Distribuição Socioespacial de Paranaguá (1808) - Primeiras Linhas de uma Pesquisa
Allan Thomas Tadashi Kato
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Distribuição Socioespacial de Paranaguá (1808) –
Primeiras Linhas de uma Pesquisa
Allan Thomas Tadashi Kato
Mestrando em História, UFPR, [email protected]
Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a lógica de organização socioespacial
de Paranaguá (atual Estado do Paraná) no setor urbano em 1808. Propomos
um novo olhar que pretende analisar como os moradores produzem sua própria
lógica de organização social. A fonte que permite o início desta análise é o
Livro de Décima Urbana do município (1808). A Coroa portuguesa ordenou,
no Brasil, a cobrança do primeiro imposto predial citadino. Neste livro, a
cidade foi dividida por logradouros e os moradores registrados por casas.
Foram anotados os valores de aluguel (se necessário arbitrado) e do imposto
devido de cada imóvel. Na cidade foi a mais completa catalogação dos chefes e
proprietários urbanos de todo o período colonial. Cruzando a Décima com as
Listas Nominativas de Habitantes – censos nominais – do inicio do século XIX
pudemos caracterizar melhor aqueles chefes (origem, cor social, ocupação,
etc.). A espacialização dos lotes, e seus respectivos chefes, em uma planta
hipotética nos permitiram questionar quais são as relações, se existentes, entre
o local de habitação urbana e variáveis sócio-econômicas?
Palavras-chave: Organização social. Espaço urbano. Décima Urbana.
The aim of this paper is to analyze the logic of social and spatial
organization of Paranaguá (Paraná current) in the urban sector in 1808. We
propose a new look that you want to analyze how the citizens make their own
logic of social organization. The source that allows the beginning of this review
is the Livro de Décima Urbana (1808). The Portuguese Crown ordered in Brazil,
the first collection of city property tax. In this book, the city was divided by street
addresses and registered by the residents homes. Were recorded rents (if required
arbitrated) and the tax due for each property. In the city was the most complete
listing of municipal leaders and owners of the entire colonial period. Crossing
Décima with Listas Nominativas de Habitantes – a nominal censuses – from
the early nineteenth century might better describe those leaders (origin, color,
social, occupation, etc.). The spatial distribution of lots and their respective
chiefs, in a hypothetical plant allowed us to ask what are the relationships, if
any, between the location of urban housing and socio-economic variables?
Abstract:
Keywords: Social organization. Urban space. Décima Urbana
Caminhos da História, Vassouras, v. 6, n. 2, p. 7-24, jul./dez., 2010
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Introdução
Um alvará chegou às mãos da Ouvidoria de Paranaguá, um novo imposto a ser arrecadado.
Nada incomum a não ser o objeto sobre o qual incidiria a cobrança: os prédios urbanos.
Esta foi a primeira vez que a Coroa Portuguesa determinou a cobrança de um imposto
sobre todas as edificações urbanas no Brasil.1 Era a Décima Urbana, instituída em 27 de
junho de 1808. Um imposto sobre 10% do rendimento líquido dos imóveis para ser pago
pelos inquilinos moradores das cidades litorâneas no Brasil e nos outros domínios da
Coroa. A exceção eram as Santas Casas de Misericórdia pela piedade do seu instituto, e
as cidades da Ásia que pela decadência estavam isentas das cobranças. Nesse primeiro
momento as cidades do sertão do Brasil não foram incluídas.
O livro contendo a Décima de Paranaguá passou a ser escriturado em 10 de novembro de
1808, na forma como determinou o Alvará régio. Foi feita a cópia do Alvará e escolhidos
os membros da comissão que arbitraria o novo imposto: Junta da Décima.2
Os lançamentos no Livro da Décima foram divididos por ruas e travessas. Em relação à
maioria das vias, o escrivão teve o cuidado de definir o lado da rua (esquerdo e direito)
em que se localizava o morador tributado, e em relação a algumas ruas a sua direção (Rua
do Terço indo para o São Francisco, por exemplo) foi anotada. Quase sempre, arrolou-se
primeiro as casas de um lado, depois, as do outro.
Em cada nota foi registrado qual era o nome do proprietário, o do inquilino – se havia
–, a situação do morador com relação à casa (mora quando vem a vila, fechada, mora de
favor, etc.), valor do aluguel em réis, assim como o valor das falhas e consertos e o valor
do imposto da Décima. É importante esclarecer que as casas arroladas na Décima têm um
valor arbitrado de aluguel, mesmo não tendo a função de serem alugadas. Indicação de
pavimentos (sobrados e térreos) e numeração das casas é feita na margem no texto.
Rua do Terço indo para o São Francisco - Lado esquerdo
Casas próprias do Tenente Coronel Ricardo Carneiro dos Santos alugadas ao
Capitão Antonio Jose Alves pela quantia de nove mil e seiscentos por ano vem
a sair de cima a quantia de novecentos e sessenta dos quais abatida a de cima
para consertos na forma do Regimento vem a décima oitocentos e sessenta e
quatro réis com a qual a quantia se sai a margem ........$864 Lançada no Livro
da Receita f.3.
1 Em Portugal esse imposto já era corrente. Conforme indica o alvará que determina a lei de cobrança da Décima:
“tendo mostrado a experiência, e a constante prática de Portugal que o imposto da Décima nos prédios tem a
vantagem de ser o mais geral, e repartido com mais igualdade”. Fonte: Livro de Lançamento do imposto de
dízimos de Paranaguá (10-11-1808 a 06-02-1857). Manuscrito sob guarda do Arquivo Municipal de Curitiba.
Cópia digital pertencente ao CEDOPE, UFPR. Transcrição deste alvará já foi publicada no final do século XIX.
BRASIL. Collecção das Leis do Brazil de 1808. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891. p. 69-73.
2 Como fiscal da Real Fazenda o sargento-mor Manoel Antonio da Costa, por parte da nobreza Capitão Manoel
Alves de Carneiro, pela parte do povo Antonio Jose Leite Basto, carpinteiros Manoel Jose de Farias e Francisco
Alves, e o pedreiro Simão da Silva Costa, na falta de outro.
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De modo semelhante, se fez a Décima em Antonina.3 No Rio de Janeiro, a execução
da Décima ocorreu mais tarde, entre 1809-1810 apesar de ser litorânea. A conhecemos
através de Nireu Cavalcanti.4 De modo geral, o conteúdo desses livros de imposto
predial é semelhante ao de Paranaguá. A diferença era o tamanho das cidades e o grau de
detalhamento dos imóveis.
Em um segundo momento, as cidades do sertão foram incluídas na Décima. O Alvará
de 3 de junho de 1809 determinaria a extensão da cobrança do imposto para todas as
aglomerações urbanas no Brasil.5 Nesse sentido, São Paulo elaborou seus livros de
Décima que conhecemos através de J. Silva e, principalmente, com R. Glezer. B. Bueno
que também utilizou o Livro de Décimas de São Paulo, agora como fonte principal, para
provar a existência de um mercado imobiliário.6 Também muito parecido, no conteúdo
básico, com as outras Décimas.
O estudo que segue tem como objetivo a análise da organização espacial de Paranaguá em
1808, a partir dos chefes de domicilio. São as primeiras linhas de um estudo que pretende
analisar de forma integrada essa e outras duas cidades, Antonina e Curitiba – também no
Estado do Paraná. Pretendemos avançar na análise da distribuição buscando compreender
de modo mais profundo qual a lógica da organização espacial nessas três vilas, da então,
Capitania de São Paulo.7
1. O urbano e Paranaguá urbana
A instituição da cobrança da Décima obrigou a Câmara, em 1808, à demarcação de um
perímetro urbano para que fosse efetuada a cobrança dos prédios. Entretanto, esta não
foi a primeira vez que se definiu uma área urbana em Paranaguá. Quando da fundação
da vila, o rocio, o termo e o setor urbano – a vila propriamente dita – foram definidos.
Ao rocio meia légua, ao termo os limites com outras vilas ou a imensidão do sertão,
ao urbano as primeiras ruas em torno da Igreja Matriz onde estão sendo construídas as
primeiras casas.
Um outro momento em que se percebe nas fontes a presença de uma noção de que havia um
espaço urbano definido na mente dos moradores e administradores é na Lista Nominativa
de Habitantes de Paranaguá, de 1765. Ali novamente um urbano está demarcado. Os
3 GOMES, S.V. Organização espacial numa vila colonial luso-brasileira, Antonina 1808. Curitiba Monografia de
conclusão do curso de História – UFPR, 2003, p.54.
4 CAVALCANTI, N. O Rio de Janeiro Setecentista: a vida e a construção da cidade da invasão francesa até a
chegada da Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p. 262-264.
5 BRASIL. Leis etc. Colecção das Leis do Brazil de 1809. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 72-73.
6 BUENO, B.P.S. Tecido urbano e mercado imobiliário em São Paulo: metodologia de estudo com base na Décima
Urbana de 1809. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 13, n.1, 2005, pp. 59-97. GLEZER, R. Chão de terra: um
estudo sobre São Paulo colonial. Tese de livre docência defendida na Universidade de São Paulo, 1992.
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Aqui na UFPR, o CEDOPE vem produzindo trabalhos sobre a Décima Urbana há algum tempo (Centro de
Documentação e Pesquisa da História dos Domínios Portugueses, séculos XV ao XIX, Departamento de História,
Universidade Federal do Paraná). Desde 2002 o professor Dr. Magnus Roberto de Mello Pereira orienta trabalhos
que tem como objetivo a análise da organização espacial em cidades coloniais luso-brasileiras. Nesse sentido a
Décima é a principal fonte utilizada, pois mostra um retrato da cidade no momento em que é produzida a fonte. Os
trabalhos de conclusão de curso produzidos por S. Gomes e por mim são resultados dessa empresa.
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moradores do espaço urbano são divididos por ruas e travessas enquanto os do Rocio
– região intermediária – e dos bairros são a porções do rural que aparecem referidos
por região de moradia. A Lista Nominativa de 1772 sacramenta a noção de endereço, a
rua define a posição dos proprietários e moradores urbanos da vila. Rua como fruto de
certa tradição cultural européia, construída anonimamente por um contínuo de fachadas
na disputa pelo acesso do ar, a água e por mais espaço. É essa rua que a documentação
se refere. Uma rua que os reinóis trazem consigo, e a reproduzem indefinidamente nos
espaços coloniais.
Note-se que estas ruas, que servem de ponto de partida a Alberti, não são
representativas de um caos a ser ordenado. Há muito, estão submetidas a
princípios de ordem ditados pelas posturas municipais. No entanto, essa ordem
não é criada nem pelas posturas e muito menos pelo tratado. As ruas nascem,
como veremos, de algo mais profundo, o compartilhamento do acesso ao
espaço exterior, ao ar e à luz. São um modo de ocupar o espaço, uma forma
específica de segmentá-lo, uma arquitetura, e simultaneamente uma ordem
de comportamentos cabíveis e sua prática, uma dada sociabilidade, portanto.
Essa rua não é instaurada por autores individuais ou institucionais, mas pelas
pessoas detentoras de uma dada tradição cultural.
Referindo-se à modelação dos comportamentos pelo viver cortesão, Elias
afirmou que a interdependência entre as pessoas “surge uma ordem sui generis,
uma ordem mais irresistível e mais forte do que a vontade e a razão das pessoas
isoladas que a compõem”. Não seria abuso dizer o mesmo sobre a produção da
rua. Ela é o resultado de um fazer corrente, anônimo.8
Por fim, a própria Décima de Paranaguá traz uma nova informação. A existência de
um extramuros. Provavelmente, não a existência física de uma cerca ou muro, mas da
delimitação de um urbano que está extramuros, e com a adição de um extramuros urbano.
Haja visto que esse extramuros – cuja localização não foi possível definir com precisão –
também pagava o imposto da Décima.
2. Caminhos da construção de uma planta hipotética
Se olharmos para uma planta cadastral moderna de Paranaguá, em sua região central
perceberemos uma dada configuração espacial que podemos supor, com relativa segurança,
que preserva as mesmas características básicas que o traçado da vila tinha em 1809. Isto
porque o lote urbano é um documento. Seu formato denuncia o modelo de ocupação do solo
e suas características são preservadas ao longo dos séculos. As construções não costumam
ter igual sorte. Assim, excetuando reformas nas ruas – aberturas e alargamentos – as
cidades coloniais brasileiras mantiveram seus setores históricos relativamente preservados
quanto à constituição dos lotes. Os quarteirões mantiveram suas características desde que
foram construídas as casas e definidos os tamanhos dos lotes em cada lado da rua. É esta
permanência que permite a utilização da atual planta cadastral de Paranaguá como base
8
PEREIRA, M.R. de M. Cortesia, civilidade, urbanidade: conversando com Norbert Elias sobre a conformação do
espaço e das sociabilidades na cidade medieval portuguesa. História: Questões e Debates, Curitiba, n.30, p. 121127, 1999.
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para uma planta hipotética da vila no início do século XIX.9 De fato, as nossas fontes são
o loteamento e o arruamento em si, na sua existência material. A planta cadastral á apenas
a representação moderna disto.
Na seqüência, procurou-se confrontar os dados da planta cadastral atual com informações
trazidas de documentos de época, tais como plantas, iconografia e descrições. Por sorte,
em 1815 foi elaborada uma planta da vila, um período muito próximo ao ano de nosso
interesse.10 Essa planta nos traz a localização dos quarteirões e áreas ocupadas até então.
Trata-se de excelente indicativo de onde estariam localizadas as casas em anos anteriores
e comprova a nossa suspeita quanto à permanência do traçado e do loteamento de
Paranaguá.
Por último, a última fonte utilizada são as Memórias Históricas de Paranaguá, do ano de
1850, escritas por Antonio Vieira dos Santos – um morador da cidade no período em que
essa análise se ocupa, a primeira década do século XIX. A informação que Vieira dos Santos
nos fornece é a descrição das ruas no ano de 1850, apontando proprietários, toponímia
das ruas – naquele momento – e eventuais nomes de ruas e de antigos proprietários em
tempos anteriores ao ano de 1850.11 Em algumas ruas podemos observar que os nomes
não se modificaram. Em outras é possível perceber as mudanças, tendo em vista seus
antigos proprietários.
Tal tipo de informação é necessário, dada a mudança dos topônimos. Os atuais são
diferentes dos do inicio do século XIX. Então, os nomes das ruas descritas na Décima
de 1808 foram comparados aos do texto de Vieira dos Santos e à situação de hoje. Como
resultado, o quadro é o que se segue.
TABELA 1: Comparação das nomenclaturas das ruas de Paranaguá em diversas épocas
1808
1850
Hoje
Rua da Praia
Rua da Praia
R. General Carneiro
Rua do Terço
Rua da Cadeia e da Ordem
R. XV de novembro
Rua do Chargo
(?)
Rua Pecego Junior
Rua do Porto da Matriz
Rua ou Travessa do Rosário
Rua Prof. Cleto
Rua da Gamboa
Rua da Gamboa
Rua Cons. Sinimbu
Rua do Fogo
Rua do Fogo
Rua Viera dos Santos
Rua do Campo
Rua da Misericórdia
Rua Dr. Leocádio
Rua da Baixa
Rua do Ouvidor
Rua Faria Sobrinho
Rua Direita
Rua Direita
Rua Marechal Deodoro
Travessa do Funil
Travessa das Flores
Rua Des. Hugo Simas
Travessa da Matriz
Rua da Matriz
Rua João Regis
Fontes: Décima Urbana de Paranaguá (1808); Memória Histórica de Paranaguá (1850);
Planta Cadastral de Paranaguá (1999)
9
Agradecemos a professora Dr. Ana Luiza Fayet Sallas por ter intermediado junto a Prefeitura de Paranaguá a
disponibilização da planta cadastral da cidade.
10 REIS Filho, N.G. Imagens de vilas e cidades no Brasil colônia. São Paulo: EDUSP/ Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo, 2001, p. 222.
11 VIEIRA DOS SANTOS, A. Memória Histórica de Paranaguá (1850). Curitiba: Vicentina, v.2, 2001, p. 13-21.
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Localizadas as ruas, o segundo passo foi o de escolher os lotes sobre quais estariam
hipoteticamente os moradores. Em consonância com a planta de 1815, determinamos a
localização de cada casa e do morador correspondente. Como não possuímos informações
sobre lotes concedidos e não edificados ou sobre espaços vazios entre as casas a única
forma foi dispor as casas arroladas na Décima pelo lado indicado (esquerdo e direito)
uma ao lado das outras – quando indicado. Esta decisão foi tomada em função do
conhecimento que se sabe sobre aquilo que era desejável nos espaços urbanos da época.
Basta que tenhamos em mente os provimentos do ouvidor Rafael Pires Pardinho, e as
atas das câmaras das vilas coloniais brasileiras, para percebermos como o adensamento
era algo desejável. Havia, de fato, todo um esforço para que não houvesse lotes vagos no
espaço urbano.
Proveu, que nenhuma pessoa daqui por diante com pena de seis mil réis para
o Conselho faça casas de novo sem pedir licença à Câmara, que lhe dará, e
mandará o arruador, que para isso tem nomeado, lhe assine chãos, em que as
faça continuando as ruas, que estão principiadas, e em forma, que vão todas
por direitas por corda, unindo-se umas casas com as outras, e não consistam,
que daqui por diante se façam casas separadas, e desviadas para os matos,
e sós, como se acham algumas, porque além de fazerem a Vila, e povoação
disforme, ficam os vizinhos nelas mais expostos aos insultos, e desviados dos
outros vizinhos para lhe acudirem em qualquer necessidade, que de dia ou de
noite, lhes sobrevenha, e é melhor, que em pouco terreno esteja a Vila bem
unida, do que em largo com tantos despovoados.12
Como já foi mencionado, por vezes o livro da Décima dá a indicação do sentido da rua, ou
do sentido em que foram contabilizadas as casas: Rua do Terço indo para São Francisco
(a igreja) ou Rua do Porto da Matriz principiando na Praia. Para outras, como a Rua
Direita, não aparece a indicação do sentido da rua. Para tentar resolver tal problema, foi
utilizado sempre o sentido centro-periferia, isto é, considerou-se que as casas haviam sido
inventariadas a partir das que estavam próximo à Igreja Matriz. Isto porque, as praças e
largos das igrejas matrizes costumavam ser tomados como centros simbólicos dos núcleos
urbanos. Uma outra fonte indica que as casas são arroladas da mesma forma, do centro
para fora. São as Listas Nominativas de Habitantes do início do século XIX, nas quais
os habitantes são arrolados de semelhante forma, com a diferença de que o autor não nos
fornece o lado em que estão situadas as edificações (esquerdo ou direito).
Há também ruas que não tem indicação de lado ou tem lado único. Por motivos óbvios a
Rua da Praia tem lado único, o outro é o rio. A Rua do Fogo não tem indicação de lado por
isso a mesma ordem centro-exterior foi utilizada, com a diferença de que do lado esquerdo
ficaram as casas inabitáveis de Bernarda Pinto, Francisco Correia e Joana Francisca e do
lado direito as demais nove casas de modo que a casa mais próxima era contada em
seqüência na Décima mesmo que ficasse do outro lado da Rua. Essa é a seqüência mais
lógica que foi possível imaginar. Caso tivesse sido feito do mesmo modo que as outras
ruas, o escrivão teria novamente escrito lado esquerdo e lado direito, como era habitual.
12 SANTOS, A.C. de A (org). Provimentos do ouvidor Pardinho para Curitiba e Paranaguá (1721). Monumenta,
Curitiba, v.3, n.10, p.118, 2000.
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A maior dificuldade foi localizar a Travessa do Funil. Esta rua não aparece referenciada
nas Memórias de Vieira dos Santos, e a sua localização foi arbitrada na atual Rua
Desembargador Hugo Simas em consonância com a referida planta de 1815. A hipótese
de ser ela a atual Travessa Correia de Freitas, paralela à anterior (e mais exterior), e
que também aparece na mencionada planta foi descartada. Primeiro porque existem três
quarteirões entre a Igreja Matriz e essa Travessa hoje – na planta de 1815 existem apenas
duas – e, segundo porque em 1815 essa Rua ou Travessa não tinha dois lados, apenas um,
o outro estava ainda se constituindo. A Travessa do Funil arrolada na Décima têm dois
lados, portanto confirma nossa hipótese. Outra dificuldade foi arbitrar o sentido da rua,
optou-se por colocar o inicio da rua próxima ao fim da Rua do Campo caminhando em
direção a Rua do Terço.
3. Processo de qualificação
A Décima relaciona apenas os nomes dos proprietários e inquilinos das casas. Como
em outras fontes, a patente na milícia por vezes é também é indicada. Para as mulheres
com maior distinção social o qualificativo “Dona” é utilizado. Nenhum outro elemento
que caracterize os moradores do setor urbano foi registrado. Como esse trabalho tem por
objeto a analise da lógica da organização social refletida no espaço foi necessário tentar
caracterizar melhor os chefes de domicílio.
As Listas Nominativas de Habitantes proporcionam algumas informações sobre eles.13
Trata-se de censos nominativos, em que era arrolada a população da Vila, domicílio a
13 CAPITANIA DE SÃO PAULO. Listas Nominativas de Habitantes da vila de Paranaguá (1801 a 1809). Cópias em
microfilme pertencentes ao CEDOPE/UFPR
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domicílio. Nelas aparecem os núcleos domiciliares e, na seqüência, alguns dados sobre as
pessoas são anotados: idade, estado conjugal e cor de pele. Títulos da patente miliciana
também são citados, assim como o modo de sustento da casa: vive de sua fazenda, vive
de seu botequim, etc.
Para a qualificação dos chefes de família, foram utilizadas todas as Listas entre 1801 e
1809. São oito, à exceção do ano de 1802 que, aparentemente, não existe. A necessidade
de se trabalhar com esse conjunto de Listas se deve ao desencontro das informações.
Existem chefes de domicílios urbanos e proprietários-moradores que foram inventariados
como moradores da cidade na Décima, mas que por algum motivo, não estavam situados
na Lista Nominativa de 1808. São na ordem de 60 moradores que estiveram fora da
análise específica.
4. Do quadro urbano à rua
Os trabalhos de S. Gomes sobre Antonina e de B. Bueno sobre São Paulo indicaram a
existência de setores das respectivas cidades onde se concentram grupos de alta condição
social e grupos de baixa condição. Comércio e valores dos alugueis são mostrados com
indicativos dessa situação.14
Em Antonina, as conclusões têm uma base empírica maior, pois agrega ainda ocupação
de cargos camarários, origem, escravaria, ocupação econômica, cor de pele, estado civil
e idade dos chefes de domicilio. Todos esses elementos, segundo as demonstrações do
autor, geram a criação de zonas de residência: a da elite tradicional, a da “nova elite” e
a da plebe. A elite tradicional concentrava-se na Ladeira da Matriz, era composta por
ocupante dos cargos camarários, e integrante da alta hierarquia miliciana, estando voltada
para a agricultura. A “nova elite” ocupava a Rua Direita. Voltava-se para o comércio, na
câmara mais frequentemente ocupava o cargo de juiz ordinário e vinha galgando posições
mais altas na hierarquia miliciana. Os integrantes de ambas as elites habitavam nas ruas
próximas à baia, e os mais pobres nas ruas próximas ao campo. Estes últimos dedicavamse à agricultura de subsistência e aos pequenos serviços. Estavam alijados de cargos
camarários e tinham pouca expressão na milícia.15
A indicação do tipo de cobertura das casas, se de telha, se de palha, apenas confirma a
tese inicial de que a diferenciação social se refletia espacialmente no urbano de Antonina.
Assim como os mais altos aluguéis, as casas com cobertura de telha concentram-se nas
ruas próximas a baia, e as casas com cobertura de palha, menos valorizadas, encontram-se
nas ruas próximas ao Campo.16
Em Paranaguá não há a indicação de cobertura, mas os valores dos aluguéis têm uma
situação semelhante à Antonina. Residir próximo ao rio era mais oneroso para os
inquilinos.17 A presença de sobrados e de armazéns com lojas contribui para a elevação
dos preços médios de aluguel nas ruas em que se situam.
14 GOMES, S.V. op. cit p.31; BUENO, B. P.C. op. cit. p.73.
15 GOMES, S.V. op. cit. p.39-40.
16 GOMES, S.V. op. cit. p.28.
17 GOMES, S.V. op. cit p.30.
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A rua com maior valor médio de aluguel era a Rua da Praia, com valor próximo a
12$000.18 Diversos motivos podem contribuir para essa situação. A presença de um
sobrado pertencente ao Tenente Coronel Ricardo Carneiro dos Santos, cuja função era de
armazém e loja, contribuía para o alto valor médio, assim como as casas comerciais do
Alferes Manoel Antonio Pereira e do Capitão Pedro Rodrigues Nunes e o armazém de sal
do próprio Tenente Coronel.
A segunda rua mais cara para residir era a Rua do Terço. Novamente, os sobrados da rua
contribuem para um valor médio próximo a 10$000. Eram três com armazém, loja e casa.
Casas térreas de alto valor também elevavam o preço médio de aluguel na rua.
A Rua da Porta da Matriz era a terceira mais onerosa para se residir. Havia somente
casas térreas sendo que as duas mais caras pertenciam ao Reverendo Antonio Gonçalves
Pereira Cordeiro, natural da vila: uma em que ele morava e a outra, ao lado, em que residia
Francisco Jose Ferreira, reinól do Porto respectivamente, 14$000 e 11$520. A Travessa
da Matriz era a quarta. Os sobrados elevavam o preço médio da rua, principalmente o
pertencente ao Capitão Jose Rodrigues Branco, natural da vila, loja e casa, a mais cara
da vila, 25$600. Ainda os sobrados do Capitão Jose Xavier de Oliveira 12$800 e do
Ajudante-mor Manoel da Cunha Gamito 10$000 contribuíam ainda mais. Em quinto,
a Rua da Gamboa. Cinco sobrados estavam nesta rua e, novamente o preço médio do
aluguel é inflado por eles. O preço médio para alugar uma casa nestas três ruas era um
pouco superior a 8$000 por ano.
A Travessa do Funil e a Rua Direita tinham valores médios acima de 7$200. No Funil
também existiam somente casas térreas, mas algumas valorizadas. Era o caso da casa onde
habitava o Sargento-mor José Felix que serve de armazém, loja além de residência, 15$260.
E também o caso da casa onde residia o Tenente Joaquim Jose Leite, metropolitano, no
valor de 12$000. A Direita tinha outros quatro sobrados (sendo três com armazém, loja e
casa) que mais uma vez implicava na majoração do preço médio do aluguel na rua.
Entre 7$000 e 6$000 estavam as Ruas da Baixa, do Campo, do Fogo e do Chargo. A
ausência de sobrados nestas ruas, assim como raras casas térreas valorizadas, contribuía
para que estas ruas fossem as mais baratas quanto ao aluguel.
Sobrado, todavia, não é necessariamente sinônimo de maiores valores de aluguéis. Os
sobrados em que residiam Rita Maria na Rua da Gamboa, alugado a 7$200, e da moradia
do médico-mor Antonio Julio na Rua Direita, 8$000, ambos inquilinos, demonstram a
concretude dessa afirmação. Entretanto, eram casas bem avaliadas com média próxima
a da rua em que estavam. O que também se mostrou evidente é que sobrados que unem
residência e comércio têm um preço acrescido. Metade dos sobrados, oito, está entre os
dez maiores preços de aluguel (total de 19 imóveis). O que também demonstra como
casas térreas podem ter um valor maior de que os sobrados.
18 O valor médio do aluguel de cada rua foi obtido com a soma dos valores de aluguéis dividido pelo número de
casas da rua. Esse número não corresponde – em algumas ruas – com o número de casas arroladas na Décima para
cada rua. Subtraímos da contagem as casas que não tinha valor de aluguel por estarem às casas inabitáveis ou em
construção. Caso fossem agregadas ao conjunto do valor médio indicariam uma outra realidade que não existia,
casas sendo alugadas por preço zero e sem o imposto da Décima. Conforme já foi anotado existem casas onde o
morador mora de favor e, portanto não paga aluguel. Entretanto essa situação é diferente da anterior porque existe
um preço de aluguel arbitrado e um valor de imposto a ser pago.
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Eliminando as casas comerciais o aluguel médio das casas residenciais na Rua da Praia
cai para 9$660, na Rua do Terço cai para 9$320, na Porta da Matriz continua em 8$588,
na Travessa da Matriz cai para 7$352, na Rua da Gamboa continua em 8$340, na Travessa
do Funil cai para 6$680, na Rua Direita cai para 6$771, na Rua da Baixa continua 6$954,
na Rua do Campo continua em 6$760, na Rua do Fogo continua em 6$062 e na Rua do
Chargo continua em 6$000. Como percebemos o valor médio decai, exceto nas ruas em
que somente existiam casas residenciais, mas a situação geral não se modifica. As ruas da
Praia, do Terço e da Porta da Matriz continuam nas mesmas posições quanto ao alto valor
médio assim como as ruas mais baratas para se viver, Baixa, Campo, Fogo e Chargo.
Há somente uma mudança significativa a Rua da Baixa ascenderia do 8° posto para o
6° e a Travessa do Funil em sentido contrário. O que significa afirmar que os aluguéis
mais caros continuam nas mesmas ruas mesmo sem contabilizarmos as casas comercias e
mistas, agora o valor médio era sustentado por valiosas casas térreas.
É importante marcar que o chefe do domicilio que tinha como atividade econômica o
comércio miúdo não significava um maior valor de aluguel, somente as casas mistas
que contêm armazéns e lojas tinham um valor de aluguel, geralmente, superior às outras
casas. O pequeno comércio parecia não agregar valor de aluguel.
Além dos armazéns e lojas, o pequeno comércio também tinha seu espaço na vila, assim
como os ofícios mecânicos que não são arrolados pela Décima. Botequins, vendas e
tabernas funcionavam em diversas casas da vila.19 A exceção é na Rua do Fogo que não
possuía nenhum morador vivendo do comércio. A rua era de oficiais mecânicos e chefes
vivendo de lavoura.
A concentração das residências dos moradores que viviam do comércio ocorria na Rua do
Terço. Cerca de 65% dos chefes de domicilio que conhecemos sua fonte de renda na rua
sustentam-se do comércio, 22 chefes ou seja 31,4% dos chefes que vivem do comércio na
vila – principal atividade econômica.
A Rua do Campo concentrava nove moradores que tinham seu sustento no comércio,
13% do total da cidade. Nenhum armazém ou loja. Na Rua Direita eram oito enquanto na
Travessa da Matriz, sete, sendo uma loja com casa. Eram as ruas com o maior número de
moradores que se sustentavam de comércios.
Em Antonina, percebeu-se uma disposição espacial mais concentrada dos chefes de
domicilio que viviam do comércio. Viviam na Rua Direita e na Travessa para o mar, 90%
dos comerciantes da cidade. O comércio apresentado pela Décima de São Paulo, segundo
B.Bueno, concentra-se em torno dos Largos da Sé e do Palácio e ruas contíguas.20
19 Esta situação deve ser muito concreta, entretanto agora é somente uma hipótese. Muitos chefes de domicilio
foram apresentados nas Listas Nominativas como vendeiros, taberneiros ou que viviam de seu botequim, mas
seus pequenos comércios não foram relacionados pela Décima. Raros são os que possuem mais de uma casa, o
mais comum é que fossem inquilinos. Pensando neste caso parece concreto que as atividades de comércio eram
realizadas ali mesmo na frente de sua casa, e não em outro lugar fora do setor urbano. Lembramos que era proibido
vender fora do setor urbano. Para essa proibição ver SANTOS, A.C. de A. op. cit. p.120. Provimentos 90 e 91. Mas
como não é objetivo do trabalho determinar a localização dos comércios, por ora fica a hipótese. Trabalhou-se com
os chefes de domicilio, e suas ocupações são importantes, mas o local em que realizavam suas atividades não o
é.
20 GOMES, S.V. op. cit. p.31; BUENO, B.P.C. op. cit. p.73.
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A segunda atividade econômica mais corrente em Paranaguá eram os ofícios mecânicos.
Responsável pelo sustento de 23 domicílios, concentravam-se moradores que viviam
desse trabalho na Rua Direita (5), na Rua da Gamboa (4), na Rua da Baixa (4) e do
Fogo (4). A maioria dos metropolitanos tinha atividades ligadas ao comércio. Eram 15
chefes de domicilio que viviam dessa atividade. A Rua do Terço e a Travessa da Matriz
concentravam onze moradores de origem reinól que se sustentavam do comércio.
Quantos aos moradores provenientes das ilhas atlânticas, a associação da Décima com as
Listas Nominativas apontam para oito residindo na vila em 1808. Três deles, na Rua do
Terço. Nenhum residia em sobrados, mas algumas casas que ocupavam tinham alto valor
de aluguel como Jose Caetano de Souza e o Tenente Antonio Francisco de Mendonça,
moradores da Rua do Terço, 13$440 e 12$800 respectivamente. Ambos sustentavamse de atividades comerciais, outros três também, o que tornava o comércio a principal
atividade econômica dos moradores dessa origem.
Os naturais de Paranaguá formavam, como é previsível, o maior contigente de chefes de
domicilio da cidade. Representavam taxa superior a 55% dos chefes de domicilio urbano
cuja origem foi possível determinar. No entanto, na Rua da Praia nenhum dos chefes de
domicílio com origem conhecida era nativo. Eram dos bispados do Porto e de Braga 66%
dos chefes desta rua, 4 de 6 conhecidos. Assim como na Travessa da Matriz onde 66% dos
chefes eram portugueses com origens no Porto.
Nas outras ruas, a maioria era de naturais da vila. Na Rua do Campo, representavam
80% dos moradores de que conhecemos a origem, ou seja, 16 dos 20. Apesar de não
constituírem número percentual elevado na rua, os parnanguaras são em número de 20
na Rua Direita e 15 na Rua do Terço. Na primeira, com presença significativa de naturais
de outras partes litorâneas do Brasil – São Francisco, Iguape, Cananéia, Santos; Espírito
Santo e Rio de Janeiro – e na segunda com forte presença de oriundos da metrópole e das
ilhas atlânticas.
TABELA 2: Quadro da porcentagem de algumas origens por rua incluindo os
desconhecidos.
Reinóis
Ilhéus
Paranaguá
Outras - Br
Demais
Total
Terço
Rua
24,2%
12,1%
45,5%
18,2%
-
100%
Praia
66,7%
16,7%
-
16,7%
-
100%
-
-
60%
40%
-
100%
11,1%
-
66,7%
11,1%
11,1%
100%
15%
-
70%
-
¨15%
100%
-
25%
25%
50%
-
100%
10%
5%
80%
-
5%
100%
-
-
75%
25%
-
100%
Chargo
Porto da Matriz
Gamboa
Fogo
Campo
Baixa
Direita
9,4%
-
62,5%
25%
3,1%
100%
Tv. do Funil
11,1%
22,2%
33,4%
33,4%
-
100%
Tv. da Matriz
75%
-
25%
-
-
100%
Fontes: Décima Urbana de Paranaguá (1808) e
Listas Nominativas de Habitantes (1801-1809)
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Em Antonina uma situação mais evidente com relação a origem foi detectada. Dos
domicílios em posse de portugueses, 96% tinham residência nas ruas próximas a baia
enquanto apenas um morava no outro setor, próximo ao campo. Assim como na Rua
da Praia em Paranaguá, na Travessa para o mar em Antonina todos cuja origem pode se
determinar eram oriundos da metrópole.21
Outro importante elemento de diferenciação social é a ocupação dos cargos camarários.22
Nesse quesito o que também se percebe era uma concentração na Rua do Terço: 12
chefes de domicilio residentes naquele ano já tinham ocupado ou iriam ocupar cargos
da elite camarária. Nas ruas ainda próximas ao rio, a Travessa da Matriz contava entre
seus residentes com três ocupantes de cargos na Câmara: o Ajudante-mor Manoel da
Cunha Gamito, e os comerciantes os capitães José Rodrigues Branco e Jose Xavier de
Oliveira. A Rua da Praia também contava entre seus residentes, de 1808, com dois chefes
de domicilio que serviram em cargos da governança: o Capitão negociante e reinól Pedro
Rodrigues Nunes e o também comerciante de venda Manoel Dias de Siqueira, natural do
Rio de Janeiro.
Na parte central da cidade as ruas Direita, Gamboa e Baixa também contavam com
moradores que ocuparam cargos na Câmara. A segunda rua com maior concentração de
chefes que ocuparam cargos na Câmara era a Rua Direita com quatro moradores. Dentre
eles, o Capitão-mor José Carneiro dos Santos, residente em um sobrado que servia de
armazém, loja e residência. Outros três eram os tenentes Inácio Tavares de Miranda,
Manoel Amaro de Miranda, e Francisco Luis de Paula que tinha duas propriedades na
rua. Todos nascidos no Brasil, em São Francisco os dois primeiros, e o último natural
da Vila.23 Na Gamboa moravam outros dois: o Capitão Manoel Gonçalves Guimarães e
o carpinteiro Manoel Jose de Farias, natural do Porto.24 Por fim, a Rua da Baixa contava
com um residente ocupante de cargos camarários, Agostinho Machado de Lima, natural
de São Paulo que vivia de suas lavouras.25
Novamente nesta questão em Antonina segrega os espaços. Nenhum morador das ruas
do campo tinha exercido cargo na administração civil. Quase todos residiam nas ruas
próximas a baia. A exceção era Elias Jose Vieira, natural de Lisboa, lavrador proprietário
de sete escravos, residente em uma casa com cobertura de palha na Rua do Campo. Foi
vereador na primeira legislatura da vila em 1798.26
21 GOMES, S.V. op. cit p.42. Os portugueses a que se refere o autor na verdade são um grupo formado pelos naturais
da Metrópole e da Ilhas Atlânticas. No caso específico da Travessa para o mar todos são da metrópole.
22 A Câmara Municipal de Paranaguá não possui mais os livros de atas da Câmara. Por sorte ainda temos essa
qualidade de informação através de Vieira dos Santos. A precisão não é tão satisfatória porque não sabemos
quem ocupou qual cargo em qual ano, entretanto suspeitamos que os nomes arrolados sejam da elite camarária,
vereadores, procuradores, juizes ordinários, e talvez juizes de órfãos – um cargo menor. Para ver as listas de
homens que serviram na governança. VIEIRA DOS SANTOS, A. op. cit., v.1, p. 204-207 e v.2 p. 36-39.
23 Outros dois proprietários tenentes naturais da vila não residentes também foram ocupantes de cargos na Câmara:
Francisco Jose Laines, que vive de sua lavoura, e Jose Gonçalves de Moraes, negociante.
24 Mais dois proprietários não residentes: Agostinho dos Santos Camargo e o Capitão João Cristostomo Salgado, este
reinól vivia do seu engenho e de sua lavoura.
25 Na Rua da Baixa o sargento-mor de Antonina Antonio Jose de Carvalho também serviu na Câmara de Paranaguá
não residente, e morador de Antonina.
26 GOMES, S.V. op. cit. p.35. O autor considera como cargos da administração civil vereador, juiz ordinário, juiz de
órfãos, procurador e juiz de paz.
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Outro elemento que também gerava distinção social eram as patentes na milícia. Em
especial aquelas que integravam as posições mais altas na hierarquia miliciana e na da
tropa paga.27 Em Antonina as ruas próximas a baia concentravam todos os oficiais da vila.
Somente milicianos habitavam o outro setor.28 Em Paranaguá a situação não tão nítida. A
Rua do Terço contava com o maior número de integrantes de alta patente – seis capitães, o
sargento-mor das ordenanças, Manoel Antonio da Costa, e um tenente. De quatro capitães
cuja ocupação pôde-se determinar vivem do comércio. Eram negociantes, dois naturais
da vila, um ilhéu e o outro reinól.
Enquanto na Rua da Praia residia um Capitão, na Rua da Gamboa, outro. No Fogo, residia
o sargento-mor comandante Fernando Gomes Pereira da Silva, natural do Rio de Janeiro.
Na Baixa, dois capitães. Na Direita residiam outros dois capitães, o escrivão da ouvidoria
natural de Iguape e outro reinól que se sustentava da lavoura de arroz, e seis tenentes
sendo dois de São Francisco. Na Travessa do Funil residia o Sargento-mor Jose Felix e
o Tenente Joaquim Jose Leite natural do Porto. Na Travessa da Matriz habitavam outros
dois capitães, ambos comerciantes que serviram na governança da vila, José Rodrigues
Branco natural da vila e José Xavier de Oliveira, metropolitano.
Quanto aos oficiais de baixa patente, na Rua do Terço residiam ainda um alferes e um
ajudante.29 Na Rua da Praia reside um alferes reinól enquanto na Travessa da Matriz dois
alferes sendo um reinól e um ajudante-mor metropolitano. Na Rua do Chargo morava
apenas um soldado, Anastácio Rodrigues, natural da vila que vive de sua taberna. Na
última linha de ruas próximas ao Campo. Um soldado natural de Cananéia, carpinteiro
da ribeira que residia na Rua do Fogo enquanto na Rua do Campo habita um sargento de
origem metropolitana e um soldado.
Na Rua da Baixa vivia um cabo, um tambor-mor que vivia de sua lavoura e um tenente
sapateiro. A Rua Direita contribuía com dois sargentos oficiais mecânicos, um natural
da vila e outro do Espírito Santo, e um alferes que se sustentava de seu sitio e um pífaro
alfaiate. Na Travessa do Funil moravam dois alferes – Luis Inácio de Oliveira escrivão da
câmara natural de São Francisco e o outro vivia de sua venda, e um cabo.
A única Rua que não tinha entre os chefes de domicilio miliciano (entre os que se conhece
sua função na milícia) era a Rua do Porto da Matriz, residindo três sacerdotes e nenhum
integrante da milícia ou da tropa paga. Na Rua do Chargo apenas um soldado, e nenhum
membro da alta hierarquia.
A cor era outro fator determinante para o status do chefe de domicilio. Os censitariamente
brancos correspondiam a 90% dos chefes de domicilio no setor urbano. Os que conhecemos
a cor representavam, no mínimo, 60% dos moradores da rua como na Rua do Chargo
chegando a ser 100% nas ruas da Praia, Porta da Matriz, Travessa do Funil e Travessa
da Matriz. Outro importante grupo eram os pardos, 8%, dos chefes urbanos. Eram em
número de 13, e estavam localizados na Rua Direita (4), Rua do Chargo (2), Rua do
Campo (2), Rua da Gamboa (2), e nas Ruas da Baixa, do Fogo e do Terço (1).
28 GOMES, S.V. op. cit. p.35
29 Na baixa hierarquia colocamos alferes, sargentos, ajudantes, cabos e soldado assim como pífaro e tambor-mor que
são funções exercidas por homens de baixa patente miliciana.
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De certa maneira, esses chefes não-brancos demonstram que a cor era um grande fator
de distinção social. Nenhum deles serviu em cargos da governança, e somente um tinha a
patente de sargento, João Pinto Ribeiro natural do Espírito Santo, sapateiro, proprietário
da casa em que residia na Rua Direita, e de dois escravos. Somente ele e mais dois pardos
tinham a propriedade da casa em que habitavam. Entre os negros somente um dos três
tinha a propriedade da casa em que residia. Quanto a naturalidade, os chefes dessas cores
eram majoritariamente naturais da vila. Nenhum deles serviu na governança e nenhum
título na milícia foi atribuído a eles. A cor de pele os impedia de almejar melhor posição
na hierarquia social.
Novamente existe uma segmentação espacial em Antonina. A cor branca era moradora
das ruas próximas a encosta enquanto os pardos viviam na região do campo.30
5. Considerações finais
A partir dessas informações, é possível tentar sintetizar a maneira pela qual as diversas
marcas sociais dos chefes de domicílio estavam espacializadas na vila de Paranaguá.
Quanto ao aluguel, a área próxima ao rio tendia a ser mais valorizada quanto ao preço
médio, a exceção é a Rua do Chargo com o menor valor médio da cidade, entretanto tendo
entres seus proprietários D. Córdula Rodrigues França e Luis Gomes de Medeiros com
casas avaliadas em 7$680 réis. Pode ser elemento de depreciação do valor de aluguel o
fato de a rua ter apenas casas térreas e próximas ao charco. Nenhum reinól tem residência
nesta rua assim como nenhum oficial de alta patente, apenas um soldado. Todos tinham
origem na Capitania de São Paulo, e como atividades a venda, o ofício de ferreiro, parteira
ou costuras. Também ninguém serviu na governança da vila. Parece, assim, ser uma rua
de expansão da cidade sobre o mangue, propriedade de especuladores imobiliários.
O conjunto formado pelas ruas da Praia e do Terço agregava os dois maiores valores médios
do aluguel, com números superiores a 10$000 réis. Um dos motivos que contribuíam para
essa situação são as casas de sobrado, os armazéns com lojas e valorizadas casas térreas,
conforme já afirmamos.
As ruas da Baixa, do Campo, do Fogo e do Chargo – nesta ordem – eram as que agregavam
o menor valor médio de aluguel. O que significa que a última linha de ruas, já próximas
ao Campo, apresenta alguns dos menores índices de aluguel. Não pudemos explicar
satisfatoriamente o porquê às casas da Rua da Baixa apresentam índices próximos,
inferiores a 7$000. Mas a ocorrência somente de casas térreas pode contribuir para esses
valores. A presença somente de naturais do Brasil, principalmente os da vila – 70% –, não
parece ser determinante no baixo valor médio de aluguel.
Enquanto a Rua do Porto da Matriz, Travessa da Matriz e Rua da Gamboa localizam-se na
faixa do valor médio de aluguel entre 8$300 e 8$600, as ruas Direita e Travessa do Funil
tinham aluguéis médios entre 7$200 e 7$400.
Na questão da ocupação econômica dos chefes de domicílio, podemos afirmar que os
moradores residentes na Paranaguá de 1808 eram, em sua maioria, comerciantes ou
30 GOMES, S.V. op. cit. 44.
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oficiais mecânicos. A maior concentração de chefes de domicilio que viviam do comércio
era na Rua do Terço, 32% dos chefes que viviam do comércio na cidade ali tinham sua
residência. Dividindo Paranaguá em dois setores, as ruas próximas ao rio (Rua da Praia,
Terço, Porta da Matriz e Travessa da Matriz), e a Rua da Gamboa – região 1 – verificamos
a concentração de 63% dos moradores vivendo do comércio.
Entre os oficiais mecânicos o comportamento era diferente. Residiam com maior freqüência
nas ruas que não estavam próximas ao rio, cerca de 65% dos oficiais mecânicos tinham
residência nas ruas centrais e, próximas ao campo (Rua da Baixa, da Direita, do Fogo, do
Campo e Travessa do Funil) e na Rua do Chargo – região 2.
Quanto à origem, podemos depreender que na região 1 residiam cerca de 60% dos
metropolitanos, 64,5% dos naturais da vila, e 55,5% dos ilhéus, enquanto 66,6% dos
naturais das outras cidades da Capitania de São Paulo (como Santos e São Francisco,
majoritariamente) residiam preferencialmente na região 2 que também era local de
residência de 60% dos moradores oriundos de outras cidades do Brasil (como Minas e
Rio de Janeiro).
Quanto a ocupação dos cargos camarários aproximadamente 76% dos chefes de domicilio
– que dispomos de informação quanto a ocupação dos cargos na governança – residem
na região 1. Na região 2, as ruas do Fogo, do Campo, do Chargo e Travessa do Funil
não tiveram entre seus residentes em 1808 nenhum morador em cargo da governança
enquanto na região 1 apenas a Rua da Porta da Matriz não tinha entre seus moradores
ocupantes nos cargos da elite camarária.31 A se destacar que quase metade residia na Rua
do Terço, e na Rua Direita 25% maior concentração na região 2.
Quanto as patentes na milícia verificamos que o maior número de oficiais de alta patente
residia na Rua Direita, mas 60% dos capitães moravam na Rua do Terço que contava
com seis moradores capitães e um sargento-mor. Já na Direita residiam seis tenentes, dois
capitães e o capitão-mor.
Quanto a cor 77% dos pardos tinham residência na região 2 assim como dois dos três
negros chefes de domicilio. Metade dos chefes de domicílios recenseados como brancos
estava em cada uma das regiões.
O que se pode perceber é que podem existir dois eixos na Paranaguá de 1808. Um em
torno da Rua do Terço, e outro que gravitava em torno da Rua Direita. Dos diversos
aspectos analisados estas ruas estavam sempre entre as que mais se destacavam.
Na Direita, o maior número de moradores naturais da vila, de pardos32, de propriedades,
de tenentes, de oficiais mecânicos e de chefes vivendo de atividades ligadas a terra33, e da
região 2 a rua com maior número de ocupantes dos cargos da governança – o segundo de
toda a cidade.
31 Pode ser que um morador da Rua da Porta da Matriz em 1808 tenha sido eleito na Câmara. Era Manoel Martins da
Rocha, mas o chefe de domicílio que aparece na Décima é um Manoel Martins. Como não sabemos se é a mesma
pessoa, não foi contabilizada como tal. Nessa situação existem outros cinco: dois moravam na Rua do Terço, dois
na Gamboa e um na Direita. Se contabilizados, a situação apenas se acentuaria mais em favor da região 1.
32 Apesar também dos brancos representarem 84% dos moradores da rua. Havia 4 chefes pardos na rua dos 13 da
vila.
33 A Rua do Campo têm igual número de moradores vivendo de atividades ligadas a terra, cinco. Essas atividades são
basicamente lavouras (arroz e farinha) e de sítio.
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No Terço, o maior número de moradores que se sustentavam do comércio, de brancos34,
de capitães, de ocupantes cargos na governança, um dos maiores em concentração de
reinóis e de valor médio do aluguel.
Na Rua Direita os moradores pareciam buscar novos espaços na milícia e na governança.
Seis tenentes que poderiam tornar-se capitães ali residiam (um dos maiores postos na
milícia a serem alcançados), e 25% dos chefes de domicilio que tiveram cargos na Câmara
também residam na Rua. Na Rua Terço há uma elite miliciana já enraizada, seis capitães
sendo três comandantes de companhias da vila. Quase 50% dos cargos da governança
foram ocupados por moradores da rua. Moradores que já gozavam de alto prestigio na
cidade. Para o empate, o mesmo número de casas mistas (comércio e residência) arrolados
na Décima, quatro. E para a derrota dos dois: sobrados quatro na Direita e três no Terço,
a Gamboa que têm cinco.
34 Tanto percentualmente na rua, 94% quanto em relação ao setor urbano da vila, 21,8%.
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Referências
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