Universidade Federal do Pará
Instituto de Ciências Exatas e Naturais
Faculdade de Fı́sica
Anotações de Cosmologia
Marcelo Costa de Lima
Notas de aula do minicurso
“Cosmologia”
II Escola de Ciências do Espaço
PPGF/UFPA.
17-21/novembro/2008
Belém - PA
Convenções e notações
• Índices gregos {α, β, µ, ...} assumem valores (0, 1, 2, 3). Índices latinos {i, j, k, ...} assumem
valores (1, 2, 3).
• Assinatura da métrica é escolhida como (+, −, −, −).
• Derivação simples denotamos por “ , ” e derivação covariante denotamos por “ ; ”. Assim, por
ex.,
∂V µ
V µ;ν ≡ V µ,ν − Γµνα V α
V µ,ν ≡
∂xν
• Conexão e métrica:
1
Γλαβ = − g λρ (gαρ,β + gβρ,α − gαβ,ρ )
2
• O tensor de Maxwell é definido como Fµν = Aµ;ν − Aν;µ .
• As equações de Maxwell não homogêneas são
F µν;ν =
4π µ
J
c
• O tensor de Riemann é definido pela relação
V α;µ;ν − V α;ν;µ = −Rασµν V σ ,
o que equivale a
Rασµν = Γασµ,ν − Γασν,µ + Γαλµ Γλσν − Γαλν Γλσµ
• O tensor de Ricci é definido pela contração Rσν = Rλσλν , o que equivale a
R
σν
= Γασα,ν − Γασν,α + Γαλα Γλσν − Γαλν Γλσα
• A constante de Einstein, κ, é escrita em termos das contantes da gravitação universal G, e da
velocidade da luz c, como
8πG
κ= 4 .
c
• As equações de Einstein são escritas na forma
Gµν = +κ Tµν
• Em se considerando a constante cosmológica, Λ,
Gµν − Λ gµν = +κ Tµν
i
“If anyone in my laboratory begins to speak of the Universe, I tell him it is time to leave. ”
Ernest Rutherford
“Cosmologists are often wrong, but never in doubt.”
Lev Davidovich Landau
ii
Cronologia
Fazer uma cronologia é, certamente, cometer injustiças. Dizer quais fatos são relevantes,
na sucessão de contribuições que conduziram à construção do discurso cientı́fico vigente, acerca
de qualquer objeto de estudo, foge (para dizer o mı́nimo) à nossa própria erudição. Contudo,
é preciso situar o contexto dentro do qual as idéias sobre a cosmologia ganharam forma e
legitimidade cientı́fica em nossa época. Neste intuito atrevêmo-nos então a propor a seguinte
cronologia:
• 1838 - Bessel - introduz o método da paralaxe trigonométrica para medir a distância às
estrelas.
• 1854 - Riemann - apresenta suas considerações “Sobre as hipóteses fundamentais da geometria”. Sugere que a fı́sica deve apontar a geometria do espaço em que vivemos.
• 1859 - Kirchhoff - descobre que o espectro de luz das estrelas é uma assinatura de sua
composição quı́mica, permitindo assim conhecer sua composição.
• 1907 - Rutherford e Boltwood - estabelecem a idade da Terra da ordem de bilhões de
anos.
• 1908 - Entra em operação o telescópio refletor de 1,5 m de diâmetro no Observatório de
Monte Wilson.
• 1912 - Henrietta Leavitt - estuda as propriedades das estrelas Cefeı́das.
• 1912 - Vesto Slipher - sugere que as nebulosas espirais e algumas elı́pticas se afastavam
de nós a grandes velocidades. Levantou a questão de considerá-las ou não parte da via
Láctea.
iii
• 1915 - Einstein - comunica à Academia Prussiana de Ciências sua teoria relativista do
campo gravitacional. Publicado sob o tı́tulo “Os fundamentos da teoria da relatividade
geral”, trata-se de uma teoria baseada na geometria de Riemann.
• 1915 - Slipher - mostra que 11 de 15 nebulosas observadas apresentavam o afastamento
relativo. Era controverso se tais objetos eram ou não extragaláticos.
• 1917 - Einstein - publica “Considerações cosmológicas sobre a teoria da relatividade geral”1 . Propõe aı́ seu modelo de universo estático com constante cosmológica.
• 1917 - Entra em operação o grande telescópio refletor de 2,5 m de diâmetro: o Hooker,
no Observatório de Monte Wilson.
• 1917 - De Sitter - obtém sua solução de universo dinâmico alimentado apenas pela constante cosmológica.
• 1918 - Harlow Shapley - afirma que a Via-Láctea tem a forma de um disco cujo diâmetro
é da ordem de 300.000 anos-luz, 10.000 anos-luz e expessura, estando o sistema solar
a uma distância de 60.000 anos-luz do centro.
• 1920 - Shapley e Herber Curtis - debate sobre a natureza das nebulosas que ficaria chamado de “o grande debate”.
• 1922 - Friedmann, A. - obtém soluções das equações de Einstein para universos em expansão espacialmente homogêneos e isotrópicos, sem constante cosmológica.
• 1924 - Hubble, E. - estabelece que a nebulosa de Andromeda é um objeto extragalático.
Primeiras evidências da homogeneidade e isotropia da distribuição das galáxias.
• 1927 - Lemaı̂tre - constrói um modelo expansionista, obtido independentemente de Friedmann. Advoga à idéia do núcleo primordial que explodira, dando origem à expansão.
• 1929 - Hubble, E. - descobre que as galáxias se afastam umas das outras com velocidades
proporcionais às suas distâncias. Introduz a constante que hoje leva seu nome.
• 1933 - Zwicky - introduz a idéia de matéria escura.
1
No original: “Kosmologische Betrachtungen Zur Allgemeinen Relativitätstheorie”
iv
• 1934 - Tolman - mostra que a radiação de corpo negro num universo em expansão é
resfriada mantendo-se porém sua distribuição térmica, permanecendo a de um como corpo
negro
• 1948 - Entra em operação o telescópio 5 m de diâmetro no Monte Palomar.
• 1948 - George Gamow, Ralph Alpher e Robert Herman- o universo em expansão pode
explicar a abundância de H e He no universo. Prevêem a existência de uma radiação
isotrópica com espectro de um corpo negro. Estimam sua temperatura atual em 50K
(Gamow), 5K (Alpher e Herman).
• 1948 - Bondi,H. Gold e Hoyle, F. - constroem a “steady-state cosmology”.
• 1950 - Fred Hoyle - contrário à idéia do núcleo promordial de Lamaı̂tre, apelida o modelo
expansionista do universo a partir de um começo, de Big Bang.
• 1952-1958 - Baade e Sandage - Resolvido o problema da escala temporal.
• 1965 - Penzias e Wilson - descobrem a Radiação Cósmica de Fundo em Microondas.
• 1978 - Penzias e Wilson - partilham o prêmio Nobel de Fı́sica pela descoberta da RCF M .
• 1981 - Alan Guth - postula que, em sua fase inicial, o universo havia passado pelo perı́odo
da Inflação.
• 1989 - N ASA - lança o satélite COBE. Suas medidas confirmam a isotropia da RCF M ,
sua temperatura de 2, 725K e seu espectro de corpo negro.
• 1990 - O Telescópio Espacial Hubble (HST ) é posto em órbita. É o primeiro aparato de
uma série que formaria o Great Observatories Program (GOP) da N ASA.
• 1991 - O Telescópio Espacial Compton, na verdade Compton Gamma Ray Observatory
(CGRO), o segundo aparato do GOP , foi lançado. Infelizmente problemas em seu
giroscópio obrigou a N ASA a lançá-lo contra a atmosfera em 2000.
• 1993 - O HST finalmente começa a operar na precisão esperada.
• Inı́cio dos anos 90: medidas precisas da RCF M indicam que o universo é espacialmente
plano. Surge o problema da “massa faltante”.
v
• 1998 - os grupos do Supernova Cosmology Project e o High-z Supernova Search Team,
através do estudo das supernovas do tipo Ia, descobrem os primeiros indicativos da aceleração da expansão do universo.
• 1999 - O Telescópio Espacial Chandra, na verdade Chandra X-ray Observatory (CXO),
terceiro aparato do GOP , foi lançado.
• 2000 - Observações de anisotropia na RCF M mostram que a curvatura do Universo é
pequena, sendo espacialmente plano para todas as finalidades práticas.
• 2000 - Inicia-se no Apache Point Observatory, no Novo México, nos Estados Unidos, o
Sloan Digital Sky Survey (SDSS), com a missão de produzir imagens ópticas de mais de
um quarto do céu e formar um mapa tridimensional, com cerca de um milhão de galáxias
e quasares.
• 2002 - O satélite W M AP (Wikinson Microwave Anisotropy Probe), capaz de realizar
observações mais detalhadas que o COBE, é lançado.
• 2003 - O Telescópio espacial Spitzer, na verdade Spitzer Space Telescope (SST) ou Space
Infra-red Telescope Facility (SIRTF), foi lançado. Foi o quarto e último aparato do GOP .
• 2003 - As medidas da RCF M pela sonda W M AP corroboram o cenário de expansão
acelerada.
• 2005 - Conclusão da primeira etapa do SDSS.
• 2006 - John Mather e George Smoot - partilham o Nobel de fı́sica.
• 2008 - Entra em operação o Large Hadron Collider (LHC), no CERN.
vi
Conteúdo
Convenções e notações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
i
Cronologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
iii
Introdução
1
Breve histórico
3
1 O espaço-tempo como variedade riemanniana
15
1.1
Métrica e intervalo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1.2
Transporte paralelo, conexão e derivada covariante . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.3
Planura local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.4
Geodésica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
1.5
O plano e a superfı́cie da esfera I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
1.6
Curvatura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
1.7
1.6.1
Simetrias do tensor de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.6.2
Traços do tensor de Riemann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.6.3
Identidade de Bianchi e tensor de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
O plano e a superfı́cie da esfera II . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
1.7.1
Curvatura em R2
1.7.2
Curvatura em S2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2 Gravitação einsteiniana
34
2.1
Parâmetros ópticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.2
O fluido material . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.3
O acoplamento com a gravitação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
vii
viii
2.4
As equações de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
2.4.1
A constante cosmológica como fluido exótico . . . . . . . . . . . . . . 38
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3 Friedmann-Lemaı̂tre-Robertson-Walker
41
3.1
As métricas tipo FLRW . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.2
A conexão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.3
A curvatura e seus traços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3.1
Tensor e escalar de Ricci . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
3.3.2
Tensor de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.4
Observadores comóveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
3.5
Tensor energia-momentum da matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
3.5.1
3.6
Balanço de energia e a termodinâmica do fluido cosmológico . . . . . . . 45
Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais . . . . . 46
3.6.1
Modelo de Einstein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3.6.2
Universo de De Sitter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.6.3
Universo dominado por radiação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.6.4
Universo dominado por poeira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Exercı́cios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
4 Consequências observacionais
53
4.1
A lei de Hubble . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
4.2
Horizonte nos modelos de F LRW
4.3
A expansão nos cenários tradicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
4.4
Cenários de expansão acelerada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
4.4.1
4.5
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
A solução de Eddinghton-Lemaı̂tre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
A soma das partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
A Outras soluções cosmológicas
64
Referências
65
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Introdução
O que é a cosmologia enquanto disciplina cientı́fica?
Nosso sistema solar tem um diâmetro caracterı́stico da ordem de 10−3 anos luz. O sol
está na periferia da galáxia, orbitando seu centro a uma distância aproximada de 2/3 do raio
galático. A Via-Láctea, nossa galáxia, com 1011 estrelas, tem dimensões da ordem de 6 × 104
anos luz. O grupo local de galáxias, com dimensões da ordem de 107 anos luz, com algo em
torno de 30 galáxias, tem a Via-Láctea e a M31 (a galáxia de Andrômeda) como membros
destacados do grupo. Estão também no grupo local as grande e pequena nuvens de Magalhães
(que são satélites da Via-Láctea). Nosso grupo local, bem como os chamados grupos vizinhos,
“orbita” o aglomerado de Virgem. Tais grupos de galáxias, tendo o aglomerado de Virgem
como um centro, formam o super-aglomerado de Virgem, numa escala de 108 − 109 anos
luz ou ≈ 300 M pc. O fluido cosmológico é constituı́do de elementos como este. Neste fluido,
nesta escala, nenhum elemento parece diferir de seu vizinho, isto é, parece não haver lugar
privilegiado neste fluido. A cosmologia pretende descrever a dinâmica deste fluido.
Em cosmologia o objeto de estudo é um sistema único. Não podemos dispor de vários
universos para compará-los. Assim não se pode aumentar a confiança nas equações de Einstein
(da gravitação) quando aplicadas ao universo, baseados no acúmulo de soluções de universos
corretamente descritos a partir destas equações. Não se pode fazer experiências com este objeto,
apenas observá-lo (sempre parcialmente). Assim não se pode saber como o sistema reagiria a
qualquer mudança de seus parâmetros fı́sicos, como se faz em um laboratório, apenas inferir
baseado nos fundamentos teóricos. Desde a escala de comprimento tı́pica do homem até a escala
da cosmologia temos algo em torno de 1024 ordens de grandeza. A tı́tulo de comparação, se
uma civilização de pequenos seres inteligentes existisse sobre um o próton (10−15 m) de um
átomo de hidrogênio, de uma molécula de água, e estes tentassem conhecer a composição e
descrever a dinâmica do volume de água da piscina olı́mpica da qual a molécula pertence, não
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2
estariam lidando com algo tão grande relativamente a eles próprios. Que juı́zo fazer da condição
do homem diante do universo? O certo é que este é o caráter singular da cosmologia enquanto
disciplina cientı́fica.
Estas são, basicamente, notas introdutórias sobre relatividade geral, sobre o modelo de
Friedmann-Lemaı̂tre, que ela nos lega, e sobre as virtudes e limitações do modelo quando
confrontados com os dados cosmológicos disponı́veis, hoje bastante robustos. Muitos aspectos
provenientes da fı́sica nuclear, da fı́sica de partı́culas e da fı́sica das interações fundamentais,
todos elementos necessários à composição do quadro proposto no modelo padrão, não serão
aqui abordados. Embora todos estes aspectos, de dentro e de fora da teoria da gravitação,
concorram para dar robustez ao Big Bang a ambição de abordá-los a todos foge ao escopo
destas notas introdutórias.
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Breve histórico
Os mitos de origem de deuses e de homens, do céu e da Terra estão presentes na cultura
desde seus primórdios. Uma visão da cosmologia, isto é, da ordem global do mundo, parece
ter sido formulada muito cedo pelas civilizações antigas, cada qual a seu modo. No perı́odo
helenı́stico clássico bem como no perı́odo renascentista, épocas de grande fertilidade do racionalismo no ocidente, foram propostos modelos cosmológicos “cientı́ficos”, no sentido de que
buscava-se caracterizar a estrutura segundo a qual o mundo estava organizado. O mundo contudo era entendido, em essência, como o sistema solar e as estrelas fixas. A Via-Láctea, que é
visı́vel a olho nu, era conhecida desde a antiguidade. Contudo, foi a partir dos anos de 1600
que se começou a entender o que era, inicialmente por Galileu que a identificou como aglomerado de estrelas. Nos anos de 1700 Messier catalogou uma centena de objetos celestes difusos:
as nebulosas (nebulae). No mesmo perı́odo William Herschel descobriu inúmeras outras “nebulae”e, fazendo o posicionamento das estrelas no céu, foi o primeiro a propor uma forma para
a Via-Láctea, dispondo porém o sol no seu centro.
Hoje pode nos parecer surpreendente, mas foi somente no começo do século XX, com o
advento da moderna astronomia, que foi possı́vel estabalecer métodos de medida de distâncias
em larga escala, dos quais resultou a noção de que o universo transcede a nossa galáxia, a ViaLáctea, sendo esta uma galáxia ordinária dentre tantas outras. Apenas em 1912, a partir do
trabalho de Henrietta Leavitt se tornaria possı́vel desenvolver o método de se estimar distâncias
além do que o método de paralaxe (cujo limite é de ≈ 1, 6×103 anos luz) permitia, quando esta
estudou as propriedades das estrelas Cefeı́das. Ainda, foi somente em 1918, que o grupo de
astrônomos do Observatório de Monte Wilson, liderados por Harlow Shapley, estabeleceu
que a Via-Láctea tem a forma de um disco cujo diâmetro é da ordem de 300.000 anos-luz,
10.000 anos-luz e expessura, estando o sistema solar a uma distância de 60.000 anos-luz do
centro. Para Shapley, contudo, a galáxia (termo por ele cunhado) ainda era pensada como a
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4
totalidade do universo. Esta não era então uma opinião unanime. O grupo de astrônomos
do Observatório Lick defendia a idéia dos “universos ilha” apontando as nebulosas como
evidência. Estas seriam objetos semelhantes a própria Via-Láctea e fora dela. Na tentativa
esclarecer a questão, a Academia Nacional de Ciências norte-americana promoveu um debate,
em 1920, sobre a natureza das nebulosas, que ficaria chamado de “o grande debate”. Aı́ se
confrontaram Shapley e Herber Curtis, do observatório Lick, não se havendo porém chegado a
um veredito final sobre a natureza das nebulosas. Ironicamente, a sombra do grande Shapley,
em Monte Wilson, estava aquele que iria mostrar que Curtis é quem estava certo: o ascendente
Edwin Hubble.
A teoria da gravitação de Einstein, isto é, a Teoria da Relatividade Geral (T RG), foi
finalizada em 19152 . O interesse inicial de Einstein pela cosmologia deveu-se à tentativa de construir um modelo de universo a partir de suas equações. Em 1917 supôs um universo estático
fechado, sem fronteiras, permeado de matéria de forma homogênea. Ao colocar tais ingredientes
em suas equações originais (as de 1915) constatou não haver solução com tais caracterı́sticas.
Em uma especulação desesperada, Einstein modificou suas equações da gravitação originais
introduzindo um novo termo que seria identificado com uma repulsão cósmológica através da
sua constante cosmológica, Λ. Mostrou então que seu modelo estático era solução das
equações modificadas, tendo a constante cosmológica o papel de impedir o colapso gravitacional do universo3 . A T RG se tornaria daı́ em diante o fundamento teórico pelo qual se poderia
conceber e descrever diferentes modelos de universo e, de fato, surgiriam soluções das equações
de Einstein correspondentes a cenários de universo dinâmico; sendo de particular importância
as soluções obtidas em 1922, pelo matemático russo Aleksandr Friedmann4 . Nas soluções de
Friedmann assumia-se que o universo era espacialmente homogêneo e isotrópico, em expansão
e sem a inconveniente constante cosmológica. A suposta expansão contudo havia surgido no
modelo de Friedmann apenas como conjectura e não por constituir-se uma base experimantal.
Retrospectivamente sabemos que desde 1912 Vesto Slipher havia sugerido que as nebulosas
espirais e algumas elı́pticas se afastavam de nós a grandes velocidades, havendo reiterado suas
suspeitas em 1915 quando mostrou que 11 de 15 nebulosas observadas apresentavam des2
Einstein,A., Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenchaften 2, p. 844 (1915). Publicado em
Ann. d. Phys. 49 (1916).
3
Einstein,A., Sitzungsberichte Preussische Akademie der Wissenchaften 1, p. 142 (1917).
4
Friedmann, A., Zeitschrift für Physik 10,p.377 (1922)
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5
vio para o vermelho, indicando o afastamento relativo. Contudo, conforme já dissemos, era
controverso entre os astrônomos se tais objetos eram ou não extragaláticos.
Em 1924 Hubble descobriu estrelas cefeı́das na nebulosa de Andromeda e mediu de forma
segura sua distância até nós. Ficou então provado que tratava-se de um objeto extragalático,
pondo fim ao “grande debate”. O impacto da descoberta de Hubble, alargando de forma
colossal a escala do universo, o colocava lado a lado aos grandes da astronomia como Ptolomeu,
Copérnico ou Galileu. Das observações de Hubble, neste perı́odo, surgem as primeiras evidências
da distribuição homogênea e isotrópica das galáxias5 . Quem transitava durante este perı́odo
em meio a comunidade astronômica americana era o fı́sico-astrônomo (e padre) belga George
Lemaı̂tre, que já nutria grande entusiasmo pela idéia de um universo em expansão. Isto o levou
a propor, baseado na T RG, um modelo expansionista tipo-Friedmann, de modo independente,
no qual aparecia uma relação linear entre distância e velocidade, entre os pontos do substrato
material6 . Foi somente depois de ter seu trabalho publicado que Lemaı̂tre soube, por Einstein,
da precedência de Friedmann. No campo da observação astronômica o cenário de universo
dinâmico não tardaria a se revelar. Quando Hubble anunciou a recessão das galáxias7 , em 1929,
segundo a lei que hoje leva seu nome, as atenções dos teóricos se voltaram para as soluções ou
modelos de Friedmann-Lemaı̂tre. O que Slipher havia visto, mais de uma década atrás,
era na verdade um indı́cio da expansão do universo. Em uma coletiva à imprensa, durante
sua visita ao Observatório de Monte Wilson, em fevereiro de 1931, o próprio Einstein renega
sua solução de 1917 em favor das soluções expansionistas8 . Contudo, nem todas as peças se
encaixavam com perfeição: nas estimativas de Hubble a constante H0 , que hoje leva seu nome,
era de ≈ 500 Km/s/M pc. Assim, a idade do universo teria que ser menor que seu inverso
e portanto ≈ 2 × 109 anos, o que resultaria em um universo mais jovem que a Terra9 . Isto
ficou conhecido como o poblema da escala temporal, somente contornado nos anos 50. A
5
Hubble, E., Astrophysical Journal 62 (1925) e Astrophysical Journal 63, 64 (1926)
Lemaı̂tre, G., Annales de la Societé Scientifique de Bruxelles, 47 A, p. 49 (1927)
7
Hubble, E., Proceedings of the National Academy of Sciences 15, p. 169 (1929).
8
É bastante propalada a história de que Einstein disse ser a constante cosmológica o maior erro de sua vida.
9
Os métodos de datação do nosso planeta, hoje consagrados, também haviam sido estabelecidos no inı́cio
daquele século. Rutherford publicou, em 1907, no Journal of Royal Astronomical Society of Canada 1 sua
estimativa da idade da Terra, com base na abundância relativa da radioatividade dos elementos pesados. No
mesmo ano Boltwood, que se interessara pelos métodos de datação radioativos após uma conferência de Rutherford em Yale, em 1904, fez estimativas que alcançaram 1, 3 × 109 anos. Somente a partir daı́ ficou estabelecido
que a idade da Terra era da ordem de bilhões de anos, sendo que o número hoje aceito é de 4, 5 × 109 anos.
Os métodos de datação radioativa poriam fim à polêmica travada entre fı́sicos, encabeçados por Lord Kelvin,
geólogos e evolucionistas desde a segunda metade do século XIX, acerca da idade da Terra.
6
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premissa de homogeneidade e isotropia passaria a ser designada o Princı́pio cosmológico.
Dos anos 20 do século XX até nossa época a cosmologia desenvolveu-se, por um lado
no sentido de aperfeiçoar os métodos observacionais para melhor ajustar os parâmetros do
modelo de Friedmann-Lemaı̂tre, bem como para certificar-se de que este modelo realmente
correspondia ao nosso universo observável. Por outro lado houve uma proliferação de soluções
cosmológicas, das equações de Einstein, propiciando intenso debate teórico sobre os possı́veis
cenários alternativos de universo.
Nos anos 30, ao estudar as curvas de rotação de estrelas, originalmente no aglomerado de
COM A, Fritz Zwicky dá-se conta de que a matéria visı́vel não permite explicar tais curvas10 . O
aglomerado teria que ser mais massivo do que era possı́vel inferir pela matéria observável. Introduz então a idéia de matéria escura11 . Medidas posteriores revelariam que este ingrediente
misterioso representa, na verdade, em torno de 23% do conteúdo material total do universo12 .
Na “outra ponta” da fı́sica, isto é, no domı́nio do muito pequeno, os anos 30 foram marcados por importantes descobertas tendo sido até chamados a “Decas mirabilis” da fı́sica nuclear.
Das experiências feitas por Rutherford, em 1920, que revelou o próton (o “primeiro”) através
da primeira transmutação nuclear induzida pelo homem, este previu que haveria um segundo
constituinte nuclear, o qual chamou de neutron13 . Somente em 1932 James Chadwick o
descobriria14 , no laboratório Cavendish da Universidade de Cambridge, então sob direção de
Rutherford (que sucedera J.J. Thomson). O neutron livre revelou-se instável e seu decaimento
em próton com emissão de um elétron (e anti-neutrino), o chamado decaimento beta, abriu
uma nova janela para o estudo das interações nucleares que, com o tempo, mostrariam serem
duas: a fraca e a forte. Com efeito em 1934, Enrico Fermi propôs a primeira teoria da interação
nuclear fraca15 , propondo um mecanismo para explicar o decaimento beta. Ainda, com a realização da fusão nuclear em 1934, por Rutherford e colaboradores16 , começava-se a comprovar
experimentalmente os mecanismos de sı́ntese dos elementos quı́micos a partir dos mais leves.
Tais descobertas teriam impacto decisivo na cosmologia pois permitiriam compreender o mecanismo de geração de energia nas estrelas, bem como lançar alguma luz sobre a questão das
10
Zwicky, F., Helv. Phys. Acta.,6,110 (1933)
Mais apropriado talvez fosse “matéria transparente”.
12
Como a matéria feita de átomos parece constituir 4%, vemos que 23% é um percentual elevado.
13
Rutheford, E., Proceedings of the Royal Society, A97 (1920)
14
Chadwick, J. Proceedings of the Royal Society, A136 (1932) e Nature 129 (1932)
15
Zeitschrift für Physik, 88, (1934)
16
Oliphant, M.L., Harteck, P. , Rutherford, E., Nature, 133, p. 413 (1934).
11
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abundâncias relativas dos elementos no universo, o qual era dominado por hidrogênio e hélio
(em torno de 75% e 25% respectivamente). A questão da geração de energia nas estrelas
fora inicialmente abordada por Arthur Eddington em 1920, que especulou tratar-se de fusão
nuclear. Abordagens concretas de esclarecer a questão se iniciariam nos trabalhos teóricos de
Houtermans17 , antes mesmo da descoberta do neutron, e se completaria uma década depois
com os trabalhos de Hans Bethe18 .
Nos anos 40 os desenvolvimentos provindos da fı́sica nuclear começariam a compor o
quadro da evolução cósmica. George Gamow, um jovem fı́sico russo e ex-aluno de Friedmann
(que falecera prematuramente), uniu aspectos provenientes da T RG e da fı́sica nuclear para dar
um novo passo na construção do modelo cosmológico. Juntamente com seu aluno de doutorado
Ralph Alpher buscou descrever como o universo em sua fase primordial, quente e muito densa,
poderia ser a causa da abundância relativa dos elementos nele observados. Conforme mostrou
a teoria do universo em expansão podia explicar a abundância de H e He no universo: a
chamada nucleossı́ntese primordial. A alta densidade e temperatura iniciais propiciaram a
fusão nuclear. Com a expansão do universo e o seu esfriamento ocorreu o término das reações, de
modo que apenas os elementos quı́micos leves se formaram. A formação dos elementos pesados
permaneceria ainda um mistério. Este artigo, intitulado “The Origin of Chemical Elements”19 ,
ficou também conhecido como o artigo α β γ (alfa, beta, gama), devido aos nomes de Ralph
Alpher, Hans Bethe e George Gamow. Na verdade Hans Bethe não era co-autor do trabalho,
mas Gamow, que era muito brincalhão, o convenceu a por seu nome. Assim o leitor faria a
associação com as três primeiras letras do alfabeto grego.
No campo teórico a T RG viu surgir em 1949 a primeira solução cosmológica das equações
de Einstein com violação de causalidade, isto é, na qual era em princı́pio possı́vel a um dado
observador voltar ao passado, obtida pelo matemático Kurt Gödel. Tal patologia se devia
à presença, na solução, das chamadas curvas do tipo-tempo fechadas, CTC20 , ou linhas de
mundo tipo-tempo fechadas, CTW21 . A solução de Gödel, como ficou chamada, veio a público
sob o tı́tulo “An example of a new type of cosmological solution of Einsteins field equations of
17
Atkinson, R. and Houtermans, F. Aufbaumöglichkeit in Sternen, Z. für Physik 54, p. 656-665 (1929)
Bethe, H. A. Energy Production in Stars, Physical Reviews 55, 5, p. 434-456 (1939).
19
Alpher,R., Bethe, H., Gamow, G., Physical Review, 73, 7 (1948).
20
De closed timelike curves
21
De closed timelike worldlines
18
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gravitation”22 . Embora sem conexão aparente com o universo observável, a solução de Gödel
reacendia, no âmago da gravitação, uma antiga discussão da fı́sica: a da seta do tempo.
Em 1952 o astrônomo Walter Baade23 mostrou que as distâncias entre as galáxias eram
duas vezes maiores que aquelas obtidas por Hubble e, consequentemente, dobrando a idade do
universo. Isto se deveu à descoberta, por ele feita, de duas “populações” distintas de estrelas
em Andrômeda: as do núcleo (mais velhas) e a dos braços espirais (mais jovens). Hubble usara
as cefeı́das dos braços como padrão, em suas predições dos anos 20. As do núcleo porém é que
constituiriam o padrão correto. Em 1958 Allan Sandage, que era aluno de Baade, chega a
estimativa de H −1 ≈ 13, 2 × 109 anos24 , ou de modo equivalente H ≈ 74Km/s/M pc, que é
essencialmente a medida atualmente aceita. Ficava assim, finalmente, resolvido o problema da
escala temporal.
Durante a década de 1950, a cosmologia do modelo padrão concorreu com o modelo do
Estado Estacionário25 proposto por Hermann Bondi e Thomas Gold26 e separadamente
por Fred Hoyle27 . Neste modelo propunha-se um princı́pio cosmológico perfeito, isto é,
incluindo o tempo, e não apenas o princı́pio cosmológico tradicional que se aplica à seção espacial
do universo. Neste modelo, a matéria era continuamente criada, não se aplicando a ele as
equações de Einstein. A propósito, foi Hoyle quem cunhou o termo Big Bang, em um programa
de rádio da BBC chamado “The Nature of Things”, para designar os modelos expansionistas
de Friedmann-Lemaı̂tre. Era, na verdade, uma designação pejorativa para ridicularizar aqueles
que acreditavam que o universo tivesse um começo, fosse na forma de um átomo primordial
que explodira (que era o pensamento de Lemaı̂tre) ou na forma do Ylem (versão mais refinada
de Gamow). A ironia da história é que assim ficaria designado o modelo padrão da cosmologia,
a partir de então. Em 1958 a tradicional Conferência Solvay de fı́sica, tendo como “chairman”
do encontro W. Lawrence Bragg28 , teria por tema “La structure et l’évolution de l’univers”. Os
“combatentes” dos dois lados concorrentes pelo modelo mais correto da cosmologia lá estariam
reunidos: Hoyle, Lemaı̂tre, Bondi, Gold, Sandage e Baade entre outros. Entre os mais antigos
22
Gödel, K., Rev. Mod. Phys.,21, 447-450 (1949)
Baade, W., Transactions of the International Astronomical Union, 8, p.397 (1952).
24
Sandage, A., Astrophysical Journal, 127, p. 513 (1958).
25
Em inglês, a Steady-state Cosmology
26
Bondi, H., and Gold, T., Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 108, p.252 (1948).
27
Hoyle, F., Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, 108, p. 372 (1949).
28
Bragg sucedera Rutherford à frente do Cavendish, após o falecimento deste em 1937. Desde “quasares”
até o DN A foram descobertos por aqueles que lá trabalhavam, durante o perı́odo de sua direção.
23
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ativistas da área lá estava também Harlow Shapley. Evidentemente o encontro não selou um
veredito para a disputa.
Hubble deixaria a cena nesta década, falecendo em 1953, após sofrer uma trombose cerebral antes de completar 64 anos. A decisão de dar-lhe o Prêmio Nobel de Fı́sica havia
finalmente sido tomada pelo comitê da fundação Nobel, após anos de divergências quanto as
suas contribuições serem ou não à Fı́sica. Infelismente, para Hubble, a decisão foi tomada tarde
demais. Einstein, que viria a falecer em 1955, afastara-se da cosmologia. Em seus últimos
anos encontrava-se mais voltado à sua generalização da T RG, a teoria do campo unificado.
A questão da nucleossı́ntese de elementos pesados seria resolvida neste perı́odo por Hoyle,
o casal Burbidge e W. Fowler29 , no artigo clássico “Synthesis of elements in stars”, que ficaria
chamado de B2FH. A formação dos núcleos pesados se daria durante as etapas intermediárias da
morte das estrelas e o processo de sua formação ficaria chamado nucleossı́ntese estelar. Isso
“livrava” a expansão do universo do ônus de ter que explicar a formação dos núcleos pesados,
na medida em que sua sı́ntese se dera por outras vias que não a cosmológica. Esse trabalho
renderia o Prêmio Nobel de Fı́sica à Fowler, em 1983.
A partir dos anos 60 a cosmologia do modelo padrão começaria a se impor como paradigma dominante. Uma grande descoberta em favor do Big Bang ocorreu quando, em 1964,
o alemão Arno Allan Penzias e o norte-americano Robert Woodrow Wilson, acidentalmente,
detectaram radiação em microondas proveniente de todas as direções do céu, isotropicamente.
Sua correspondente temperatura era de ≈ 3 K. Na realidade, Gamow, Alpher e Robert Her-
man a haviam previsto em trabalhos de 1948, estabelecendo que esta devia ter o espectro
de um corpo negro e estimando sua temperatura, inicialmente em 50K (Gamow) e logo em
seguida em 5K (Alpher e Herman). Naquele inı́cio dos anos 60, porém, os fı́sicos Robert
H. Dicke, James E. Peebles e colaboradores haviam refeito independentemente o cálculo ori-
ginal e preparavam-se para construir uma antena que pudesse detectar a radiação de origem
cósmica. Foi quando Penzias, que soube do trabalho de Dicke por intermédio de um amigo
o procurou com sua “radiação misteriosa”; a qual Dicke reconheceu ser aquilo que procurava.
O artigo de Dicke e colaboradores que explicava a origem da radiação cósmica30 , entitulado
“Cosmic Black-Body Radiation”, seria publicado no mesmo volume em que Penzias e Wilson
29
30
Burbidge,E.M., Burbidge, G.R., Fowler,W.A. and Hoyle, F. Rev. Mod. Phys., 29, p. 547-650 (1957).
Dicke, R. H., Peebles, P. J. E., Roll, P. G., Wilkinson, D. T., Astrophysical Journal, 142, p.414 (1965).
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10
publicariam a descoberta31 . A explicação natural que o modelo do Big Bang fornecia para tal
radiação consistia em considerá-la o registro do perı́odo em que o plasma do universo primordial
se esfriara o suficiente para permitir a formação de átomos (matéria neutra) “libertando” os
fótons do plasma primordial. Somente nesta transição, chamada a recombinação ou última
superfı́cie de espalhamento, é que o universo teria se tornado transparente. As medidas da
assim chamada radiação cósmica de fundo em microondas (RCF M )32 , passaram então a
ser uma valiosa fonte de informação sobre o universo observável. O próprio Hoyle abandonaria,
a partir daı́, o modelo do estado estacionário33 . Sua natureza polemizadora o levaria contudo a
ainda propor o modelo estacionário modificado. Até o fim de sua vida, em 2001, se recusava a
aceitar que homens de ciência pudessem considerar razoável que todo o universo, toda a fı́sica
e todas as suas leis, que prevêem os fenômenos a partir de suas causas, que são, por sua vez,
efeitos de causas anteriores, igualmente reguladas pelas mesmas leis, pudesse emergir de uma
singularidade irracional. A descoberta da RCF M renderia a Penzias e Wilson o Prêmio Nobel
de Fı́sica de 1978.
Na “outra ponta” da fı́sica (novamente), isto é, no domı́nio da fı́sica de partı́culas, muita
coisa se passara até então. Após as descobertas do elétron, próton e neutron sucederam-lhes
uma série de novas partı́culas, das quais já não se sabia dizer ao certo quais eram “elementares”. A descoberta da antimatéria ocorreu ainda em 1932 através do pósitron, o “elétron
positivo”, por Carl Anderson34 . A avalanche de novas partı́culas surgidas nas décadas de 40
e 50 exigia um novo modelo teórico que distinguisse quais são as estruturas elementares da
matéria e como estas formam a diversidade de partı́culas conhecidas, a exemplo do neutron ou
do próton, não mais encarados como elementares. Destacamos, neste contexto, duas grandes
sı́nteses promovidas a partir dos anos 60. O modelo de Weinberg-Salam-Glashow, que unificou as interações nuclear fraca e eletromagnética, dita agora eletro-fraca, e a cromodinâmica
quântica, a QCD35 , em artigo publicado por Murray Gell-Mann36 e colaboradores em 1973,
que descreveu a fı́sica da interação nuclear forte e das partı́culas que por ela interagem. Ficaria a partir daı́ estabelecida a classificação atual das partı́culas elementares. A matéria sendo
31
Penzias,A. and Wilson,R., Astrophysical Journal, 142, p. 419 (1965).
Em inglês Cosmic Microwave Backgound Radiation (CM BR ou CM B)
33
Hoyle,F., Nature, 208, p. 111 (1965).
34
Anderson, C.D., Proceedings of the Royal Society, 41A (1932).
35
De Quantum Cromodynamics.
36
Fritzsch, H. , Gell-Mann, M. and Leutwyler,H., Physics Letters B 47, p. 365 (1973)
32
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constituı́da de quarks (up, down, charm, strange, top, botton) e Léptons (elétron, muon, tau,
neutrino eletrônico, neutrino muônico, neutrino tauônico). Os quanta associados aos campos,
por intermédio dos quais a matéria interage, seriam os bósons vetoriais (gluons, fóton, W + ,
W − , Z 0 ). Esta cenário não correspondia (não corresponde) ainda a uma descrição unificada
das interações nucleares e menos ainda levando-se em conta a quarta (e mais fraca) interação:
a gravitação. Inspirados pelo bem sucedido esquema de unificação eletro-fraca iniciou-se um
amplo programa de construção de teorias de grande unificação: as GUTs37 . Este esquema
consistia basicamente em valer-se de um campo escalar, o campo de Higgs, cujo quanta associado seria o bóson de Higgs, que ao adquirir um estado especı́fico de mı́nima energia redefine
o vácuo pré-existente. Isto provoca um “embaralhamento” das propriedades dos outros campos existentes diversificando as caracterı́sticas das forças por eles mediadas. Usando o termo
apropriado, provoca uma quebra espontânea de simetria. Antes da quebra espontânea as
forças estariam unificadas. A dinâmica destes campos e quantas precisava conciliar-se com o
cenário do universo expansionista, já que os processos de diversificação das forças na natureza,
deveriam ter ocorrido no ambiente de um universo em expansão na fase inicial, quando as altas
energias estavam disponı́veis. Ao mesmo tempo, a teoria das interações fundamentais (sem a
gravitação) permitia avaliar processos que teriam ocorrido nos instantes iniciais da expansão.
Assim, as condições experimentais nos aceleradores de partı́culas propiciavam cada vez mais
uma “janela aberta” para o entendimento dos processos fı́sicos no universo primordial.
Parecia assim configurar-se aos cosmólogos que a dinâmica do universo em que vivemos estava, em seus aspectos gerais, entendida, sendo descrita pelo modelo expansionista de FriedmannLemaı̂tre. Os problemas da cosmologia referiam-se agora à fase primordial, onde outras interações poderiam ter papel mais relevante, ao entendimento da natureza da matéria escura,
bem como ao mecanismo pelo qual se formaram as estruturas. Dos problemas da primeira
categoria destacamos inicialmente o problema do horizonte e o problema da planura. O
“problema” do horizonte consistia em que não seria esperado o elevado grau de homogeneidade
observado na RCF M , para separações angulares muito grandes no céu. Isto indicava que tais
regiões teriam mantido contato causal antes da era em que a radiação desacoplara da matéria
(estimada em 300.000 anos após o Big Bang). O “problema” da planura relacionava-se ao
fato de que a evidência experimental indicava que o universo seria essencialmente plano (cur37
De Grand Unified Theories
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vatura pequena) enquanto que argumentos teóricos sugeriam que esta seria a situação menos
provável da evolução do universo. Podemos ainda citar o chamado problema dos monopolos magnéticos. A predição de existência de tais partı́culas supermassivas são decorrências
naturais das GU T s, e deveriam ser abundantes no universo atual. Como não havia evidências
experimentais das mesmas, parecia que algum outro mecanismo em ação no universo primordial
impediu sua proliferação.
É neste cenário que viu-se nascer nos anos 80 os chamados modelos inflacionários.
Proposto por Alan Guth38 , no artigo entitulado The Inflationary Universe: A Possible Solution
to the Horizon and Flatness Problems, postulava que o universo primordial passou por uma fase
de crescimento exponencial produzida por uma densidade de energia do vazio, negativa, que
age como uma força gravitacional repulsiva. Matematicamente, isto significava que a teoria do
universo inflacionário trazia assim de volta a constante cosmológica. O modelo original de Guth
seria reformulado por parte de Andrei Linde39 e de modo independente por Andreas Albrecht
e Paul Steinhardt40 . Ao novo modelo inflacionário chamou-se a nova inflação, em oposição
à velha inflação, de Guth. O status da inflação é, ainda hoje, controverso. Em artigo de
divulgação recente41 Peebles declarou “[...] não arriscaria decidir qualquer aposta sobre se a
inflação realmente ocorreu. Não estou criticando a teoria, mas simplesmente dizendo que se
trata de um trabalho admirável e pioneiro ainda a ser testado.”
Apesar do alto grau de homogeneidade da RCF M , a comunidade dos cosmólogos esperavam
encontrar algum grau de não-homogeneidade, muito pequeno. Tais variações seriam uma prova
de que haviam regiões em torno das quais a materia poderia se aglomerar, por ação gravitacional
(local), enquanto o universo se expandia a partir da recombinação, agindo como “sementes”
para a formação das galáxias. Em vão se buscou tais variações durante os anos 70 e 80,
usando-se detectores em balões e aviões U -2. O passo seguinte era por os detectores no espaço,
isto é, em um satélite. A N ASA, unificando propostas de certos grupos de pesquisa, resolveu
financiar o satélite COBE, o Cosmic Background Explorer, destinado a investigar a RCF M .
O satélite comportaria os detectores Dirbe, Firas e DMR, cada um medindo diferentes aspectos
da radiação. O DMR era, em particular, aquele que deveria medir as variações da RCF M ,
38
A. H. Guth,A. H., Phys. Rev. D 23, 347 (1981).
Linde,A., Phys. Lett. B 108, 389 (1982).
40
Albrecht,A. and Steinhardt,P.J. , Phys. Rev. Lett. 48, 1220 (1982).
41
Peebles, P.J., “O sentido da moderna cosmologia” in Scientific American Brasil, 27, “O passado e o presente
do Cosmos” (Edição especial).
39
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construı́do pelo grupo de George Smoot, da universidade de Berkeley. O COBE seria lançado a
bordo do ônibus espacial, em 1988, mas com a tragédia do Challenger, em janeiro de 1986, seu
futuro tornou-se incerto. Afastado do programa do ônibus espacial, o COBE somente seria
lançado em novembro de 1989, acoplado a um foguete Delta, da empresa McDonnel-Douglas.
Após três anos de acúmulo, análise e reanálise dos dados, o veredito final foi oficialmente
divulgado em abril 1992, durante uma conferência da American Physical Society. O porta-voz
da equipe foi Smoot, que confirmou, com precisão nunca antes alcançada, o espectro de corpo
negro e a presença das variações na RCF M . A equipe havia feito segredo sobre o conteúdo
de sua apresentação, constando como uma comunicação regular a ser feita em 12 minutos.
Quando os presentes se deram conta do que acabavam de ouvir, houve grande excitação. Nesta
ocasião Hawking diria ser esta “a maior descoberta do século, senão de todos os tempos”. As
análises dos dados do COBE renderiam a John Mather e George Smoot o Nobel de Fı́sica de
2006. Nos termos da Fundação Nobel: “for their discovery of the blackbody form and anisotropy
of the cosmic microwave background radiation”.
A partir desta década de 1990, uma série de equipamentos de alta precisão seriam postos no espaço, a exemplo do programa Great Observatories Program (Grandes Observatórios
Espaciais) da N ASA. Começando pelo Hubble Space Telescope (HST), o Telescópio Espacial Hubble, em 1990, tornando-se operacional em 1993; seguido pelos telescópios Compton
(1991), Chandra (1999) e Spitzer (2003). O Compton (homenagem a Arthur Holly Compton), que operou na faixa dos raios gama do espectro eletromagnético, apresentou problemas;
sendo desativado em 2000 quando foi lançado contra a atmosfera. O Chandra (em homenagem
a Subrahmanyan Chandrasekhar) opera na faixa do raio-x. O Spizer foi projetado para operar
na faixa do infra-vermelho. Por razões óbvias, o mais popular dos quatro, fora dos cı́rculos
cientı́ficos, é aquele que opera na faixa do visı́vel: o Hubble.
Em fins do anos 90 ocorreu o fato, talvez, mais surpreendente da cosmologia em nossa
época: observações de red-shift provenientes de supernovas do tipo Ia, indicando que a taxa
de expansão do universo está se acelerando. Em 2002 a N ASA lançou o satélite Wilkinson
Microwave Anisotropy Probe, o WMAP, capaz de realizar observações mais detalhadas que o
COBE, e que corroborou, em suas medidas, o cenário de expansão acelerada. A situação era
tão chocante que levou uma década para que a comunidade de cosmólogos se sentisse segura de
que a expansão acelerada era um fato. Até esta descoberta era crença corrente que na era pós-
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inflacionária (e pós-recombinação), o universo sofria uma expansão desacelerada, uma vez que a
gravitação não favorece o afastamento relativo seja da matéria convencional ou seja da matéria
escura. O modelo mais simples, ajustável aos dados experimentais disponı́veis, supõe que a
matéria escura é fria (não relativı́stica) e há mais um ingrediente exótico no universo: a energia
escura42 . Matematicamente modelada pela constante cosmológica, Λ, a energia escura seria o
ingrediente responsável pela taxa de expansão acelerada. A este chamou-se o modelo ΛCDM43 .
A volta da constante cosmológica levou ao surgimento de modelos alternativos para modelar a
energia escura. Surge então o modelo de Quintessência, no qual um campo escalar é quem
conduz o universo à expandir-se aceleradamente. A diferença entre o modelo de quintessência
e o ΛCDM está em que neste último a equação de estado, entre densidade de energia escura
e sua correspondente pressão, não muda. No modelo de quintessência esta equação de estado
pode mudar. Surgiram ainda outros modelos quintessenciais não envolvendo o campo escalar.
Quando eu encerrava a feitura destas anotações, na primeira quinzena de setembro de 2008,
o LHC, (o Large Hadron Collider), finalmente entrou em operação, no CERN (Organisation
Européenne pour la Recherche Nucléaire, antes Conseil Européen pour la Recherche Nucléaire),
às 04:00 da manhã, hora de Brası́lia, no dia 10 de setembro. Entre suas missões inescapáveis:
encontrar o bóson de Higgs. Prosseguindo a trilha aberta pelo COBE e W M AP , para melhor
medir as pequenas sutilezas presentes na RCF M , seria lançado o satélite Planck, em 31 de
outubro deste ano. Paralelamente a isto, grandes esforços tem sido empreendidos por grupos
em todo o planeta, no intuito de detectar as ondas gravitacionais. O projeto do interferômetro
espacial LISA, Laser Interferometer Space Antenna, irá por no espaço uma antena para detecção
de ondas gravitacionais, a ser lançada em 2015, e medirá, entre outras, ondas de origem
cósmica. A perspectiva (hoje talvez fantasiosa) de tirar proveito delas, no futuro, para “olhar”
o universo através do espectro de emissões gravitacionais por ele produzidas, representaria uma
verdadeira revolução nos métodos da astrofı́sica. Quero, em sı́ntese, chamar a atenção para
o fato de que ao mesmo tempo em que somos confrontados hoje com grandes mistérios pelas
evidências cosmológicas, como entender a natureza da matéria escura, da energia escura e a
expansão acelerada, continuamos “aqui em baixo” abrindo novas frentes que possam nos dar
pistas de como elucidar tais mistérios. Como sempre foi, assim sempre será, enquanto existirem
a humanidade e nela a prática da ciência.
42
43
Mais um nome infeliz.
De Λ-Cold Dark Matter
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Capı́tulo 1
O espaço-tempo como variedade
riemanniana
No que segue iremos, de forma muito breve, situar os conceitos fundamentais da Teoria da
Relatividade Geral (T RG) procurando explicitar o quadro teórico dentro do qual a gravitação
pode ser entendida, em sua generalização relativista.
Supõe-se que o leitor tenha familiaridade com o formalismo de tensores de Lorentz no
espaço-tempo de Minkowski que é o cenário da Teoria da Relatividade Restrita (T RR).
Para incorporar gravitação à teoria da relatividade faz-se então necessário ampliar nossa perspectiva sobre o espaço-tempo que passará a ser entendido como uma Variedade1 riemanniana,
quadridimensional, com curvatura, localmente lorenztiana. Vejamos então o que isto significa.
1.1
Métrica e intervalo
O objeto geométrico central em uma variedade riemanniana é o tensor métrico, gµν , que
é uma função do ponto na variedade. Todas as propriedades geométricas da variedade são
determinadas a partir dele: norma, paralelismo e curvatura.
Dado um deslocamento infinitesimal na variedade, dxµ , define-se então o intervalo de
espaço-tempo
ds2 = gµν dxµ dxν ,
(1.1)
que nada mais é que a norma daquele vetor deslocamento.
1
A grosso modo, variedade significa um contı́nuo de pontos. Para uma definição veja Wald (1984), op. cit.
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1.2 Transporte paralelo, conexão e derivada covariante
16
Exige-se do tensor métrico que seja simétrico:
gµν = gνµ
(1.2)
Genericamente, se V µ são componentes de um vetor, define-se norma como
V 2 = gµν V µ V ν
(1.3)
Na variedade riemanniana da T RG tal e qual no espaço-tempo de Minkowski, a métrica
não é positivo-definida, isto é, vetores não possuem norma positiva necessariamente. Estes
podem ser então classificados segundo o sinal de sua norma. Sendo V µ componentes de um
vetor, temos a classificação invariante:

> 0 =⇒ vetor do tipo tempo





2
= 0 =⇒ vetor do tipo luz ou tipo nulo
V





< 0 =⇒ vetor do tipo espaço
(1.4)
Isto implica dizer que a métrica tem uma assinatura hiperbólica ou lorentziana, ou seja,
é sempre possı́vel escolher uma base local na qual a métrica assume, no ponto considerado, a
forma diagonal
(+1, −1, −1, −1) .
A assinatura hiperbólica da métrica na T RG é um dos ingredientes que nos permite
assegurar que o espaço-tempo de Minkowski da T RR resulta como caso particular.
Na T RG os efeitos gravitacionais sobre os corpos ou campos (que não o gravitacional)
são uma consequência da geometria da variedade de espaço-tempo onde tais corpos ou campos
vivem. O propósito da teoria é o de fornecer o método pelo qual se determina um dado gµν a
partir do conteúdo não gravitacional presente no modelo.
1.2
Transporte paralelo, conexão e derivada covariante
Em uma variedade é preciso prescrever por qual critério se diz que dois vetores definidos
em pontos infinitesimalmente próximos são ou não paralelos, isto é, deve-se dotá-la de uma lei
de Transporte Paralelo.
Para chegarmos ao foco da presente discussão, começemos por considerar o plano euclidiano.
Na figura (1.1) ilustramos um vetor definido em P e o seu transportado paralelamente ao
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1.2 Transporte paralelo, conexão e derivada covariante
17
ponto Q. A primeira vista parece-nos óbvio que a operação envolvida neste processo consiste
simplesmente em repetirmos em Q os mesmos componentes que o definiam em P . No sistema
cartesiano isto produz o resultado desejado, conforme ilustrado em (1.1-A). Se o mesmo procedimento for efetuado usando-se um sistema de coordenadas polar-plano, conforme ilustrado
em (1.1-B), vê-se que não é correto repetir em Q as componentes que o vetor possuia em P .
De fato, em P , o vetor possui apenas um componente radial, enquanto que em Q, o mesmo
vetor possui componentes radial e polar.
Q
Q
P
O
•
A
P
O
•
B
Figura 1.1: Um vetor definido em P é transportado paralelamente à Q. Em A a situação é descrita no
sistema cartesiano. Em B a mesma situação é descrita no sistema polar-plano.
Quer-se, com isto, sugerir ao leitor que para definir o vetor transportado paralelamente não
se trata, em geral, de repetir-se os valores dos componentes mais sim de estipular-se a regra
segundo a qual estes componentes devem variar. Caso variem segundo a regra, o novo vetor
será dito “idêntico” ao original.
Sejam então P e P ′ pontos infinitesimalmente próximos na variedade. Em um sistema
de coordenadas pré-estabelecido, o ponto P tem coordenadas xµp , enquanto que o ponto P ′
tem coordenadas xµp + dxµ . Definimos um vetor em P através de seus componentes V µ (P ).
Dizemos então que V µ (P ′ ), definidos em P ′ , são os componentes daquele vetor transportado
inalterado até P se
V µ (xp + dx) = V µ (xp ) − Γµαβ (xp ) V α (xp ) dxβ .
(1.5)
Note-se da relação acima que para construir em P ′ um vetor idêntico ao original, em P ,
não basta conhecer apenas os componentes em P , bem como os incrementos de P à P ′ , dxµ .
Há um terceiro elemento, aqui representado por Γ. Introduz-se assim a noção de Conexão,
que é o campo por meio do qual a noção de paralelismo está definida. Na variedade riemanniana
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1.2 Transporte paralelo, conexão e derivada covariante
18
a conexão é, por construção, simétrica em seus ı́ndices inferiores
Γµλβ = Γµβλ .
(1.6)
A variação dos componentes não é independente do sistema de coordenadas adotado. Exemplo notório é aquele apresentado na figura (1.1) anterior, no qual há variação dos componentes
no sistema polar enquanto que não há no sistema cartesiano. Contudo, uma noção deve permanecer inalterada: se o vetor em P ′ é o transportado a partir de P em um sistema de
coordenadas, então o mesmo será verdade em qualquer outro sistema de coordenadas. Para
traduzir isto em uma condição matemática note-se que
V µ (x + dx) = V µ (x) + V µ,β dxβ .
Juntando-se a igualdade acima com (1.5) tem-se
V µ,β − Γµαβ V α dxβ = 0 .
Denotando
V µ ;λ = V µ ,λ − Γµλβ V β ,
virá que a condição anterior se escreve como
V µ;β dxβ = 0 .
(1.7)
Esta é a condição procurada, devendo cumprir-se em qualquer sistema de coordenadas
adotado. Sem expor de modo apropriado os detalhes, isto significa dizer que, matematicamente,
V µ;β é um tensor de segunda ordem misto. Assim, ao efetuar-se uma transformação de
coordenadas
xµ =⇒ x̄σ = x̄σ (xµ ) ,
(1.8)
tais objetos se transformam como
V µ;β =⇒ V̄ λ;σ̄ =
∂ x̄λ ∂xβ µ
V .
∂xµ ∂ x̄σ ;β
(1.9)
Daı́ se deduz que, mediante a mesma transformação de coordenadas, a conexão se transforma
segundo a lei
Γαµν =⇒ Γ̄βσλ =
∂ x̄β ∂xµ ∂xν α
∂ 2 x̄β ∂xµ ∂xν
Γ
+
.
∂xα ∂ x̄σ ∂ x̄λ µν ∂xµ ∂xν ∂ x̄σ ∂ x̄λ
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(1.10)
1.2 Transporte paralelo, conexão e derivada covariante
19
Com o auxı́lio da conexão define-se então a derivação covariante, a qual será denotada
por “ ; ”, que age sobre tensores de uma dada ordem p produzindo um novo tensor de ordem
p + 1. Sucintamente temos que
• A derivada covariante de um escalar ϕ é o vetor
ϕ
;ν
=ϕ
(1.11)
,ν
• A derivada covariante de um vetor U µ (ou Uµ ) é o tensor de segunda ordem
U µ ;λ = U µ ,λ − Γµλβ U β
Uµ;λ = Uµ,λ + Γβµλ Uβ
(1.12)
• A derivada covariante de um tensor de segunda ordem T µν (ou Tµν , ou ainda T µν ) é
o tensor de terceira ordem
T µν ;λ = T µν ,λ − Γµλβ T βν − Γνλβ T µβ
Tµν;λ = Tµν,λ + Γβµλ Tβν + Γβνλ Tµβ
(1.13)
T µ ν;λ = T µ ν,λ − Γµλβ T βν + Γβλν T µβ
Assim por diante, para os tensores de ordem superior a 2.
A derivada covariante obedece à regra do produto ou regra de Leibniz.
Da noção de derivada covariante segue automaticamente que o vetor paralelamente transportado de dxλ , conforme (1.7), é aquele que sofreu uma “taxa de variação” covariante nula.
A outra caracterı́stica fundamental da variedade riemanniana, além de (1.6), é que a métrica
possui derivada covariante nula:
gµν;λ = 0 .
(1.14)
Daı́ se mostra que a conexão é plenamente determinada pelo tensor métrico, sendo dada
por
1
Γµλβ = − g µσ (gσλ,β + gσβ,λ − gλβ,σ ) ,
2
(1.15)
ou seja, é a métrica quem determina a noção de paralelismo.
Outra decorrência importante é que a métrica “entra” e “sai” da derivada covariante como
se fosse uma constante. Por exemplo
gµν V λ;σ = gµν V λ
;σ
.
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1.3 Planura local
1.3
20
Planura local
Uma importante caracterı́stica em variedades riemannianas é a chamada planura local.
Matematicamente esta propriedade é expressa pela possibilidade de sempre se anular a conexão
em um dado ponto P da variedade. Isto significa dizer que localmente, a variedade riemanniana curva “se assemelha” a uma variedade plana (por exemplo o Rn , se a variedade for n
dimensional), sendo a métrica localmente constante.
Sejam, então, {xµp } as coordenadas de P no sistema de coordenada {xµ } e Γλαβ (xp ) o
valor da conexão em P , neste sistema de coordenadas. Define-se agora um novo sistema de
coordenadas nas vizinhanças de P , por
1 σ
Q αβ (xα − xαp )(xβ − xβp ) ,
2
xµ =⇒ x̄σ = (xσ − xσp ) +
(1.16)
sendo Qσαβ = Qσβα um conjunto de coeficientes constantes a serem fixados. Note-se que no
novo sistema o ponto P é a origem, isto é, {x̄σp = 0}.
∂ x̄σ
∂xµ
xp
= δµσ + Qσµβ (xβ − xβp )
∂ 2 x̄σ
∂xµ ∂xν
= Qσµν
xp
Tomando-se (1.10) e calculando a nova conexão exatamente no ponto P , virá
Γ̄βσλ (0) = Γβσλ (xp ) + Qβσλ .
Podemos então escolher os coeficientes
Qβσλ = −Γβσλ (xp ) ,
de modo que,
Γ̄βσλ (0) = 0
(1.17)
Provamos assim o teorema da planura local.
Uma consequência da planura local é que, em uma vizinhnça de P , no sistema de coordenadas x̄ assim definido,
V̄ λ;µ (0) = V̄ λ,µ (0)
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(1.18)
1.4 Geodésica
21
Como a variedade é, por hipótese, riemanniana virá que (1.14) reduz-se à
ḡµν,λ (0) = 0
(1.19)
0
Deste modo, se gµν
é o valor de ḡµν em P , para pontos em uma vizinhança de P
poderemos escrever
1
0
ḡµν (x̄) = gµν
+ ḡµν,λ (0)x̄λ + ḡµν,λ,σ (0)x̄σ x̄λ + · · ·
2
Como o termo linear tem coeficiente nulo, conforme (1.19)
1
0
ḡµν (x̄) = gµν
+ ḡµν,λ,σ (P )x̄σ x̄λ + · · ·
2
Sendo a vizinhança considerada suficientemente pequena de modo que desprezamos termos
de segunda ordem nas coordenadas, então
0
ḡµν (x̄) ≈ gµν
,
(1.20)
nesta vizinhança centrada em P .
1.4
Geodésica
Há um tipo especial de curva em uma veriedade riemanniana que é a geodésica. Esta é
identificada como a curva cujo vetor tangente em cada ponto é aquele paralelamente transportado a partir do seu valor em um ponto anterior da curva. Isto equivale a dizer se xµ = xµ (τ )
é a curva e
Uµ =
dxµ
,
dτ
é o vetor tangente em um dado ponto, então2
U µ;ν U ν = 0 ,
(1.21)
d2 xµ
dxν dxσ
µ
−
Γ
= 0
νσ
dτ 2
dτ dτ
(1.22)
deve se cumprir.
Explicitamente esta se escreve como
2
A definição mais geral é U µ ;ν U ν = λU µ . Esta pode ser sempre reduzida a forma (1.21) escolhendo-se o
parâmetro sobre a curva.
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1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
22
Na variedade riemanniana esta é a mesma curva que se obtém de se extremizar o intervalo.
Com efeito, dados pontos P e Q na veriedade e definindo
Z Q
Z Qp
gµν dxµ dxν ,
S=
ds =
P
(1.23)
P
então δS = 0 implica, pelo princı́pio variacional, na equação da geodésica.
1.5
O plano e a superfı́cie da esfera I
É instrutivo a esta altura exibir-se uma situação concreta que ilustre, ainda que parcialmente, os conceitos matemáticos introduzidos até o momento. Consideremos o plano eulcideano R2 bem como a superfı́cie da esfera de raio unitário (a qual se desgina por S2 ). Ambos
são exemplos de variedades riemannianas bidimensionais.
Comecemos pelo plano. A distância entre dois pontos vizinhos é dada, em coordenadas
cartesianas, por
ds2 (x, y)R2 = dx2 + dy 2 ,
o que implica, de acordo com (1.1), em
{gij (x, y)} =
1 0
0 1
.
De acordo com (1.15) tem-se então que
A geodésica (1.22) é dada por
Γi jk (x, y) R2 = 0 .
d2 x
=0,
ds2
e
d2 y
= 0,
ds2
o que representa uma reta.
Esta não é, contudo, a única maneira de caracterizar a métrica e a conexão no plano
euclideano. Usando, alternativamente, coordenadas polares
x = r cos ϕ
,
y = r sen ϕ
ter-se-ı́a
ds2 (r, ϕ)R2 = dr2 + r2 dϕ2 ,
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(1.24)
1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
23
o que implica, de acordo com (1.1), em
{gij (r, ϕ)}|R2 =
P
y
1 0
0 r2
.
(1.25)
•
r
P
•
φ
•
•
x
B
A
Figura 1.2: O mesmo ponto P descrito em dois possı́veis sistemas de coordenadas: (A) no cartesiano e (B)
no polar.
Os componentes não nulos de conexão agora seriam
Γ122 (r, ϕ) R2 = r
e
1
Γ212 (r, ϕ) R2 = − .
r
(1.26)
A geodésica por sua vez seria dada pelas equações
dϕ 2
d2 r
−
r
ds2
ds
e
d2 ϕ 2 dϕ dr
+
=0
ds2
r ds ds
(1.27)
Note-se que a geodésica ainda é a reta. A métrica ainda é a euclideana. Apenas o sistema
de coordenadas pode estar mascarando suas caracterı́sticas geométricas mais óbvias. Diz-se
então que a métrica eulcideana esta em um mal sistema de coordenadas.
Seja agora o caso do S2 . Como atribuir uma noção de distância e paralelismo sobre tal
variedade? O verdadeiro espı́rito da geometria diferencial é de que não há um modo prédefinido de fazê-lo. A rigor, mesmo no caso do R2 , embora pareça intuitivo, a noção de
distância e paralelismo foram dadas a priori. Para atribuir, então, uma distância entre pontos
infinitesimalmente próximos, podemos partir da noção intuitiva de distância no R3 ,
ds23 = dx2 + dy 2 + dz 2 ,
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1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
24
e então fixar que os pontos envolvidos são pertencentes a superfı́cie da esfera. Faz-se isso
impondo o vı́nculo
x2 + y 2 + z 2 = 1 ,
o que nos permite expressar, por exemplo, z = z(x, y) e dz = dz(x, y, dx, dy). Após os devidos
cálculos tem-se então
2
ds (x, y) S2 = 1 +
x2
1 − x2 − y 2
xy
y2
dx + 2
dy 2 ,
dx dy + 1 +
1 − x2 − y 2
1 − x2 − y 2
2
Deste modo,
{gij (x, y)}|S2 =
1 + x2 (1 − x2 − y 2 )−1
xy(1 − x2 − y 2 )−1
xy(1 − x2 − y 2 )−1
1 + y 2 (1 − x2 − y 2 )−1
.
Poder-se-ı́a seguir em frente, calculando a conexão e estabelecendo a equação da geodésica.
Porém, o que se quer evidenciar, desde já, é que o sistema cartesiano é um mal sistema de
coordenadas sobre S2 .
Um sistema mais apropriado poderia ser obtido partindo-se das coordenadas esféricas de
3
R . Pode-se então dizer que os pontos de S2 são o subconjunto do R3 que, neste sistema,
tem coordenadas (1, θ, ϕ)3 . Assim, fazendo

 x =
y =

z =
senθ cosϕ
senθ senϕ
cosθ
,
virá
Deste modo,
ds2 (θ, ϕ)S2 = dθ2 + sen2 θ dϕ2 .
{gij (θ, ϕ)}|S2 =
1
0
0 sen2 θ
.
Conforme ilustrado na figura (1.3), vê-se que um comprimento linear medido ao longo dos
meridianos que passam pelo polo norte coincidem com a medida de θ (já que o raio é unitário).
Para efeito da comparação que se irá fazer adiante, é conveniente chamar θ de r, sendo r a
distância linear medida sobre a superfı́cie ao longo dos referidos meridianos. Assim tem-se
3
ds2 (r, ϕ)S2 = dr2 + sen2 r dϕ2 ,
(1.28)
A rigor tais coordenadas não permitem descrever de forma unı́voca os polos. As complicações daı́ decorrentes
não são, por hora, relevantes em nossa discussão.
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1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
25
z
y
r=θ
θ
•
P
•
P
r
1
1
φ
z•
y
φ
x
x
A
B
Figura 1.3: (A): os ângulos polar e azimutal associados às coordenadas esféricas são igualmente coordenadas
para os pontos de S2 . (B): representação dos pontos do hemisfério norte de S2 , conforme visto a partir do
polo norte, em termos das coordenadas (r, ϕ) .
e
{gij (r, ϕ)}|S2 =
1
0
0 sen2 r
.
(1.29)
Calculando-se então conexões e exibindo a equação da geodésica, tem-se
Γ122 (r, ϕ) S2 = senr cosr
e
d2 r
dϕ 2
− senr cosr
ds2
ds
,
,
Γ212 (r, ϕ) S2 = −cotg r .
dϕ dr
d2 ϕ
+ 2cotg r
=0.
2
ds
ds ds
(1.30)
(1.31)
A questão que se quer agora investigar é a seguinte: Imagine-se um ser bidimensional,
centrado seja na origem R2 , seja no polo norte de S2 . Este ser resolve então definir coordenadas
polares e nelas proceder ao estudo da geometria do ambiente em que vive. Observando-se as
semelhanças entre as figuras (1.2-B) e (1.3-B) parecerá difı́cil dizer se o ambiente é o R2 ou
o S2 . Contudo, embora bidimensionais, tais variedades são intrinsecamente distintas e suas
propriedades geométricas podem evidenciar isto. Comparando, por exemplo (1.24) e (1.28) vêse que possuem noções distintas de distância. Comparando (1.27) e (1.31) vê-se que possuem
geodésicas igualmente distintas4 . Mas como o referido ser bidimensional iria saber a natureza
do ambiente em que vive? Seria preciso que ele se afastasse o suficiente de sua vizinhança inicial
para que as discrepâncias entre as geometrias do R2 e do S2 se revelassem. Ironicamente, a
No caso de S2 as geodésicas são os cı́rculos máximos. Uma forma rápida de se ver isto consiste em notar
que qualquer meridiano r = a0 s + b0 e ϕ = ϕ0 é solução de (1.31). O equador r = π/2 e ϕ = ās + b̄
também o é. Qualquer outro paralelo não é.
4
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1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
26
própria civilização já se viu diante deste problema, não sendo capaz de decidir se a Terra era um
plano ou uma superfı́cie esférica (não somos afinal tão diferentes dos seres bidimensionais). A
origem da dificuldade em distinguir R2 de S2 na vizinhança de um dado ponto é evidente: o
pedaço de calota esférica centrada em um ponto se confunde com o plano tangente à superfı́cie
naquele ponto.
Matematicamente a dificuldade em distinguir localmente as duas variedades deve-se ao
teorema da planura local, já demonstrado. Com efeito, expandindo
senr = r −
r3 r5
+
+ ... ,
3!
5!
cosr = 1 −
r2 r4
+
+ ...
2!
4!
e tomando apenas pontos de S2 na vizinhaça do polo norte (r2 << r), então
senr ≈ r,
cosr ≈ 1 .
Daı́ tem-se, de acordo com (1.24) e (1.28), neste domı́nio,
ds2 (r, ϕ)S2 ≈ ds2 (r, ϕ)R2
(1.32)
Γi jk (r, ϕ) S2 ≈ Γi jk (r, ϕ) R2 ,
(1.33)
Para as conexões tem-se, a partir de (1.26) e (1.30), nesta vizinhança,
o que ainda não é o resultado (1.17). Porém isto já nos diz que a noção de paralelismo nesta
vizinhança é aproximadamente a mesma do R2 . Para anular-se completamente a conexão
nesta vizinhança seria necessário retornar ao sistema cartesiano, que seria um bom sistema
neste domı́nio “quase plano”.
Apesar da semelhança entre as noções de paralelismo em uma vizinhança de S2 e de R2 ,
é de se esperar que suas propriedades geométricas sejam distintas em aspectos essenciais. Para
evidenciar tais diferenças essenciais é necessário afastar-se da vizinhança do ponto considerado. Na figura (1.4) ilustra-se o que ocorreria ao transportar-se paralelamente um vetor U
inicialmente definido no polo norte até um ponto p sobre o equador. Em (1.4-A) o vetor é
transportado paralelamente ao longo de um meridiano que leva até ao equador e em seguida
transportado sobre o equador até p, resultando daı́ o vetor U ′ . Em (1.4-B) o mesmo vetor
U é transportado paralelamente ao longo de outro meridiano diretamente até o equador em
p, resultando daı́ o vetor U ′′ . Em (1.4-C) compara-se em p, os dois vetores U ′ e U ′′ .
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1.5 O plano e a superfı́cie da esfera I
U
27
U
p
U´
U
p
U´´
A
U´
p
B
U´´
C
Figura 1.4: Um vetor U é transportado paralelamente desde o polo norte até um ponto p sobre o equador,
por dois caminhos.
Observe-se que em todas as situações ilustradas o transporte foi efetuado sobre geodésicas, isto
é, seguindo o menor caminho entre dois pontos da variedade.
A questão agora é: qual dos dois é o verdadeiro paralelo a U ? A resposta é ambos o
são. Em realidade, haveria uma infinidade de vetores paralelos a U em p, um para cada
caminho que liga o polo norte a p. Esta propriedade nada comum é que nos permite introduzir
a noção de curvatura. A variedade S2 assim posta é um exemplo de variedade riemanniana
bidimensional, com curvatura constante. Adiante se voltará a este exemplo para exibir o
cálculo da curvatura S2 e compará-la com a de R2 (que é nula).
Algumas importantes lições devem ser tiradas do presente exemplo. A geometria (bem
como a fı́sica) está alicerçada em noções e relações que lhes são intrı́nsecas. Isto significa que
o sistema de coordenadas adotado para descrição do lugar geométrico (ou do sistema fı́sico) é
uma mera escolha de representação dos objetos que se quer descrever. Ao mesmo tempo, na
medida em que a variedade (bem como um sistema fı́sico especı́fico) apresente alguma simetria
que lhe é intrı́nseca, sempre haverá um sistema de coordenadas que melhor evidencia isto. Neste
sentido, apenas, se poderia atribuir a ele a qualidade de “preferêncial”. Ainda que localmente
duas variedades intrinsecamente distintas possam se assemelhar, há aspectos essenciais que as
distingue no tocante a suas propriedades geométricas.
A situação na T RG é, certamente, menos intuitiva por algumas razões:
• A variedade é quadridimensional, sendo o tempo a quarta dimensão.
• A métrica não é positivo definida, possibilitando vetores de norma >, < ou = 0, o
que não possui análogo no exemplo ilustrado acima.
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1.6 Curvatura
1.6
28
Curvatura
Não é necessário deslocar-se vetores ao longo de percursos finitos (como foi ilustrado na
figura (1.4)) para se ter evidências da curvatura. Na verdade, dado um vetor U µ , definido
em A = {xµ }, podemos transportá-lo paralelamente até um ponto vizinho B = {xµ +
dxµ } seguindo uma direção c1 dada. Daı́ então o transportá-lo paralelamente até D =
{xµ + dxµ + δxµ } seguindo a direção c2 , obtendo então um vetor resultante pelo caminho
ABD, conforme a situação ilustrada na figura (1.5 - I). Alternativamente transportamos o
vetor original primeiramente até C = {xµ + δxµ } pelo caminho c2 e então o transportamos
até D por c1 , obtendo o vetor resultante pelo caminho ACD (conforme ilustrado na figura
(1.5 - II). Se o vetor e transportado por diferentes caminhos resulta em diferentes vetores,
conforme ilustrado na figura (1.5 - III), diz-se que esta é uma variedade com curvatura. Se
por outro lado, o vetor trasportado por diferentes caminhos sempre resultar no mesmo vetor
diz-se que é uma variedade plana.
B
U
U
U1
•
A •
•
B
U2
•
A •
•
D
U
U1
B=(x+dx)
U2
•
A=(x) •
U1
•
D =(x+dx+δx)
•
C
•
C
•
C= (x+δx)
I
II
III
Figura 1.5: Um vetor U é transportado paralelamente de A a D por caminhos alternados.
A medida desta discrepância é dada pelo comutador da derivada covariante do vetor. Após
os devidos cálculos encontramos
U µ ;α;β − U µ ;β;α = −Rµ ναβ U ν ,
(1.34)
Rµ ναβ = Γµνα,β − Γµνβ,α + Γµασ Γσνβ − Γµβσ Γσνα
(1.35)
sendo que
são os componentes do tensor de Riemann ou tensor de Curvatura.
Possuir ou não curvatura é uma propriedade intrı́nseca da variedade. Se a variedade for
plana, a nulidade da curvatura estará evidenciada em qualquer sistema de coordenadas. Se,
por outro lado, for curva, sua curvatura se manifestará seja qual for o sistema de coordenadas.
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1.6 Curvatura
29
Sob transformação de coordenadas (1.8) seus componentes se transformam como
R
α
γµν
=⇒ R̄
β
ρσλ
∂ x̄β ∂xγ ∂xµ ∂xν α
=
R γµν ,
∂xα ∂ x̄ρ ∂ x̄σ ∂ x̄λ
(1.36)
o que significa dizer que o tensor de curvatura é de quarta ordem.
1.6.1
Simetrias do tensor de Riemann
O tensor de curvatura definido em uma variedade de espaço-tempo riemanniana quadridimensional possui simetrias que reduzem consideravelmente seus 44 = 256 componentes a uns
poucos componentes independentes. Tais simetrias são a cı́clica
Rµναβ + Rµαβν + Rµβνα = 0 ,
(1.37)
as antissimetrias nos primeiro e segundo pares
Rµναβ = −Rνµαβ ,
Rµναβ = −Rµνβα ,
(1.38)
e a simetria pela troca de pares
Rµναβ = Rαβµν .
(1.39)
Em uma veriedade quadridimensional como é o espaço-tempo da T RG o tensor de Riemann
possui um total 20 componentes independentes, devido às suas simetrias. Pode-se listá-las
como
R0101
R0202
R0303
R1212
R1313
R2323
,
,
,
,
,
.
R0102
R0203
R0312
R1213
R1323
,
,
,
,
,
R0103
R0212
R0313
R1223
, R0112 , R0113 , R0123 ,
, R0213 , R0223 ,
, R0323 ,
,
Sublinhamos a componente R0312 para indicar que esta deve ser excluı́da da lista, uma vez
que pode ser obtida como
R0312 = −R0123 − R0231 ,
em virtude das propriedades de simetria (1.37) e (1.38).
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1.6 Curvatura
1.6.2
30
Traços do tensor de Riemann
Qualquer traço simples do tensor de Riemann resulta nulo ou proporcional ao tensor de
segunda ordem
Rνβ = Rµνµβ = g µα Rµναβ .
(1.40)
Este é o tensor de Ricci, simétrico por construção:
Rνβ = Rβν .
(1.41)
Como o tensor de Ricci é simétrico temos um duplo traço não nulo do tensor de Riemann,
que é o e escalar de curvatura ou escalar de Ricci:
R = Rνν = g νβ Rνβ .
1.6.3
(1.42)
Identidade de Bianchi e tensor de Einstein
Uma importante propriedade associada ao tensor de curvatura em uma variedade Riemanniana é a identidade de Bianchi, caracterizada por:
Rλµ να;β + Rλµ αβ;ν + Rλµ βν;α = 0
(1.43)
Contraindo-a duplamente encontra-se
1 λ
λ
R β − δ βR
= 0.
2
;λ
Define-se então o tensor de Einstein
1
Gλβ := Rλβ − δ λβ R ,
2
(1.44)
que, em virtude da identidade de Bianchi contraı́da obedece à lei de conservação:
Gλβ;λ = 0 .
Tal propriedade se mostrará crucial na proposição das equações da gravitação.
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(1.45)
1.7 O plano e a superfı́cie da esfera II
1.7
31
O plano e a superfı́cie da esfera II
Retornando ao exemplo da seção (1.5), quer-se agora calcular o tensor de curvatura tanto de
R2 quanto de S2 . Em ambos se adotará, por conveniência, o sistema de coordenadas polar.
Devido às propriedades de simetria, tem-se que, em duas dimensões, o tensor de curvatura tem
uma única componente independente, por exemplo R1212 . Chamando
Ω = R1212 ,
virá que o tensor de Ricci tem componentes
R11 = g ij R
R12 = g ij R
i1j2
R22 = g ij R
= g 22 R
2121
= g 22 Ω ,
= −g 21 R
1212
= −g 12 Ω ,
= g 11 R
1212
= g 11 Ω ,
i1j1
i2j2
ou,
Rij = Ω
g 22
−g 12
−g 12
g 11
.
(1.46)
O escalar de curvatura é um parâmetro mais interessante de se avaliar pois independe de
sistema de coordenadas. Seu valor é absoluto. Assim virá
R = g ij Rij = 2 g 11 g 22 − g 12 g 21 Ω
ou,
R
= det(g −1 ) Ω .
2
1.7.1
(1.47)
Curvatura em R2
Este é o caso em que não há curvatura, haja visto que há um sistema de coordenadas no
qual a conexão é idênticamente nula em todos os pontos da variedade(o cartesiano). Mesmo
assim, tomemos o sistema de coordenadas polar, no qual a conexão não é nula e façamos a
confirmação. Tomando (1.35) e (1.26) virá
R1 212 = Γ121,2 − Γ122,1 + Γ11j Γj 22 − Γ12j Γj 21 = −Γ122,1 − Γ122 Γ221
R1 212 == −
∂
r + 1 = −1 + 1 = 0 ,
∂r
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1.7 O plano e a superfı́cie da esfera II
32
como era de se esperar.
Consequentemente
1.7.2
R
= 0.
2
(1.48)
Curvatura em S2
Tomando agora (1.35) e (1.30) virá
R1 212 = −Γ122,1 − Γ122 Γ221 ,
que é, neste caso,
R1 212 == −
∂
(senr cosr) + (senr cosr) (cotg r) = sen2 r 6= 0 .
∂r
Usando então (1.29),
Ω = R1212 = sen2 r
Assim,
e
det(g −1 ) = sen−2 r.
R
= 1
2
(1.49)
Encerram-se as considerações e comparações das propriedades geométricas do plano euclideano (R2 ), como paradigma de espaço-plano, e da superfı́cie da esfera de raio unitário (S2 ),
como paradigma de espaço-curvo (de curvatura constante e positiva).
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1.7 O plano e a superfı́cie da esfera II
33
Exercı́cios
1. Assumindo que a derivada covariante é um tensor, conforme (1.9), mostre que a conexão se
transforma como indicado em (1.10).
2. Partindo de (1.14) mostre que a conexão é definida por (1.15).
3. Mostre que (1.21) implica em (1.22). Mostre que esta é a mesma equação que resulta de se
extremizar o intervalo.
4. Demonstre todas as propriedades de simetria do tensor de curvatura.
5. Sobre o espaço pseudo-euclidiano 3D, de intervalo
ds2(3) = −dz 2 + dx2 + dy 2 ,
considere o hiperbolóide z 2 − x2 − y 2 = 1. (A) Mostre que um possı́vel sistema de coordenadas
sobre o hiperbolóide é (r, ϕ) dados por,

 x = senh r cos ϕ
y = senh r sen ϕ

z = cosh r
(B) Mostre que o intervalo sobre o hiperbolóide é ds2 = dr2 + senh2 r dϕ2 . (C) Mostre que a
geometria em (B) é de curvatura constante negativa, isto é, R/2 = −1.
6. Considerando propriedades de simetria, avalie quantos componentes independentes possuem os
tensores de Riemann e Ricci em D = 3. Isto significa que o primeiro pode ser completamente
determinado em termos do segundo? Justifique.
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Capı́tulo 2
Gravitação einsteiniana
Dada uma curva no espaço tempo
xµ = xµ (λ),
esta será dita do tipo-tempo se o vetor tangente a ela
vµ =
for tipo-tempo. Neste caso
v 2 = gµν
dxµ
dλ
dxµ dxν
> 0.
dλ dλ
Isto significa que tal curva é uma possı́vel linha de mundo de uma partı́cula (ou observador).
Por uma escolha conveniente do parâmetro λ, é sempre possı́vel normalizar o vetor tangente
à curva. Em partı́cular, se usarmos o tempo próprio, τ , da partı́cula como parâmetro, o vetor
tangente será
dxν
,
U =
dτ
µ
tal que
U 2 = gµν
2.1
dxµ dxν
= c2 .
dτ dτ
(2.1)
Parâmetros ópticos
Dado um campo U µ do tipo-tempo, normalizado no sentido de (2.1), podemos definir o
tensor
hµν := g µν −
Uµ Uν
.
c c
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(2.2)
2.2 O fluido material
35
O objeto hµν é um projetor, que toma qualquer objeto definido em um ponto da variedade
e o projeta no sub-espaço desta que é ortogonal à U µ . Com efeito este satisfaz a propriedade
óbvia de que
hµν U µ = hµν U ν = 0 ,
(2.3)
hµα hαν = hµν
(2.4)
e, ainda, é idempotente:
Com o auxilio de hµν pode-se, então, decompor qualquer tensor em suas partes paralelas
e ortogonais a U µ . Em particular tomando-se a derivada covariante de U µ , tem-se
Uµ;ν =
aµ
c2
Uν +
Θ
hµν + Σµν + ωµν .
3
(2.5)
Os parâmetros presentes nesta decomposição são:
• A aceleração1
• A expansão
aµ := Uµ;ν U ν
(2.6)
Θ := hµν Uµ;ν = U µ;µ
(2.7)
• O tensor de distorção
Σµν = Σνµ :=
• O tensor de rotação
2.2
1
Θ
(Uα;β + Uβ;α ) hαµ hβν − hµν
2
3
(2.8)
1
(Uα;β − Uβ;α ) hαµ hβν
2
(2.9)
ωµν = −ωνµ :=
O fluido material
Na T RG entende-se por conteúdo material ou fluido material toda forma de energia e
momento de natureza não gravitacional. Este é representado por seu tensor energia-momento
Tµν = Tνµ .
1
(2.10)
Note que por esta definição podemos dizer que geodésica é a curva de aceleração nula, conforme (1.21).
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2.2 O fluido material
36
Este pode ser tanto um fluido material propriamente dito como a energia e momento acumulados em, digamos, um campo eletromagnético. Ambos são, por sua vez, fontes indistintas
de gravitação. Este será aqui definido com dimensão de J/m3 , isto é, densidade de energia.
Analogamente ao que se fez para os parâmetros ópticos, pode-se também decompor o tensor
energia-momento em suas partes irredutı́veis relativamente a um dado campo U µ do tipotempo. Esta decomposição fornece
T µν = ρ U µ U ν − p hµν + S µ
µ
Uν
ν U
+
S
+ Πµν .
c2
c2
(2.11)
Nesta decomposição tem-se que as partes são:
• A densidade de matéria/energia
ρ :=
• A pressão
• As tensões anisotrópicas
• O fluxo de energia
Uµ Uν
1
T
µν
c2
c c
(2.12)
1
p := − Tµν hµν
3
(2.13)
Πµν := Tαβ hαµ hβν + p hµν
(2.14)
Sµ := Tαβ U β hαµ
(2.15)
O fluido ideal
Caso exista um campo tipo-tempo U µ , para o qual o tensor energia momento do fluido se
escreva como
T µν = ρ U µ U ν − p hµν ,
(2.16)
diz-se que este é um fluido ideal ou fluido perfeito. Isto quer dizer que, segundo o ponto
de vista de observadores cuja velocidade é U µ (comóveis com o fluido), a interação entre as
partes do mesmo se dá através do campo de pressão p apenas.
Para outro observador este mesmo fluido sefrerá uma decomposição como (2.11). Note-se
porém que se o fluido em questão não for perfeito, jamais se conseguirá decompor T µν na
forma (2.16) para nenhum campo tipo-tempo.
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2.3 O acoplamento com a gravitação
2.3
37
O acoplamento com a gravitação
Na TRR, onde a gravitação é ausente, qualquer conteúdo de energia e momento que represente um sistema sem interações externas obedece a uma lei de conservação da forma
T µν,ν = 0
(2.17)
Ao considerar-se que este fluido é fonte de gravitação, havendo troca de energia e momento
entre fonte e campo, a lei de balanço acima não deve mais ser verdadeira. Ao contrário a
divergência de T µν deve ser proporcional a energia e momento transferidos pelo campo à
fonte.
Na T RG um critério simples de se manter uma lei de conservação associada ao tensor
momento energia da matéria, que seja a mesma em todos os sistemas de coordenadas, consiste
em substituirmos as derivadas simples (das leis da T RR) por derivadas covariantes. Assim
tem-se na T RG
T µν;ν = 0 .
(2.18)
Este critério é o Princı́pio do acoplamento mı́nimo. Matematicamente é o critério pelo
qual ampliam-se as leis tensoriais de Lorentz da TRR para ter-se leis tensoriais sob transformações gerais de coordenadas no espaço-tempo, que é o Princı́pio da relatividade geral,
da forma “mais econômica”. Fisicamente, é uma prescrição de como interagir os outros campos
com a gravitação. No caso em questão podemos escrever (2.18) como
T µν,ν = Γµνλ T λν + Γννλ T µλ .
(2.19)
Os termos à esquerda estão, portanto, relacionados troca de energia e momento entre fonte
e campo gravitacional, conforme havı́amos antecipado.
Outra conveniência deste acoplamento é que por dar-se através da conexão, os termos adicionais podem ser sempre eliminados localmente, através de uma escolha conveniente de sistema
de coordenadas. Tal propriedade nada mais é que a expressão matematica do Princı́pio da
equivalência, ou seja, da possibilidade de anular localmente os efeitos do campo gravitacional.
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2.4 As equações de Einstein
2.4
38
As equações de Einstein
As equações de Einstein da gravitação foram propostas, historicamente, em dois estágios.
A original de 1915
8πG
Tµν ,
c4
Gµν =
(2.20)
e aquela com a correção da repulsão cosmológica, Λ, de 1917,
Gµν − Λ gµν =
8πG
Tµν .
c4
(2.21)
Embora (2.20) tenha como limite particular, nas condições apropriadas, a equação da gravitação de Newton
∇2 ϕ(r) = 4πG ρ(r) ,
o mesmo não ocorre com (2.21). A idéia de Einstein era de que em escala cosmológica a
gravitação era em essência diferente, havendo um efeito global parcialmente repulsivo. Em
seu modelo de universo, estático, de 1917, o qual descreveremos no capı́tulo seguinte, isto era
necessário para equilibrar a tendência ao colapso gravitacional da matéria. Quando tornou-se
consenso que o universo não era estático, mas se expandia, Einstein cosiderou a introdução da
constante cosmológica o maior erro de suas contribuições à Fı́sica.
2.4.1
A constante cosmológica como fluido exótico
Seja o fluido perfeito com as seguintes caracterı́sticas:
ρ = ρΛ =
c2
Λ>0
8πG
(2.22)
e
pΛ = −c2 ρΛ .
(2.23)
O tensor energia momento a ele associado será então
TΛµν =
c4
Λ g µν .
8πG
(2.24)
Tomando-se as equações de Einstein sem constante cosmológica porém na presença de tal
fluido, o efeito do mesmo será o de produzir um termo de constante cosmológica nas mesmas.
Pode-se assim suprimir a constante cosmológica nas equações de Einstein, recuperando-a se
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2.4 As equações de Einstein
39
necessário como parte do conteúdo material, caracterizado por um tensor energia momento
como (2.24). Pode-se assim encarar a constante cosmológica como um fluido de densidade
uniforme e pressão negativa, com uma equação de estado (p = p(ρ)) da forma (2.23).
Daqui por diante adotar-se-á a equação de Einstein sempre na forma (2.20) e em caso de se
querer incluir a constante cosmológica será na forma
Gµν =
8πG µν
(T + TΛµν )
4
c
sendo T µν o tensor momento energia da matéria convencional.
Tendo em vista que o espaço-tempo na T RG é riemanniano, note-se ainda que TΛµν é
isoladamente conservado:
TΛµν ;ν =
c4
Λ g µν;ν = 0 .
8πG
(2.25)
Deste modo, este não afeta a lei de balanço de energia entre o resto do conteúdo material e
a gravitação.
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2.4 As equações de Einstein
40
Exercı́cios
1. Demonstre as propriedades (2.3) e (2.4).
2. Demonstre que a decomposição para Uµ;ν de fato se escreve como (2.5) (Sugestão: Observe
que Uµ;ν = Uα;β δ αµ δ βν . Use então que δ ρσ = hρσ + U ρ Uσ /c2 ).
3. Demonstre que a decomposição para Tµν de fato se escreve como (2.11).
4. Um exemplo de tensor energia-momento ocorre quando são consideradas as densidades de energia
associadas ao campo eletromagnético. Neste caso tem-se
1 ν µσ
c
νµ
ν
δ F Fµσ
F Fµα +
T α :=
4π
4 α
sendo
Fµν
o tensor campo eletromagnético.

0
 Ex
= 
 Ey
Ez
−Ex
0
−Bz
By
−Ey
Bz
0
−Bx

−Ez
−By 
 ,
Bx 
0
Calcule os parâmetros ρ, p, Sµ e Πµν a ele associado, fazendo a decomposição relativamente
a U µ = cδ µ0 . Identifique-os como a densidade de energia eletromagnética, a pressão associada,
o vetor de Poynting e o tensor de tensões de Maxwell, respectivamente.
5. Ainda considerando o tensor energia-momento do problema anterior, mostre que a equação de
balanço (2.17) fornece o teorema de Poynting
∂ρ
+∇·S =0 ,
∂t
bem como a lei de balanço do momento do campo
1 ∂S i ∂T ij
−
=0.
c2 ∂t
∂xj
Definições:
1
E2 + B2
ρ=
8π
c
S=
E×B
4π
T
ij
1
1 ij
2
2
i j
i j
=
E E +B B − δ E +B
4π
2
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Capı́tulo 3
Friedmann-Lemaı̂tre-Robertson-Walker
3.1
As métricas tipo FLRW
A geometria de um universo espacialmente homogêneo e isotrópico, em um sistema de
coordenadas
(t, r, θ, ϕ) ,
tem a forma genérica
dr2
2
2
2
2
+ r (dθ + sen θ dϕ ) .
ds = c dt − R (t)
1 − kr2
2
2
2
2
(3.1)
Na expressão acima, a função R = R(t) dependerá do particular modelo adotado, isto é,
de qual será o conteúdo material fonte da curvatura. É por vezes chamado de raio do universo
na medida em que é o fator de escala global que altera as dimensões do espaço (3D) conforme
dr2
2
2
2
2
2
2
2
dl = −ds |t=t0 = R (t0 )
+ r (dθ + sen θ dϕ ) .
1 − kr2
O parâmetro k, sendo [k] = m−2 , é a curvatura constante da seção espacial. Este pode
assumir valores
k = (+1, 0, −1) ,
correspondentes a universos espacialmente fechado, plano1 ou aberto respectivamente. A
T RG não nos informa se nosso universo é fechado, plano ou aberto, sendo qualquer dos casos
compatı́vel com as equações de Einstein. Contudo, conforme seja o caso, a dinâmica do universo
será diferente. Deste modo, tal questão deve ser decidida a partir de dados observacionais.
1
Observe que neste caso o espaço (3D) é plano. Não o espaço-tempo (4D) que é curvo em qualquer dos casos.
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3.2 A conexão
42
É próprio da T RG que a fı́sica independe do particular sistema de coordenadas (e tempo)
usados para descrevê-la. Podemos assim redefinir a variável radial r introduzindo χ tal que
dχ = √
dr
.
1 − kr2
(3.2)
Assim, no novo sistema
(t, χ, θ, ϕ) ,
a geometria de F LRW será caracterizada por
ds2 = c2 dt2 − R2 (t) dχ2 + r2 (χ)(dθ2 + sen2 θ dϕ2 ) .
A função r(χ) conforme o valor da curvatura constante, k, do espaço, será:

 +1 → r = senχ → espacialmente f echado
0 →
r=χ
→ espacialmente plano
k =

−1 → r = senhχ → espacialmente aberto
Pode-se reunir os três resultados em um só pela expressão
√ 1
r(χ) = √ sen
kχ .
k
(3.3)
(3.4)
(3.5)
As considerações que se seguem, sobre o modelo de F LRW , serão feitas descrevendo os
objetos de interesse no sistema de coordenadas (t, χ, θ, ϕ).
3.2
e
A conexão
O tensor métrico associado a F LRW se escreve como


1
0
0
0

 0 −R2
0
0
 ,
gµν → 
2
2

0
0
−R kr
0
2
2
2
0
0
0
−R kr sen θ
g µν

1
0
 0 −R−2
→
0
0
0
0
0
0
−R−2 k −1 r−2
0

0

0
 .

0
−2 −1 −2
−2
−R k r sen θ
(3.6)
(3.7)
Pode-se então calcular a conexão (1.15). Suas componentes não nulas serão
1
Γ011 = − RṘ
c
1
Γ022 = − RṘkr2
c
1
Γ033 = − RṘkr2 sen2 θ
c
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(3.8)
3.3 A curvatura e seus traços
43
1 Ṙ
Γ122 = krr′
Γ133 = krr′ sen2 θ
(3.9)
cR
r′
1 Ṙ
Γ212 = −
Γ233 = senθcosθ
(3.10)
Γ220 = −
cR
r
1 Ṙ
r′
Γ330 = −
Γ313 = −
Γ323 = −cotgθ
(3.11)
cR
r
Nas expressões acima, “ponto” e “linha” indicam a derivada ordinária relativa ao argumento
Γ110 = −
da função em questão, isto é,
Ṙ =
3.3
dR
dt
r′ =
e
dr
.
dχ
A curvatura e seus traços
As componentes não nulas do tensor de curvatura são
R0101 =
R0202 = kr2 R0101
1
RR̈
c2
R0303 = kr2 sen2 θ R0101
(3.13)
!
(3.14)
Ṙ2
k+ 2
c
R1212 = −R2 kr2
R1313 = sen2 θ R1212
3.3.1
(3.12)
R2323 = kr2 sen2 θ R1212
(3.15)
3 R̈
c2 R
(3.16)
Tensor e escalar de Ricci
R00 = −

R11 = R2 
1 R̈
2
+ 2
2
c R c
R22 = kr2 R11

Ṙ
R
!2
+

2k 
R2
R33 = kr2 sen2 θ R11
1 R̈
1
R
= −3  2 + 2
2
c R c
Ṙ
R
!2
+

k 
R2
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(3.17)
(3.18)
(3.19)
3.4 Observadores comóveis
3.3.2
44
Tensor de Einstein
3
= 2
c
G00

G11 = −R2 
Ṙ
R
+
3k
R2
Ṙ
R
!2
(3.20)

(3.21)
G33 = kr2 sen2 θ G11
(3.22)
1
2 R̈
+
c2 R c2
G22 = kr2 G11
3.4
!2
+
k 
R2
Observadores comóveis
U µ = c δ0µ
Uµ = c gµ0 = c δµ0
U 2 = g00 c2 = c2
Calculando-se o projetor associado ao campo U ν tem-se que


0 0 0
0

0 1 0
0
 .
hµν → −R2 
2

 0 0 kr
0
2
2
0 0 0 kr sen θ
Por outro lado, tomando-se a derivada covariante do mesmo encontra-se


0 0 0
0

0 1 0
0
 ,
Uµ;ν = cΓ0µν → −RṘ 

 0 0 kr2
0
0 0 0 kr2 sen2 θ
(3.23)
(3.24)
(3.25)
(3.26)
donde se vê que
Uµ;ν =
Por comparação com (2.5) vê-se que
Ṙ
hµν
R
aµ = Σµν = ωµν = 0 ,
e
Θ = 3
Ṙ
R
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(3.27)
(3.28)
(3.29)
3.5 Tensor energia-momentum da matéria
3.5
45
Tensor energia-momentum da matéria
Queremos decompor o tensor energia-momentum segundo o campo (3.23). Se assumirmos
que o conteúdo material do modelo é genérico terı́amos, nesta decomposição,
Πµν = Πνµ
Tµν
Qµ =

0
0
→
0
0
ρc2
Q1 /c
 Q1 /c R2 p + Π11
→
 Q2 /c
Π21
Q3 /c
Π31

(0, Q)
0
Π11
Π21
Π31
(3.30)
0
Π12
Π22
Π32
Q2 /c
Π12
2
R kr2 p + Π22
Π32

0
Π13 

Π23 
Π33

Q3 /c

Π13


Π23
R2 kr2 sen2 θp + Π33
Para um fluido perfeito tem-se então

 2
ρc
0
0
0

 0 R2 p
0
0
 .
Tµν → 
2
2

 0
0
R kr p
0
2
2
2
0
0
0
R kr sen θp
3.5.1
(3.31)
(3.32)
(3.33)
Balanço de energia e a termodinâmica do fluido cosmológico
Usando o tensor energia momento (3.33) em (2.18) obtém-se a equação de balanço de energia
ρ̇ + 3
p
Ṙ ρ+ 2 = 0 .
R
c
(3.34)
Multiplicando esta equação por c2 R3 esta poderá ser reescrita como
d(ρc2 R3 ) + p d(R3 ) = 0 .
O fator de escala ao cubo pode ser entendido como medida de volume (3D), isto é, V ∝ R3 .
Podemos então identificar a energia contida no volume V como U ∝ ρc2 R3 . Em termos destas
variáveis a equação anterior se escreve como
dU + p dV = 0 ,
que é a primeira lei da termodinâmica.
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(3.35)
3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
46
Em termos de entropia, S, e da temperatura, T , sabe-se da termodinâmica que
dU + p dV = T dS .
(3.36)
Infere-se assim, por (3.35), que o universo se expande com entropia constante, tratando-se
de uma expansão adiabática. Isto implica no aumento da temperatura com o decréscimo do
volume.
3.6
Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
As equações de Einstein para a métrica de F LRW , com constante cosmológica, são então
!2
k
8πG
3 Ṙ
+3 2 −Λ = 2 ρ ,
(3.37)
2
c
R
R
c
e
2 R̈
1
+ 2
2
c R c
Ṙ
R
!2
+
k
8πG p
−Λ =− 2
.
2
R
c c2
(3.38)
Absorvendo a constante cosmológica como parte eventual do fluido tem-se simplesmente
!2
!2
c2 k
c2 k
R̈
Ṙ
p
Ṙ
+ 3 2 = 8πG ρ
+ 2 = −8πG 2 .
2 +
(3.39)
3
R
R
R
R
R
c
Ver-se-á no que se segue alguns dos modelos cosmológicos surgidos a partir das considerações
cosmológicas por Einstein.
3.6.1
Modelo de Einstein
Uma solução trivial de (3.37) e (3.38) é
1
R(t) = R0 = √ ,
Λ
k = 1,
p = 0,
ρ=
c2 Λ
,
4πG
(3.40)
e ainda, por (3.29)
Θ = 0
(3.41)
Este é o modelo de universo proposto por Einstein, em 1917. É estático, espacialmente
fechado, permeado uniformemente de poeira cuja densidade é proporcional a constante cosmológica. Note-se que sem Λ esta solução estática não poderia existir, razão pela qual
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3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
47
Einstein a introduziu.
ds2[Einstein]
3.6.2
dr2
1
2
2
2
2
+ r (dθ + sen θ dϕ ) .
= c dt −
Λ 1 − r2
2
2
(3.42)
Universo de De Sitter
Assume-se agora que o universo seja vazio; espacialmente plano, homogêneo e isotrópico e
de constante cosmológica Λ > 0. Fazendo então p = ρ = k = 0 em (3.37) e (3.38) tem-se
primeiramente que
3
c2
Ṙ
R
!2
−Λ = 0 ,
(3.43)
enquanto que (3.38), conforme se pode mostrar, estará satisfeita se (3.43) o for. A solução de
(3.43) é, por sua vez,
R(t) = exp
r
Λ
ct
3
!
(3.44)
e ainda, por (3.29)
Θ = Θ0 = 3c
r
Λ
3
ds2[DeSitter] = c2 dt2 − e2H0 t dr2 + r2 (dθ2 + sen2 θ dϕ2 ) .
(3.45)
(3.46)
sendo que introduzimos a constante
H0 =
3.6.3
r
Λ
c
3
Universo dominado por radiação
A equação de estado tı́pica, associada a um fluido de radiação é
pr =
1
ρr c 2 .
3
(3.47)
Tomando-se Λ = 0 a assumindo um fluido tipo-radiação, (3.34) torna-se
ρ˙r
Ṙ
= 0
+4
ρr
R
(3.48)
Mostra-se que esta, uma vez satisfeita, juntamente com (3.37) satisfeita, implicará em (3.38)
identicamente satisfeita.
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3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
48
Resolvendo (3.48) tem-se
ρ0,r
,
R4
uma constante. Com tal resultado, a equação (3.37) torna-se, por sua vez,
ρr =
sendo ρ0
α2
1 2
Ṙ + k − 2 = 0 ,
c2
R
(3.49)
(3.50)
sendo que
8πGρ0,r
.
3c2
Separando caso a caso tem-se as seguintes soluções:
α2 =
• k = +1 −→
(3.51)
c2 ∆t2 + R2 = α2
• k = 0 −→
R2 = 2α c∆t
• k = −1 −→
c2 ∆t2 − R2 = α2
Embora as equações acima pareçam ser dimensionalmente não homogêneas, estas na verdade
o são. A razão da aparente inconsistência deve-se ao fato de se ter feito k = ±1, sendo
[k] = m−2 . Assim, existem fatores de 1m−2 , não aparentes, que corrigem a dimensão de
cada termo para que a equação seja homogênea (no caso, adimensional). Note que (3.50) é
dimensionalmente homogênea.
R
R
k=1
ct
R
k=0
ct
k= -1
ct
Figura 3.1: Comportamento qualitativo de R em um universo dominado por radiação com secção fechada,
plana e aberta, respectivamente. A linha pontilhada é uma bissetriz.
Ilustramos na figura (3.1) o comportamento qualitativo de R para cada valor de k.
Dois aspectos queremos chamar atenção. O primeiro é que, em qualquer dos casos, R vai a
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3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
49
zero para algum valor finito de t, o qual escolhemos como origem do eixo t. Em qualquer
destes modelos o universo teve um começo: o “Big Bang”. O segundo aspecto relaciona-se
ao comportamento futuro. No caso fechado (k = 1) o universo retornará ao estado inicial em
algum tempo finito: o “Big Crunch”. No caso plano (k = 0) a expensão vai se atenuando até
cessar no limite t → ∞. No caso aberto (k = −1) a expansão inicialmente atenua-se, tendendo
a um crescimento assintótico uniforme.
3.6.4
Universo dominado por poeira
Tomando-se p = Λ = 0 tem-se que (3.34) torna-se
ρ̇p
Ṙ
= 0
+3
ρp
R
(3.52)
Mostra-se então que esta, uma vez satisfeita, juntamente com (3.37) satisfeita, implicará
em (3.38) identicamente satisfeita. Resolvendo (3.52) tem-se
ρp =
ρ0,p
R3
(3.53)
Com tal resultado, a equação (3.37) torna-se, por sua vez,
1 2
β2
Ṙ
+
k
−
=0,
c2
R
sendo β a constante
β2 =
8πGρ0,p
.
3c2
s
R
dR = c dt
−R
(3.54)
(3.55)
Analisando-se caso a caso virá:
• Se k = +1, resulta de (3.54)
β2
Pela substituição
R(t) = β 2 sen2 ζ(t) ,
(3.56)
resulta então que
c
1
sen(2ζ) + ζ = 2 ∆t ,
2
β
ficando assim estabelecida a solução.
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(3.57)
3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
• Para k = 0
R(t) =
• Se k = −1, resulta de (3.54)
s
β2
2/3
3β
c ∆t
2
50
(3.58)
R
dR = c dt
+R
Pela substituição
resulta então que
R(t) = β 2 senh2 ζ(t) ,
(3.59)
1
c
senh(2ζ) − ζ = 2 ∆t ,
2
β
(3.60)
ficando assim estabelecida a solução.
Com respeito a estas soluções podemos dizer que seu comportamente inicial e assintótico
não difere qualitativamente do caso de universo dominado por radiação. Em qualquer destes
modelos haverá um Big Bang. Já um Big Crunch somente no caso fechado. No caso plano a
expansão cessará e no caso aberto se perpetuará uniformemente.
A partir de (3.49) e (3.53) vemos que a medida em que R decresce, ρr cresce mais
rapidamente que ρp . Assim, ainda que se considere o universo hoje dominado por poeira,
houve algum instante no passado no qual estas duas densidades foram iguais. Para tempos
mais remotos, o universo teria sido dominado por radiação.
Ainda, com relação à singularidade inicial, evidenciada nestes modelos, pode-se provar com
base em premissas bastante gerais que ela é inevitável, desde que assumidas as equações de Einstein sem constante cosmológica e certas propriedades “desejáveis” sobre T µν . Tais resultados
são os Teoremas de singularidade2 .
2
Detalhes ver em Hawking e Ellis (1973), op. cit.
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3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
51
Exercı́cios
1. Considere o espaço plano euclideano, 3D, onde dl2 = dx2 + dy 2 + dz 2 . Fazendo uma tranformação de coordenadas, passando às coordenadas esféricas (χ, θ, ϕ) defindidas por

 x = χ senθ cosϕ
y = χ senθ senϕ ,

z = χ cosθ
mostre que dl2 fornece o elemento de linha espacial de universo espacialmente plano.
2. Considere o espaço plano euclideano (E4 ), 4D, onde dl2 = dx2 + dy 2 + dz 2 + dw2 . Uma
hiperesfera em E4 é o lugar geométrico onde x2 + y 2 + z 2 + w2 = a2 , sendo a o raio da
hiperesfera. Pode-se parametrizar os pontos da hiperesfera através dos ângulos (χ, θ, ϕ) que
satisfazem as relações

x = a senχ senθ cosϕ



y = a senχ senθ senϕ
.
 z = a senχ cosθ


w = a cosχ
(a) Mostre assim definidos (x, y, z, w) efetivamente satisfazem o vı́nculo que define a hiperesfera.
(b) Calculando dl2 restrito à hipersuperfı́cie da hiperesfera mostre que este fornece o elemento
de linha espacial de universo espacialmente fechado.
3. Considere o espaço plano de Minkowski (M4 ), D, onde ds2 = c2 dt2 − dx2 − dy 2 − dz 2 . Um
(hiper)hiperbolóide em M4 é o lugar geométrico onde x2 + y 2 + z 2 − c2 t2 = −a2 . Pode-se
parametrizar os pontos do hiperbolóide através dos ângulos (χ, θ, ϕ) que satisfazem as relações

x = a senhχ senθ cosϕ



y = a senhχ senθ senϕ
.
z = a senhχ cosθ



t = a coshχ
(a) Mostre assim definidos (x, y, z, t) efetivamente satisfazem o vı́nculo que define a hiperbolóide.
(b) Calculando dl2 restrito à hipersuperfı́cie do hiperbolóide mostre que este fornece o elemento
de linha espacial de universo espacialmente aberto.
4. Definindo um nova variável temporal T pela relação R−1 dt = dT , (a) mostre que a equação
(3.50) se escreverá no novo parâmetro como
1
c2
dR
dT
2
(b)Encontre suas soluções, em T , dadas
r
R(T ) =
+ k R2 =
8πGρ0
,
3c2
√
8πGρ0 sen( k cT )
√
3c2
k
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3.6 Equações de Einstein em FLRW e os cenários cosmológicos tradicionais
52
5. Novamente introduzindo a variável T do problema anterior, mostre que (3.54) será agora
1
c2
dR
dT
2
+ kR2 =
8πGρ0
R
3c2
Separe as soluções conforme o caso, obtendo
k = 0 → R(T ) =
k = +1 → R(T ) =
8πGρ0
(cos(T ) + 1)
6c2
2πGρ0 2
T
3
k = −1 → R(T ) =
8πGρ0
(cosh(T ) − 1)
6c2
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Capı́tulo 4
Consequências observacionais
As evidências experimentais das propriedades do universo em que vivemos provém de alguns
parâmetros cosmológicos. É preciso conhecê-los para ajustar-se quantitativamente o mundo
real ao modelo de Friedmann-Lamaı̂tre, ou, eventualmente, para evidenciar discrepâncias com
relação ao modelo. Define-se o parâmetro de Hubble, H(t), como
H :=
Ṙ
,
R
(4.1)
cujo inverso tem dimensão de tempo1 . Este é um parâmetro cosmológico observável, diretamente a partir da lei de Hubble. Mais especificamente, seu valor atual (H0 ) é observável. Dados
atuais do W M AP nos permitem afirmar que
H0−1 = (13, 73 ± 0, 12) × 109 ,
(4.2)
em número de anos2 . O leitor deve atentar à margem de erro desta medida, que é de 120
milhões3 de anos!
Define-se densidade crı́tica, ρc , como aquela que o universo teria se fosse espacialmente
plano. Tomando a primeira equação em (3.39) com k = 0 encontra-se
3
ρc (t) =
8πG
Ṙ
R
!2
=
3
H 2 (t).
8πG
1
(4.3)
Note-se que o parâmetro de Hubble está associado a um verdadeiro escalar relativı́stico, a saber 3H = Θ.
Na linguagem coloquial há uma ambiguidade quando se diz 13, 73 bilhões de anos pois “bilhões” pode tanto
significar mil milhões (109 ) quanto milhão de milhões (1012 ). Para o português em vigência no Brasil diz-se
13, 73 bilhões para designar 13, 73 × 109 .
3
Neste caso sem ambigidade 106
2
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4.1 A lei de Hubble
54
Assim, conhecer a constante de Hubble equivale a conhecer o valor (atual) da densidade
crı́tica. Como, em unidades CGS,
G = 6, 670 × 10−8 cm3 /s2 /g ,
tem-se então que
ρc (0) ≈ 0, 95 × 10−29 g/cm3 = 0, 95 × 10−26 Kg/m3 .
(4.4)
A tı́tulo de comparação, considerando-se que a massa de um próton é
mp = 1, 67 × 10−27 Kg
tem-se então que o valor da densidade crı́tica equivale a aproximadamente 6 prótons (ou
átomos de Hidrogênio) por metro cúbico.
Outro parâmetro observável pode ser obtido a partir de medições dos “red shifts” elevados,
fora do regime linear da lei de Hubble, conforme o cálculo da seção seguinte deixará claro: o
parâmetro de desaceleração4 . Este é a grandeza adimensional
q := −
4.1
R̈/R
.
H2
(4.5)
A lei de Hubble
Um importante aspecto da geometria de F LRW é que os pontos materiais do substrado
afastam-se mutuamente. Assim, a luz emitida a partir de um dado ponto sofre um desvio
na frequência, ao propagar-se através do espaço. Para mostrar isto consideremos um sinal
luminoso, propagando-se radialmente de encontro a χ = χ0 , e que partiu da origem em t = te .
Como Friedmann é espacialmente isotrópico, nos preocuparemos em descrever geodésicas tipoluz radiais, isto é, ao longo das quais dθ = dϕ = 0. A situação é ilustrada na figura (4.1)
O intervalo ao longo da geodésica radial tipo nula será
ds2 = c2 dt2 − R2 dχ2 = 0,
donde se conclui que
4
dt
dχ
=
.
R(t)
c
Em face às evidências de expansão acelerada essa terminologia parece anacrônica.
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(4.6)
4.1 A lei de Hubble
55
t = tr
•
χ=χ0•
χ=0
χ=0
dt´
t = te
•χ=0
χ=χ0•
dt
χ=χ0
A
B
Figura 4.1: A: O sinal luminoso foi emitido de χ = 0, em t = te , alcançando a origem χ = χ0 em t = tr .
B: Dois sinais consecutivos emitidos de χ = 0 em t e t + dt, são recebidos em χ = χ0 em t′ e t′ + dt′ .
Integrando entre instantes te , de emissão em χ = 0 e tr , de recepção em χ = χ0 , virá
Z tr
χ0
dt
=
.
c
te R(t)
Ainda, se um sinal é emitido entre te e te + ∆te , de χ = 0, e é recebido entre tr e
tr + ∆tr em χ = χ0 , teremos igualmente que
Z tr +∆tr
te +∆te
χ0
dt
= .
R(t)
c
A partir dos dois últimos resultados conclui-se então que
∆te
∆tr
=
.
R(te )
R(tr )
(4.7)
Nesta expressão, ∆te é um intervalo de tempo medido sobre χ = 0 quando o sinal foi
emitido, enquanto que ∆tr é um intevalo de tempo medido em χ = χ0 quando o sinal é
recebido. Deste modo, para um universo em expansão (R(tr ) > R(te )) temos
R(tr )
∆tr
>1.
=
∆te
R(te )
(4.8)
Se νe ∝ 1/∆te era a frequência caracterı́stica do sinal quando emitido, então νr ∝ 1/∆tr
será a frequência recebida. Da igualdade acima temos
νr
R(te )
<1,
=
νe
R(tr )
(4.9)
ou seja, em se tratando de luz, haverá um desvio para o vermelho (“red shift”) com relação a
frequência do sinal emitido.
Definindo
z :=
νe − νr
,
νr
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(4.10)
4.1 A lei de Hubble
56
virá que
z+1=
R(tr )
R(te )
(4.11)
Para se chegar à fórmula empirica de Hubble o que se quer, na realidade, é relacionar “red
shift” à distância. Mas qual distância? A separação espacial entre os pontos χ = 0 e χ = χ0
em um mesmo instante, não é uma grandeza observável; haja visto que não há um sinal que
se propague instantaneamente à distância. A fonte emissora pode nem mesmo existir mais
no instante em que o sinal é recebido. A distância invariante definida ao longo da geodésica
tampouco é útil, já que é identicamente nula. Não há, deste modo, uma distância preferencial
no contexto da T RG a ser usada. Isto tampouco é relevante, já que a “distância” a que a
lei de Hubble se refere é, na verdade, um parâmetro observável definido pelos astrônomos em
termos das luminosidade absoluta e luminosidade aparente. A luminosidade absoluta,
L, é definida como a potência total emitida pelo objeto. A luminosidade aparente, Lap , é o
fluxo de energia por unidade de área recebido. Assim,
Labs
= [L]2 .
Lap
Define-se então distância de luminosidade, dL , pela relação
Labs = 4π d2L Lap .
(4.12)
É em termos de dL que quer-se expressar o “red shift”.
Para explicitarmos as luminosidades em termos das variáveis observáveis é conveniente (embora não necessário) adotar-se um ponto de vista semi-clássico da radiação emitida e recebida,
tratando-a como fótons cuja energia é dada pela fórmula de Einstein-Planck E = hν. Assim,
considerando-se que N fótons são emitidos em ∆te , e que νe é sua frequência caracterı́stica,
pode-se dizer que a luminosidade absoluta associada é
Labs = N
h νe
,
∆te
(4.13)
sendo que h é a constante de Planck.
A luminosidade aparente por sua vez, é o resultado destes mesmos N fótons, ao serem
recebidos em um intervalo ∆tr , com a frequência ∆tr . Assim
Lap = N
h νr
S∆tr
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(4.14)
4.1 A lei de Hubble
57
sendo
S = 4πR2 (tr )r02
(4.15)
a área da superfı́cie esférica de raio r0 no instante t = tr em que os fótons são recebidos.
Substituindo os resultados (4.13), (4.14) e (4.15) na definição (4.12) virá
d2L = R2 (tr )r02
∆tr νe
.
∆te νr
Usando então (4.8), (4.9) e (4.11) a expressão anterior fornece
dL
R2 (tr )
=
r0 .
R(te )
(4.16)
As medidas cosmológicas são feitas quando o sinal é recebido, isto é, em t = tr . É portanto
conveniente expandir R em série de Taylor, na forma
R(te ) = R(tr ) + Ṙ(tr ) ∆t +
1
R̈(tr ) ∆t2 + ... ,
2
sendo ∆t = te − tr .
Chamando de H0 e q0 os valores do parâmetro de Hubble e de desaceleração, respectiva-
mente, em tr , a série anterior se escreverá como
1
2
2
R(te ) = R(tr ) 1 + H0 ∆t − q0 H0 ∆t + ... .
2
Deste modo, usando (4.11) tem-se que
q0 2 2
z = −H0 ∆t + 1 +
H0 ∆t + ... .
2
(4.17)
Resolvendo a equação anterior para ∆t, na mesma ordem de aproximação, tem-se
∆t = −
1
q0 1 2
z+ 1+
z + ... .
H0
2 H0
Por outro lado, usando-se (3.2) em (4.6) e expandindo-se R em torno de tr , virá
i−1
q0 2
1
2
R (tr ) 1 + H0 (t − tr ) − H0 (t − tr ) + ...
dt = dχ ,
2
c
−1
h
que integrado de te a tr fornece,
Z
1 χf
1
2
−1
dχ .
R (tr ) −∆t − H0 ∆t + ... =
2
c χi
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(4.18)
4.1 A lei de Hubble
58
Notando que, de acordo com (3.2), a origem de χ coincide com a origem de r e, ainda,
chamando χf de χ0 = χ0 (r0 ), têm-se da relação anterior
∆t +
R(tr )
1
H0 ∆t2 + ... = −
χ0 .
2
c
Substituindo (4.18) na equação anterior pode-se escrever
z−
1
R(tr )
(1 + q0 ) z 2 + ... = H0
χ0
2
c
(4.19)
De acordo com (3.5) tem-se em primeira aproximação χ0 ≈ r0 . Usando então (4.16) e
(4.11) pode-se fazer surgir a distância de luminosidade, no lado direito, na forma
1
dL
2
(z + 1) z − (1 + q0 ) z + ... ≈ H0
,
2
c
ou finalmente,
z+
dL
1
(1 − q0 ) z 2 + ... ≈ H0
.
2
c
(4.20)
Para baixos “red shifts” pode-se ainda reter apenas o primeiro termo à esquerda, fornecendo
a Lei de Hubble na forma
z ≈ H0
dL
.
c
(4.21)
Ao se interpretar este desvio como um afastamento efetivo entre fonte emissora e receptor,
isto é, como um efeito Doppler, tem-se que z = urel /c, sendo urel a velocidade relativa da
fonte em relação ao receptor e c a velocidade da onda emitida (a luz no caso). Essa analogia
permite escrever (4.21) sob a forma
urel ≈ H0 dL .
Esta é a lei de Hubble em sua “versão popular”. Deve-se contudo tomar o cuidado de não
se superestimar o valor de tal analogia, já que, segundo a T RG, o desvio se dá em função da
expansão do espaço e não do movimento relativo como no efeito Doppler clássico. O próprio
Hubble, a medida que compreendeu as sutilezas teóricas escondidas por trás de sua fórmula
empı́rica, preferiu não mais referir-se a uma velocidade de afastamento das galáxias, mas apenas
ao desvio, como em (4.21).
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4.2 Horizonte nos modelos de F LRW
4.2
59
Horizonte nos modelos de F LRW
Outro aspecto da geometria de F LRW é a possı́vel presença do chamado horizonte, isto
é, de um limite ao universo observável.
Seja um observador na origem χ = 0. Um sinal luminoso é emitido radialmente de encontro
a origem, tendo sido emitido em um instante t = te , da posição χe . Pergunta-se: este sinal
sempre alcançará a origem, para algum tempo futuro? Conforme se mostrará, poderá haver
uma posição limite, em que o sinal é emitido, além da qual o sinal jamais alcançará a origem.
Este limite é o horizonte.
A equação da geodédica radial nula “entrando” é
dχ
c
=− ,
dt
R
que integrada de (te , χe ) até (t, χ) fornece
χ − χe = −f (t, te ) ,
sendo
f (t, te ) = c
Z
t
te
(4.22)
dt
.
R(t)
(4.23)
Na figura (4.2) são ilustradas três possı́veis situações para esta geodésica. Na situação I
vê-se que o sinal alcança a origem em um tempo finito t1 . Na situação III vê-se que o sinal
jamais alançará a origem. Em II temos a situação limite em que o sinal alcançaria a origem
assintoticamente, isto é, em t → ∞.
χ
χ
χ
χe
χe
χe
te
I
t1
t
te
II
t1
t
te
t1
t
III
Figura 4.2: O sinal luminoso emitido de (te , χe ) I - alcança a origem χ = 0 em t = t1 . II - alcançaria a
origem em um tempo infinito. III - não alcançaria a origem nem mesmo assintoticamente.
Se ocorrer a situação II diz-se então que χ = χe define o horizonte relativo a origem. Um
observador na origem jamais será capaz de observar o universo para além que χe . A condição
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4.3 A expansão nos cenários tradicionais
60
para que a situação II ocorra é que o ponto (t = ∞, χ = 0) pertença a curva (4.22). Isto
equivele à
f (∞, te ) = c
Z
∞
Z
∞
te
Haverá portanto um horizonte sempre que
f (∞, te ) = c
te
dt
= χe .
R
dt
<∞,
R
(4.24)
sendo que o mesmo é definido pelo resultado da integral acima.
4.3
A expansão nos cenários tradicionais
Podemos expressar as equações de Friedmann em termos do parâmetro de expansão e suas
derivadas. Combinando-as então de forma apropriada é possı́vel relacionar a evolução H = 3Θ
ao conteúdo material. A equação que daı́ resulta é
Ḣ = −H 2 −
p
4πG ρ+3 2 ,
3
c
(4.25)
chamada a equação de Raychauduri.
Para um fluido convencional ρ + 3p/c2 é uma quantidade positiva. Assim, Ḣ é necessariamente negativo. Este fato parece intuitivo na medida em que a interação gravitacional, por
ser atrativa, não favorece a expansão.
Eliminando k nas equações (3.39) e expressando o resultado em termos de q e H, é fácil
notar que
4πG p
q=
ρ+3 2 .
3H 2
c
(4.26)
Mais uma vez vê-se que se o fluido for convencional, virá que q > 0. Isto é, a expansão se
desacelera.
Podemos ainda escrever a equação de Raychauduri em termos de q, H e sua derivada
como:
Ḣ = −(1 + q)H 2 .
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(4.27)
4.4 Cenários de expansão acelerada
4.4
61
Cenários de expansão acelerada
Se a constante cosmológica não for nula, podemos pensá-la como parte do fluido. Escrevendo
(4.26) como
4πG
q=
3H 2
3
ρ + ρΛ + 2 (p + pΛ ) ,
c
e usando (2.23), virá
4πG
8πG
ρΛ +
q=−
2
3H
3H 2
3p
ρ++ 2
c
,
Como ρ e p diminuem a medida que o universo se expande, haverá uma tendência de
que o termo cosmológico se torne dominante em relação aos termos da matéria convencional.
Este por sua vez, contribui para tornar o parâmetro de desaceleração negativo, isto é, tornálo um “parâmetro de aceleração”. Tem-se assim o importante resultado de que a constante
cosmológica favorece a expansão acelerada. Ainda, por (2.23) se vê que a pressão negativa, associada a constante cosmológica, é o ingrediente fundamental para produzir tal comportamento
de aceleração da expansão.
4.4.1
A solução de Eddinghton-Lemaı̂tre
Considere-se a equação de Friedmann com constante cosmológica (3.37) e com fluido de
poeira (3.53). Esta pode ser escrita na forma
Ṙ2 −
c2 Λ 2
β2
R −
= −c2 k,
3
R
sendo β a constante definida em (3.55).
Definindo um potencial efetivo
V (R) = −
β2
c2 Λ 2
R −
,
3
R
escrevemos a equação anterior como
Ṙ2 + V (R) = −c2 k.
Podemos assim discutir o comportamente qualitativo das soluções como se fosse o problema
de uma partı́cula em um poço de potencial, de “energia mecânica” ∝ c2 k. A forma genérica
de V (R) é exibida na figura (4.4.1-I). Nos casos aberto e plano, R pode assumir qualquer
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4.5 A soma das partes
62
valor, não havendo “ponto de retorno” a medida que R cresce, inicialmente de forma desa-
celerada e então acelerando indefinidamente. No caso fechado pode ocorrer algumas situações
interessantes, dependendo do valor máximo de V (R).
V(R)
V(R)
Λ = Λc
+c2 (k=-1)
R
R
0 (k=0)
-c2
-c2 (k=+1)
I
II
Se a constante cosmológica valer
Λ = Λc =
4c4
,
9β 4
então o valor máximo de V (R) será justamente −c2 , conforme a situação ilustrada em (4.4.1-
II). Se este for o caso, haverá uma solução, correspondente à região haxurada à direita em
(4.4.1-II), na qual o valor inicial de R é finito, crescendo então aceleradamente a partir desta
configuração. Esta é a solução proposta por Eddington, que se sentia mais confortável com
um universo que expandiu-se suavemente, a partir de uma configuração inicial finita, que pode
assim ter permanecido por um tempo infinito. Se Λ > Λc , temos a solução de Lemaı̂tre, na
qual o universo inicia na singularidade, diminuindo inicialmente sua taxa de expansão e então
acelerando a partir um dado valor.
Em qualquer dos casos, note que a expansão acelerada ocorre na região em que o termo da
constante cosmológica é dominante em V (R).
4.5
A soma das partes
Um dos grandes mistérios presentes no cenário cosmológico atual se refere ao conteúdo de
matéria/energia. Para caracterizá-lo, o parâmetro comumente definido é o fator de densidade,
Ω =
ρ
.
ρc
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(4.28)
4.5 A soma das partes
63
Em termos de Ω a seção espacial

 >1
=1
Ω

<1
do universo será caracterizada como
→ espacialmente f echado
→ espacialmente plano
→ espacialmente aberto
(4.29)
O valor de Ω atual é denotado por Ω0 . Este valor pode ser medido de diferentes modos,
haja visto que sinais provenientes de objetos distantes serão afetados pela curvatura do espaço,
através do qual estes passam, dando pistas acerca da densidade atual. Dentre tais observações
temos as medidas de anisotropia da RCF M bem como as frequências de supernovas tipo I-a
a diferentes distâncias da Terra.
Dados do W M AP combinados com dados do SDSS indicam
Ω0 = 1 ± 0, 01 ,
(4.30)
compatı́vel com um universo espacialmente plano dentro do limite do observável.
A medidas de densidade relativas à matéria de natureza bariônica, isto é, aquela que é
feita de tudo o que conhecemos (prótons, neutrons, etc.), consistentes por sua vez com a
nucleossı́ntese primordial, fornecem
ρbar ≈ 10−31 g/cm3 = 10−28 Kg/m3 ≈ 0, 04 ρc ,
ou,
Ωbar ≈ 0, 04 .
(4.31)
Finalmente, as estimativas relativas ao conteúdo de matéria escura fornecem
ΩM E ≈ 0, 23 .
(4.32)
Considerando que a própria matéria escura tem natureza desconhecida, então virtualmente
96% do conteúdo do universo é desconhecido. Vários nomes tem sido propostos para tais
entidades:
M ACHOS, AXION S, W IM P S. Uma das expectativas depositadas no Large
Hadron Collider LHC, é que ele revele a existência de novas partı́culas, além daquelas que
compõe modelo padrão, que seriam candidatas à matéria escura. Ainda que isto se confirme,
chega-se então ao surpreendente cenário em que
Ω0 − ΩM E − Ωbar ≈ 0, 73 .
Estes ≈ 73% do conteúdo do universo é a chamada energia escura. Por ser o conteúdo
dominante em um universo cuja expansão se acelera, tem-se a expectativa de que seja um fluido
exótico como, por exemplo, uma constante cosmológica.
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Apêndice A
Outras soluções cosmológicas
Kasner
A solução de Kasner é um paradigma de universo anisotrópico. O intarvalo de espaço tempo
pode ser descrito por
ds2 = c2 dt2 − A2 (t)dx2 − B 2 (t)dy 2 − C 2 (t)dz 2
O campo de observadores U µ = cδ0µ observa a deformação do universo em sua esfera
observacional.
Gödel
A solução de Gödel é um paradigma de universo em rotação. É uma solução da equação de
Einstein com constante cosmológica e poeira uniforme dada por
ρ=−
c2 1
c2 Λ
=
4πG
2πG a2
O intervalo de espaço tempo pode ser descrito por
sendo que
ds2 = a2 c2 dt2 − dρ2 − dz 2 − g(ρ) dϕ2 + 2h(ρ) dtdϕ
g(ρ) = senh2 (ρ) 1 − senh2 (ρ)
h(ρ) =
√
2 senh2 (ρ)
O campo de observadores U µ = cδ0µ observa a rotação do universo em sua esfera obseracional.
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Bibliografia
Textos de divulgação cientı́fica e história da fı́sica
[1] Bassalo, J.M.F. Nascimentos da Fı́sica (1901-1950), Belém: EDUFPA, 2000.
[2] Bassalo, J.M.F. Nascimentos da Fı́sica (1951-1970), Belém: EDUFPA, 2005.
[3] Pais, A. Sutil é o Senhor: a ciência e a vida de Albert Einstein. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira, 1995.
[4] Signh, S. Big Bang. Rio de Janeiro-São Paulo: Ed. Record, 2006.
[5] Villela, T. N. Cosmologia, Ciência Hoje, v.36, n. 216, p. 20-28, (2005)
[6] Waga, I. Cem anos de descobertas em cosmologia e novos desafios para o século XXI, Revista
Brasileira de ensino de Fı́sica (RBEF),v.27, n.1, p. 157-173, (2005).
Textos técnicos de Relatividade
[7] Adler, R. , Bazin, M. e Schiffer, M. Introduction to general relativity. New York: McGraw Hill
Book Company, 1975.
[8] Anderson, J.L. Principles of Relativity Physics. New York: Academic Press, 1967.
[9] D’Inverno, R. Introducing Einstein‘s relativity, Clarendon Press, Oxford, 1995.
[10] Hawking, S.W. and Ellis, G.F.R. The large-Scale Structure of Space-time, Cambridge University
Press, Cambridge, 1973.
[11] Lorentz, H.A., Einstein, A., Minkowski, H. Weyl, H. O princı́pio da relatividade. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 1972.
[12] Misner,C.W., Thorne, K.S. and Wheeler, J.A. Gravitation. New York: W.H. Freeman and
Company, 1973.
[13] Rindler, W. Relativity: special, general and cosmological. Oxford: Oxford University Press,
2001.
[14] Rowan-Robinson, M. Cosmology. Oxford: Clarendon Press, 1996.
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BIBLIOGRAFIA
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[15] Schutz, B. A first course in general relativity, Cambridge University Press, Cambridge 1990.
[16] Wald, R.M. General Relativity. Chicago: University of Chicago Press, 1984.
[17] Weinberg, S. Gravitation and Cosmology. New York: Wiley, 1972.
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Notas - Universidade Federal do Pará