Arqshoah mostra a postura do Brasil diante do Holocausto
Portal vai tornar público documentos oficiais do governo brasileiro diante do antissemitismo e da perseguição aos judeus desde a
ascensão de Hitler
Agência USP
A partir deste sábado (17), estará disponível na internet o Arquivo Virtual do
Holocausto e Antissemitismo (Arqshoah), um projeto Laboratório de Estudos de
Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP .
O Portal vai tornar público documentos oficiais que revelam a postura do governo
brasileiro diante do antissemitismo e da perseguição aos judeus desde a ascensão de
Hitler ao poder na Alemanha em 1933. Além de importantes documentos produzidos
por diplomatas durante a Segunda Guerra Mundial, o arquivo vai disponibilizar
testemunhos e inventários dos sobreviventes do Holocausto que vivem no Brasil. O site
conta também com farto material didático para professores trabalharem o tema em sala
de aula, além de vídeos das entrevistas com os sobreviventes e uma biblioteca virtual,
entre outros materiais.
O projeto tem a coordenação da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, do
Departamento de História da FFLCH. O Arqshoah vai tornar pública uma vasta
documentação conseguida ao longo de 30 anos de pesquisas da professora Maria Luiza
por arquivos do Brasil e do exterior. A inauguração do portal vai acontecer durante a X
Jornada Interdisciplinar sobre o Ensino da História do Holocausto, em Curitiba.
"Queremos sensibilizar a opinião pública e acadêmica para a história do Brasil
contemporâneo relacionada à perseguição nazista aos judeus e ao antissemitismo", conta
a coordenadora do projeto. O Portal terá ainda uma galeria com os nomes e histórias das
pessoas que ajudaram a salvar judeus da perseguição; as rotas de fuga usadas pelos
refugiados, um link para os artistas e intelectuais judeus que se refugiaram no Brasil,
além de um inventário de sobreviventes, contendo dados pessoais, documentos como
passaportes, fotografias, passagens de navio, etc, e uma bibliografia sobre o tema. Há
também espaço reservado para documentação e estudos sobre ciganos, homossexuais e
Testemunhas de Jeová, minorias também excluídas pela política intolerante da
Alemanha nazista.
Postura ambígua
De acordo com Maria Luiza, o governo brasileiro teve uma postura pública ambígua
diante do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial. Se por um lado, na Liga das
Nações, o governo se posicionava como solidário ao que acontecia com os judeus na
Europa e se comprometia a fornecer, por mês, 3 mil vistos de entrada para esses
refugiados, internamente a posição era oposta.
A pesquisadora cita vários ofícios secretos do Ministério das Relações Exteriores
direcionados a diplomatas brasileiros em que é clara a recomendação de dificultar ao
máximo a entrada de judeus no Brasil, por serem eles "indesejáveis por sua raça
semita". Milhares de vistos foram indeferidos por não serem os judeus arianos puros,
conforme demonstra os documentos inseridos no portal do Arqshoah.
De acordo com a professora, existe um certo distanciamento por parte de educadores,
pois nas salas de aula eles sempre abordam o Holocausto como um adendo da Segunda
Guerra Mundial. "A idéia é romper esse distanciamento, quebrar o silêncio imposto
pelas histórias oficiais oferecendo aos professores material didático que favoreça o
ensino e o debate sobre o Holocausto enquanto genocídio singular e crime contra a
Humanidade. O material foi produzido por especialistas em múltiplas áreas do
conhecimento: teatro, cinema, história, literatura, psicologia, etc.", comenta.
Um dos exemplos de como o tema pode ser abordado pelos professores é a carta de
Fajga Rajzla Boguchwal, uma garota de 10 anos que morava na cidade de Opatow, na
Polônia, junto com a mãe e a irmã de sete anos. Em 1938 ela escreve uma carta para a
embaixada brasileira em Varsóvia em que, literalmente, implora por um visto de entrada
no Brasil, país onde seu pai estava refugiado havia meses. Outro exemplo são os
discursos de Thomas Mann divulgados pela BBC de Londres (1940-1945). Tanto a
carta como os discursos foram transformados em peças teatrais pela pesquisadora Leslie
Marko, uma das integrantes do Arqshoah/LEER.
Conscientização
Para a professora Maria Luiza, a idéia central do Arquivo Virtual é sensibilizar o
internauta e mostrar o perigo e a extensão da aplicação das idéias antissemitas,
principalmente enquanto elas são acionadas como instrumentos de poder do Estado. "É
uma forma de alertar o consulente de que aquela situação não pode acontecer
novamente e nem pode ser negada por revisionistas, neonazistas e outros grupos da
extrema direita, como acontece hoje em dia", aponta a pesquisadora.
Maria Luiza destaca também o papel do historiador que é o "de procurar conscientizar a
sociedade da importância de se reavaliar o passado, interpretar o presente e investir em
um futuro melhor". Para ela, "cabe ao historiador reescrever a história, que muitas vezes
está comprometida com as versões oficiais que negam a verdade histórica e procuram
anular a identidade de um povo. Daí a importância da abertura dos arquivos ditos
"secretos" e "confidenciais" e a divulgação de documentos até então desconhecidos.
Este é um dos objetivos do Arqshoah: tornar público parte destes documentos já
disponibilizados por alguns arquivos, mas até então inéditos", destaca.
O Arquivo Virtual do Holocausto e Antissemitismo tem apoio da Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), das Pró-Reitorias de Cultura e Extensão
Universitária e de Pesquisa da USP, da B'Nai B'rith, do LEER e da Cyrela Brazil. Além
destes apoios, o projeto abriu o segmento "Adote um bolsista", direcionado para a
captação de recursos junto a empresas e fundações interessadas em participar da
iniciativa.
Site http://www.arqshoah.com.br
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