francesa, responsável também pela concepção
'liberal' do inadimplemento, remediou a sua pretérita
condescendência com os devedores e instituiu a figura das
'astreintes' como meios de coerção capazes de vencer a
obstinação do devedor ao não-cumprimento das obrigações,
principalmente naquelas em que a colaboração do mesmo
impunha-se pela natureza personalíssima da prestação. A
multa diária apresenta, assim, origem e fundamento nas
obrigações em que o atuar do devedor é imperioso mercê de
não se poder compeli-lo a cumprir aquilo que só ele pode
fazer – nemo potest cogi ad factum.'. (In "Curso de Direito
Processual Civil", Editora Forense, 3.ª Edição, 2005, págs.
194 e 195).
(...) 4. Deveras, pacífica a possibilidade de imposição de
astreintes consoante se colhe do teor dos seguintes
precedentes de igual conteúdo:
'PROCESSUAL
CIVIL.
RECURSO
ESPECIAL.
FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO ESTADO A
PESSOA HIPOSSUFICIENTE. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.
OBRIGAÇÃO DE FAZER DO ESTADO. INADIMPLEMENTO.
COMINAÇÃO
DE
INCIDÊNCIA
DO
MULTA
MEIO
DE
DIÁRIA.
ASTREINTES.
COERÇÃO.
PROTEÇÃO
CONSTITUCIONAL À SAÚDE, À VIDA E À DIGNIDADE DA
PESSOA HUMANA. PRIMAZIA SOBRE PRINCÍPIOS DE
DIREITO FINANCEIRO E ADMINISTRATIVO.
1. Recurso especial que encerra questão referente à
possibilidade de o julgador determinar, em ação que tenha
por objeto a obrigação de fornecer medicamentos a
hipossuficiente portador de Werdnig-Hoffman (atrofia de
corno anterior da medula espinhal), a concessão de tutela
antecipada,
implementando
medidas
executivas
assecuratórias, proferida em desfavor de ente estatal. 3. In
casu, consoante se infere dos autos, trata-se obrigação de
fazer, consubstanciada no fornecimento de medicamento ao
paciente que em virtude de doença necessita de medicação
especial para sobreviver, cuja imposição das astreintes
objetiva assegurar o cumprimento da decisão judicial e
conseqüentemente
resguardar
o
direito
à
saúde.
4.
'Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, em se
tratando de obrigação de fazer, é permitido ao juízo da
execução, de ofício ou a requerimento da parte, a imposição
de multa cominatória ao devedor, mesmo que seja contra a
Fazenda Pública.' (AGRGRESP 189.108/SP, Relator Ministro
Gilson Dipp, DJ de 02.04.2001).
5. Precedentes jurisprudenciais do STJ: REsp 775.567/RS,
Relator Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ 17.10.2005;
REsp 770.524/RS, Relatora Min.ELIANA CALMON, DJ
24.10.2005; REsp 770.951/RS, Relator Min. CASTRO
MEIRA, DJ 03.10.2005; REsp 699.495/RS, Relator Min.
LUIZ FUX, DJ 05.09.2005.
6. A Constituição não é ornamental, não se resume
a um museu de princípios, não é meramente um
ideário; reclama efetividade real de suas normas.
Destarte, na aplicação das normas constitucionais,
a exegese deve partir dos princípios fundamentais,
para os princípios setoriais. E, sob esse ângulo,
merece destaque o princípio fundante da República
que destina especial proteção a dignidade da pessoa
humana.
7. Outrossim, a tutela jurisdicional para ser efetiva
deve dar ao lesado resultado prático equivalente ao
que
obteria
se
a
prestação
fosse
cumprida
voluntariamente. O meio de coerção tem validade
quando capaz de subjugar a recalcitrância do
devedor. O Poder Judiciário não deve compactuar
com o proceder do Estado, que condenado pela
urgência da situação a entregar medicamentos
imprescindíveis proteção da saúde e da vida de
cidadão necessitado, revela-se indiferente à tutela
judicial deferida e aos valores fundamentais por ele
eclipsados.
8. Recurso especial provido.' (REsp 771.616/RJ, Rel. Min.
LUIZ FUX, Primeira Turma, DJ 01.08.2006)
5. Recurso Especial provido, divergindo do E. Relator.”
É perfeitamente justificado o receio de ineficácia do
provimento final, caso a Administração não seja obrigada, desde já, a tomar as
providências que ensejarão a observância da ordem Judicial no prazo
estabelecido na respectiva Decisão. Esta a razão da necessidade da concessão
liminar dos efeitos da tutela pleiteada. Há risco à vida e à saúde dos pacientes
com indicação de internação hospitalar, facilmente evitável se o Poder Público
Estadual for compelido a atuar desde agora, com tempo razoável a evitar novas
lesões à saúde pública.
DOS PEDIDOS
Isso exposto, protestando-se pela produção de todas as
provas admitidas em direito, pleiteia-se:
a) O deferimento de tutela antecipada, sem justificativa ou
oitiva da parte contrária, diante da possibilidade prevista no artigo 12 da Lei
7.347/85, já que presentes os requisitos necessários para a concessão pretendida,
a fim de que seja determinado ao Estado do Piauí a adoção das providências
necessárias para que, no prazo em que Vossa Excelência entender como cabível,
comece a dar existência e colocar em funcionamento, mensalmente, no mínimo
01 (uma), de 12 a 14 leitos de UTI, correspondente ao déficit total de unidades
apurada, garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais,
atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432,
de 12 de agosto de 1998, sob pena de, não o fazendo, arcar com a imposição de
multa diária à razão de R$ 1.000,00 (um mil reais), nos termos do artigo 11 da Lei
Federal n° 7.347/85, a qual deverá ser revertida ao Fundo Estadual de Saúde,
sem prejuízo da responsabilização criminal da autoridade a quer der causa a
desobediência;
b) A citação do Estado do Piauí, por sua procuradoria judicial
no intuito de que, querendo, contestem a presente ação e a acompanhem, até
final sentença, sob pena de revelia;
c) A intimação pessoal do Ministério Público de todos os atos
do processo;
d) Sejam, ao final, julgados procedentes os pedidos, com o
propósito de que seja determinado ao Estado do Piauí a adoção das providências
necessárias para que o déficit total de UTIs apurado, na microrregião de Floriano,
em número correspondente entre 12 a 14 leitos, seja integralmente suprido,
garantindo proporção adequada de UTIs gerais, pediátricas e neonatais,
atentando-se às exigências humanas e físicas explicitadas Portaria GM nº 3432;
e) A produção de todas as provas admitidas em direito,
especialmente inquirição de testemunhas, juntada de documentos e exames
periciais que se fizerem necessários;
f) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e
outros encargos, nos termos do art. 18, da Lei Federal nº 7347/85;
g) A condenação do réu ao pagamento das despesas
processuais e verba honorária de sucumbência, cujo recolhimento deve ser
revertido ao Fundo de Modernização do Ministério Público do Estado do Piauí,
criado pela Lei Estadual nº 5.398, de 8 de julho de 2004.
Dá-se à causa, por ser inestimável, apenas para fins fiscais,
o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).
N. Termos,
P. Deferimento.
Teresina, 23 de outubro de 2.007.
CLÁUDIA PESSOA MARQUES DA ROCHA SEABRA
Promotora de Justiça
Coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde
EDMAR PIAUILINO BATISTA
Promotor de Justiça da Comarca de Floriano
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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA DA COMARCA DE