“Ferro e exercício físico” Dr. Samuel Amorim, nutricionista da Seleção Nacional/Liberty Seguros Dr. Nuno Loureiro, médico da Seleção Nacional/Liberty Seguros Dentro dos micronutrientes com maior relevância no desporto destaca-se o ferro. Já na época da Grécia Antiga podemos verificar esta importância, através dos registos que referem a ingestão de grandes quantidades de carne por parte de atletas, considerada por estes como tendo propriedades ergogénicas (1). O ferro é um importante micronutriente que participa em diversas funções, das quais se destacam o transporte do oxigénio no sangue e músculos, bem como o seu envolvimento na produção de energia via fosforilação oxidativa (2). Uma deficiência em ferro poderá, então, reduzir o fornecimento de oxigénio aos músculos, bem como retardar algumas reacções metabólicas. No entanto, não há evidências claras de que uma deficiência em ferro sem anemia possa trazer prejuízo da performance desportiva. Já no caso da anemia por défice de ferro, o rendimento atlético será prejudicado (3). Os atletas (principalmente do sexo feminino e adolescentes) estão em maior risco de défice de ferro, principalmente os de modalidades de tipo endurance, devido a maiores perdas através de hemólise (destruição de glóbulos vermelhos), hematúria (perda de sangue na urina), suor e hemorragia gastrointestinal (particularmente se o atleta tomar uma grande quantidade de medicamentos anti-inflamatórios) (4). Indivíduos do sexo feminino necessitam de ingerir mais ferro (16mg por dia) do que indivíduos do sexo masculino (8mg por dia) essencialmente devido às perdas menstruais (5). Curiosamente, as atletas do sexo feminino geralmente têm necessidades energéticas inferiores, o que poderá dificultar o cumprimento das recomendações de ingestão de ferro. Ingestões sub-ótimas de ferro são frequentes em atletas que seguem um plano alimentar com baixo conteúdo calórico, dietas ricas em hidratos de carbono e dietas vegetarianas. Então, aqueles atletas em maior risco de depleção das reservas de ferro necessitam de desenvolver estratégias para manter os níveis adequados de hidratos de carbono e ajustar a alimentação no sentido de prevenir depleção das reservas de ferro. Noutras situações temos contribuição de fatores médicos/fisiológicos como possíveis causas de défice de ferro. Estes incluem: Aumento das necessidades de ferro (gravidez, pico de crescimento, aumento súbito da intensidade/duração de treino) Uso de medicação que diminui a acidez do estômago (antiácidos) Perdas de sangue (epistaxis recorrentes, menorragias, úlceras, uso crónico de antiinflamatórios) Perda de peso recente ou doença Défice de absorção do ferro (doença inflamatória intestinal, infeção bacteriana gastrointestinal – Helicobacter pylori) Caso os valores de ferritina (indicador das reservas de ferro) do atleta estejam abaixo do normal será importante prevenir que a deficiência em ferro progrida para anemia e uma das formas poderá ser através da alimentação. Na dieta alimentar, o ferro pode ser encontrado sob duas formas. O ferro não-heme encontra-se principalmente nos alimentos de origem vegetal, sendo a sua absorção muito variável dependendo de efeitos inibitórios ou promotores de absorção. O ferro heme é fornecido pelos alimentos de origem animal, sendo a sua absorção mais facilitada e rápida. O mecanismo de absorção do ferro heme é mais eficiente (5-35%) do que o ferro não-heme (2-20%) (6). A biodisponibilidade do ferro das dietas ocidentais é de aproximadamente 15% (14-17%). Em dietas com pouca ingestão de carne (50-100g/dia) é de 10 a 12%, enquanto nas dietas vegetarianas é de 5 a 12% (7). Alimento Ferro (mg/100g) Fígado porco grelhado 9,8 Damasco seco 5,8 Pato sem pele assado 4,5 Mexilhão cozido 4,1 Sardinha conserva 3,1 Feijão branco cozido 2,5 Ovo cozido 2,1 F F o nte: Tabela de Composição de Alimentos, INSA, 2006 A absorção do ferro não-heme é ainda influenciada pela presença de outras substâncias que podem potenciar (vitamina C e proteína) ou inibir (fitatos, polifenóis e cálcio) a absorção deste (6), como se pode verificar na tabela ao lado. O facto de alguns alimentos possuírem substâncias inibidoras da absorção do ferro não justifica a eliminação destes da dieta alimentar do atleta. Absorção do Ferro Potenciadores Inibidores Alimentos ricos em Vitamina C (pimentos, kiwi, laranja, limão..) Alimentos ricos em Fitatos (cereais integrais, leguminosas) Alguns alimentos ricos em proteína (carne e peixe) Alimentos ricos em Polifenóis (Chá, café, cacau, vinho tinto) Alimentos ricos em Cálcio (Leite e derivados) Num estudo realizado em jovens atletas Alemães (n=193) de diversas modalidades desportivas verificou-se que em atletas do sexo feminino baixos níveis de ferritina estavam significativamente associados com uma ingestão alimentar com reduzida densidade nutricional de ferro. Quando a densidade nutricional do ferro era superior a 6mg por 1000kcal, o que representa uma dieta típica ocidental, o risco de baixo nível de ferritina era 2 a 3 vezes menor. No sexo masculino, verificou-se que os atletas com níveis de ferritina mais baixo eram os que tinham gasto energético superior (8). Atletas do sexo feminino que pretendam perder ou manter determinados níveis de massa gorda podem ser levadas a evitar determinados alimentos ricos em ferro heme, como as carnes vermelhas, devido ao teor de gordura e ao risco potencial de cancro do cólon (9). No entanto, quanto ao risco de cancro do cólon, considera-se segura a ingestão até 500g de carne vermelha (peso após confecção) por semana, evitando produtos processados de carne vermelha (10). Principais conselhos nutricionais, a reter, para evitar um défice de ferro: Incluir ferro heme (de origem animal) de forma regular nas refeições Incluir pequenas quantidades de carne vermelha, 3 a 4 vezes por semana Ocasionalmente (2 em 2 semanas) incluir alimentos como vísceras (fígado) e marisco Incluir alimentos ricos em ferro não-heme (frutos secos, ovos, nozes, sementes) em refeições, especialmente quando alimentos ricos em ferro heme não são ingeridos Incluir alimentos potenciadores da absorção do ferro, como por exemplo: incluir sumo de laranja natural com cereais de pequeno-almoço ou uma salada com pimentos ou sumo de limão em entradas (utilizar alimentos ricos em vitamina C na sua forma natural pois a vitamina C degrada-se facilmente com a temperatura elevada, luz e oxigénio) Reduzir a quantidade de farelo de trigo (fitatos); reduzir quantidade de chá/café às refeições (flavonóides) Se ingerir leite e/ou derivados, ter em atenção as quantidades totais e preferir a sua ingestão em refeições que não contenham alimentos ricos em ferro (cálcio) Quando as reservas de ferro estão diminuídas, uma dieta rica em ferro, de forma isolada é algumas vezes, insuficiente para repor rapidamente os níveis de ferro. Nestes casos, os suplementos de ferro podem ajudar a esta correção e devem ser ingeridos, no mínimo, durante um período de 3 meses, sendo a dose variável de indivíduo para indivíduo. A ingestão conjunta de Vitamina C (como referido previamente) aumenta de forma importante a absorção do ferro. A suplementação com compostos de ferro é recomendada e geralmente prescrita em situações de défice de ferro e anemia. Infelizmente, uma vasta maioria de atletas acredita que tomar suplementos de ferro irá aumentar o número de glóbulos vermelhos com uma melhoria da performance física. Os atletas devem então, ser desencorajados a se auto-medicar com compostos de3 ferro, já que estes podem provocar uma sobrecarga deste micronutriente (pode agravar a produção de espécies reativas de oxigénio, associadas ao stress oxidativo, com prejuízo para tecidos e órgãos) e importantes défices de cobre e zinco, devendo então procurar aconselhamento Médico especializado, com o objetivo de se descobrir a causa e assim se traçar o melhor plano terapêutico, no combate a este défice, que muito pode contribuir para a diminuição do rendimento desportivo(2). Referências bibliográficas: 1. Grandjean AC. Diets of elite athletes: has the discipline of sports nutrition made an impact? The Journal of nutrition. 1997;127(5 Suppl):874S-7S. 2. Latunde-Dada GO. Iron metabolism in athletes--achieving a gold standard. European journal of haematology. 2013;90(1):10-5. 3. Peeling P, Dawson B, Goodman C, Landers G, Trinder D. Athletic induced iron deficiency: new insights into the role of inflammation, cytokines and hormones. European journal of applied physiology. 2008;103(4):381-91. 4. Zoller H, Vogel W. Iron supplementation in athletes--first do no harm. Nutrition. 20. United States2004. p. 615-9. 5. Trumbo P, Yates AA, Schlicker S, Poos M. Dietary reference intakes: vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium, and zinc. J Am Diet Assoc. 101. United States2001. p. 294-301. 6. Beard J, Tobin B. Iron status and exercise. The American journal of clinical nutrition. 2000;72(2 Suppl):594S-7S. 7. Hurrell R, Egli I. Iron bioavailability and dietary reference values. The American journal of clinical nutrition. 91. United States2010. p. 1461S-7S. 8. Koehler K, Braun H, Achtzehn S, Hildebrand U, Predel HG, Mester J, et al. Iron status in elite young athletes: genderdependent influences of diet and exercise. European journal of applied physiology. 2012;112(2):513-23. 9. McClung JP. Iron status and the female athlete. J Trace Elem Med Biol. 26. Germany2012. p. 124-6. 10. McMichael AJ. Food, nutrition, physical activity and cancer prevention. Authoritative report from World Cancer Research Fund provides global update. Public Health Nutr. 11. England2008. p. 762-3.