Boas Práticas de Combate ao
TRABALHO INFANTIL
Mobilização Social e Geração de Renda
na Região Sisaleira da Bahia
ANTECEDENTES
Localizada em região semi-árida, no oeste do Estado da Bahia, a Região Sisaleira tem sido historicamente
caracterizada pela situação de miséria e pobreza na qual se encontra a maior parte de sua população. Além da
seca persistente, registra-se neste local uma má distribuição de terras, um péssimo acesso ao crédito, uma
capacitação produtiva inadequada ao semi-árido, uma escola desvinculada de sua realidade e uma apropriação
injusta do poder político pelas oligarquias rurais.
O trabalho infantil inscreveu-se desde sempre neste contexto, como um recurso utilizado pelas famílias
pobres para garantir sua sobrevivência. Ainda que a renda oriunda do trabalho realizado pelas crianças fosse
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quase nula, havia um consenso de que esta renda era essencial. Todos ainda acreditavam que aprender desde cedo
a se dedicar ao trabalho era algo valioso para as crianças, que sentiriam na pele a dificuldade de ganhar o pão de
cada dia. No imaginário coletivo da Região valia a máxima segundo a qual criança que não trabalha cresce preguiçosa e vagabunda.
Nos anos 60 e 70, o Movimento de Organização Comunitária (MOC), uma organização não-governamental com
sede em Feira de Santana – BA, iniciou seus primeiros trabalhos na Região Sisaleira. Atuava com o objetivo de mudar
o quadro de exclusão social nos municípios desta Região, abordando quatro temas básicos: a) viabilização da agricultura familiar; b) melhoria das relações de gênero; c) fortalecimento das políticas públicas e conselhos setoriais municipais e d) educação formal adequada à realidade do semi-árido.
O primeiro contato do MOC com a questão do trabalho infantil, do ponto de vista de seu combate direcionado,
deu-se durante o ano de 1993, quando a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), em
parceria com o Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), realizou uma série de reuniões e
um seminário1 , no município de Retirolândia, sobre o tema.
A partir de então, o MOC decidiu incorporar o tema “trabalho infantil” em sua estratégia de ação, tendo elaborado e implementado um primeiro projeto direcionado para esta problemática no final de 1994. Este projeto piloto, que
contou com o suporte técnico e financeiro do IPEC, tinha como objetivo capacitar jovens e lideranças da comunidade
para que atuassem como multiplicadores na luta contra o trabalho infantil. O projeto previa ainda a conformação de
grupos de conscientização sobre o tema nas comunidades da região.
O marco inicial da implementação deste projeto coincidiu com a conformação do Fórum Nacional de Prevenção
e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), que surgiu também no final de 1994, com o objetivo de estabelecer um
espaço em nível nacional de discussão sobre o trabalho infantil, capaz de congregar instituições de diferentes setores.
O PAI na
Região
Sisaleira deuse com o
compromisso
de que as
crianças
contariam com
os recursos do
PETI
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Ao longo de 1995, enquanto o MOC desdobrava-se para realizar as atividades previstas em seu projeto junto às
famílias da região, o Fórum Nacional elaborou uma metodologia de trabalho para erradicar o trabalho infantil, denominada Programa de Ação Integrada (PAI)2. Esta metodologia, que estava sendo elaborada e ao mesmo tempo implementada
em Mato Grosso do Sul (nas regiões de produção de cana-de-açúcar e carvão vegetal), foi apresentada pelo Fórum, no
ano seguinte, aos representantes de um grupo de instituições da Região Sisaleira para que se avaliasse a pertinência da
criação de um PAI na Região.
Na medida em que as lideranças da Região julgaram que os trabalhos em curso poderiam ser melhor conduzidos
por meio da adoção de uma metodologia integradora como o PAI, decidiram favoravelmente à sua implementação nos
municípios sisaleiros na metade de 1996.
Vale assinalar que a adoção do PAI na Região Sisaleira deu-se em meio ao compromisso assumido pelo Governo
Federal, através da Secretaria de Estado da Assistência Social (SEAS), de que as crianças da Região contariam com os
recursos do Programa de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)3. Assim, o PAI seria implementado na
Bahia e contaria com bolsas de estudo concedidas pelo PETI, de modo a garantir que as crianças saíssem do trabalho
e permanecessem na escola4 . Além de freqüentar a escola, as crianças deveriam ainda participar de atividades sócioeducativas no turno contrário ao horário de aulas para evitar sua volta ao trabalho.
1 Essas reuniões foram promovidas pela CONTAG no âmbito de seu primeiro programa de ação para combater o trabalho infantil, elaborado e implementado com o
apoio técnico e financeiro do IPEC. Vale lembrar que, assim que o IPEC foi implementado no Brasil, em 1992, a OIT procurou todas as Centrais Sindicais e a
CONTAG (por seu porte comparável ao de uma central sindical) para sugerir a elaboração de programas nesta área.
2 Essa metodologia de atuação sugeria a implementação de atividades voltadas para as áreas de saúde e educação. O PAI baseava-se ainda na articulação dos níveis
federal, estadual e municipal, além de outras entidades interessadas, a fim de implementar ações simultâneas de erradicação da pobreza.
3 Em seu início o PETI era denominado PPETI, justamente porque havia a intenção de enfatizar uma preocupação com o componente de prevenção do trabalho
infantil. A partir de 2000, ainda que esta preocupação fosse vigente, a SEAS renomeou o programa passando a denominá-lo simplesmente PETI.
4 A maioria das crianças beneficiárias do PAI já frequentava a escola, mas de maneira descontínua e com altos índices de repetência.
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O ato que formalizou este acerto entre o Fórum Nacional, as lideranças da Região Sisaleira, o Governo Federal
e o Governo Estadual se constituiu na assinatura, em meados de 1996, de um Protocolo de Intenções entre o Governo
Federal e o Governo Estadual. Este último foi envolvido não somente para possibilitar o repasse de recursos, mas para,
por meio da Secretaria de Trabalho e Ação Social (SETRAS), coordenar o PETI no Estado. As lideranças da sociedade
civil, ainda que não tenham assinado esse documento, acompanharam todo o processo de perto.
A partir deste momento foi então instituída, pela SETRAS, uma Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho
Infantil na Bahia, composta de membros como Ministério Público do Trabalho, Ministério do Trabalho, Conselho de
Assistência Social e Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, Federação dos Trabalhadores da Agricultura
(FETAG), Movimento de Organização Comunitária (MOC), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Universidade Federal da Bahia (UFBA), entre outros. Esta Comissão realizou várias viagens de campo à Região Sisaleira
para coletar dados, tendo concluído inicialmente que seria interessante criar Comissões Municipais e Regionais de
Erradicação do Trabalho Infantil para facilitar a condução das atividades futuras.
As primeiras visitas também indicaram a necessidade de se realizar um seminário sobre o tema com a participação de representantes do poder público e da sociedade civil. Este seminário assegurou definitivamente que a
implementação do PAI/PETI fosse feita por meio de uma mobilização social, o que foi confirmado uma vez mais durante
a realização da primeira oficina de planejamento estratégico do Programa, em agosto de 1996.
Após a realização desta oficina, que permitiu a elaboração de estratégias de atuação compartilhadas entre todos os
interessados, cada instituição começou a trabalhar de maneira coordenada, perseguindo os mesmos fins. Teve início, desta
forma, um dos processos de desenvolvimento social participativo mais vigorosos dos últimos tempos verificados Brasil.
Teve início
um dos
O FENÔMENO “PROGRAMA DE AÇÃO INTEGRADA”
NA REGIÃO SISALEIRA DA BAHIA
processos de
Uma vez realizada esta primeira oficina de planejamento, a Comissão Estadual empreendeu a realização de dois
estudos: um diagnóstico sócio-econômico da Região, com base nos dados oficiais disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e uma pesquisa/cadastro das crianças trabalhadoras e suas famílias (feita aos
poucos, ao longo de quatro anos) para tornar possível a identificação do público-alvo dos programas. Esta última
pesquisa foi realizada pela UFBA e financiada pela SETRAS.
Ambos estudos permitiram a combinação de três critérios para a escolha dos primeiros municípios a serem contemplados com a implementação do PAI/PETI: grau de mobilização social, índices de pobreza e índices de trabalho
infantil. O cruzamento destes critérios apontou os municípios de Retirolândia e Santaluz como os primeiros a serem
trabalhados.
Após a escolha de Retirolândia e Santaluz, os demais municípios da região foram sendo paulatinamente estudados, de modo a fornecer os subsídios básicos para a implementação dos programas em pauta, e incorporados aos
mesmos. O avanço dos programas na região deu-se da seguinte forma: em 1997 foram incluídas as cidades de Conceição do Coité, Riachão do Jacuípe e Valente; em 1998, deu-se a inclusão de 12 novos municípios e em 2000, houve a
inclusão de mais 13 municípios.
desenvolvimento
social
participativo
mais vigorosos
dos últimos
tempos
verificados
Brasil
Ainda em 2000, foram pesquisados e incluídos outros quatro municípios da Região denominada Recôncavo Sul da
Bahia (que não fica muito distante da Região Sisaleira), na medida em que neles era possível encontrar crianças envolvidas
com a fabricação de fogos de artifício. Atualmente, 88 municípios contam com o suporte dos programas na Região.
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O procedimento de implementação, uma vez terminada a fase de identificação do público-alvo, seguia os seguintes passos: a) criação de Unidades de Jornada Ampliada (UJAs), onde as crianças a serem retiradas do trabalho
deveriam ser encaminhadas no horário contrário ao período de aulas para realização de atividades sócio-educativas;
b) seleção, treinamento e contratação dos monitores responsáveis pelo funcionamento das UJAs; c) pagamento das
bolsas, preferencialmente para as mães das famílias selecionadas, mediante comprovação de freqüência escolar; e d)
seleção, treinamento e contratação de agentes de família, cuja missão era promover a participação das famílias beneficiadas em todas as etapas da implementação dos programas.
Uma vez garantidas as ações diretamente relacionadas à retirada das crianças do trabalho e seu encaminhamento para as escolas e para as UJAs, tinha lugar um série de ações de fortalecimento da família em termos econômicos e da promoção de sua cidadania. Foram fomentados projetos de geração de emprego e renda (nas áreas de
caprinocultura, ovinocultura, convivência com a seca e beneficiamento da produção), bem como foram formadas
cooperativas de crédito e incentivadas a formulação de projetos agropecuários capazes de pleitear financiamentos
junto aos bancos públicos do país.
Foram ainda realizados treinamentos de membros de organizações da sociedade civil da Região para que integrassem de maneira mais apropriada a estrutura de gerenciamento dos programas. Esses treinamentos permitiam a
formação de lideranças comunitárias cada vez mais atuantes na Região, o que se refletia na radicalização do componente participativo desta experiência.
Atualmente,
mais de 80 mil
crianças da
Região
Sisaleira se
encontram
afastadas do
trabalho
perigoso,
penoso,
insalubre e/ou
degradante
Vale lembrar que toda esta metodologia de intervenção estava baseada nas conclusões consolidadas pelo Fórum Nacional em Mato Grosso do Sul sobre a forma de proceder durante a intervenção. De acordo com o que foi estabelecido no âmbito
do Fórum Nacional, o PAI havia sido elaborado como uma metodologia de atuação que tinha suas principais atividades
voltadas para as áreas de saúde e educação. O PAI baseava-se ainda na articulação dos níveis federal, estadual e municipal,
além de outras entidades interessadas, a fim de implementar ações simultâneas de erradicação da pobreza.
A metodologia de elaboração e implementação do PAI detalha os procedimentos necessários para implementar
um programa de erradicação do trabalho infantil em dez fases distintas: 1) mobilização de entidades locais; 2) elaboração do diagnóstico da situação; 3) desenvolvimento de pesquisas; 4) definição de alternativas econômicas; 5) promoção de planejamento estratégico; 6) identificação de disponibilidade de recursos humanos, materiais e financeiros; 7)
elaboração de um documento consolidando as propostas identificadas; 8) seleção, por setor, dos projetos que integrarão o PAI; 9) negociação de parcerias; e 10) Definição de mecanismos de acompanhamento, monitoramento e avaliação do PAI.
Em 1996, quando essa metodologia começou a ser discutida na Região Sisaleira, a Secretaria de Estado da
Assistência Social (SEAS), que era ligada ao Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)5 , interessou-se por
otimizar a implementação do PAI-Sisal por meio da implementação simultânea do PETI na região.
Por sua vez, o PETI é um programa multisetorial que inclui, entre outras ações, a concessão de bolsas às famílias
para a retirada das crianças do trabalho e sua colocação na escola regular, em um turno, e na jornada ampliada, em
outro. Em 1996, o PAI-sisal e o PETI foram implantados na Região Sisaleira em 2 municípios, sendo que três anos depois
o programa já beneficiava aproximadamente 17 mil crianças, tendo sido estendido a outros 12 municípios.
Os números que hoje traduzem o sucesso de toda esta mobilização são impressionantes: atualmente, mais de 80
mil crianças da Região Sisaleira se encontram afastadas do trabalho perigoso, penoso, insalubre e/ou degradante.
Todas estas crianças estão freqüentando a escola e a jornada ampliada assiduamente, o que está permitindo o recebimento de uma bolsa de estudos no valor de R$ 25,00 por criança, até um limite máximo de três crianças por família. Isso
significa que mais de 35 mil famílias estão recebendo um recurso mensal que varia entre R$ 25,00 e R$ 75,00.
5 E foi transformada, em janeiro de 2003, no Ministério da Assistência e Promoção Social (MAPS).
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No campo da geração de renda, 300 famílias elaboraram seus projetos produtivos e os apresentaram a instituições financeiras oficiais para recebimento de créditos rurais públicos (com juros mais baixos do que os juros do mercado), no final de 2002. Contabiliza-se, ainda, um total de mais de 300 famílias da Região envolvidas em projetos de
caprinocultura, bem como na formação de cooperativas de crédito que estão financiando seus próprios associados
com sistemas de afiançamento diferenciados.
A metodologia deste projeto calcou-se na antiga experiência do MOC de trabalhar com os agricultores a questão
do crédito e da assistência técnica, objetivando um planejamento da propriedade para a convivência com o semiárido. Hoje, esta mesma metodologia foi absorvida por um projeto maior, denominado Prosperar6 , que beneficia mais
de 2.300 famílias na Região.
Os números no campo da mobilização política são impossíveis de serem recuperados. A quantidade de seminários, oficinas de planejamento e avaliação, reuniões e discussões promovidas nos diferentes níveis de gestão dos
programas nos últimos anos ultrapassou as expectativas mais otimistas. Basta lembrar que, somente a estrutura de
gerenciamento do PETI criou, além da Comissão Estadual, Comissões Regionais, Municipais e Grupos Gestores.
A periodicidade dos encontros destas diversas instâncias variou ao longo do tempo de acordo com o progresso da
implementação dos programas. Ainda assim, pode-se dizer que todos os meses houve um grande número de reuniões
em diversos níveis para tratar especificamente dos programas em curso.
O PAPEL DOS PROGRAMAS DE AÇÃO DO IPEC
Não é fácil separar as ações promovidas pelo MOC, em parceria com o IPEC, das demais atividades levadas a cabo
na região. Isso porque o Movimento não interrompe ações já empreendidas nem deixa de iniciar outras não previstas, por
considerações menores. A visão de conjunto faz com as necessidades da região sejam colocadas em primeiro lugar, o
que muitas vezes demandou redefinições de percurso no campo das fontes orçamentárias e das estratégias de ação.
Os relatórios de atividades anuais do MOC comprovam a imensidade de ações conjuntas realizadas na região simultaneamente aos programas de ação financiados pelo IPEC. No entanto, é importante frisar que, observando-se o conjunto de
todas as ações realizadas, percebe-se claramente que as propostas contidas nos roteiros sumários de cada programa de
ação financiado por meio do IPEC foram sempre plenamente executadas.
As propostas
nos roteiros de
programa de
ação
O primeiro programa de ação realizado em parceria com o Movimento da Organização Comunitária iniciou-se em
1994. O MOC já apresentava interesse em trabalhar com a OIT desde o início do ano de 1994, quando começou a enviar
propostas de trabalho que só puderam ser aceitas no final daquele ano.
financiado
Em Feira de Santana, bem como em várias outras cidades do interior da Bahia, o MOC já desenvolvia projetos
importantes na área de conscientização e formação de trabalhadores rurais. Por ser uma instituição bastante articulada com
a esfera do estado e da sociedade civil organizada, conseguia, à época, manter um grupo de parceiros e financiadores
nacionais e internacionais para os seus programas.
foram
Normalmente, as prefeituras dos municípios envolvidos nos projetos do MOC eram engajadas nas atividades desenvolvidas, bem como os sindicalistas rurais e os professores da Universidade Estadual de Feira de Santana. Todos
davam suas contribuições, cedendo profissionais para participar como instrutores ou participando diretamente nas atividades em curso.
pelo IPEC
plenamente
executadas
6 Que será detalhado mais adiante.
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Os Relatórios de Atividades Anuais do MOC, dos anos de 1995 e 1996, esclarecem o papel do Movimento na
região e a importância que o financiamento do IPEC teve para as crianças e as famílias beneficiadas. Os principais
eixos de ação deste programa, como já aludido, foram a realização de cursos de capacitação para jovens (que serviriam de multiplicadores na luta contra o trabalho infantil) e a conformação de grupos de conscientização específicos
para mulheres e chefes de família nas comunidades da região. Para tanto, foram produzidas 5 cartilhas direcionadas
para educadores, trabalhadores sindicalizados, mulheres, chefes de famílias e conselheiros municipais, que ajudaram
muito no processo de mobilização social e conscientização sobre o problema.
Em paralelo, iniciou-se, com o apoio técnico do MOC, um projeto piloto de geração de renda para as famílias
da região, implementado pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Retirolândia (STRR). Formalmente denominado
“Conscientização para a eliminação do Trabalho Infantil no Sisal”, o projeto ficou conhecido na região como Programa “bode-escola”.
Este programa de ação tinha como objetivos imediatos: 1) conscientizar e mobilizar trabalhadores rurais, famílias
e comunidades sobre os danos ao desenvolvimento mental e físico da criança causados pelo trabalho infantil precoce;
2) envolver as famílias sisaleiras na prática orientada da caprinocultura como alternativa de geração de renda; e 3)
implantar conselhos municipais da criança e do adolescente em treze municípios da região sisaleira, de modo a contribuir para a discussão sobre as necessidades da população infanto-juvenil da região.
Além das inúmeras reuniões de mobilização e sensibilização realizadas pelo programa de ação, da veiculação
de programas de rádio e da distribuição de cartilhas, foi realizada uma seleção das famílias mais necessitadas e que
possuíam um pedaço de terra. Cada família recebeu 1 bode e três cabras matrizes, que deveriam ser devolvidas ao
Sindicato após um período específico suficiente para a reprodução das cabras (de modo a garantir a sustentabilidade
da proposta). Todas as crianças da família em idade escolar deveriam freqüentar a escola, em contrapartida, e as
famílias deveriam freqüentar cursos sobre métodos para aumentar a produtividade de sua propriedade como um todo.
Entre as
famílias que
antes tinham
renda de até 1
salário mínimo,
o programa
permitiu um
incremento de
40% dos
ganhos
A fim de garantir a continuidade das ações implementadas e fortalecer um pouco mais a comunidade local, de
modo a construir uma base mais sólida para a sustentabilidade futura do processo já iniciado, este programa de ação foi
seguido, em 1998, por um novo programa de ação, implementado também pelo STRRR com os mesmos objetivos.
Um relatório de avaliação que analisou ambos programas de ação concluiu que houve um aumento significativo
na renda das 206 famílias beneficiadas ao longo de 4 anos. Entre as famílias que antes tinham renda de até 1 salário
mínimo, o programa permitiu um incremento de 40% dos ganhos. Entre as famílias que antes tinham renda de até ½
salário mínimo, este aumento da renda foi de 80%.
O segundo programa de ação do IPEC com o MOC, na Região Sisaleira, foi concebido para apoiar a implementação
do Programa de Ação Integrado (PAI) na Região que, a partir de 1996, passou a contar com os recursos do Programa
Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).
Algumas das atividades previstas inicialmente foram alteradas, o que gerou produtos diferenciados daqueles
listados na proposta inicial. Mesmo assim, o saldo final do programa foi muito positivo e o MOC demonstrou novamente
o compromisso com o IPEC e com todas as crianças trabalhadoras da Região Sisaleira.
O maior produto deste programa de ação foi a mobilização da sociedade local. Os moradores dos municípios
sisaleiros, onde o PAI iniciou os seus trabalhos, conseguiram se integrar de maneira muito satisfatória ao andamento
das atividades. Foi produzido e veiculado um programa de rádio que teve grande audiência e mostrou-se eficaz na
divulgação de informações sobre o PAI e o PETI, bem como sobre a situação das crianças trabalhadoras.
Além disto, o PAI-Sisal teve no programa MOC/IPEC um grande aliado na medida em que este último selecionou
e treinou monitores para atuarem na jornada ampliada, realizou seminários bem como reuniões municipais e regionais
onde se discutiam encaminhamentos de questões relativas à geração de renda entre as famílias beneficiadas. Foram
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ainda discutidas alternativas para os problemas da seca bem como viabilizados, em convênio com a SETRAS, cursos
de incentivo à caprinocultura.
Ainda neste período, o PAI-Sisal contou com a colaboração direta do Projeto Axé (financiado pelo IPEC) e da
SETRAS, sendo que o primeiro ajudou no processo de capacitação dos monitores da Jornada Ampliada, e o segundo
coordenou todo o repasse das verbas do PETI para as prefeituras dos municípios sisaleiros e assumiu o pagamento dos
salários dos monitores contratados. O UNICEF e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)7 também contribuiram
financeiramente no processo de treinamento dos monitores. O programa Agente de Família, financiado pelo UNICEF,
também iniciou suas atividades nesta época, trabalhando diretamente com o engajamento das famílias beneficiadas
nos programas em curso.
Novamente é possível ter-se uma visão geral elucidativa destes acontecimentos por meio dos Relatórios de
Atividades Anuais de 1997 e 1998 produzidos pelo MOC. Vale lembrar que esses relatórios abordam as atividades
realizadas como um todo, não fazendo diferenciações quanto às fontes financiadoras de cada iniciativa.
Na seqüência do segundo programa de ação, foi aprovado um terceiro programa do IPEC com o MOC que tinha
como objetivo, uma vez mais, capacitar, mobilizar e organizar a sociedade civil para habilitá-la a participar dos
desdobramentos do PAI. Foi feito um planejamento de atividades, nos moldes do programa anterior, de maneira a
viabilizar e otimizar os resultados do PAI na região.
Em 2000, o MOC se propôs a fazer a sistematização da metodologia utilizada no Programa de Ações Integradas
da Região Sisaleira da Bahia. Para tanto, elaborou e aprovou junto ao IPEC seu quarto programa de ação, tendo decidido fazer o registro dessa experiência em um documento com três partes, descritas a seguir.
Na primeira parte, o texto registra o processo histórico de construção do PAI no estado da Bahia, fazendo uma
análise retrospectiva do movimento social na região e suas conquistas. O objetivo desta descrição é contribuir para a
compreensão do contexto que demandou a implementação do PAI.
Ainda de forma retrospectiva, o documento produzido continua analisando o processo participativo que permitiu
a construção e a implementação do PAI na Bahia, fazendo uma descrição do intenso processo de negociação entre os
governos federal, estadual e municipal, bem como entre organizações sociais e organismos internacionais. Esta análise mostra como se deu a criação de um mecanismo paritário de gestão do PAI: a Comissão Estadual de Erradicação do
Trabalho Infantil na Bahia.
Em 2000, o
No segundo bloco, registra-se o processo de operacionalização e implementação do PAI. São analisados os
passos dados desde as primeiras abordagens da realidade: as primeiras visitas; as primeiras intervenções institucionais;
o papel do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho; as reuniões inter-institucionais na região sisaleira;
a I Oficina de Planejamento; os seminários para discussão e definições de condutas e a realização da Pesquisa/
Cadastramento das famílias a serem beneficiadas pelo PAI, feita pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
sistematizar a
Também é feito um registro dos mecanismos de funcionamento do PAI: a construção das instâncias de gestão em
níveis estadual, regional e municipal; a definição de critérios de elegibilidade para atribuição de bolsas; a criação de
instâncias de gestão e de operação, como a Comissão técnica de Operacionalização, as Comissões Regionais e Municipais de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e os Grupos Gestores; a criação das Unidades de Jornada
Ampliada; outras ações desenvolvidas pelas diferentes instituições (estaduais ou da sociedade civil) integrantes da
Comissão Estadual, como o MOC, UNICEF, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Secretaria de Saúde, Instituto Mauá,
Liceu de Artes e Ofícios, entre outras.
MOC se
propôs a
metodologia
utilizada no PAI
da Região
Sisaleira da
Bahia
7 Fundo especial, de natureza contábil-financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego ( MTE), destinado ao custeio do Programa do Seguro-Desemprego, do Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. Sua principal fonte de recursos é composta pelas contribuições para o
Programa de Integração Social - PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PASEP.
OS 10 ANOS DO IPEC NO BRASIL
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No terceiro bloco sistematizam-se os princípios e procedimentos metodológicos do PAI na Bahia, abordando os
princípios e critérios adotados, o processo decisório, as instâncias de participação, o processo de planejamento e o
monitoramento e avaliação das atividades. Uma vez terminada a sistematização, em setembro de 2001, foi publicada
uma revista com os dados levantados, em parceira com a OIT e o UNICEF, sob o título “Resgatando a Infância. A
trajetória do PETI na Bahia”.
Vale resssaltar que, ainda no ano 2000, o MOC recebeu o Prêmio Bem Eficiente, pelo trabalho e desempenho
excepcional, dentro de uma estrutura profissional, organizada e transparente para seus doadores. Recebeu ainda o
prêmio The Body Shop de Direitos Humanos, em Londres. Esse prêmio foi dado por uma empresa de cosméticos inglesa
engajada em causas humanitárias e de preservação do meio ambiente. O prêmio foi recebido ao lado de outras duas
instituições de outros países, sendo que o trabalho desenvolvido na Bahia foi escolhido entre outras 44 instituições
brasileiras. Tal prêmio mereceu grande veiculação na mídia impressa e proporcionou um ganho material (US$75.000,00)
para os projetos desenvolvidos pelo MOC.
Após a sistematização da experiência, e tendo como base os resultados positivos apresentados por uma avaliação independente feita pelo IPEC ao final do quarto programa de ação, foi aprovado um quinto programa de ação do
IPEC com o MOC, que ainda está em curso. Ainda que o objetivo principal do programa, mais uma vez, seja contribuir
para a prevenção e erradicação do trabalho infantil no estado da Bahia, o MOC desta vez definiu dois novos objetivos
imediatos: incrementar a renda familiar de 300 famílias integrantes do PETI e criar um modelo de política pública de
geração de renda na Região Sisaleira.
O programa fez-se necessário na medida em que a realidade foi mostrando a importância de prover um amparo maior para as famílias beneficiárias do PETI. Seus filhos maiores já estavam começando a deixar o programa (que
remunera com uma bolsa escola somente as crianças com idade entre 7 e 15 anos). Esses egressos do PETI estavam
tornando-se potenciais candidatos a voltar para o trabalho penoso antes de concluir uma formação mínima no sistema educacional.
Em 2000, o
MOC recebeu
o Prêmio Bem
Eficiente pelo
trabalho e
desempenho
excepcional
Em linhas gerais, a proposta vigente está sendo cumprida de acordo com os seguintes passos: 1) escolha dos
municípios a serem atendidos; 2) contratação de técnicos em agropecuária para orientação das famílias; 3) identificação das famílias participantes; 4) planejamento participativo de projetos para cada família ou para grupos de famílias;
5) elaboração técnica dos projetos dentro de critérios pré-determinados para serem entregues em instituições financeiras; 6) entrega dos projetos nas instituições financeiras; e 7) implementação dos projetos e avaliação do programa. Este
programa foi aprovado para ser concluído em nove meses, mas devido à sua grande dimensão, provavelmente terá
prorrogado seu prazo de término.
O MOC conseguiu atingir um nível tão consistente de organização e excelência que recebeu do Governo Federal (SEAS) a incumbência de desenvolver o chamado Projeto Prosperar, que visa a estimular o desenvolvimento regional. Este projeto conta com um financiamento de quatro milhões de reais para promover a geração de renda entre as
famílias da região. Aproximadamente ¾ destes recursos serão empregados em sistemas de fornecimento de crédito
para as famílias e o restante será destinado para a promoção de capacitação técnica.
Finalmente, vale acrescentar que os desdobramentos de todos estes programas de ação foram acompanhados de
perto pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil. As experiências adquiridas com cada um
deles serviram como subsídio para a formulação das Diretrizes da Política Nacional de Prevenção e Erradicação do
Trabalho Infantil. Estas diretrizes foram posteriormente discutidas em todo o país, tendo sido aprovadas pelo Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), no final do ano 2000.
Quanto à gestão dos programas de ação analisados, é útil esclarecer que, sem deixar de cumprir o objetivo geral
de cada programa de ação financiado pelo IPEC, o MOC muitas vezes utilizou os recursos disponíveis em outras ações
pertinentes que não estavam previstas ou deixou de realizar ações que se mostraram inadequadas com o andar da
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OS 10 ANOS DO IPEC NO BRASIL
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situação. É justamente esta capacidade de adequar os processos à realidade que tem garantido o bom êxito das ações
dos projetos e programas. Vale ressaltar que esse tipo de remanejamento foi feito estritamente quando necessário e
observando-se o objetivo geral do programa de ação, bem como as necessidades de seus beneficiários diretos.
PORQUE ESTA É UMA PRÁTICA NOTÁVEL?
Como foi demonstrado, as intervenções na Região Sisaleira da Bahia foram implementadas com o objetivo de
mudar uma situação caracterizada pela pobreza e pela exclusão social. Os idealizadores destas atividades partiram
do princípio de que a mudança necessária poderia ocorrer mesmo em um contexto nacional adverso. Entre esperar
uma mudança geral do quadro de desigualdade social do país para depois agir e começar a fomentar uma mudança
local imediata, os atores sociais preferiram a segunda opção.
A vontade de todos os envolvidos nas ações levadas a cabo quanto ao cenário futuro da região era a de que se
consolidasse um processo longo de desenvolvimento regional. Este desenvolvimento, por sua vez, deveria ter como
objetivo a melhoria das condições sociais, econômicas e ecológicas nas quais cada morador estava envolvido.
Concretamente, fariam parte deste cenário futuro elementos como ter todas as crianças fora do trabalho e freqüentando a escola e a jornada ampliada em período integral, ter todas as famílias envolvidas em projetos de geração
de renda exitosos, capazes de melhorar significativamente sua renda, contar com a participação massiva de todos os
atores sociais da região na tomada de decisões sobre o desenvolvimento da Região, entre outros.
A abordagem escolhida, a partir de 1996, para ordenar as atividades e levá-las adiante com mais eficácia traduziuse na implementação da metodologia PAI (já descrita). A escolha desta metodologia justificou-se na medida em que se
formou um consenso no sentido de que o PAI seria adequado, porque horizontal e flexível, ao processo em curso na Bahia.
A mudança
O público-alvo das ações estava constituído por famílias pobres e suas crianças trabalhadoras, sendo que os
resultados concretos esperados ao final da realização dos diversos projetos eram que se verificassem famílias com
renda melhor (em função das bolsas recebidas bem como do incremento de sua produção laboral) e crianças fora do
trabalho e engajadas na escola.
das condições
Como já foi dito, as principais iniciativas e atividades realizadas estavam relacionadas às ações de mobilização,
capacitação, construção de Unidades de Jornada Ampliada, elaboração de projetos de geração de renda, entre outros.
crianças que
As mudanças podem hoje ser observadas por todos os lados na Região. As famílias melhoraram sua renda, o que
aqueceu o mercado local. A renda também introduziu padrões melhores de alimentação e de disposição de bens de
consumo antes inacessíveis.
passavam o
Uma vez que as bolsas eram entregues às mães das crianças ex-trabalhadoras, verificaram-se, ainda, mudanças
relacionadas às questões de gênero. Muitas mulheres iniciaram seus processos de emancipação, que foram reforçados
a partir de reuniões feitas com o objetivo de promover a mobilização social, bem como a partir de projetos de geração
de emprego e renda especialmente desenhados para elas (como o projeto de produção de temperos) .
de vida de
antes
dia no trabalho
foi também
drástica
A mudança das condições de vida de crianças que antes passavam o dia no trabalho foi também drástica. A
produção da fibra do sisal é extremamente perigosa um vez que o corte do agave (planta de onde se retira a fibra) pode
provocar perfurações pelo corpo, e também na medida em que o beneficiamento da planta já cortada é feito em uma
máquina chamada paraibana ou batedeira que, além de produzir um ruído excessivo, é capaz de triturar mãos menos
fortes e experientes, como de fato aconteceu diversas vezes.
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A situação dos jovens da Região também é outra nos dias atuais. Se antes os jovens somente poderiam escolher
entre migrar para cidades maiores em busca de trabalho (inchando periferias que não são capazes de oferecer condições dignas de sobrevivência) ou permanecer na Região, trabalhando quase de graça, agora eles contam com a
alternativa de se engajar nas ações dos projetos. Atuando como monitores das UJAs ou como agentes de famílias, esses
jovens agora podem desenvolver uma atividade digna e receber por ela um salário adequado.
Registram-se ainda mudanças no comportamento dos membros das famílias envolvidas. A pobreza e o trabalho
infantil deixaram de ser vistos como algo normal, como um destino frente ao qual nada se poderia fazer. Essa mudança
de concepção fez com que houvesse também uma mudança de comportamento, uma vez que todos passaram a
participar assiduamente do processo.
O papel de outros parceiros e organizações envolvidos no sucesso das atividades foi fundamental. Tudo o que
aconteceu de positivo na Região se deve ao esforço conjunto de muitas instituições que acreditaram na possibilidade
de gerar mudanças e investiram seus recursos para que esta mudança se verificasse.
Tudo poderia ter sido diferente caso a UFBA não houvesse liderado a parte de realização de pesquisas, caso a
OIT e o UNICEF não houvessem optado por oferecer um suporte técnico incondicional ao MOC (que foi seguido de
recursos para concretizar ações indispensáveis), caso a SETRAS não tivesse colocado seu empenho e seu pessoal
técnico à disposição da estrutura de gerenciamento dos programas, caso os Conselhos, o Ministério Público do Trabalho, a CONTAG, entre outros, não tivessem dado o suporte institucional que deram ao processo.
Em princípio, as pré-condições necessárias para que uma experiência como esta seja aplicável em outros
contextos estão relacionadas à existência de recursos humanos, materiais e financeiros que, embora estejam dispersos,
possam ser bem combinados por um grupo de atores interessados. Também é uma condição sine qua non a existência de uma abertura, no campo do sistema de crenças e valores locais, para estabelecer-se um modo participativo
de trabalho com a população.
Qualquer líder
local
comprometido
com o bem
comum
poderia iniciar
um trabalho
como esse
Os principais resultados da aplicação deste modelo de intervenção, que explicam o motivo pelo qual alguém
poderia se interessar por tentar replicar essa experiência, são a realocação espacial e cultural das crianças, que saem
de ambientes hostis para passar o dia aonde elas realmente deveriam estar (na escola, nas UJAs, na família, brincando
em casa ou na rua com seus amigos), bem como o fortalecimento das famílias, que passam a ter perspectivas concretas
de melhorar sua qualidade de vida.
Talvez o fator chave de sucesso dessa iniciativa tenha sido a definição de uma estratégia clara de trabalho e a
realização incansável de todas as articulações possíveis para incrementar e melhorar o processo. Foi igualmente
importante a existência de uma base sustentável e forte de entidades da sociedade civil que, cientes de sua estratégia
e de seu projeto político, puderam sentar-se à mesa com os governos, na busca de construir algo que as transcende
bem como aos governos: proporcionar uma vida melhor para as pessoas.
Qualquer líder local comprometido com o bem comum poderia iniciar um trabalho como esse, seja a partir do
Estado ou da sociedade civil organizada. Também é certo que este líder deve ser suficientemente ousado para não se
intimidar frente à necessidade de atuar como um facilitador do desenvolvimento, que é capaz de elaborar consensos e
ajudar a todos no sentido de que estes consensos sejam a base das ações empreendidas em todos os níveis.
Uma vez que no mundo não faltam lugares onde se verificam situações intoleráveis de pobreza e miséria, aparentemente impossíveis de serem modificadas, e que muitas vezes nestes mesmos lugares existem condições de mudança imanentes, pode-se afirmar que esta experiência teria boas chances de inspirar outros programas que poderiam
reproduzir resultados igualmente excelentes.
Na verdade, outros programas poderiam alimentar-se destas idéias de modo a melhorá-las e a evitar erros já
cometidos no passado. Além do mais, esta experiência, na medida em que delineia um método de trabalho comunitá-
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rio, pode ser útil a outros programas que trabalham questões gerais que transcendem o problema do trabalho infantil.
Por meio do PAI seria possível, com pequenas adaptações, abordar questões relacionadas à saúde pública, o saneamento básico, a pobreza, a geração de renda, a mobilização popular etc.
Neste caso, seria necessário alertar aos elaboradores e implementadores de outros programas inspirados nesta
experiência, que não tenham pressa em colher os frutos de um processo como este. Considerando que todas as decisões são tomadas mediante um processo de participação que é instrutivo e que se constitui também enquanto um dos
objetivos das ações, os resultados são atingidos de maneira mais lenta, mas também mais consolidada. É muito mais
fácil implementar ações de modo vertical, sem ouvir nem incluir as pessoas beneficiadas. Outro é o caso quando cada
decisão é tomada em uma arena cujos atores têm interesses e os expressam livremente.
Finalmente vale ressaltar que essa experiência se beneficiaria muito com a realização de novos estudos. Falta
estabelecer, por exemplo, um mecanismo mais eficiente de monitoramento e avaliação do programa. Uma pesquisa
rigorosa poderia indicar qual seria o melhor caminho neste sentido.
CONCLUSÃO
Em meio à descrição dessa experiência é possível divisar alguns elementos capazes de orientar a elaboração,
implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de combate ao trabalho infantil e à exclusão social.
Lições importantes podem ser recuperadas e aproveitadas por outros programas no campo do estudo e da pesquisa, no campo do planejamento estratégico, no campo da parceria e dos processos democráticos de decisão e
gerenciamento, na integração de vários programas estatais e de organizações da sociedade civil, entre outros.
A realização de estudos sobre a realidade a ser modificada trouxe às atividades empreendidas uma dimensão de
confiabilidade e seriedade, na medida em que são minimizadas as possibilidades de usos indevidos dos benefícios
concedidos. Os critérios mais objetivos de uma pesquisa afastam grupos clientelistas que não possuem argumentos
convincentes no momento de tentar manipular a repartição dos recursos que chegam à Região.
Um modo de
planejar
participativo
A utilização de técnicas de planejamento participativo permitem, sobretudo, a construção de consensos mais
amplos e a delineação de cenários futuros comuns. Uma vez que todos querem chegar à mesma situação ideal, fica
mais fácil definir atividades com um propósito e fazer com que estas sejam realizadas a contento.
conduz a um
Um modo de planejar participativo conduz necessariamente a um modo de decidir e de gerenciar igualmente
participativo e democrático. Neste caso, os fatores concretos relacionados a esta participação seriam, entre outros, a
escolha de monitores e agentes de família por meio de processos públicos de seleção, a indicação dos componentes
dos grupos gestores feita pelo Governo (50%) e pela sociedade civil (50%), a escolha dos coordenadores dos monitores
feita pelos próprios monitores, a não terceirização de serviços, o que faz com que nenhum agente seja chamado ao
processo somente para executar decisões tomadas em outras instâncias etc.
decidir e de
Muito se aprendeu também com relação aos benefícios oriundos do estabelecimento de parcerias fortes, que por
sua vez permitem a articulação de programas que antes funcionavam isoladamente. A integração de iniciativas já
existentes de diferentes secretarias do Governo Estadual, de diferentes ministérios do Governo Federal, de diferentes
Prefeituras e de várias ONGs e Organismos Internacionais, proporcionou um impacto grande na Região sem que fosse
necessário empregar mais recursos do que aqueles que já estavam previstos para estas ações.
modo de
gerenciar
igualmente
participativo e
democrático
Os muitos desafios atuais desta experiência estão relacionados ao seu fator de risco mais grave: a falta de um
plano de desenvolvimento regional capaz de potencializar as iniciativas em curso. Muitos outros tipos de intervenção
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apoiariam ainda mais o uso e o impacto desta boa prática, mas, para isso, estas intervenções teriam que ser elaboradas
e implementadas desde uma perspectiva mais ampla, de longo prazo, sobre o futuro da Região.
Muito ainda pode ser feito com relação à sustentabilidade das famílias beneficiárias, com relação aos jovens
egressos do programa e com relação à necessidade de universalizar a Jornada Ampliada para as crianças que não são
bolsistas. Também há ainda muito o que ser feito quanto à melhoria da qualidade do ensino fundamental e dos serviços
de saúde.
Da mesma forma que as atividades desenvolvidas apontam, com clareza cada vez maior, para a necessidade de
definir um plano de desenvolvimento regional capaz de guiar as ações dos atores locais, percebe-se também que a
radicalização dos benefícios direcionados às crianças e adolescentes só será uma realidade quando a sociedade
brasileira adotar uma política efetiva de proteção à infância, capaz de fazer valer o princípio da prioridade absoluta
das crianças previsto na Constituição Brasileira de 1988.
MATERIAL DE PESQUISA
Arquivos do IPEC dos programas de ação citados
Agreements e documentos de projeto de todos os programas
Planos de Trabalho
Relatórios de Seminários de Capacitação
Relatórios de Seminários de Avaliação
Relatórios de Seminários de Articulação
Relatório anuais de 1995 a 2002
Produtos
Cartilhas sobre Prevenção do trabalho infantil: professores e alfabetizadores, técnicos em ONG’s, grupo de
mulheres e chefes de família
Repercussão na Mídia
Recorte de jornal “Folha do Estado”, Feira de Santana, em 31/05/97, entrevista com Naidson Baptista
Recorte de jornal “O Estado de S. Paulo, em 30/08/97
Recorte de jornal (Folha de SP, em 06/02/2000, p.6-9)
Notícias Diárias (material divulgado pelo site do Ministério da Previdência Social sobre o prêmio)
Clipping com reportagens sobre a premiação The Body Shop
Clipping Hoje (21/07/99)
Artigo da revista Manchete (03/08/96) sobre o trabalho infantil nas pedreiras
Outros Materiais
Reflexões sobre o manual operacional do PPETI
Geração de emprego e renda X trabalho infantil (texto de Beatriz Cunha)
Síntese dos resultados do projeto Agente de Famíla
Relatório de Avaliação externa (Elenaldo Celso Teixeira, julho/agosto de 2000)
Programa de erradicação do trabalho infantil na região do sisal (material elaborado pelo Moc)
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