VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 1 LOCUTORES: A CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE NO GÊNERO MIDIÁTICO Cleide Emília Faye Pedrosa Universidade Federal de Sergipe (UFS) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Abstract The objective of this paper is to identify and analyze the speaker’s identity and his construction on ‘Quotation’ genre ((Tudo - 09/11/01) “É chato você ter que fazer força para trabalhar” Cazé Pessanha, apresentador de TV, que não quer renovar com a Globo porque seu quadro não vai ao ar). This investigation will use theory and methodology of Critical Discourse Analysis. The data are of five Brazilian magazines: Contigo, Época, Istoé, Tudo and Veja Key-words: speakers; construction’s identity; ‘Quotation’ genre; Critical Discourse Analysis 1. Introdução O objetivo desta investigação é identificar e analisar a construção da identidade do Locutor no gênero ‘Frase’. A pesquisa será orientada pela teoria e metodologia da Análise Crítica do Discurso (ACD) e especificamente nos trabalhos de Fairclough (2001, 2003) e de Leeuven (1998). Os modelos de construção da identidade e representações dos atores sociais será utilizado de forma resumida, tendo os textos do gênero ‘Frase’ como exemplos-base. Esse gênero apresenta dois processos de produção textual que lhe são peculiares: a retextualização e a (re)contextualização. E é através desses dois processos que os editores construirão a identidade dos atores sociais evocados nesse gênero. 2. Metodologia A seleção dos dados para esse experimento foi com base em cinco revistas nacionais: Contigo(C), Época (E), Istoé (I), Tudo (T) e Veja(V). O contato com esse material foi feito de forma assistemática para o ano 2000 e sistemática para o ano 2001. A partir de 2002 também utilizamos os dados de forma assistemática. Os exemplares textuais são utilizados individualmente e em um corpus comparativo. 3.Desenvolvimento 3.1 O gênero ‘Frase’ A nomeação do gênero ‘Frase’ com o uso de aspas simples tem função desambiguizadora, para nos afastar de uma leitura sintática do termo e nos remeter a um gênero que se situa no domínio jornalístico. Dentre as variedades de gêneros do domínio jornalístico, a ‘Frase’ se destaca por apresentar textos curtos, atrativos para qualquer leitor VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 2 ((Tudo - 09/11/01) “É chato você ter que fazer força para trabalhar” Cazé Pessanha, apresentador de TV, que não quer renovar com a Globo porque seu quadro não vai ao ar). Optamos por nomear ‘Frase’, tendo em vista a maioria das revistas utilizarem esse termo por ocasião da identificação do gênero na seção (Pedrosa, 2002 a, b). De acordo com Swales (1990), uma nomenclatura de uma comunidade de discurso para os gêneros é uma fonte importante de instrução (insight) e valiosas comunicações etnográficas. Segundo a perspectiva que estamos trabalhando aqui, o gênero ‘Frase’ é constituído de dois processos, a retextualização e a (re)contextualização. Os dois são de responsabilidade do editor (Pedrosa, 2004). No primeiro processo, o editor seleciona a ‘fala’ do locutor a partir de um evento comunicativo mais amplo e a retextualiza segundo critérios bem subjetivos, pois verificamos que as ‘falas’ não são transcritas, como o uso das aspas poderia sugerir, mas retextualizadas segundo preferências lexicais, sintáticas, semânticas, pragmáticas e ideológica do editor. No processo de (re)contextualização, o editor deixa transparecer que está recuperando, para o leitor, o contexto lingüístico (cotexto) e situacional do evento comunicativo de onde selecionou a ‘fala’, com o fim de que esse leitor tenha condições de entender a ‘frase’. Como a prática de recuperar o contexto situacional é feita a partir da releitura que o editor faz do evento comunicativo em foco, preferimos usar o termo (re)contextualização, pois verificamos que, para atender interesses editoriais da revista, a ‘fala’ é descontextualizada para depois ser contextualizada. 3.2 Locutores: a construção de sua identidade Os discursos são diferentes representações da vida social, cuja posição se acha determinada de forma intrínseca, os atores sociais de diferente posição ‘vêem’ e representam a vida social de distintas maneiras, com discursos diferentes. “As pessoas que diferem por sua classe social, por seu gênero, por sua nacionalidade, por seu pertencimento ético ou cultural, por sua experiência de vida geram ‘realizações’ de uma posição concreta.” (Fairclough, 2003: 182, TN) Fairclough (2001) destaca a construção das identidades sociais através de sua posição no discurso e que para estabelecer essa posição no discurso, é necessário negociar as relações sociais com os outros participantes. Assim, ele apresenta três aspectos dos efeitos construtivos do discurso correspondente a três funções da linguagem: VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 3 1o – função identitária: construção de identidades sociais, posições do sujeito, e sujeitos sociais, e tipos de ‘eu’. Tem a ver com os modos pelos quais as identidades sociais são situadas no discurso. 2o – função relacional: construção das relações sociais. Seu objetivo é verificar como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas. 3o – função ideacional: relaciona-se as maneiras pelas quais os textos significam tanto o mundo e seus processos, quanto entidades e relações. É fácil identificar que essas três funções da linguagem corroboram a visão do sujeito defendida pela ACD. A construção da identidade social ocorre no e para um discurso específico. Situar essas identidades sociais nesse discurso, acompanhando seu ethos, sua ‘face’, é uma forma de estabelecer as relações sociais entre as diversas vozes que são representadas no texto. Como esse gênero que estamos trabalhando se caracteriza por ser um texto de produção complexa (Pedrosa, 2002 c), pois é o editor que seleciona e retextualiza a ‘fala’ do locutor, vamos verificar que as identidades sociais do locutor são construídas pela ‘manipulação’ de sua ‘fala’ pelos diferentes editores: (T - 09/11/01) “É chato você ter que fazer força para trabalhar” Cazé Pessanha, apresentador de TV, que não quer renovar com a Globo porque seu quadro não vai ao ar (I/505– 07/11/01) “Minha experiência na emissora não foi o que eu esperava. É chato ter de fazer força para trabalhar, e é isso o que acontece” Cazé Pessanha, apresentador, que não vai renovar seu contrato com a Rede Globo (V/766– 07/11//01) "Quero é sair daqui." Cazé, apresentador de TV, que não terá seu contrato renovado com a Globo Nos exemplos acima, a seleção e a retextualização são bem subjetivas, sendo uma tarefa de inteira decisão do editor. Confirmemos as variações nos exemplos (“É chato você ter que fazer força para trabalhar”/ “Minha experiência na emissora não foi o que eu esperava. É chato ter de fazer força para trabalhar, e é isso o que acontece”/ ."Quero é sair daqui). Até mesmo os fragmentos da ‘fala’ (sublinhada) que se aproximam na retextualização apresentam duas diferenças básicas: o uso do sujeito explícito ‘você’ e a substituição de conectores – ‘de’ e ‘que’. No caso do uso de ‘você’, verificamos que o locutor opta por utilizá-lo de forma indeterminada (“É chato você ter que fazer força para trabalhar”), enquanto o editor, de maneira determinada (Cazé Pessanha, apresentador de TV ....(T 09/11/01)), explicitando o locutor. Logo em seguida, o editor (re)contextualiza a ‘fala’, quase sempre segundo sua visão de mundo. Esta tarefa de (re)contextualização é tão pessoal, que não garante para o leitor que VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 4 o ‘contexto’ do evento comunicativo mais amplo foi realmente recuperado para que ele interprete ou faça sua leitura, porquanto o que existe, em nosso ponto de vista, é a leitura do editor. Segundo as palavras de Orlandi (2001:76), “O leitor tem sua identidade configurada enquanto tal pelo lugar social em que se define ‘sua’ leitura, pela qual, aliás ele é considerado responsável.”. Então, pelo que parece, nesses exemplares de texto, o leitor fica lesado em sua posição ou lugar social de onde deveria definir sua leitura, logo conseqüentemente em sua identidade. Os (re)contextos dos exemplos foram agrupados de acordo com o grau de subjetividade ou afastamento que o editor outorga ao locutor em relação ao evento-tema gerador da ‘fala’. No (re)contexto do editor de Tudo, ‘Cazé Pessanha, apresentador de TV, que não quer renovar com a Globo porque seu quadro não vai ao ar (T - 09/11/01)’, o editor deixa explícito, através da escolha lexical – verbo ‘querer’- que a decisão de renovar o contrato (implícito) é do apresentador e não da emissora. Já no (re)contexto da revista IstoÉ, ‘Cazé Pessanha, apresentador, que não vai renovar seu contrato com a Rede Globo’- (I/505– 07/11/01), a questão do poder de renovação fica ambíguo – o apresentador não vai renovar porque não quer/ ou porque não é de interesse da emissora. Enquanto no último (re)contexto, ‘Cazé, apresentador de TV, que não terá seu contrato renovado com a Globo’ – (V/766– 07/11//01), o locutor perde totalmente sua subjetividade, e o ‘contrato’ é topicalizado; assim, o locutor sai de cena e a emissora passa a ter a ação e o ‘contrato’ a sofrer essa ação. Embora tenhamos observado diferentes práticas discursivas ao (re)contextualizar a ‘fala’ do Locutor, uma prática foi comum por parte dos editores; o fato de buscar proteger a ‘face’. Resta-nos definir se foi a ‘face’ do locutor ou da instituição. Aparentemente a ‘face’ do locutor foi protegida, pois ou recai nele ou no contrato o poder de renovar ou ser renovado. Contudo, em uma análise mais acurada, percebe-se que o que ocorreu foi a proteção da face da emissora, pois, ao não explicitar seu poder de renovar ou não os contratos, deixa-se passar uma imagem de sociedade democrática em que as pessoas, e não as instituições, têm o poder de decisão sobre sua vida. Um gênero é definido como apresentando uma ‘estrutura composicional’ ou um tipo de atividade particular. E um tipo de atividade pode ser mencionado em termos de uma seqüência estruturada de ações das quais ele é composto, e em termos dos participantes que estão envolvidos na atividade – ou seja, o conjunto de posições de sujeito que são construídas socialmente e reconhecidas em veiculação com o tipo de atividade. Verificamos, nos exemplos analisados, que o sujeito nos três casos (autor real, apenas um – Cazé) assumiu VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 5 posições diferentes, ou melhor, foi colocado em posições diferentes pelos processos de retextualização e (re)contextualização desenvolvidos pelos editores. Na visão dialética, apresentada por Fairclough (2001), da relação entre discurso e subjetividade, os sujeitos são posicionados e constituídos no discurso, mas também são transformadores, à medida que se envolvem na prática contestadora e reestruturadora das estruturas discursivas (ordem do discurso) que os posicionaram. Se tomarmos os locutores como sujeitos do seu dizer no gênero textual ‘Frase’, então vamos verificar que aspectos dessa visão dialética, defendida pela ACD, ficam prejudicados em relação ao sujeito-locutor, tendo em vista não lhe ser ‘possível’ contra-argumentar a retextualização e a (re)contextualização elaboradas pelo editor. O exemplo citado vem legitimar uma citação de Fairclough (2001:121) “O equilíbrio entre o sujeito ‘efeito’ ideológico e o sujeito agente ativo é uma variável que depende das condições sociais, tal como a estabilidade relativa das relações de dominação”. 3.3 Locutores: seu papel social Interessante na abordagem do papel social do sujeito é o trabalho desenvolvido por Leeuven (1998) sobre a representação dos atores sociais. Uma teorização dos sujeitos sociais ou uma compreensão da construção social e psicológica dos indivíduos é essencial na problematização teórica da ACD (Pedro, 1998 a). O sujeito é conceitualizado na ACD como um agente tanto construído ‘por’ como responsável pela constituição dos processos discursivos “a partir da sua natureza de ator ideológico”. Busca-se, por um lado, descrever, analisar e interpretar estruturações de poder e dominação, a sua reprodução em e através dos textos e os efeitos que produzem nas possibilidades da ação individual e, por outro lado, (busca-se) (...) entender e mostrar que eventuais possibilidades de liberdade de ação estão disponíveis para os falantes (Pedro, 1998 a: 27). É importante diferenciar os papéis desempenhados pelos atores sociais nas práticas sociais e os papéis gramaticais. “As representações podem recolocar os papéis e rearranjar as relações sociais entre os participantes; podem, digamos, dar aos atores sociais papéis ativos e/ ou passivos” (Pedro, 1998 a: 35). Ainda nas palavras da autora: O poder (...) pode ser conceitualizado como o conjunto de assimetrias entre participantes nos acontecimentos discursivos, a partir da eventual capacidade desigual desses participantes para controlar a produção dos textos, a sua distribuição e o seu consumo – e, portanto, a forma dos textos – em contextos socioculturais particulares (Pedro, 1998 a: 35). Torna-se óbvio, que nos acontecimentos discursivos do gênero ‘Frase’, a relação entre locutor e editor é bem assimétrica, bem como a relação leitor e editor, pois cabe a este último VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 6 controlar a produção desse exemplar textual, além da forma como eles serão consumidos pelos leitores. Voltando aos papéis sociais e gramaticais dos sujeitos, podemos contrapor os posicionamentos de teorias lingüísticas atuais e o posicionamento da ACD. Nos utilizaremos para tal das palavras de Kress: Relacionado com a constituição ‘a-histórica’ e a-social’ das teorias lingüísticas atuais e, necessariamente, parte dessa posição teórica, é o fato de a lingüística não ter tido em conta o utente lingüístico individual como sujeito formado social e culturalmente. Um utente lingüístico não chega à linguagem como indivíduo não formado e cultural ou socialmente vazio; chega com uma história social particular e uma história lingüística particular (Kress, 1998: 64). A fim de identificar esses utentes ou ‘dizentes’ e sua representação social como locutores individuais ou institucionais, ou seja, assumindo individualmente a sua voz ou usando a sua voz para representar uma instituição no gênero textual ‘frase’, vamos também legitimar essa visão da ACD com o ponto de vista validado por Leeuven (1998: 171), “Preferia, então, perguntar: como é que os ‘dizentes’ podem ser representados – impessoais ou pessoalmente, individual ou coletivamente, através de referência à sua pessoa ou ao seu enunciado, etc.” O autor aponta que a autoridade dos enunciados está em estreita ligação com a condição ou papel social e oficial dos ‘dizentes’ e/ou do gênero. Do quadro desenvolvido por Leeuven (1998: 219), para representar os atores sociais, vamos utilizar tão somente algumas de suas categorias. Um aspecto da representação, entre outros, que é destacado por Leeuven (1998), diz respeito à escolha entre referência genérica e específica, podendo os atores sociais surgir como classes ou como indivíduos particulares e identificáveis. Eles são representados diversamente de acordo com os setores da imprensa ou para quais leitores se dirigem. Nos meios de comunicação para a classe média, os agentes e especialistas governamentais, quase sempre, são referidos nomeadamente, e as pessoas comuns genericamente. Caso que se confirma com nosso material de análise. São raros os casos em que se especificam os atores sociais comuns pelo nome, e quando o fazem, há a indicação, por meio de um aposto sobreposto, de uma pessoa de reconhecimento social, ou alguém famoso a quem essa pessoa comum está ligada. Observemos a estratégia utilizada pelo editor para identificar um locutor não muito conhecido. (Istoé – 23/02/2000) “ Não quero que o guri saia da barra da minha saia .” Dona Marcelina, mãe do jogador Ronaldinho Gaúcho, que não se animou com a proposta milionária do Barcelona (US$ 60 milhões ) pelo passe de seu filho. As representações dos locutores podem ser vistas pelos aspectos da indeterminação, “quando os atores sociais são representados como indivíduos ou grupos não-especificados e VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 7 ‘anônimos’” e da “determinação (...) quando a sua identidade é, de uma ou de outra forma especificada. A indeterminação realiza-se tipicamente através de pronomes indefinidos (...) usados numa função nominal” (Leeuven, 1998: 198, 199, grifo do autor). Quadro das representações dos locutores Representações anônimas Representações impessoais/ institucionais Representações pessoais: Representações coletivas (Veja/592 – 08/08/01) "O pior são as baratas." De um guarda do Palácio da Alvorada, para os jornalistas que se assustaram com a presença de ratos na residência oficial do presidente (Época, 25/06/01) “Todo acidente grave é singular porque adiciona vários elementos que assim se encontram somente uma vez.” (Trecho do relatório da Petrobrás sobre o afundamento da plataforma P-36) (V/123 – 21/02/01) "Se ficarem de fora, será a primeira vez em 500 anos." Miro Teixeira, deputado do PDT, sobre a possibilidade de o PFL ficar ausente da composição das mesas da Câmara e do Senado (V/069 – 31/01/01) "Orlando vai morrer! Orlando vai morrer!" Coro no Rock in Rio para o ator Henrique Pagnoncellis, que interpreta Orlando, o amante de Capitu na novela Laços de Família Leeuven continua estabelecendo categorias para as representações sociais e afirma que “A diferenciação diferencia explicitamente um ator social individual ou um grupo de atores de um ator ou grupo semelhante, criando a diferença entre o ‘self’ (próprio) e o ‘other’ (outro), ou entre ‘us’(nós) e ‘them’ (eles), como com ‘others’ (outros)” (Leeuven, 1998: 199). Explicação que pode ser confirmada com o exemplo abaixo, quando o locutor se diferencia por pertencer a um grupo que se distingue de outro componente do mesmo grupo pela questão de tempo em que está no exercício da profissão a que faz menção. (I/054 – 07/02/01) “Se uma atriz iniciante me pedisse conselhos, eu diria: cuide do bumbum e tenha um filho com um jogador de futebol” Irene Ravache, atriz, sobre os critérios usados pelos diretores para escalar novas atrizes Para Leeuven (1998), os atores sociais podem ser nomeados, quando são representados em sua identidade única; ou podem ser categorizados, quando são representados por meio de identidades e funções que compartilhar com outros. Precisamos verificar esse aspecto, considerando o tipo de leitor para quem a revista é dirigida. Segundo o próprio Leeuven, se um jornal é de classe média vai nomear um locutor com um estatuto elevado, já o jornal de classe trabalhadora nomeia pessoas comuns. O Diário de Pernambuco (DP) estabelece essa diferença entre pessoas comuns e de estatuto elevado através da separação de suas ‘falas’ em seções diferentes, prática que estabelece uma linha divisória clara entre as vozes reconhecidas e não reconhecidas. E ainda em relação aos locutores comuns, o jornal não identifica sua posição social nem interpreta sua ‘fala’, nem faz uma VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 8 leitura do evento comunicativo mais amplo ((re)contextualização). A seção ‘Frases’ é usada para pessoas de reconhecimento público, e a seção ‘Falou e Disse’ para pessoas sem reconhecimento público. Os exemplos que utilizaremos estão veiculados no caderno A2, de 15 de abril de 2004. Vejamos: ‘Frase’ (DP – 15/04/04) O Governo Federal está emperrando o andamento da Reforma Agrária. Para uns temas, como cobrar INSS dos aposentados tudo muito rápido. Ronaldo Caíado, deputado (PFL – GO), criticando a falta de agilização na Reforma Agrária. ‘Falou e Disse’ (DP – 15/04/04) “A violência em Pernambuco vem maculando acentuadamente a imagem de nosso Estado em âmbito nacional e internacional.” Frederico Tadeu Carneiro – Recife A nomeação ocorre caracteristicamente por meio de nomes próprios, podendo ser “formal (apenas o apelido/ (sobrenome), com ou sem honoríficos), semiformal (nome próprio e apelido/ (sobrenome)...) ou informal ( apenas o nome próprio...). Ocasionalmente ocorre aquilo a que podemos chamar ‘ocultação do nome’: letras ou números substituem nomes (...) de modo a que a nomeação possa ter significado enquanto o nome é, ao mesmo tempo, ocultado.” (Leeuven, 1998: 201, negrito corresponde a tradução nossa). Quadro de nomeação dos locutores Nomeação formal Nomeação semiformal Nomeação informal (V/022 – 17/01/01) "Acho que nós, brasileiros, ainda não entendemos que a política externa é interna." Fernando Henrique Cardoso, presidente da República, explicando que o que acontece lá fora repercute aqui dentro (Vr/015 – 26/12/01) "Não sei se esse contubérnio vai durar até 2002." Leonel Brizola, sobre o ingresso de Anthony Garotinho no PSB de Miguel Arraes (Veja rretrospectiva/005 – 26/12/01) "Exportar ou morrer." FHC, anunciando a nova prioridade do governo O autor trabalha mais duas categorias de representação dos atores sociais, a funcionalização e a identificação. A funcionalização é uma atividade, enquanto a identificação é uma classificação relativamente permanente (sexo, por exemplo). “A funcionalização ocorre quando os atores sociais são referidos em termos de uma atividade, em termos de alguma coisa que fazem, por exemplo, uma ocupação ou função. (Leeuven, 1998: 202).” (I/035 – 31/01/01) “O Carnaval mudou, os desfiles privilegiam o espetáculo visual em detrimento do samba, do ritmo e do povo cantando” Paulinho da Viola, sambista A identificação acontece quando os atores sociais são definidos não por aquilo que fazem, porém por meio daquilo que, permanente ou inevitavelmente, são. Leeuven (1998) distingue três tipos: classificação, identificação relacional e identificação física. VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 9 Classificação: inclui os aspectos de idade, sexo, origem, classe social, riqueza, raça, etnicidade, religião, orientação sexual entre outros. O exemplo escolhido dá conta dos aspectos: sexo, idade, classe social, origem etc (V/604 – 08/08/01) "É a Xuxa que vem aí?" Michael Freitas, garoto de 8 anos, do subúrbio carioca de Vicente de Carvalho, vendo o tumulto provocado pela visita de Cherie Blair, mulher de Tony Blair, a uma instituição local identificação relacional: tipo de identificação que representa os atores sociais em sua relação de parentesco ou relação de trabalho. (I/182 – 21/04/01) “Acho que o Lula deveria ser mais democrático e deixar as pessoas expor suas idéias” Supla, filho de Marta e Eduardo Suplicy, sobre a vontade de seu pai de disputar pelo PT uma pré-candidatura à Presidência da República identificação física: esse tipo de identificação individualiza os atores sociais em suas características físicas. (V/564 – 25/07/01) "Eu botei silicone porque estava chegando à fase em que o peito cai na sopa." Helô Pinheiro, a cinqüentona Garota de Ipanema O fato de identificar o Locutor como sendo ‘cinqüentona’ pode deixar transparecer ‘uma aparente inocência empírica’ como afirma Leeuven (1998: 206), pois mesmo quando uutilizada com o objetivo de classificação, a categoria de identificação física continua distinta, por causa de sua obliqüidade, sua sobredeterminação. Ainda abordando a categorização dos atores sociais, Leeuven (1998) aponta a ‘sobredeterminação’ como uma prática que acontece quando esses atores são representados como participando de mais de uma prática social concomitantemente. Os tipos de sobredeterminação apontados pelo autor são: inversão, simbolização, conotação e destilação. Inversão : os atores estão ligados a duas práticas que, de certa maneira, se contrapõem. (I/287 – 27/06/01) “Jesus era muito louco, não tinha esse rigor” Monique Evans, modelo, explicando que a igreja evangélica à qual pertence permite o uso de minissaia Simbolização: “ocorre quando um ator social ou um grupo de atores sociais ‘ficcionais’ representam atores ou grupos em práticas sociais não-ficcionais. (Leeuven, 1998: 212).” Poderíamos pensar em situações contrárias em nosso material de análise, quando o editor utiliza a fala de personagens ficcionais no lugar do autor na vida real. (C – 07/08/01) “Ataíde, sua vida sexual é que nem jogo de Seleção Brasileira: acontece uma vez por mês e tem resultado desastroso!” Caco Antibes, personagem de Miguel Falabella no Sai de Baixo, dia 29. VII Encontro Nacional de Interação em Linguagem Verbal e Não-Verbal I Simpósio Internacional de Análise de Discurso Crítica 10 Conotação: acontece quando uma só determinação (nomeação ou identificação física) corresponde a uma classificação ou funcionalização. Sem exemplo em nosso corpus. Destilação: “A destilação é (...) uma forma de sobredeterminação que liga atores sociais a várias práticas sociais, abstraindo a mesma característica dos atores sociais envolvidos nestas práticas (Leeuven, 1998: 214).” (I/171 – 17/04/01) “Recebemos uma golfada de e-mails e nem todos são denúncias. Há até desabafos. Estou pensando em criar uma seção chamada ombro amigo” Anadyr de Mendonça Rodrigues, corregedora-geral da União O quadro desenvolvido e apresentado por Leeuven (1998) mostra quais são as principais estratégias pelas quais os atores sociais podem ser representados no discurso. Como o próprio Leeuven justifica: (...) nas práticas discursivas reais, as escolhas não precisam de ser sempre rigidamente alternativas. As fronteiras podem ser deliberadamente tênues, com o intuito de alcançar efeitos representacionais específicos, e os atores sociais podem, por exemplo, ser não só classificados como também funcionalizados. Nestes casos, no entanto, as categorias permanecem úteis para tornar explícito como é que os atores sociais são representados (Leeuven, 1998: 216). 4. Conclusão A vantagem de trabalhar com essa rede de sistema proposta pelos autores (Fairclough e Leeuwen), é que ela articula o que os lingüistas tendem a afastar: abarca uma série de sistemas lingüísticos diferentes, em nível léxico-gramatical, e em nível do discurso, poi considera que todos esses sistemas estão envolvidos na verificação e realização das representações dos atores sociais. Bibliografia FAIRCLOUGH, Norman. 2003. “El análisis crítico del discurso como método para la investigación en ciencias sociales”. In: WODAK, Ruth e MEYER, Michel. Métodos de análisis crítico del discurso. Barcelona: Gedisa, p. 179 – 203. _____. 2001. Discurso e mudança social. Brasília: UnB. KRESS, Gunther. 1998. Considerações de caráter cultural na descrição lingüística: para uma teoria social da linguagem. In: PEDRO, Emília Ribeiro (org.). 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