PROPOSTA DE MEDIDAS DE ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 226-A/2007 DE 31 DE MAIO PROPOSTA DE MEDIDAS DE ALTERAÇÃO DO DECRETO-LEI N.º 226A/2007, DE 31 DE MAIO Água de Furos para Consumo Humano (Indústria alimentar) A Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, aprovou a Lei da Água, transpondo para o ordenamento jurídico português a Directiva Quadro da Água (Directiva n.º 2000/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Outubro). A Lei da Água consagra o princípio da necessidade de título de utilização das actividades que tenham um impacte significativo no estado das águas estabelecendo as regras gerais a desenvolver por decreto-lei (cfr. artigo 56.º). De acordo com o artigo 62.º desse diploma, a utilização de recursos hídricos particulares, nomeadamente a captação de águas, está sujeita a autorização prévia. A Lei da Água foi desenvolvida pelo Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio1, que consagra o regime das utilizações dos recursos hídricos e respectivos títulos, revogando o Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro. Sobre a captação de águas rege especificamente a secção I do capítulo II do diploma. Entende-se por captação de águas a utilização de volumes de águas, superficiais ou subterrâneas, com ou sem retenção, nomeadamente para consumo humano (cfr. artigo 40.º, n.º 1). 1 Diploma alterado pelo Decreto-Lei n.º 391-A/2007, de 21 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 93/2008, de 4 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 137/2009, de 8 de Junho, e pelo Decreto-Lei n.º 82/2010, de 2 de Julho. O conceito de água para consumo humano consta do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto, diploma que estabelece o regime da qualidade da água destinada ao consumo humano, procedendo à revisão do Decreto-Lei n.º 243/2001, de 5 de Setembro, que transpôs para o ordenamento jurídico interno a Directiva n.º 98/83/CE, do Conselho, de 3 de Novembro. Determina o artigo 2.º, al. b), ii) desta diploma que se considera água destinada a consumo humano “Toda a água utilizada numa empresa da indústria alimentar para fabrico, transformação, conservação ou comercialização de produtos ou substâncias destinados ao consumo humano, assim como a utilizada na limpeza de superfícies, objectos e materiais que podem estar em contacto com os alimentos, excepto quando a utilização dessa água não afecta a salubridade do género alimentício na sua forma acabada”. Este diploma procedeu ao alargamento do conceito de água para consumo humano (cfr. realçado) e, como tal, utilizações da água que anteriormente eram consideradas industriais são agora consideradas para consumo humano. No que respeita à captação de água para consumo humano, a mesma pode ter por finalidade o abastecimento público ou o abastecimento particular. “Um sistema de abastecimento particular produz água para consumo humano sob responsabilidade de uma entidade particular, só podendo funcionar na condição de impossibilidade de acesso ao abastecimento público, ficando sujeito aos requisitos legais para este tipo de utilização”. É o que expressamente determina o n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio. Diga-se que a exigência formulada no n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, já resultava do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro, o qual determinava que o pedido de licença para captação de água para consumo humano fosse instruído, entre outros documentos, com “Declaração da câmara municipal respectiva da impossibilidade de integração na rede de abastecimento público, no caso de abastecimento particular” (cfr. artigo 26.º, al. g) do Decreto-Lei n.º 46/94, de 22 de Fevereiro). A diferença é que o conceito de água para consumo humano é agora mais alargado do que o conceito adoptado na legislação anterior e, como tal, utilizações da água que anteriormente eram consideradas industriais são agora consideradas para consumo humano. Por conseguinte, indústrias que utilizavam anteriormente sistemas particulares de abastecimento de água para fins industriais vêem-se agora obrigadas a recorrer ao abastecimento público, porque se considera agora que a utilização da água é para consumo humano e, nessa medida, apenas na impossibilidade de acesso ao abastecimento público podem utilizar o seu abastecimento privado. O que na prática e no que respeita aos associados da APIC implica que os mesmos sejam obrigados a recorrer ao abastecimento público para exercer a sua actividade, com custos acrescidos e inutilização dos investimentos efectuados. Com efeito, face à ampliação do conceito de água para consumo humano, a Agência Portuguesa do Ambiente e as ARH’s competentes apenas admitem a continuidade da utilização da água proveniente de captações subterrâneas na impossibilidade de acesso ao abastecimento público, porque a mesma é agora considerada para consumo humano, impedindo a renovação das licenças anteriormente emitidas para utilização industrial. Sucede que, a exigência formulada no n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, de que um sistema de abastecimento particular que produza água para consumo humano só possa funcionar na condição de impossibilidade de acesso ao abastecimento público, só fazia sentido face a um conceito mais restrito de água para consumo humano, afigurando-se desproporcionada e restritiva da iniciativa económica quando aplicada a um conceito de água para consumo que engloba qualquer utilização na indústria alimentar. Motivo pelo qual se sugere uma alteração legislativa que corrija uma exigência desproporcionada, irrazoável, contrária ao princípio da igualdade e penalizadora da actividade económica e das empresas. Alteração que é da competência do Governo, nos termos do artigo 198.º, al. a), da Constituição. Por conseguinte, parece-me que a APIC poderá essencialmente actuar politicamente, tentando sensibilizar o Ministério para a falta de razoabilidade, de fundamento e desproporção daquela exigência quando os sistemas particulares cumprem todas as regras de qualidade da água para consumo humano exigidas aos sistemas públicos, tendo vindo a realizar ao longo dos anos avultados investimentos nos seus sistemas para o garantir, quando a tal nem estavam obrigados por a utilização ser anteriormente considerada industrial. Diga-se, aliás, que muitas das empresas associadas cumprem requisitos de qualidade da água mais exigentes que os titulares de sistemas públicos, uma vez que tal lhes é imposto pelas entidades comunitárias para as quais exportam os seus produtos. Ora, se a razão da imposição de recurso ao sistema público se justificaria pela necessidade de assegurar uma maior qualidade da água para o consumo humano, a imposição deixa de ter qualquer justificação no interesse público se o sistema particular assegura essa qualidade nos mesmos termos (ou até de forma mais exigente) que o sistema público. Sendo mesmo contrário ao princípio da igualdade exigir o recurso ao sistema público, pois que não existe nesta matéria no nosso ordenamento constitucional preferência pelo público em detrimento do privado, se este cumpre da mesma forma ou melhor o interesse público subjacente. Acresce que, o recurso ao sistema público é mais dispendioso para as empresas, o que causa dificuldades económicas aos associados e ao sector, já fustigados por uma grave crise económica e pelos demais custos relacionados com a água que têm de suportar e que lhe são impostos pela Administração, nomeadamente multiplicidade de taxas cobradas pela ARH e pelos Municípios, o que revela a total falta de proporcionalidade daquela exigência e põe em causa a sustentabilidade financeira das empresas. Em suma, a norma em causa ao impor que o abastecimento particular de água para consumo humano só possa funcionar na impossibilidade de acesso ao abastecimento público, mesmo que cumpra todas as regras comunitárias e nacionais quanto à qualidade da água (as mesmas a que o abastecimento público está sujeito) é desproporcionada, irrazoável, contrária ao princípio da igualdade e penalizadora da actividade económica e das empresas. Face ao que fica dito, deveria ser promovida uma alteração legislativa do n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio, no sentido de permitir que o abastecimento particular possa funcionar, mesmo que não se verifique uma impossibilidade de acesso ao abastecimento público, se o sistema particular cumprir os parâmetros de qualidade da água para consumo humano que se encontram actualmente estabelecidos no DL 306/2007, de 27 de Agosto. É que, não faz sentido exigir que o sistema seja público se o sistema particular cumprir os requisitos de qualidade da água para consumo humano fixados nesse diploma, que são os mesmos a que está sujeito o abastecimento público. Nesse sentido, a norma que actualmente dispõe “Um sistema de abastecimento particular produz água para consumo humano sob responsabilidade de uma entidade particular, só podendo funcionar na condição de impossibilidade de acesso ao abastecimento público, ficando sujeito aos requisitos legais para este tipo de utilização”, Poderia passar a ter a seguinte redacção: “Um sistema de abastecimento particular produz água para consumo humano sob responsabilidade de uma entidade particular, só podendo funcionar na condição de impossibilidade de acesso ao abastecimento público, ficando sujeito aos requisitos legais para este tipo de utilização, ou se, tratando-se de água utilizada numa empresa da indústria alimentar, cumprir os parâmetros de qualidade da água fixados no Anexo I do Decreto-Lei n.º 306/2007, de 27 de Agosto”.