A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE CULTURA PARA O APRENDIZADO DE UMA LÍNGUA ESTRANGEIRA Andrea Oliveira Siebra Coelho Mestranda do Programa de Pós-graduação em Lingüística Aplicada - UFRN 1. INTRODUÇÃO “Une langue étrangère est une fenêtre ouverte sur la diversité du monde”. Jacques Cousteau Minha vivência de alguns anos com o estudo de línguas, no País e no exterior, motivou-me a um olhar crítico sobre aspectos importantes que, a priori, podem influir sobre a questão do ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras. Duas experiências de natureza observacional, uma mais formal e outra totalmente informal, foram definitivas para que eu tomasse a decisão de problematizar a questão que ora formulo. A primeira delas durante as aulas de Língua Francesa em Escolas Públicas, Municipais e Estaduais que realizei, na qualidade de Estagiária, durante o Estágio Obrigatório para a conclusão do Curso de Licenciatura em Letras. A segunda, diz respeito às observações empíricas de aulas de Língua Inglesa e Língua Espanhola, realizadas de maneira informal, em escolas de idiomas que freqüentei na cidade de João Pessoa (Paraíba), ao longo dos últimos quatro anos. Avaliando estes dois cenários, quis considerar, empiricamente, que para uma boa aprendizagem era necessário que o ensino da cultura-alvo se desse concomitantemente ao ensino da língua-alvo (ensino da língua estrangeira). Vale notar que alguns aspectos da comunicação (construções lingüísticas, expressões idiomáticas, formas de linguagem, origem e término de diálogos) muitas vezes são apresentados pelo professor, ou pelo material didático, com um sentido muito vago, solicitando deste modo um suporte cultural para sua total compreensão. Passei, então, a formular a hipótese de que o ensino de língua estrangeira não dissociado do ensino da cultura-alvo auxiliaria o aprendiz na compreensão de aspectos culturais da língua foco, bem como na construção de interações comunicativas que possam vir a surgir, características de um determinado grupo cultural. 2. CONCEITUANDO LÍNGUA E CULTURA Para compreendermos, de fato, a possível interdependência entre língua e cultura, e o tema trabalhado nesta pesquisa tornam-se necessárias algumas reflexões sobre os conceitos de língua e cultura, este último, sem dúvida, um conceito bastante complexo e do qual, segundo Kaplan (1975) “a língua é um dos seus sistemas de expressão”. Língua, a partir dos estudos de Lyons, apresenta várias definições, de forma semelhante a sua dependente, cultura. Conforme o autor (apud Hall), língua é “a instituição pela qual os humanos se comunicam e interagem uns com os outros por meio de símbolos orais-auditivos habitualmente utilizados”. Esta definição introduz os fatores de comunicação e de interação, presentes no uso da língua; “institui” o fato como oral e auditivo, portanto exigindo um falante e um receptor, que pertences a uma determinada comunidade, que usam uma mesma língua que é parte de sua cultura. O termo cultura também possui diversos conceitos. Para ter noção de sua abrangência, vários estudiosos de diferentes áreas do conhecimento como a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia, já se dedicaram à árdua tarefa de estudá-lo sem, no entanto, chegarem a um consenso. “Muitos conceitos já foram citados como abstratos, imprecisos, ineficientes, insatisfatórios e, às vezes, excessivamente gerais” (Caldas, 1986). A primeira definição do termo, do ponto de vista antropológico, foi formulada pelo antropólogo britânico Edward B. Tylor, em 1871, com o intuito de abranger todas as possibilidades de realização humana. Segundo o autor, cultura é aquele todo complexo, que, tomado em seu amplo sentido etnográfico, “inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”. Em 1973, Geertz escreveu que “diminuir a amplitude do conceito e transformá-lo num instrumento mais especializado e mais poderoso tecnicamente” era a tarefa mais importante que a teoria antropológica moderna poderia realizar. A partir daí, a tarefa da Antropologia moderna tem sido reconstruir o conceito de cultura, tão fragmentado. O que resultou dizer que “cultura” pode ser definida como o conjunto de padrões de comportamento que reúne a linguagem, os costumes, as crenças e os diferentes modos de vida adquiridos socialmente. Podemos encontrar ainda, outro conceito de “cultura”, o de pensamento socialista, em que esta é caracterizada como um modo de viver. Essa concepção permite uma compreensão da realidade social, de forma genérica, de um determinado povo. Percebemos então, que trabalhar com o conceito de “cultura” revela-se um trabalho difícil e complexo, pois o termo engloba não apenas “valores espirituais, mas também materiais, além de qualidades inerentes ao homem e ainda, aquelas por ele adquiridas ao longo da vida” (Pontes, 1998). Ainda em Pontes (apud Schelling), “cultura” é percebida como “um fenômeno” supraindividual “. Ela é aprendida, partilhada e adquirida, tornando-se permanente através do tempo e independente de seus portadores” (1990:32). Conforme o dicionarista Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira (1986, p. 508), “cultura” define-se como “o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e característicos de uma sociedade”. A partir dos conceitos citados percebemos a imensa variedade de concepções e pensamentos a respeito de “cultura”, mas para nós, interessa, de modo bastante particular, o conceito apresentado por Ferreira (op. cit.), uma vez que visamos pesquisar as características de uma sociedade a partir de seu comportamento e valores, e o conceito apresentado por Schelling (op. cit.), que determina que a “cultura” pode ser “aprendida e adquirida” em salas de aula de línguas estrangeiras também. 3. O ENSINO/APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS A vasta literatura que, diretamente, ou de forma correlacionada, trata do ensino de língua estrangeira (doravante LE), compulsada ao longo deste estudo, mostrou-nos que existe um claro divisor de águas quando a questão colocada é: ensino de LE sem ou com o apoio no ensino da cultura correspondente, ou da chamada cultura-alvo. O objetivo principal ao desenvolver este trabalho, definitivamente, não se prende a explorar ou explicar esta ambivalência, nem tão pouco a concluir que as certezas estão com tal ou tal corrente. O intuito é, simplesmente, o de abraçando uma destas vertentes, mostrar a importância do ENSINO DE CULTURA para o aprendizado de uma língua estrangeira, tendo como referência o estudo de grupos de alunos de diferentes escolas de idiomas. Neste contexto e de acordo com vários autores, dentre os quais Schütz (mimeo) e Hymes (apud Laraia), a LE pode ser ensinada sem o apoio do ensino de cultura. Este tipo de ensino estaria restrito ao ensino das estruturas da língua. Já outros autores, no entanto, entre eles Byram, Peoples e Bailey, Halliday e Hasan e Kress abordam a questão sob outra óptica e advogam que existe uma relação intrínseca entre a língua e a cultura no aprendizado de línguas estrangeiras. A propósito desta linha de entendimento, Pacheco (2000:49-59) com base em Halliday e Hasan (1989) e também em Kress (1989) ressalta que "se o educador escolher ensinar só a língua, sua prática torna-se incompleta”. E complementa a mesma autora “... estudos atuais têm mostrado evidências de que língua e cultura não podem ser dissociados, e que a língua depende do contexto situacional e cultural em que é produzida e do qual recebe influências...” (op. Cit). Segundo Porcher (1996:4) “a comunicação em língua estrangeira não se prende só à aprendizagem da língua. Mais que isso, não existe nenhuma objetividade se o ensino não se associa às competências culturais e interculturais”. Chianca (1996:117) considera que “... depuis longtemps les ethnologues et les anthropologues reconnaissent l’inter-relation de la langue et de la culture, désormais considerée comme um point d’ancrage de l’enseignement de toute langue vivante...”. Dalpian (1996:51) afirma que “... a língua dá acesso à cultura e, por outro lado, para aprender uma língua é preciso um mergulho cultural, a aquisição de habilidades orais e escritas, isto é, a competência comunicativa não fica assegurada apenas com o conhecimento das estruturas lingüísticas (...) saudar uma pessoa, fazer um convite, servir um cafezinho, pedir desculpas (...) são todas situações que se inserem profundamente num contexto cultural...”. “A linguagem deve ser inserida no contexto cultural global e não pinçada como algo estranho e à parte. Ela constitui o espelho de uma mentalidade”, conclui Ullman (1980:132). 3.1. A Língua-Alvo Aprender uma outra língua, como se diz comumente, é “ampliar os horizontes”. É ampliar as capacidades do indivíduo, permitindo que ele se abra aos outros e se afirme perante eles. Thévénin (1980) diz que “l’identité d’um pays, d’une communauté, se manifeste dans la langue et dans la civilisation”. A língua aparece como um recorte feito do mundo real, os contornos dos conceitos, construídos com palavras apresentam uma visão de um mundo diferente de um país a outro, de uma região a outra. Ir ao encontro do que fundamenta esta diferença é um dos aspectos do aprendizado de línguas. Entender o sentido do “Five o’clock tea” (Chá das cinco) para os britânicos, do espetáculo da “Corrida” para os espanhóis, etc. O ensino de línguas não renuncia a sua própria cultura com pretexto de que transmite uma língua diferente (Lecollier, 1999). Descobrindo, e fazendo o aprendiz descobrir, novos códigos e valores outros, o professor permite que visões sejam ampliadas e horizontes distanciados. O aluno se prepara para receber a nova cultura, e como se portar em relação a ela. Qualquer reflexão que possa ser feita a respeito de língua encaminha seus estudiosos, necessariamente, para uma reflexão sobre sua cultura correspondente e vice-versa. Portanto, o ensino de língua, necessita, com certeza, sem um ponto de apoio social e cultural. Segundo Chianca (apud Castelly, 1999), “il n’y a pas de langue sans culture, de peuple sans civilisation, il n’y a pas de langue étrangère et vivante sans ancrage dans un espace géographique donné”. Freqüentemente foi questionado e muitas vezes, criticado, o ensino “vazio” de línguas, um aprendizado centrado na semântica, nos atos de fala e em estruturas de comunicação. De fato, podemos nos servir da língua-alvo sem qualquer intenção de aprendizagem e perceber depois de tudo que, mesmo assim, aprendemos algo. O que aprendemos realmente? Adquirimos conhecimento de aspectos culturais próprios de uma sociedade, noções de como agir e pensar nesse meio social determinado e como utilizar adequadamente suas expressões. Alguém que tenha se mudado, mudado de país, de cultura, e a fortiori de língua e de cultura, conhece bem esse processo. Para melhor se adequar ao ambiente, ataca, prioritariamente a língua, acreditando que uma vez a língua adquirida, seus problemas lingüísticos estarão resolvidos. Não se pode apenas ensinar cultura, como também não se pode ensinar apenas a língua. Essa língua ensinada seria a emergência de uma outra menos visível, mais profunda, que representa o saber, o conhecimento global, e está impregnada de aspectos culturais, que devem ser atualizados sistematicamente. 3.2. A Cultura-Alvo Dentre os fatores que atuam como filtros dificultadores do aprendizado da cultura de uma língua estrangeira, citados por Schutz (1999, mimeo), podemos explicitar o provincianismo e a motivação. O primeiro deles, por ser uma forma extrema de monocultura, o aluno não busca se identificar com a cultura em estudo e tende a se fechar para o aprendizado, sentindo-se inseguro quando confrontado com um novo jeito de ser e falar, distintos do seu. O segundo, a motivação, é a forca propulsora para o aprendizado de LE, e, portanto, de cultura de LE. Tem importância considerável, uma vez que, ao se identificar com a cultura estrangeira, o aluno despertará o desejo de imitar os gestos, o comportamento e o falar do outro. O pensar e o falar igual são fatores de peso para a assimilação da cultura de LE. 3.3. O Aprendizado da Língua-Alvo e da Cultura-Alvo A língua é, antes de qualquer coisa, um produto da cultura. Uma língua em uso numa sociedade reflete, sobretudo pela natureza e conceito, sistemas simbólicos, alguns traços característicos dessa sociedade. É nesse sentido que Thévénin (1980:33) diz que “uma língua expressa uma cultura”. O estudo de cultura tem um papel importante no ensino de línguas na medida em que as palavras em LE remetem a significados em uma dada cultura, criando uma relação semântica obrigatória que o aprendiz deve e pode entender. Daí o ensino de línguas não constituir um fato isolado posto que representa um momento social e cultural. Existe, ainda, um aspecto inerente ao ensino de cultura na sala de aula de LE: a língua não é um saber especifico que pode ser adquirido de uma forma particular. Se partirmos do princípio que o estudo de cultura é parte integrante do ensino de LE, temos que refletir a respeito dos “links” que existem com a matéria. Não podemos supor que sendo o estudo de cultura parte do ensino de línguas, ele conduzirá, forçosamente, a resultados positivos em termos educativos. O valor educativo do estudo de cultura paralelamente ao ensino de línguas é no conjunto. As palavras têm uma carga, um valor, e nos é muitas vezes necessário um conhecimento de história, de geografia, ou de artes, para lhes dar um sentido. A compreensão da língua não se da de forma isolada, ela requer um conhecimento interdisciplinar. Isto é prova de que um mínimo de conhecimento de cultura é indispensável para compreender certas expressões, e que um conhecimento mais profundo permite, mais facilmente, o acesso a esta carga, a este valor, das palavras. Concluímos, pois que ensinar cultura não é apenas ensinar uma história, valores e tradições, mas agregar um valor às palavras, além de transmitir um saber pragmático para evitar que os alunos de LE se coloquem em situações ambíguas e delicadas perante os usos e costumes do idioma em questão. É necessária uma estruturação do ensino de cultura em termos pedagógicos, que possa levar em conta os meios de que dispõem os professores, as influências que receba do conhecimento cognitivo e afetivo, e pensar que ela possa conduzir a efeitos positivos. A pedagogia de ensino de cultura deve estar ligada a outros aspectos do aprendizado de línguas. Assim, toda teoria concernente ao aprendizado de cultura inserido no ensino de LE devera levar em conta a psicologia da identidade cultural e étnica, e sua relação com os processos psicológicos que possam resultar do aprendizado de língua e cultura estrangeiras. 4. A VISÃO DE CULTURA NAS ESCOLAS DE IDIOMAS Procederei, neste item, a uma análise quantitativa e qualitativa de alguns dados com base nas respostas obtidas no universo de questionários respondidos pelas duas categorias inquiridas, ou seja, alunos e professores. Foram aplicados 90 questionários com alunos de três línguas estrangeiras, anteriormente citadas, de níveis (estágios) variados, desde o básico ao mais avançado. E outros 15 questionários com professores de línguas estrangeiras. Ambas as investigações, quantitativas e qualitativas, foram efetuadas com base nas respostas obtidas através de perguntas relacionadas ao ensino/aprendizagem da cultura de uma língua estrangeira, no ambiente de escolas de idiomas. A aplicação dos questionários foi conduzida pela própria pesquisadora em razão de uma maior compreensão dos objetivos desse instrumento de coleta de dados e das questões formuladas. Na primeira parte desta minha análise, levarei em consideração apenas os questionários respondidos pelos alunos, num total de 90 questionários, selecionando algumas das seis questões propostas, para observações mais relevantes. A primeira questão, (Você gostaria de aprender a cultura da língua estrangeira que você está estudando? Por quê?), uma questão para ser respondida de forma subjetiva, configurase, na verdade, como um duplo questionamento endereçado ao verdadeiro sujeito da aprendizagem. Através dela o aluno é interrogado sobre sua vontade e interesse em aprender sobre a cultura da LE que ele está estudando, e porque motivo ou razão. A primeira parte da pergunta sugere ao aluno inquirido, de forma direta, a possibilidade de uma resposta positiva ou negativa, ou seja, “sim” ou “não”. A partir das respostas obtidas, a quase totalidade dos alunos inquiridos (96,6 %) afirmou ser importante estudar a cultura de LE para aprender melhor uma língua estrangeira. No entanto, um percentual, embora pouco relevante do ponto de vista estatístico, divergiu da opinião da maioria emitindo uma terceira resposta, na qual afirma que se interessaria “um pouco” em aprender a cultura da LE. No que se refere à segunda parte da Questão 1, (o porquê), visava-se a obter uma justificativa para a resposta assumida na primeira parte da questão. Avaliei, pois, todas as respostas apresentadas, nos 90 questionários aplicados. Deste universo, verifiquei que cerca de 67,7% dos alunos inquiridos emitiram mais de uma resposta como justificativa dos motivos pelos quais se deveria aprender cultura. Os 32,3% restantes apresentaram uma única resposta. Levando-se em conta que tanto os alunos que deram duas ou mais respostas, quanto os que deram apenas uma, se posicionaram positivamente ao estudo da cultura, fica reforçada a importância que o estudo de cultura apresenta para a aprendizagem de LE. Neste contexto, a justificativa mais citada foi a de que o aprendizado de cultura seria importante para conhecer outras culturas além daquela de seu país, de seu povo. Conhecer as tradições e costumes de outros povos, e em especial dos países falantes da LE estudada, também foi uma das razões mais freqüentes para se aprender a cultura de LE. Extraí do Questionário dos Alunos as seguintes frases que encerram os seus pontos de vista sobre a questão: “Sim, porque cultura é justamente o somatório de costumes e tradições de um povo e a língua esta incluída, portanto, nela”. (frase de aluno e grifo nosso). Na maioria das respostas, cultura e língua ocuparam o mesmo patamar, sendo muitas vezes declaradas como “inseparáveis” e “inserida uma na outra”. “(...) acho interessante esta parceria, pois assim podemos aprender a língua conhecendo um pouco da cultura de seu país de origem”. (frase de aluno e grifo nosso). Também foi muito lembrada a importância deste aprendizado para a formação geral do indivíduo. O aprendizado de línguas também auxilia a aquisição de outros conhecimentos, propiciando uma formação de cultura geral de forma agradável e não declarada, uma vez que os conteúdos culturais são diluídos em aulas de LE. Embora seja um fator positivo para a formação geral do indivíduo, muitas vezes a cultura de LE é interpretada apenas como “conhecimentos gerais”, inclusive, de outras línguas e povos. A exemplo disso: “(...) Alguns conhecimentos genéricos podem ajudar no aprendizado”. (frase de aluno e grifo nosso). Há, ainda o auxílio que esse aprendizado pode trazer para o aprendizado da língua, uma vez que o tornará mais interessante, por apresentar, durante as aulas de LE, momentos de descontração e debates, entre os alunos e o professor, sobre aspectos conhecidos (cultura nacional) e aspectos em conhecimento (cultura da LE). Quem diante de uma boa aula que envolva aspectos da cultura do país da LE que está se aprendendo, não “viaja” ou se projeta numa situação do dia-a-dia no contexto do país? “(...) é sempre bom conhecer a fundo o que estudamos, para que se torne mais interessante e empolgante, o aprendizado” (frase de aluno e grifo nosso). Além disso, o aluno pode ser colocado no contexto em que a língua é falada, “(...) não adianta falar perfeitamente se não compreendo a cultura, o contexto em que estou falando”; adquirindo expressões novas, “(...) muitas vezes a cultura ajuda na aprendizagem, na compreensão do significado da língua, das expressões...” (frase de aluno e grifo nosso), evitando mal entendidos (erros de interpretação devido o isolamento de contexto) e, por conseguinte, compreendendo melhor a LE em uso. “Se um dia viajar para os EUA será necessário entender a cultura daquele país para não haver mal entendidos” (frase de aluno e grifo nosso). Na terceira questão, (A partir de que estágio (nível), você gostaria de ter contato com aspectos da cultura da língua estrangeira que está estudando), o aluno pôde emitir, de forma aberta, sua opinião a respeito do estágio, ou nível a partir do qual ele gostaria de ter contato com aspectos culturais da LE que está estudando. Os resultados foram grupados, por mim, a partir das respostas dos próprios alunos e indicam o estágio ou nível sugerido por eles sugeridos: inicial, intermediário, avançado, fim, sempre, outros. O nível mais citado foi o inicial (62,2%), quando o aluno trava os primeiros contatos com a LE e com as representações e símbolos mais marcantes do país de origem dessa LE e quando começa a perceber a existência de outros hábitos e costumes diferentes dos de seu país. Curiosamente foi obtida a resposta “sempre” (5,6%), que não caberia, absolutamente, porque “sempre” não caracteriza um nível ou estágio. Interpreto que os alunos que assim responderam tinham a intenção de reivindicar um aprendizado contínuo de cultura, durante as aulas de LE. Compreendo por “fim” (3,3%) que o aluno prefere primeiro alcançar o nível mais alto de conhecimento de uma LE para só depois iniciar os estudos sobre sua cultura, com a expectativa de poder compreender melhor e mais facilmente peculiaridades, uso de expressões, a importância de datas e eventos culturais etc. Na última opção de resposta, “outros” (6,7%), se enquadram vários grupos de justificativa. O aluno espera atingir mais idade para se tornar capaz de compreender a cultura daquela língua, estar mais maduro; o aluno gostaria de estar vivenciando (“agora”) no estágio (nível) atual, o aprendizado de aspectos culturais característicos daquela língua e dos povos que a falam; ou gostaria de tomar conhecimento desses aspectos antes mesmo de aprender a língua, ou ainda, quando tiver domínio da língua. Conclui-se pelas respostas dos alunos que o ensino de cultura da LE para o aprendizado de uma língua estrangeira deve estar relacionado com as etapas iniciais do aprendizado da língua, pois no estágio inicial se concentraram 62,2% das respostas e no intermediário se concentraram 20%. Nos demais níveis, a concentração de respostas foi, obviamente, bastante baixa. O Questionário aplicado junto aos professores é semelhante ao aplicado junto aos alunos. Somente se registram algumas diferenças quanto à linguagem endereçada a um e a outro. Do ponto de vista do professor, como é uma aula de cultura estrangeira em uma escola de idiomas? Este é o objetivo básico da aplicação deste questionário junto a professores de línguas estrangeiras. A primeira questão (Numa sala de aula de língua estrangeira, existe espaço para o ensino da cultura da língua estrangeira? Por que?) difere bastante daquela elaborada para os alunos no sentido de que eles são questionados sobre a existência de espaço na sala de aula para o ensino da cultura da língua estrangeira, enquanto os alunos foram questionados sobre a vontade em aprender sobre cultura e porquê. Apresenta, igualmente, dupla classificação por se tratar de uma dupla pergunta. Conforme os resultados obtidos com esta questão, os professores foram unânimes (100 %) em afirmar que existe espaço em aulas de LE para que sejam abordados aspectos culturais da língua estrangeira. Alguns professores (cerca de 10%) justificaram que além de existir espaço para o ensino de cultura, é também de grande importância que “se valorize a cultura local e que se explore as diferenças culturais”. Outros professores (cerca de 40%) deram ênfase ao fato de que o ensino de cultura auxilia “tanto o conhecimento lingüístico do aluno, quanto o seu conhecimento de mundo”, preparando-o de tal forma que não haja mal-entendidos em situações lingüísticas e/ou culturais futuras. Um percentual bastante elevado dos professores que respondeu ao Questionário (65%) afirmou que o ensino de cultura “é vital para a compreensão de certos aspectos lingüísticos” e que o aluno “não deve ficar restrito a aprender as funções gramaticais e lexicais da língua, mas também ampliar seus conhecimentos”. Dos dados obtidos, um outro grupo de professores (cerca de 90% dos entrevistados) acredita “não ser possível nem viável dissociar o ensino do idioma de sua correspondente cultura”, uma vez que é nela que “a língua se molda, se transforma e existe”. Já um outro grupo de professores (cerca de 48%) manifestou que ao estudar um idioma o aluno tem em mente “ser capaz de interagir no país onde este é falado, conseqüentemente, certo conhecimento da cultura é indispensável”. Sem dúvida, o ensino da língua é uma porta aberta para o aprendizado sobre outros povos, países e costumes, pois se caracteriza como um veículo para sua divulgação. Por sua vez, um grupo dos professores pesquisados (cerca de 30%), referindo-se à importância do ensino de cultura, acrescenta que “não se deve ignorar este fato e desperdiçar a riqueza que isto pode oferecer”. Na segunda questão (O aprendizado da cultura da língua estrangeira é...) se colhe não o ponto de vista do aprendiz, mas o ponto de vista do professor, daquele que constrói a aula, que seleciona conteúdos e que conduz, da melhor forma, o aprendizado de línguas estrangeiras, sobre o aprendizado de cultura de LE em sala de aula de LE. Conforme as respostas a esta questão, a grande maioria (40% + 53,3%) dos inquiridos foi de opinião que o ensino da cultura da LE é fundamental ou importante para o aprendizado da língua estrangeira. No contexto das respostas obtidas, uma me chamou a atenção. O inquirido considera que “o aprendizado de uma segunda língua não requer necessariamente o aprendizado da cultura do país”. Para ele, aprender a cultura implicaria apenas “em se comportar de forma diferente”, ou seja, “estar aberto às diferenças culturais, incorporar hábitos e costumes e fazer uso de expressões idiomáticas característica de um povo”, como se muito do que encerram suas observações, não se caracterizassem como aprendizado da cultura. Já um outro inquirido que considera fundamental o ensino da cultura observa que “o conhecimento lingüístico por si só não será suficiente para alguns dos diversos momentos em que o aluno precisará se comunicar com outras pessoas em situações fora da sala de aula”, ou seja, só o conhecimento da língua não torna o aluno apto a vivenciar situações cotidianas de LE fora da sala de aula. Na verdade, para que venha a fazer um uso adequado dos termos da língua e de sua estrutura de pensamento, o aluno deve aprender a língua readaptando o seu modo de pensar. Na quarta questão, (Qual seria o momento adequado, dentro do contexto da disciplina, para abordar aspectos da cultura da língua estrangeira?), o professor tem a oportunidade de se pronunciar a respeito do estágio (nível), a partir do qual o ensino da cultura da língua estrangeira poderia fazer parte do programa de língua estrangeira na escola de idiomas onde leciona. A maioria dos professores (75% deles) foi taxativa ao afirmar que os momentos adequados para abordar cultura na sala de aula de LE são todos aqueles em que a língua requer uma explicação, uma justificativa cultural para um melhor entendimento, seja de estruturas gramaticais ou de outros aspectos. A cultura se apresenta como fator importante para a percepção de diferenças culturais, e para a compreensão de seus porquês, descobrindo o que é ou não apropriado em um determinado grupo social ou contexto. Ou, ainda, quando o tópico gramatical permitir um parâmetro entre o idioma e a cultura, ou quando a função lingüística estudada remeter diretamente a algum aspecto cultural. Também um elevado percentual de professores inquiridos (80%) afirmou que a todo o momento pode-se abordar cultura em sala de aula, desde que não seja durante os momentos “de produção oral individual ou em grupo”, pois é nessa situação que os alunos interagem, não devendo ser interrompidos a todo instante para explicações sobre aspectos culturais. Salvo em raras situações em que diferenças culturais impliquem em diferenças lingüísticas. Um percentual muito pequeno (10%) do universo de professores inquiridos sugeriu que durante as aulas de LE “devem ser aproveitados os momentos espontâneos”, e que, à medida que a língua é ensinada, certamente a cultura também estará sendo, naturalmente, “sem planejar algo como: hoje vou ensinar cultura”. Esses “momentos espontâneos”, segundo eles, podem ser de ordem “gramatical, de leitura, escrita, de fala ou de áudio. Não há barreiras quando se quer explicar diferenças culturais”. Assim observa-se que os professores estão de acordo com que o melhor momento para inserir conhecimentos de cultura na aula de LE é aquele em que as estruturas gramaticais ou lingüísticas estiverem vinculadas a aspectos culturais, exigindo uma explanação do professor a esse respeito, ou quando sugerir um tema a ser discutido em sala de aula. E em seguida, na quinta questão (Quais os métodos que você poderia sugerir para o ensino de cultura da língua estrangeira na sala de aula?), o professor é indagado sobre os métodos de ensino utilizados nos momentos propícios em sala de aula, para abordar aspectos da cultura da língua estrangeira. Poucos foram os professores (10%) que entenderam o termo “métodos” como estratégia de ensino, como metodologia aplicada em sala de aula. A grande maioria (90%, portanto), compreendeu o termo “métodos” por recursos, explicitando, segundo suas experiências pessoais, aqueles de maior uso em sala de aula. Aqueles poucos que compreenderam o termo métodos por estratégias de ensino sugerem que o aluno deve, inicialmente, ser inserido no contexto de uso da língua - fato fundamental no aprendizado da língua. Ele deve ser levado para a realidade cultural da língua. Deve-se, ainda, esclarecer-lhe quanto de que existe uma grande variedade de países que falam o idioma estudado, explorando a pluralidade da língua e de sua cultura. Uns poucos professores, ou seja, (15%) do universo inquirido mencionaram o conteúdo a ser explorado no livro didático, os tópicos que sugerem o ensino de cultura ou de aspectos culturais relacionados à língua. Outros (24%) dos professores inquiridos afirmaram que o ensino de cultura de LE “não precisa se dá na sala de aula”, sugerindo pesquisas para os alunos, em meio externo, e em seguida, exposições e/ou debates em sala de aula, com outros estudantes. No bojo desta questão, verifiquei que uma curiosa observação pode ser feita acerca da preparação do professor para o ensino de língua e cultura. Dois professores inquiridos ressaltaram que “o professor tem que estudar muito sobre o assunto, ou pelo menos ter tido um pouco de experiência morando em países onde é falada a língua”. Esta situação respalda uma afirmativa tratada anteriormente, de que a língua “não pode ser aprendida, mas adquirida pela vivência”. Deste modo, antes de qualquer coisa, é necessário capacitar professores que vão trabalhar com o ensino de LE para que o ensino da cultura de LE seja mais eficiente em sala de aula. Os professores, segundo suas próprias observações no questionário, de um modo geral, concordam que é “contraditório saber a língua estrangeira e não saber nada sobre o país onde ela é falada e sobre seu povo”. A grande maioria dos professores inquiridos, que compreendeu o termo “métodos” por “recursos”, elegeu os debates - com 16,1% - (discussões em sala de aula sobre um tema anteriormente escolhido e pesquisado) e as pesquisas extraclasse (14,3%), curiosamente, como os melhores recursos para o ensino de cultura de LE na sala de aula. Finalmente, faz-se referência ao uso de vídeos (documentários em língua estrangeira, pequenas reportagens ou vídeos ilustrativos sobre cultura) e ao uso de livros, textos e revistas originais, ou seja, provenientes do país da língua estrangeira estudada. Ocorre neste caso também a mesma práxis. O professor apenas se serve de recursos prontos e os repassa a seus alunos sem nenhuma elaboração própria. Concluo, a partir dos comentários livres apresentados no verso dos questionários respondidos, que um dos maiores obstáculos para o ensino de cultura na sala de aula de LE é a falta de tempo para o professor se preparar para abordar, com fundamentação e exemplos, um determinado aspecto cultural da língua ensinada. De fato, o tempo para o ensino de línguas já é considerado bastante restrito, uma vez que o professor tem algumas poucas horas por semana para consagrar ao ensino de LE stricto sensu, ou seja, para transmitir conhecimentos gramaticais, semânticos, fonéticos, estruturais, e culturais. No entanto, acredito ser bastante possível para os professores contornar essa dificuldade, se aproveitarem os “momentos espontâneos” da aula e tomarem como base do ensino lingüístico, fatos ou aspectos culturais. 5. CONCLUSÃO A identidade de um país, de uma comunidade, se manifesta na língua e na cultura. Das duas, a língua é aquela percebida primeiro, pois representa a parte mais visível, o uso de estruturas gramaticais e construções lingüísticas, a base do ensino de línguas. Mas esta representa apenas uma parte do todo, que é a formação do conhecimento do indivíduo. A outra parte, mais escondida, “mais misteriosa” (BYRAM, 1989), e mais difícil de ser alcançada é a cultura. Ela reflete toda uma maneira de organizar e interpretar o mundo, própria de um grupo social, característica de uma comunidade. Considerando cultura como um conhecimento transmitido socialmente e compartilhado por um grupo de pessoas, e a língua como um fenômeno social usado para transmitir informações, impregnadas de significado, a outros indivíduos, entendo que dificilmente língua e cultura podem ser separadas. Adicionar a aquisição de conhecimentos lingüísticos com o conteúdo de cultura apresenta algumas vantagens, pois a aliança língua-cultura constitui uma garantia de que os professores não podem privilegiar uma em detrimento da outra, sob pena de prejuízo de conteúdos. De acordo com os dados por mim coletados, os fatos (as regras) da língua são melhor assimilados quando os alunos são levados a uma situação cultural autêntica, em sala de aula. A segunda vantagem de tal procedimento é que a cultura motiva os alunos durante as aulas, em particular aqueles mais fracos, que passam a demonstrar mais interesse pelos conteúdos das aulas, por perceberem a razão e a utilidade imediata daquilo que estão estudando. O aluno é apresentado à vida real extraclasse. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BARATA, Maria Clara C. M. O Ensino de Cultura e a Aquisição de uma língua estrangeira. Pelotas (RS): II Encontro Nacional de Professores de LE, 2000. Mimeografado. BYRAM, Michaël. 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