MARISTELA MACEDO POLEZA MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983 Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional na Universidade Regional de Blumenau, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional. Dra. Beate Frank - Orientadora BLUMENAU 2003 MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983 Por MARISTELA MACEDO POLEZA Dissertação aprovada para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional pela banca examinadora formada por: Presidente: ________________________________________________ Prof. Dra. Beate Frank – Orientadora, FURB Membro: _______________________________________________ Prof. Dr. Lino Fernando Peres Bragança, 1o.Examinador, UFSC Membro: ________________________________________________ Prof. Dr. Ivo Theis, 2o. Examinador , FURB _________________________________________ Coordenador do PPGAd: Prof. Blumenau, dezembro, 2002. AGRADECIMENTOS Gostaria de externar meus sinceros agradecimentos: À AMAVI, por ter me possibilitado todas as condições necessárias para a elaboração desta pesquisa, idem aos colegas de trabalho, pelo apoio imprescindível; Ao professor Marcos Antônio Mattedi, estimulador da pesquisa e orientador até sua saída para estudos fora do país; A Márcio Lucas por disponibilizar gentilmente sua atenção e material da Defesa Civil; Aos amigos Mariel Tambosi, Gilmar Triches e professor Paulo de Souza, companheiros agradáveis das inúmeras viagens a Blumenau; À estagiária Carla Ferrari pela ajuda na elaboração dos mapas e Vanda M. Lucktemberg por garantir a rotina de meu escritório; Ao meu pai, pela ajuda na pesquisa histórica e a minha mãe pela preocupação com as viagens; À Marina, caloura de Arquitetura e Urbanismo, que me serve de luz na busca de conhecimentos que possam iluminar sua trajetória, e Luiza, que me fez prometer que só voltaria a estudar daqui a muitos anos, promessa que certamente não conseguirei cumprir; Ao Sérgio companheiro sempre. Finalmente, à professora Beate Frank, que me acolheu como orientanda com extrema competência, num momento tão difícil. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ...................................................................................................... 6 LISTA DE QUADROS .................................................................................................... 7 LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................................ 7 RESUMO........................................................................................................................... 8 ABSTRACT ..................................................................................................................... 9 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 10 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .............................................................................. 17 2.1 DESENVOLVIMENTO ............................................................................................. 17 2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO .................... 21 2.2.1 Urbanização no Brasil ............................................................................................. 27 2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO .................................... 29 2.3.1 Enchentes Urbanas .................................................................................................. 30 2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí ............................................................... 31 2.3.3 Agravante do Fenômeno enchente no Alto Vale do Itajaí ...................................... 33 3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983 ................ 37 3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL ................................................................................ 37 3.1.1 Bacia Hidrográfica ................................................................................................... 37 3.1.2 Situação ................................................................................................................... 39 3.1.3 Aspectos Demográficos ........................................................................................... 40 3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO ................................................................................. 42 3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense ............................................ 42 3.2.2 A forma de ocupação ................................................................................................ 44 3.2.3 O modelo de ocupação utilizado ............................................................................. 45 3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA ..................................................................................... 46 3.3.1 Braço do Sul ........................................................................................................... 47 3.3.2 Bella Alliança .......................................................................................................... 49 3.3.3 Rio do Sul ................................................................................................................ 54 3.3.4 Síntese ...................................................................................................................... 71 4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE ......................... 72 4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL ............................................... 72 4.2 O FENÔMENO E OS DANOS .................................................................................. 74 80 5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983 ............................................................................... 5.1 DE 1983 A 1992 ......................................................................................................... 80 5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano .................................................................. 80 5.1.2 Uso do Solo ............................................................................................................. 82 5.1.3 Valor do Solo .......................................................................................................... 85 5.1.4 Mobilidade Urbana .................................................................................................. 88 5.2 DE 1992 A 2000 ......................................................................................................... 90 5.2.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano .................................................................. 90 5.2.2 Uso do Solo ............................................................................................................. 93 5.2.3 Valor do Solo .......................................................................................................... 98 5.2.4 Mobilidade ............................................................................................................... 99 5.3 SÍNTESE .................................................................................................................... 102 6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES ................................................................. 103 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 108 ANEXOS .......................................................................................................................... 112 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Modelo de Análise .......................................................................................... 13 Figura 2 - Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e freqüência de 34 enchentes a cada 20 anos...................................................... .......................... Figura 3 - Bacia do Rio Itajaí ........................................................................................... 38 Figura 4 - Mapa de Rio do Sul ......................................................................................... 40 Figura 5 - Desmembramentos de Rio do Sul ................................................................... 42 Figura 6 - Origem do povoamento em SC ....................................................................... 43 Figura 7 - Passagem de tropas .......................................................................................... 48 Figura 8 - Mapa da colônia .............................................................................................. 50 Figura 9 - Banco de Crédito Agrícola 1928 ..................................................................... 51 Figura 10 - Rua Carlos Gomes ........................................................................................... 52 Figura 11 - Uso do Solo em Bella Aliança interpretado .................................................... 53 Figura 12 - Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado ................................................ 56 Figura 13 - Encontro dos rios ............................................................................................. 58 Figura 14 - Movimento no centro urbano .......................................................................... 59 Figura 15 - Beira 1954 ....................................................................................................... 62 Figura 16 - Praça 1954 ....................................................................................................... 63 Figura 17 - Rua 7 de setembro ........................................................................................... 65 Figura 18 - Caminhões na via principal nos anos 60 ......................................................... 65 Figura 19 - Panorâmica nos anos 60 .................................................................................. 66 Figura 20 - Plano Diretor interpretado ............................................................................... 68 Figura 21 - Calçadão Central ............................................................................................. 70 Figura 22 - Enchente em 1954 ........................................................................................... 73 Figura 23 - Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/07/83 e 14/07/83 .......................... 75 Figura 24 - O calçadão em dois momentos distintos ......................................................... 76 Figura 25 - Conflitos de usos ............................................................................................. 83 Figura 26 - Comprometimento do sistema viário .............................................................. 84 Figura 27 - Localização de novos loteamentos .................................................................. 88 Figura 28 - A imagem do destino interrompido na área inundável / livre da enchente no morro ............................................................................................................... 89 Figura 29 - Áreas urbanas reduzidas .................................................................................. 91 Figura 30 - Jardim América antes de 1983 e depois de 1983 ............................................ 94 Figura 31 - Bairro Canoas antes e depois de 1983 ............................................................. 96 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí ........................................ 32 Quadro 2 – Evolução demográfica de Rio do Sul .......................................................... 41 LISTA DE ABREVIATURAS AMAVI – Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí CEDEC – Coordenação Estadual de Defesa Civil DNAEE – Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento FURB – Fundação Universitária da Região de Blumenau GAPLAN – Gabinete de Planejamento IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IPA – Instituto de Pesquisas Ambientais IPTU – Imposto Territorial Urbano ONU – Organização das Nações Unidas UNIDAVI – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí. RESUMO As enchentes fazem parte da história do Vale do Itajaí, desde o início de sua colonização. Com as grandes enchentes de 1983 no Alto Vale, Rio do Sul a cidade que sofreu o maior impacto, considerando que os prejuízos estenderam-se por uma extensa área urbanizada. A necessidade do entendimento da situação urbana pré-impacto, visando comparação pós-impacto, levou ao estudo da formação e consolidação de Rio do Sul como pólo regional. A pesquisa interpretou as respostas que a população encontrou para minimizar os impactos sofridos e reagir à ação do fenômeno das enchentes. Historicamente, a preocupação com a redução destes prejuízos no Vale do Itajaí tem se voltado ao incremento de medidas estruturais de controle das cheias, tendo pouca atenção dirigida ao planejamento do ambiente urbanizado. O intervalo de tempo analisado inicia com a ocupação do território na década de 20, e vai até o ano de 2000, considerando a enchente de 1983 como a variável interveniente neste processo de consolidação urbana. As propostas urbanísticas que contemplaram o crescimento urbano neste intervalo de tempo foram reunidas neste trabalho como forma de documentá-las. PALAVRAS CHAVES: Enchentes, Planejamento Urbano, Desenvolvimento Regional, Urbanização. ABSTRACT Floods make part of the Itajaí River High Valley history since its early establishment. With the big valley floods in 1983, Rio do Sul suffered the biggest impact, considering that the damages affected most of the urban areas of the city. The necessity to understand the situation of the urban pre-impact comparing in to the pos-impact motivated a research to consolidate Rio do Sul as the most important city of the region. The research sought for an interpretation to the answers brought by the population to minimize flood impacts and reactions to the flood phenomena. Historically the preoccupation with the reduction of prejudices in the Itajai valley has turned to the increment of structural measures to control floods and having less given attention to the urban zoning laws. The period of time analyzed in the study starts with the territory settlement in the 1920’s until the year 2000, considering the 1983 flood as the intervenient variant of urban area consolidation. The big urban area dispersing on the high areas of the city doors not express necessarily the real development of it. The urbanistic proposals that contemplate urban growing during this period of time were put together in this work to document them. Key words: floods, urban planning, regional development, urbanization. 10 1 INTRODUÇÃO A ocupação urbana de Rio do Sul, como a maioria das cidades da região do Alto Vale do Itajaí, de colonização predominantemente alemã, aconteceu junto aos rios. O rio Itajaí-açú, responsável pela maior bacia hídrica inteiramente catarinense, começa exatamente no centro desta cidade, no encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, que com seus leitos permeiam grande parte do referido perímetro urbano. Situada estrategicamente entre Blumenau e Lages, Rio do Sul, ocupou na região do Alto Vale, o principal espaço atrativo comercial, aproveitando o ciclo da madeira para desenvolver-se como eixo prestador de serviços a partir da década de 40 e atrair, para a industrialização, populações de áreas próximas. Usando valores transmitidos culturalmente, Rio do Sul realizou um urbanismo espontâneo. A instalação de cidades muito próximas aos rios, bem característico no Alto Vale, refletindo aspectos culturais significativos e próprios da forma de colonizar, também demonstrou o desconhecimento da base topográfica e hidrográfica local. Em Rio do Sul é possível observar, pelas edificações, o deslocamento das atividades urbanas em direção a áreas mais altas, posteriormente à sua instalação inicial. Na década de 70, a condição de pólo regional de Rio do Sul é reforçada, com a implantação da BR 470. Neste período, o índice de crescimento da cidade chega a 2,78 (IBGE 1980), e nos anos 80, com o esgotamento do ciclo da madeira, acontece o declínio econômico. È evidente, na forma de ocupar o espaço a despreocupação com os rios, para os quais seus habitantes sempre davam as costas. Os rios Itajaí do Oeste, do Sul e Açú várias vezes saíram de seus leitos, inundando margens e causando alagamentos em residências e nos bairros mais baixos como Santana, Canoas e Sumaré, onde as mesmas já se adaptavam a dois pisos. A maior enchente vivida por Rio do Sul e pelo Alto Vale, em 1983, desabrigou aproximadamente 250.000 pessoas em toda a bacia hidrográfica. Segundo dados da Defesa Civil de Rio do Sul, o Rio Itajaí-açú atingiu 15,08 metros no dia 12 de julho de 1983, com aproximadamente três metros a mais do que a maior cota até então conhecida. Esta elevação das águas foi responsável por incalculáveis perdas. O abalo sofrido foi muito forte e a cidade permaneceu isolada reagindo da forma que pôde. Deslocou-se para áreas altas, desvalorizou 11 áreas baixas, enfrentou novas enchentes no mês e anos seguintes, verticalizou, concentrou, dispersou, enfim mudou a sua forma de ocupar o espaço. O estudo da alteração da forma urbana de Rio do Sul vem buscar uma explicação das relações estabelecidas entre o espaço natural e a cidade que nele se instalou, interpretando vetores de crescimento territoriais vivenciados, visando a aumentar conhecimentos que auxiliem no planejamento urbano, já que as enchentes, ameaças em potencial, continuam sendo tema pouco estudado no Brasil. Em síntese, a pesquisa concentra-se na área urbana de Rio do Sul e estuda as alterações ocorridas posteriores a grande enchente de 1983. Torna-se impossível, nos dias de hoje, trabalhar com construção civil em Rio do Sul desconsiderando a variável enchente. A possibilidade ou não de uma enchente atingir uma edificação redefine a forma de ocupação volumétrica e seu valor de mercado, passando a ser um componente tão importante como acessibilidade e insolação. A pesquisa está centrada nesta nova forma de edificar a cidade, suas interpretações e conseqüências. A consideração deste processo nos permite a formulação da seguinte questão norteadora da pesquisa: - Qual o reflexo que a mudança do padrão de uso e ocupação do solo, provocada pela enchente de 1983, causou sobre o desenvolvimento urbano de Rio do Sul? Como hipóteses básica e secundária, considera-se que: As enchentes estimularam a ocupação desordenada do solo urbano, promovendo um processo de valorização do solo em algumas áreas e desvalorização do mesmo em outras; a verticalização nas áreas inundáveis e a ampliação da ocupação urbana nas áreas altas da cidade, acelerada após as enchentes, causaram um processo de deslocamento das atividades urbanas para além dos limites das enchentes, aumentando visivelmente o crescimento e passando uma falsa idéia de desenvolvimento. A realização desta pesquisa visa a atender ao objetivo geral, referente ao estudo do impacto das enchentes no desenvolvimento da área urbana, que se traduz nos seguintes objetivos específicos, sempre relacionados à comparação da situação urbana anterior e posterior às enchentes de 1983: 1) Interpretação da legislação urbana e perímetro urbano; 2) Entendimento da alteração no padrão de uso do solo; 3) Entendimento da alteração no padrão de custo do solo nas áreas urbanas 12 promovidas pela valorização e ou desvalorização; 4) Conhecimento da mobilidade urbana. A pesquisa é desenvolvida na consideração dos conjuntos teóricos, segundo o seguinte modelo de análise: - Como variável independente o desenvolvimento e ciclos econômicos vividos como principalmente o ciclo da madeira; - Como variável dependente, a estrutura urbana reflexo do ciclo econômico correspondente. Enquanto economia agrícola Rio do Sul desenvolveu espaços rurais, concentrando na cidade pequenos pontos de troca comercial; no ciclo da madeira o espaço urbano cresceu, expondo seus ganhos com a construção de igrejas, hospitais, bancos, praças, avenidas, pontes entre outros equipamentos; sendo tratado na fase da industrialização à reserva de espaços para distritos industriais, expansão urbana e parcelamentos do solo em geral, visando ao maior oferecimento para o setor residencial. Esta variável é a que foi realmente afetada pelo fenômeno das enchentes, sendo o objeto da pesquisa. Será analisada na sua transformação e reflexos positivos ou negativos que sofreu; - Como variável interveniente a enchente, afetou a relação entre desenvolvimento econômico e o espaço ocupado. Seu caráter catastrófico interrompeu um modelo urbano vulnerável. Analisa-se o fenômeno e sua forma de interpretação. As cheias promoveram rupturas na forma conhecida de ocupar o solo, redirecionando vetores de expansão, redefinindo usos, acelerando a verticalização. A figura 1 representa esquematicamente, o teor da pesquisa onde o desenvolvimento ocorrido gera a estrutura urbana correspondente, tendo a enchente de 1983, atuado neste processo dinâmico, alterando-lhe a forma. 13 Figura 1 – Modelo de Análise DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO REGIONAL ESTRUTURA URBANA LOCAL ENCHENTE Fonte: Desenvolvido pelo autor. A realização da pesquisa justifica-se por duas ordens de considerações que são complementares: relevância teórica e relevância prática. (i) Relevância Teórica: Do ponto de vista teórico sobre o desenvolvimento do Vale do Itajaí em geral e sobre a problemática das enchentes em particular, encontra-se poucas publicações referentes à cidade de Rio do Sul. Os poucos estudos existentes estão relacionados à formação histórica e entende-se que considerações relacionadas ao desenvolvimento urbano proporcionarão conhecimentos que ajudarão no entendimento das soluções urbanas adotadas, compatíveis com modelos de desenvolvimento vividos. Trata-se, de um estudo que busca incrementar o conhecimento sobre as relações entre desenvolvimento regional e problemas ambientais. (ii) Relevância Prática: Do ponto de vista prático, a realização da pesquisa possui uma importância direta para o processo de planejamento e ordenamento do espaço urbano de Rio do Sul, pois o estudo identifica vetores de crescimento urbano que permitem redefinições urbanísticas, que poderão melhorar aspectos ligados à legislação urbana, alimentando processos de tomada de decisões. Além disso, poderá fornecer novos subsídios a estratégias de planejamento do processo de ocupação do uso do solo, como ampliação do sistema viário, áreas de expansão, 14 preservação da paisagem e, adensamentos. A pesquisa é importante aos interesses públicos conscientização e privados ambiental, já apontando que pode novos provocar caminhos maior para o desenvolvimento regional. A pesquisa foi do tipo exploratória e a coleta de dados foi documental, buscando referências em decretos, leis, jornais, revistas e publicações que demonstravam a situação da ocupação urbana anterior e posterior às inundações; bibliográfica quando recolheu informações sobre planejamento urbano e enchentes em pesquisas já publicadas relacionadas com o tema em estudo; icnográfica, quando cercou-se de dados que caracterizam os sinais, as marcas, ou cotas de inundações; fotográfica pela análise de fotos que auxiliaram na compreensão dos fatos estudados; cartográfica pela interpretação de mapas de diferentes épocas visando à análise do crescimento urbano, e com entrevistas não diretivas, onde pessoas envolvidas com as temáticas citadas foram ouvidas em conversações sistemáticas baseadas em roteiro prévio de perguntas. Durante a execução desta pesquisa, verificou-se grande carência de dados, principalmente em órgãos públicos. Informações apresentadas referentes à verticalização, por exemplo, foram colhidas em campo e transformadas nos mapas apresentados. Foram ainda realizadas buscas em cartórios de registro de imóveis, visando aumentar o entendimento de questões relacionadas à compra e venda de lotes em áreas inundáveis. Os passos metodológicos que permitiram cumprir os objetivos específicos da pesquisa em relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano foram: Para a comparação da legislação urbanística; a) análise da estruturação interna da prefeitura no que se referia ao planejamento urbano; b) comportamento das pessoas e dos especuladores imobiliários, frente a ausência de legislação e sua posterior implantação; c) dimensões do perímetro urbano antes e depois das cheias; d) setores urbanos que deixaram de existir ou foram criados. 15 Para o entendimento da alteração no padrão de uso do solo foram analisados os seguintes tópicos: a) comportamento do sistema viário; b) uso do solo que sofreu mobilidade; c) Interferência na paisagem; d) Localização de novos loteamentos; e) Ocupação das áreas centrais baixas e altas antes das enchentes; f) Processo de verticalização na cidade; g) Surgimento de pontos comerciais, industriais e de conflitos; h) Localização de áreas residenciais; i) Áreas de expansão urbana e preservação; j) Relação visual com os rios antes e depois do fenômeno; l) Alterações na tipologia arquitetônica. Para o entendimento da alteração no padrão de Custo do Solo nas áreas urbanas promovidas pela valorização e ou desvalorização foram levantados: a) Valor venal dos lotes e desvalorização nas áreas centrais baixas; b) Localização das áreas nobres, com melhor ocupação e infra-estrutura; c) Localização das áreas com problemas de infra-estrutura e com ocupação precária. Para a interpretação da mobilidade urbana o estudo abrangeu: a) Uso que sofreu maior mobilidade; b) Número de residentes urbanos e análise de incremento ou êxodo urbano; c) Migrações internas; d) Alteração nas relações de vizinhanças. Após a Introdução, o trabalho é seguido da Fundamentação Teórica, onde os conceitos de desenvolvimento, enchente e urbanização são estudados. Na seqüência, passa-se à formação e ao desenvolvimento urbano de Rio do Sul, até 1983. Neste sentido, a utilização de mapas e fotos contextualiza o comportamento urbano frente aos diferentes tempos e a 16 ênfase é de uma análise até 1983. Na seqüência, o foco da pesquisa recai sobre o fenômeno da enchente em si, sua abrangência e danos, seguido de uma análise da condição urbana após o evento, tratando da reação gerada e das transformações provocadas pelas enchentes na estrutura urbana de Rio do Sul. A conclusão da pesquisa é seguida de recomendações baseadas no estudo feito. 17 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 2.1 DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento ocupa lugar de destaque no pensamento moderno. Não é possível desassociar o termo de palavras como crescimento, evolução, maturação. Indica que estamos progredindo em direção de uma meta desejável, segundo Sachs (2000). De acordo com Alves (1988), o crescimento do volume de bens e serviços produzidos em um país, medido pela evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e o valor da totalidade de bens e serviços finais produzidos num país com elevação da renda é o crescimento econômico. A mesma autora refere-se a desenvolvimento econômico como uma conseqüência da melhoria no padrão de vida da população. A palavra Desenvolvimento é carregada de conotações, está destinada à extinção e a sua prolongada agonia transforma-se em uma condição crônica. Os Estados Unidos, considerados pela sua grande capacidade produtiva o centro do mundo, em 20 de janeiro de 1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, abriram a era do Desenvolvimento, aproveitando como momento oportuno, a posse do presidente Truman. Este, ao referir-se ao Desenvolvimento, deu um novo significado ao termo, criando uma nova concepção do “eu” e do “outro”, transformando o significado histórico-político do Desenvolvimento. Inserido num contexto tipicamente americano, como uma arma contra o comunismo, projetou-se para o resto do século XX, marcando nesta data, dois bilhões de pessoas como “Subdesenvolvidas”. Daquele momento em diante, este contingente humano deixou de ser o que era na sua diversidade, transformando-se magicamente numa imagem inversa da realidade alheia, que os diminuía. Para Sachs (2000), o subdesenvolvimento usurpa e transforma duzentos anos de construção social do significado histórico e político do tema Desenvolvimento. No início do século XX, generaliza-se o termo Desenvolvimento Urbano, referindose às áreas periféricas, terraplanagens, produção industrial homogênea e instalações especializadas, não se conseguindo fixar uma imagem generalizada como hoje é aplicada. 18 Também, na mesma época, alguns autores dão uma atenção pragmática aos fatores externos e internos que pareciam ser as causas mais atuais para o desenvolvimento, ou melhor, para o não desenvolvimento: temas comerciais, intercâmbio desigual, dependência, protecionismo, imperfeições do mercado, corrupção, falta de democracia ou de talento empresarial. Com a evolução das civilizações e da urbanização como conseqüência para obtenção de bens e serviços, as necessidades se tornaram maiores que os recursos humanos e materiais. A definição da palavra desenvolvimento pode estar atrelada a fatores como industrialização, renda per capita, urbanização, qualidade de vida e uma série de demais indicadores sociais, desde que crescentes. Urbanização e desenvolvimento econômico aparecem ligados e se constata como importante à aceleração do crescimento urbano nas regiões subdesenvolvidas com um ritmo superior a arrancada urbana dos países industrializados, e isto, sem crescimento compatível, sendo que para Castells (1983), a característica principal de subdesenvolvimento é a impossibilidade de uma sociedade dirigir o desenvolvimento da coletividade, além da falta de recursos. Para Betlheim (apud Castells, 1983), em vez de países subdesenvolvidos, temos países explorados, dependentes e dominados com economia deformada. Tratar do subdesenvolvimento significa, além de falar de dominação e dependência, de estabelecer o alcance e a expressividade da dominação. A hipeurbanização existente hoje nos países subdesenvolvidos é apontada como um obstáculo ao desenvolvimento na medida que imobiliza recursos sob a forma de investimentos não produtivos necessários à organização de serviços indispensáveis a grandes concentrações de populações. Vê como problemática também a concentração num mesmo espaço de uma população com insatisfatório nível de renda, desenraizada sem função precisa na sociedade. Uma boa parte das cidades nestas condições não é o resultado de um processo dos meios de produção e força de trabalho e sim de um desaguadouro do que o sistema desorganiza, sem poder destruir inteiramente, considerando impactante a industrialização numa sociedade fracamente urbanizada (Castells, 1983). Cardoso (apud Castells, 1983), afirma que a mudança na estrutura de emprego na América Latina foi mais provocada pela integração de parte da população agrícola no setor terciário do que pelo processo de industrialização. A massa urbana ligada à produção de serviços possui interesses e condições que não condizem com os interesses da classe dominante, gerando uma urbanização dependente que não é a expressão de um processo de 19 modernização, mas sim das contradições sociais inerentes a seu modo de desenvolvimento, determinado por uma dependência específica no interior do sistema capitalista mundial. A guerra e a pobreza contribuíram para que a população aprofundasse o sentimento de deficiência e fixasse a noção de subdesenvolvimento. Os teóricos dependentistas latinoamericanos e os intelectuais de esquerda se dedicaram a criticar as estratégias desenvolvimentistas que os americanos esboçavam e para eles o novo termo era só mais uma palavra para designar atraso ou pobreza, afirmando que o subdesenvolvimento era conseqüência do Desenvolvimento. O debate sobre origem e causas do Desenvolvimento define o termo como uma “percepção” e ninguém parece suspeitar que o conceito não se refere a um fenômeno real. Não se compreende a quantidade de processos interligados que compõem a realidade mundial, e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento, como ponto de referência geral. O conceito de Desenvolvimento empobreceu ainda mais nas mãos de seus primeiros defensores que o reduziram a “crescimento econômico”. Um simples crescimento de renda per capita, nas áreas economicamente subdesenvolvidas, era a meta insinuada na Carta da ONU de 1947. O primeiro relatório da situação social em 1952 despertou o interesse da ONU, que passou a ver meios de aliviar a pobreza mundial. Estes davam conta do progresso e a expressão Desenvolvimento Social introduzida gradativamente aparecia de forma vaga e relacionada a Desenvolvimento Econômico. O econômico e o social eram situações consideradas distintas. O relatório de 1962 recomendava a união do econômico e do social afirmando que Desenvolvimento era o crescimento com mudanças qualitativas e quantitativas nos campos sociais, econômicos e culturais. A palavra chave seria Qualidade de Vida e em 1966 a ONU reconhecia a interdependência dos fatores econômicos e sociais e a necessidade de equilibrá-los. No final dos anos 60 ficou claro que o crescimento econômico acelerado vinha acompanhado de desigualdades crescentes e os economistas já consideravam os aspectos sociais como obstáculos sociais. Em 1970, Robert McNamara (apud Sachs, 2000), então presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, admitiu que um alto índice de crescimento não tinha conduzido a um progresso satisfatório do desenvolvimento na primeira década e insistiu que os anos 70 seriam testemunha de algo mais que índices brutos de crescimento econômico. Enquanto a primeira década foi considerada a dos aspectos sociais, a segunda década dedicouse a fundir os dois. Uma resolução da ONU estabeleceu um projeto para identificação de uma 20 abordagem unificada ao desenvolvimento e ao planejamento, com o objetivo de: incluir todos os setores da população nas oportunidades; efetuar mudanças estruturais; buscar igualdade social incluindo distribuição justa e priorizar o desenvolvimento do potencial humano. Começou assim a busca de uma abordagem unificada, a análise e o planejamento do Desenvolvimento, que procurava a integração setorial, espacial e regional, com um tipo de “Desenvolvimento participativo”. O projeto durou pouco e os resultados foram decepcionantes, dando uma nova vida ao debate sobre Desenvolvimento nos anos que se seguiram. Em 1972, a Conferência de Estocolmo abordou o Ecodesenvolvimento, alertando para o esgotamento dos recursos não renováveis. Avançando nesta linha de pensamento, a ONU realizou seminários sobre estilos alternativos de desenvolvimento refletindo no Relatório Brundtland em 1987, onde a idéia de desenvolvimento sustentável chama a atenção para a melhor distribuição das riquezas produzidas e adoção de estilos de vida compatíveis com os recursos naturais disponíveis, também às futuras gerações, idéias estas, conduzidas à Conferência do Rio de Janeiro. Esta conferência, conhecida como ECO 92, realizada no Rio de Janeiro em 1992, foi o início de um processo para estabelecer as bases para o desenvolvimento sustentável pois, para Strong (apud Sachs, 1986), a vida do planeta está condenada se não houver diminuição no consumo dos recursos naturais. O meio ambiente e o desenvolvimento foram reconhecidos como lados de uma mesma moeda. Houve, com este encontro, um considerável avanço na preocupação com a gestão ambiental evoluindo-se para discussão de temas como: meio ambiente, crescimento demográfico, fome, opressão, problemas habitacionais e desemprego. Como recomendação da ECO 92 o Brasil criou a Agenda 21, um conjunto de propostas de desenvolvimento sustentável, estabelecendo áreas temáticas de ações como: agricultura, cidades, integração regional, gestão dos recursos naturais, tecnologia e redução das desigualdades sociais, que deverão ser implementados por estados e municípios e internalizados pela sociedade em geral. O Desenvolvimento não deveria ser de coisas, mas do ser humano, dando ênfase à necessidade da diversidade e de que sejam seguidos caminhos diferentes para o Desenvolvimento. Na década de 90 a ONU passou a divulgar o IDH (medidor que combina o poder real de compra, educação e saúde), numa nova abordagem sobre desenvolvimento, tratou da abordagem das necessidades básicas, voltando a atenção para a tarefa de resolver necessidades como a pobreza absoluta, levando em conta as especificidades da cada país. 21 Seguindo-se à risca tal concepção, conduzir-se-ia à dissolução da própria noção de Desenvolvimento, no momento que ficasse evidente a impossibilidade de impor um modelo mundial cultural único. A crise dos anos 80 tirou o poder de pessoas que foram criadas na dependência dos salários, e sem base social que os habilitasse a viver de forma autônoma e Sachs (2000) pede o debate sobre os acontecimentos pós-econômicos, lançando um desafio à sociedade, para que formule um tipo de controle político que permita iniciativas econômicas menos danosas, e sua maior inserção no tecido social, pressupondo que a economia criada pelo homem comum acabe com os abusos. O mesmo autor afirma ainda que o Desenvolvimento evaporou-se, e o homem moderno fracassou no seu esforço para ser Deus. Sugere que é chegada a hora de recobrar a realidade e a serenidade, para que o homem comum possa andar com seus próprios pés e contar sua própria história e para Diegues (1995), a possibilidade das sociedades definirem seus padrões de produção, consumo e bem estar da população deve ser buscada, em troca da adoção de modelos definidos por sociedades industrializadas. Hoje, para dois terços dos povos do mundo, o subdesenvolvimento é uma experiência de vida de subordinação, discriminação e de subjugação e o desenvolvimento consiste em desdobrar um processo mundial em diferentes níveis como local, regional e global. A verdadeira escolha não está entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre formas de desenvolvimento sensíveis ou insensíveis à questão ambiental, mobilizando a defesa de estilos de vida que se acomodem ao meio não comprometendo sua exploração excessiva. O desenvolvimento regional deve ser estudado e buscado, para de forma descentralizada ser equilibrado e eficiente. Deverá também ser papel não só dos governos mas, de todos os seres humanos, num contexto sinérgico. Diante do exposto podemos concluir que o termo desenvolvimento é cercado de uma grande discussão conceitual e sua análise atrela-se a realidade e pontos de vistas distintos. A palavra desenvolvimento é utilizada com vários entendimentos e foi progressivamente incorporando nas suas definições, aspectos sociais e ambientais. 2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO 22 As sociedades formam estruturas organizacionais urbanas diferentes e usam estes espaços de acordo com suas necessidades, em relações funcionais muito peculiares. Cada modelo econômico produz um tipo de cidade que o exprime de maneira imediata, visível e legível no terreno, tornando sensíveis às relações sociais mais abstratas, jurídicas, políticas, ideológicas. Na cidade também há um processo cumulativo, relativamente contínuo, de conhecimentos, técnicas, pessoas, riquezas, dinheiro e depois de capital (LEFEBVRE, 1999). O aparecimento da cultura urbana crescente tem início a partir da Idade Média. As Cruzadas trataram do ressurgimento do comércio e tiveram o objetivo de conquistar e ampliar sua movimentação. Com isto cresceu o êxodo rural, ocasionado principalmente pelas precárias condições da vida no campo. Com o incremento do comércio e atividades econômicas as cidades, antes destinadas a sedes administrativas e fortificações, mudaram suas feições. Para Castells (1983), a cidade política cede lugar à cidade mercantil. A segunda metade do século XIX marca o começo das migrações maciças dos países “velhos” para as nações novas onde se instalaram milhares de europeus. A população urbana representava 1,7% do total nos inícios do século XIX; em 1950 tal percentual era de 21%; em 1960 de 25%; de 37,4% em 1970 e 41,5% em 1980. O fenômeno da urbanização foi avassalador, principalmente no terceiro mundo, e as cidades constituíram-se nas melhores representações organizacionais do espaço, sendo sua forma resultado do comportamento da sociedade que a ocupava. São citados aspectos comportamentais, culturais, históricos, formas de utilização dos espaços, sistema de produção e conflitos sociais, e Lefebvre (1999), define a cidade como um conjunto de relações que se estabelecem entre esses elementos. Numa visão geral, com características determinantes da sociedade, sobressaem três grandes períodos: (i) civilização agrícola (ii) civilização industrial (iii) civilização da informação. Lefebvre (1999), as descreve como: “Três camadas. Três épocas. Três campos não apenas de ‘fenômenos sociais’, mas de sensações e de percepções, de espaços e de tempos, de imagens e de conceitos, de linguagem e de racionalidade, de teorias e de práticas sociais: o rural, o industrial e o urbano”. (i) Civilização Agrícola é a caracterizada pela ligação direta do homem com a 23 natureza em atividades onde grande parte da população vive dispersa pelas terras. O poder está na posse da terra e sua estrutura urbana abriga uma pequena parcela da população, já que a maior parte desta vive no campo. O espaço urbano é o centro de relações de troca (SEYFERTH, 1990; RENAUX, 1987; PELLIZZETTI, 1985). As preocupações na conformação das cidades estão ligadas à defesa, proteção dos moradores, do território e das riquezas CARSTENS (1990). A destruição da agricultura tradicional e o êxodo rural para a cidade, barateando o custo da força de trabalho, iniciou o primeiro ciclo de exploração da cidade sobre o campo (CORREA, 1989). (ii) A Civilização Industrial, também conhecida como moderna, é caracterizada pelo domínio do homem sobre a natureza. Toda sociedade funciona como uma linha de montagem de uma grande fábrica. As atividades são especializadas, repetitivas e padronizadas. Há uma população que fornece mão-de-obra e o poder está associado aos mecanismos de produção. No capitalismo a produção agrícola se destina à cidade que se transforma em um ponto de comercialização da produção rural (CORREA, 1989). A civilização industrial abriga em seu espaço urbano a maior parte da população e um grande número de atividades. Trabalhar, recrear, habitar e circular seriam as funções básicas da Carta de Atenas e os urbanistas desta fase, acreditavam ter descoberto uma fórmula que comandaria o planejamento das cidades. Através do Zoneamento1 tudo seria disciplinado. Cidades modelos, independentes de diferenças culturais e políticas, poderiam ser implantadas em qualquer parte do mundo, como realmente foram. Através da Revolução Industrial chegam novos conceitos de produção, fontes de energia e de processos tecnológicos. O ser humano industrial pensa e vive diferente do ser humano agrícola. A centralidade é forte e determinante e a cidade, vista pelo prisma industrial, necessita de ajustes para funcionar a todo vapor. O comportamento social é ordenador e a eficiência da máquina e da fábrica torna-se para a sociedade um modelo. Destacando a cidade como condição necessária para o aparecimento da Era Industrial, Lefebvre (1999) e Bruna (1983), afirmam que no interior dos aglomerados urbanos se encontrava o elemento exigido para a 1 Zoneamento é a divisão da área urbana classificada de acordo com a qualificação do tipo de uso adequando a condicionantes físico, ambientais e culturais onde ficam estabelecidas diferentes possibilidades de usos e índices urbanísticos. 24 indústria como mão-de-obra, fonte de energia, matéria-prima, preços favoráveis e diversificação necessária para o atendimento da ampliação das possibilidades industriais. A revolução tecnológica abrigada pelas cidades estabeleceu um paralelo entre urbanização e industrialização, e a concentração cultural e o progresso tecnológico nas cidades influenciaram novos hábitos e métodos de produção de vida causando modificações ambientais (BUTZKE, 1995). Para Santos (1994) a urbanização ganha impulso com a industrialização, e o espaço, tanto nas cidades como no campo, vai se tornando um espaço cada vez mais instrumentalizado, culturizado, tecnificado e cada vez mais trabalhado segundo ditames da ciência. Os transportes se modernizam encurtando as distâncias entre as cidades e dentro delas e a organização espacial é necessária para sanear as aglomerações. As cidades são dotadas de infra-estruturas voltadas ao saneamento, esgoto, lixo, trânsito, expansão entre outros. O aperfeiçoamento e integração dos processos de controle conduzirão ao surgimento do Plano Urbanístico, na virada dos séculos XIX e XX, que é batizado de urbanismo2 e estuda a cidade e suas relações tratando das relações entre o espaço desta e a sociedade que nela vive (BARDET apud CARSTEN, 1990). Como ciência, está intimamente ligado aos processos de transformação das civilizações e, para Lefebvre (1999), como fenômeno urbano, não pertence a nenhuma ciência especializada. O urbano define-se não como realidade acabada, situada em relação à realidade atual, de maneira recuada no tempo, mas ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora, devendo o conhecimento teórico mostrar a base sobre qual o urbano se funda. Correa (1989) destaca o significado que o processo de urbanização passou a ter, sobretudo a partir do século XIX, ao refletir e condicionar mudanças cruciais na sociedade. A rede urbana passou a ser o meio através do qual a produção, circulação e consumo se realizavam efetivamente e, para Campos Filho (1986), os fenômenos de concentração e centralização da malha urbana são frutos de um processo especulativo que norteia a produção do espaço urbano. Segundo o urbanismo moderno, o homem totalmente adaptado à realidade 2 Urbanismo surgiu em 1910 e deriva do latim urbe que é igual a cidade e etimologicamente significa o estudo da cidade. 25 industrial poderia ser encontrado em qualquer parte do mundo. Na cidade moderna predominariam a mudança, a velocidade, a novidade e o movimento, sendo que cada geração deveria erguer sua própria realidade, oferecendo muito trabalho aos urbanistas, que, com suas idéias, materializariam todas as novas e diferentes situações. A cidade deveria funcionar segundo uma produção altamente científica e, para Castells (1983), a indústria organiza a paisagem urbana. Nesta concepção, modelos urbanísticos foram distribuídos pelo mundo, igualando muitas das cidades. A arquitetura e a cidade se desatam da natureza e se transformam em joguete de interesses das especulações imobiliárias e financeiras, em desfavor da estética e da funcionalidade (FRANCO, 2000). O Período Moderno produziu uma ruptura radical na urbanística das cidades e este processo não teve origem num único lugar, tempo ou tipo de cultura. Aconteceu, considerando um grande número de experiências e formulações teóricas, abrangendo conceitos amplos e reflexos universais. A cidade moderna é considerada como aquela resultante de formas e experiências teóricas da primeira metade do século XX, que viria a repudiar a cidade tradicional, substituindo-a, por um “novo” modelo. No pós-guerra, a reconstrução das cidades e suas experimentações foram admitidas no escalão teórico e administrativo, influenciando-as definitivamente na troca do modelo tradicional formal. Neste contexto, são de singular importância dois períodos: o primeiro situado entre as duas guerras, onde a cidade fragmenta-se pelo zoneamento rígido e casa, rua, bairro e a própria praça são abandonados e arquitetos assumem a busca por um novo modelo urbano já que, segundo suas visões, a cidade tradicional não oferecia respostas adequadas ao novo século; o segundo período, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até os anos 70, definido pela industrialização, êxodo rural e demais fenômenos sociais, requisitou cidades marcadas por habitações, bairros industriais e centros comerciais modernos em quantidades e a ritmos até então desconhecidos. A Europa, neste período, é levada a buscar a reconstrução rápida de suas cidades e a urbanística moderna serve-a com uma avalanche de projetos, onde a forma estética perde espaço para a forma operacional. A cidade moderna perde as conexões com a cidade tradicional, recusando-a. O caráter industrial nem 26 sempre é apresentado com qualidade e acontece a vulgarização da forma moderna visando à reconstrução do pós-guerra. Na procura do “erro” do urbanismo, concluiu-se que o que começava a desaparecer eram os princípios que sustentavam a era da indústria. A partir da década de 50, anuncia-se o despertar de uma civilização que contesta o código industrial, entendendo o esgotamento deste modelo e idéias que dominaram cenários urbanos por longos anos começavam a se tornar ineficazes. (iii) A Civilização Informacional desponta em meados da década de 50 como uma nova era que modifica a estrutura industrial. O capitalismo passa por um processo de profunda reestruturação, caracterizado por maior flexibilidade de gerenciamento, descentralização das empresas e organização em redes, declínio da influência dos movimentos de trabalhadores, individualização e diversificação cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na força de trabalho remunerada; aumento da concorrência econômica, integração global dos mercados entre outros fatores (CASTELLS, 2000). Hoje se vive a era da transição e da informação. Tende-se à desconcentração, descentralização e a busca do convívio harmonioso com a natureza. O poder está na informação. Nesta civilização, as trocas físicas são substituídas por trocas de informações virtuais. A cidade é mais dispersa e a preocupação com a concentração não é mais uma necessidade, recaindo a preocupação sobre a adaptação dos espaços para abrigar esta nova sociedade. Esta era contestou o código industrial, pois se entendia que a civilização industrial já cumprira seu papel. O homem tipo sai de cena e dá lugar ao indivíduo que busca a diferenciação e a personalização em vez da massificação. O transporte físico é trocado pelo de informações, a energia concentrada é substituída por fontes renováveis e em sintonia com a ecologia e surgem conceitos de sustentabilidade ambiental. O urbanismo deixa todas as relações acomodarem-se livremente. São aplicados conceitos onde os espaços se auto definem se ajustando às leis de mercado, longe dos urbanistas e seus planos. Criou-se um instrumento metodológico, jurídico e legislativo, que amarrou o sistema de planejamento urbano ao atingir moldes industriais. Este novo momento ditado por um novo código onde predominaria a individualização, a dessincronização, a produção qualitativa, a dispersão física energética e a 27 disseminação da informação e do poder. A produção é dirigida para o indivíduo da sociedade informacional e não mais para o homem-padrão industrial e o tempo livre é buscado, criando-se novos hábitos. Masi (2000), afirma que um adulto nos Estados Unidos, já dedica 170.000 horas ao tempo livre contra 80.000 horas de trabalho. As cidades são integradas à natureza funcionando como um organismo vivo. O urbanismo liberal surge como tendência e os principais autores sugerem um salto quântico, ou seja, atingir o estado informacional sem passar pelo completo e doloroso estado industrial. 2.2.1 Urbanização no Brasil A sociedade brasileira está envolta num processo de rápida industrialização e urbanização, com base em enormes desequilíbrios, desigualdades sociais e espaciais. Os países ditos subdesenvolvidos caracterizam-se por conhecerem simultaneamente a era agrícola e industrial, acumulando os problemas (CASTELLS, 1983 e LEFEBVRE, 1999). Para Campos Filho (1986), um governo urbano cada vez mais pobre enfrenta cidades cada vez mais caras, e é essa a realidade preocupante que os brasileiros tem que enfrentar. O desenvolvimento urbano está intimamente ligado ao crescimento industrial e ao modelo de produção agrícola, e um acelerado crescimento populacional, de forma desigual, no que se refere ao urbano e rural, acontece (SINGER, 1987). Em dados da ONU, cerca de 90% do aumento no mundo em desenvolvimento acontecerá nas áreas urbanas, cuja população deverá passar de 1,15 bilhões para 3,85 bilhões em 2025. Santos (1994) define como surpreendente a proliferação das cidades nos países pobres e a partir da década de 30, para Campos Filho (1986), foi sendo montado o quadro dos problemas urbanos com que hoje nos defrontamos. O processo de introdução ao urbanismo moderno no Brasil, iniciado na virada do século XX e intensificado no período entre guerras, foi marcado por uma série de percalços que comprometeram a efetivação de muitos dos princípios sociais e reguladores que estavam no cerne da urbanística européia (MALTA, 2000). Para TUCCI (1995), o processo de urbanização acelerado que ocorreu depois da década de 60, gerou uma ocupação urbana sem 28 infra-estrutura, refletido nos recursos hídricos no tocante ao abastecimento de água, esgotos e drenagens. A expansão e o dinamismo industrial estão ausentes no encontro com a urbanização e a qualidade de vida da população no Brasil. A população que migrou para a cidade foi induzida pela industrialização, já que todas as políticas de incentivo à industrialização foram concebidas para atrair população do campo para a cidade, como afirma Vidor (1995). A maior parte do espaço urbano no Brasil, segundo Grostein (apud Campos Filho,1986), teve origem clandestina, não sendo previstos no seu atendimento normas sanitárias mínimas como o não parcelamento de áreas inundáveis, insalubres, verdes e altamente acidentadas. O sistema viário, na maioria das vezes, não atendeu a projetos técnicos, assemelhando-se a uma colcha de retalhos mal costurada. A expansão horizontal apareceu também praticamente sem controle. Como problemas, somamos o custo da regularização do desplanejamento, jogado para os poderes públicos. A partir da década de 70, a Lei 6766, que disciplina os parcelamentos do solo, surge como mecanismo de minimização destes custos, na medida que exige a contrapartida do loteador (CAMPOS FILHO, 1989). A verticalização descontrolada é outro problema vivido pelas grandes cidades brasileiras, onde a otimização máxima dos espaços visando ao lucro especulativo, gera ônus ao poder público já que necessita de infra-estrutura urbana adicional. A especulação imobiliária nas cidades brasileiras de pequeno e médio portes, avolumaram-se e cerca de metade do espaço utilizável para edificação chega a estar vazia. Seus proprietários nada precisam investir em melhorias urbanas, bastando aguardarem o crescimento urbano e o investimento público em mais infra-estrutura, para que seus terrenos sejam ainda mais valorizados (CAMPOS FILHO, 1986). Para Vidor (1995), a qualidade de vida dos cidadãos na cidade, é primordial para definir o urbano e as condições de vida desta população nem sempre foram consideradas quando o objetivo foi urbanizar. Foram tomadas medidas para melhorar o urbano e bem poucas para elevar o nível de vida tanto na cidade como no campo. O mesmo autor aponta a falta de planejamento no meio rural como séria, salientando que na formação da sociedade brasileira o rural, que no início se articulava em termos de complementaridade, hoje foi reduzido ao interesse da classe do poder. O planejamento do território reflete as mudanças de atitudes humanas em relação aos espaços habitados e se faz necessário estabelecer um controle sobre o desenvolvimento urbano para que se garanta a própria continuidade do 29 desenvolvimento econômico. Em Rio do Sul, será possível observar no capítulo desta pesquisa que trata da sua formação e evolução urbana, a espacilaização dos diferentes momentos econômicos como sua fase predominantemente agrícola e posteriormente com o ciclo da madeira, a fase mais industrializada, sem portanto, ter ficado espacialmente clara a situação do troca de momentos econômicos visto que ainda podemos encontrar produtores primitivamente agrícolas e industrias artesanais, convivendo com serviços e industrias tipicamente informacionais. 2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO O aumento das calamidades naturais leva ao questionamento e discussão das relações entre a natureza e a sociedade e avança conjuntamente com os fenômenos da urbanização e do aumento populacional. A ONU decretou a década de 90 como a década internacional para redução dos desastres naturais, priorizando as atividades de pré-impacto, planejamento e previsão. No Brasil existem poucas informações atualizadas sobre calamidades naturais, diferente do cenário mundial onde as mesmas já são mais estudadas. A questão das enchentes pode ser enfocada pela teoria dos Hazards e Desastre. A teoria dos Desastres tem seu direcionamento para os aspectos sociais e foi desenvolvida a partir do ponto de vista sociológico, enquanto a Teoria do Hazards tem seu enfoque na natureza e foi desenvolvida a partir do ponto de vista geográfico (MATTEDI, 1999). O conceito de hazards abrange várias calamidades naturais e a difícil mensuração dos fatores sociais envolvidos fez com que geógrafos entendessem delimitar a referência aos fenômenos geofísicos, climatológicos e geológicos. A pesquisa sobre hazards foi impulsionada por Gilbert White, no Tennesse Valley, enfocando enchentes, ajustamentos humanos e suas perdas. O estudo dos hazards apontou como relevante a dificuldade em separar a dimensão física da humana em um evento onde as pessoas eram vistas como vítimas com pouca capacidade de reação. Burton e Kates (apud Mattedi, 1999) definiram hazards como elementos do ambiente físico, prejudiciais ao homem, surgindo do contínuo processo de ajustamento entre este e a natureza. Pessoas que vivem em áreas sujeitas a enchentes, atribuem a destruição de suas casas à força da natureza e não à forma errônea de 30 ocupar o espaço. Para compreender uma inundação, torna-se necessário avaliar os fatores que antecederam o problema, e não somente suas conseqüências e as forças físicas e humanas que combinadas determinam a significância dos impactos, atingindo necessariamente as atividades humanas, já que estas é que definem sua essência (MATEDDI, 1999). Drubeck (apud Butzke, 1995), considera Desastre como o evento incontrolável ou acidental concentrado em tempo e espaço, podendo causar prejuízo a uma sociedade vulnerável. Não é possível tratar separadamente a situação de emergência da situação prédesastre e este, constituindo-se em um problema social, é que deve ser identificado, principalmente para a elaboração de ações governamentais. No contexto pré-Desastre, a resposta vem baseada em dois fatores: o tipo de integração e conflito existente no período de normalidade e a experiência acumulada frente à crise, sendo que a relação entre os dois indica a dimensão social e a magnitude do impacto que pode ser minimizada mediante aprendizado prévio Wenger (apud Mattedi, 1999). Para Mateddi (1999), a importância nos estudos dos Desastres não está em sua dimensão natural, mas em suas conseqüências sociais. Pelanda como Mattedi (1999), afirma como importante o estudo da normalidade e analisa as condições pré-impactos. Focado nos fatores sociais analisa o pré e o pós-impacto, reportando que situações encontradas no pós-impacto podem ser entendidas como extensão de condições sociais vigentes no pré-desastre, incorporando a “responsabilidade total” da organização social na geração das pré-condições. O problema resulta da incapacidade de prevenir e o agente do desastre não é independente do contexto social e exprime, segundo o autor, a “materialidade da vulnerabilidade social”. Cada sociedade responde a Desastres segundo experiências acumuladas no convívio com o problema e o aumento do número de Desastres nos últimos anos, em condições geofísicas quase que estáveis, aponta que o aumento da vulnerabilidade está ligado com o processo de subdesenvolvimento e de marginalização social. Desastre é visto como resultado de uma população marginalizada num ambiente físico deteriorado (SUSMAM; OKEÉFE, WISNER 1983 apud MATTEDI, 1999). 2.3.1 Enchentes Urbanas As enchentes urbanas constituem-se num dos importantes impactos sobre a 31 sociedade. As enchentes das várzeas ribeirinhas ocorrem principalmente pelo processo natural no qual o rio ocupa o seu leito maior, de acordo com os eventos chuvosos extremos, com tempo de retorno variável e ocorrem normalmente em bacias grandes, decorrentes de processos naturais. Os impactos sobre a população são causados pela ocupação inadequada do espaço urbano. Essas condições ocorrem devido a: parcelamentos do solo em áreas indevidas ao longo de muitos anos; ocupação de áreas de risco; invasão de áreas ribeirinhas por populações de baixa renda e comprometimento de áreas de médio risco. O solo edificado ganha maior impermeabilização com a ocupação urbana e a água que outrora facilmente infiltrava, passa a escorrer ganhando também mais velocidade. Em uma área urbana, anos sem inundações são motivos para que o fato seja esquecido e a pressão populacional pela ocupação aconteça. 2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí Os registros históricos indicam o Vale do Itajaí como o cenário mais expressivo, no estado de Santa Catarina, para a ocorrência de enchentes. O “problema” ou o convívio com as cheias começa em 1850 com a instalação da Colônia Blumenau. Esta história marca profundamente o Vale do Itajaí, por conter aspectos importantes que não podem ser desconsiderados no trato da questão ambiental da bacia hidrográfica. São apontadas como grandes enchentes no Vale do Itajaí, as que ocorreram nos anos de: 1880, 1911, 1927,1957 e 1983 e 1984. É nítido o aumento do número de enchentes a partir de 1910, data que coincide com o início da expansão da colonização em toda bacia hidrográfica (FRANK 1995). O Rio Itajaí-Açú é o rio que apresenta maior freqüência de enchentes no estado de Santa Catarina, tendo-se registrado mais de sessenta ocorrências desde 1850 (ATLAS de SC, 1986). Encontram-se citações referentes às enchentes do Rio Itajaí –Açú em publicações relativas a diferentes temas como Silva (1972), Lago (1983), Pellizzetti (1985), Renaux (1987), Butzke (1995), Pompílio (1990), Mattedi (1999), Frank (1995). No Quadro 1, destacam-se os picos máximos, medidos em metros, das grandes enchentes ocorridas em Blumenau e Rio do Sul. 32 Quadro 1 - Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí. ANO BLUMENAU RIO DO SUL 1851 16,30 1855 13,30 1868 13,30 1891 13,80 1911 16,90 1927 12,30 1935 11,65 1954 12,53 1957 13,07 1961 12,49 1972 11,35 1973 12,35 1975 12,63 1980 13,27 1983 --- 1983 15,34 1984 15,46 13,64 1992 12,80 8,52 1997 9,50 8,72 11,88 15,08 1997 7,33 1998 7,96 1999 7,00 Fonte: Dados de Blumenau/ Comitê do Itajaí. Dados de Rio do Sul/ Defesa Civil3. A cidade de Blumenau, detentora da maior densidade habitacional, poder econômico 3 As cotas de Blumenau são referenciadas à régua linimétrica da Ponte Adolfo Konder (Fonte: IPA/FURB) e as cotas de Rio do Sul referenciadas à régua situada próxima a Ponte Ivo Silveira (Defesa Civil). 33 expressivo e o melhor aparelhamento técnico-científico da Bacia do Itajaí, destacou-se no cenário nacional pelas inúmeras enchentes sofridas, exteriorizando muitas perdas e danos. Neste contexto, tornou-se a responsável maior pela condução desta discussão. Esta histórica convivência também permitiu a esta cidade maior adaptabilidade ao problema, como cita Lago (1983): O blumenauense há muito racionalizou procedimentos de ‘limpar a cidade’ e de re-arrumar equipamentos. Assim que as águas baixavam iniciava-se como rotina, a operação limpeza com tal eficiência que algumas horas depois, tinha-se a impressão de que nada de perturbador havia ocorrido na vida daquela dinâmica cidade (LAGO, 1983). 2.3.3 Agravante do Fenômeno Enchente no Alto Vale do Itajaí O desmatamento de maneira descontrolada, que ocorreu principalmente no ciclo da madeira, levou a maior compactação do solo. Práticas agrícolas trazidas pelos imigrantes, inadequadas às condições de clima e solo da bacia, como queimadas e a exigência de constante aumento na produtividade provocaram maior pressão sobre os recursos naturais, e como resultados, se obteve a destruição de florestas, erosão e perda da produtividade do solo, o assoreamento dos cursos d’água e o maior escoamento destas (MATTEDI,1999, POMPÍLIO, 1990 e FRANK, 1995). A Fig.2 mostra o gráfico do aumento da área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e suas prováveis conseqüências em termos do aumento enchentes ocorridas. do número de 34 Figura 2 - Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e frequência de enchentes a cada 20 anos. Fonte: IPA/FURB. Intervenções desconectadas de considerações ambientais em escala microregional, como alterações nos percursos naturais dos rios, com trajetórias mais condizentes a interesses pontuais, tem assumido proporções alarmantes. Butzke (1995), cita com preocupação em estudos feitos na cidade de Agrolândia, diversas intervenções como dragagens, retificações e alargamentos realizadas no Rio Trombudo, justificadas pela necessidade de ocupar as várzeas para a agricultura e para evitar enchentes. [...] Desde 1984, foram realizadas várias obras, que invariavelmente se apresentavam como soluções pontuais: liberavam a região a montante de alagamentos, gerando conseqüências negativas a jusante. Foram registrados, por exemplo: o aumento da velocidade da água, ocasionando assoreamento com pedras; o alagamento de algumas regiões ‘devido às curvas ainda existentes’; a tentativa de retorno do rio para o leito original em alguns locais onde foram feitos cortes de curvas Butzke (1995). 35 Para Frank (1995), essa forma de lidar com os rios não é exclusividade do estado de Santa Catarina, pois enchentes nos Estados Unidos foram agravadas por intervenções que visavam a aumentar a área agrícola. A mesma autora acusa a impropriedade com que são tratadas faixas não edificandis, matas ciliares de rios e ribeirões em toda a bacia e, sobretudo, os espaços rurais. As conseqüências são sentidas tanto em grande como em pequena escala e, como exemplo, cita os desastres sofridos pelos municípios da Bacia do Itajaí, num total de 255 eventos no período de 1978 a 1995. O ex-governador do Estado de Santa Catarina, Sr. Esperidião Amin Hellou Filho, que ganhou projeção nacional com as enchentes de 1983 e 1984, respondendo a questionamento em dezembro de 2000 (ver entrevista anexa), referiu-se à não vulnerabilidade do estado de Santa Catarina, frente às cheias. Afirma que não vê Santa Catarina vulnerável às cheias e que as cidades é que invadiram áreas potencialmente inundáveis muito próximas aos rios. Esta observação indica vulnerabilidade política ou falta de planejamento urbano que permitiu que as cidades tomassem conta dos espaços que deveriam ser destinados, legal e preferencialmente, às águas e seus escoamentos. O Rio Itajaí-abçú, e seus afluentes várias vezes saíram de seus leitos, inundando margens e áreas com cotas mais baixas. Para Frank (1995), Franco (2000) e Butzke (1995), as enchentes de maiores ou menores proporções fazem parte dos processos naturais. Butzke (1995) afirma que causas não naturais influenciam na ocorrência dos desastres, como expansão urbana descontrolada e dissociada do meio ambiente. A dinâmica de intervenção humana na bacia hidrográfica, com a instalação de cidades nas várzeas que também contribuíram para a formação de superfícies compactadas, as quais tenderiam a aumentar o volume de água superficial e a reduzir a capacidade de infiltração, modificou o padrão de ação dos agentes naturais, na formação de situações de emergência. Butzke (1995), aponta também o descumprimento de legislações voltadas a edificações e infra-estruturas físicas sem conservação e manutenção. As medidas de controle das inundações podem ser do tipo estrutural e não-estrutural. As estruturais modificam o sistema fluvial e as não-estruturais são àquelas onde os prejuízos são minimizados pela melhor convivência com o problema. Com a incidência de constantes cheias, várias técnicas e métodos foram propostos, discussões aprofundadas, pontos de vistas modificados e multiplicados enquanto crescia a ocupação urbana e a experiência com o problema. Tais medidas estruturais revelaram a presença do governo federal nas obras de 36 engenharia, controlando fisicamente os rios como: barragens, comportas, retificações, canalizações. O processo de formulação de tais medidas na Bacia do Itajaí teve início em 1957, quando aconteceram cheias com altas cotas em Blumenau. Como assinala Frank (1995), os estudos da década de 50 justificavam a implantação das barragens: Os estudos geo econômicos mostraram que, de um lado, os fatores energia e transporte constituem os problemas gerais que impediam o desenvolvimento da Bacia do Itajaí. De outro lado, evidenciaram que a intensidade com que progrediram as transações comercias na região, foi maior que a verificada nas regiões mais bem desenvolvidas da União, o que foi atribuído, numa primeira, análise, à predominância de transações à vista e diminuta participação de intermediários. Em resumo, foi comprovado o benefício econômico de investimentos em obras para uso múltiplo dos rios da bacia. Neste mesmo ano, através de um decreto do presidente da república, nomeia-se um grupo de trabalho, que ficou encarregado de concluir projetos e executar obras. Como obras principais de contenção, os estudos indicaram e o DNOS executou as barragens Oeste, em Taió; Sul, em Ituporanga e Norte, em Ibirama. O objetivo da construção destas barragens foi o de “tentar” resolver o grande problema das enchentes em Blumenau principalmente. 37 3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983 No capítulo anterior, trabalhamos o referencial teórico. O presente capítulo, objetiva contextualizar a formação e o desenvolvimento da área urbana de Rio do Sul, permitindo o entendimento de aspectos ligados a transformações provocadas pela grande enchente ocorrida em 1983. A evolução histórica será dividida da seguinte forma: Num primeiro momento será tratadO: a configuração espacial, situação e localização da bacia hidrográfica, índices de evolução demográfica e histórico da ocupação; posteriormente através da interpretação de mapas urbanos de diferentes épocas, objetiva-se entender a vinculação do momento econômico gerador, e a expansão urbana correspondentemente ocorrida. A utilização de fotos se fez necessária, objetivando o que este recurso permite. Os croquis e mapas inseridos, como forma de expressão, intencionam o esclarecimento de questões pontuais. 3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL A região do Alto Vale do Itajaí situa-se praticamente no centro do estado de Santa Catarina possuindo uma área de 95.442,9km2, representando 1,12% do território brasileiro, pertencendo a Bacia Hidrográfica do Itajaí que é formada por 7 subbacias estando a cidade de Rio do Sul, inserida na parte alta desta. 3.1.1 Bacia Hidrográfica O sistema de drenagem da vertente do Atlântico no Estado de Santa Catarina compreende uma área de aproximadamente 35.298 km2, ou seja, 37,00% da área total do estado, onde se destaca com 15.500 km2 (ATLAS de Santa Catarina, 1986). O Rio Itajaí-Açú, principal formador desta bacia hidrográfica, tem suas nascentes na Serra do Mar, em altitude de até 1.500 metros e estende-se no sentido leste-oeste, a partir do Oceano Atlântico, onde 38 despeja suas águas até encontrar a serra Geral, entre as serras do Espigão e o morro Campo dos Padres. As características térmicas e pluviométricas permitem classificar o clima como de subtropical chuvoso sendo que a precipitação média anual é de 1.500 mm (PINHEIRO, 1990 e POMPÍLIO, 1990). Na Fig.3 estão evidenciadas as principais cidades e rios inseridos nesta bacia. Figura 3 - Bacia do Rio Itajaí Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 49. O Rio Itajaí-Açú tem uma importância destacada no contexto hídrico estadual já que sua bacia trata-se da maior bacia, inteiramente catarinense. Este rio é formado exatamente no centro da cidade de Rio do Sul, no encontro dos rios Itajaí do Sul, proveniente da microrregião de Ituporanga, e Itajaí do Oeste, proveniente da microrregião de Taió. Atravessa parte significativa do perímetro urbano de Rio do Sul, ligando o Alto Vale ao litoral, em Itajaí 39 onde atinge a confluência com o Rio Itajaí-Mirim, e passa a se chamar somente Rio Itajaí. Percorre cerca de 185 km tendo como principais afluentes os rios Itajaí do Norte, Benedito, Testo, Garcia e Itajaí Mirim. Pelas características topográficas da Bacia Hidrográfica, o rio divide-se em Alto, Médio e Baixo, sendo que o rio e seus afluentes possuem perfis longitudinais bastante acidentados, cursos tortuosos, retilizados com várias corredeiras em decorrência das diferenciações geomorfológicas. O Rio Itajaí-Açú e seus afluentes apresentam declividades de linha d’água muito altas (Carta das Enchentes de 1987). A cobertura vegetal é bastante diversificada encontrando-se nela cinco das seis formações estabelecidas no estado de Santa Catarina. A floresta ombrófila densa ocupava quase a sua totalidade sendo que a dinâmica urbana e o ciclo exploratório da madeira modificaram a condição da cobertura vegetal da Bacia do Itajaí, restando pouco da floresta primitiva. Vale salientar que a descrição detalhada dos aspectos físicos, ambientais, e hidrológicos não são objeto deste estudo, que se volta para o estudo urbano. 3.1.2 Situação A cidade de Rio do Sul, cenário desta pesquisa, é pólo da micro-região da Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (AMAVI), composta por 28 municípios. Está situada no encontro dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, cujas bacias perfazem um total de 5.114km2, com área de 260,8 km 2 sendo urbana em aproximadamente 59 km2 . A Fig.4 delimita a área do município, mostra o perímetro urbano e evidencia os recursos hídricos. 40 Figura 4 - Mapa de Rio do Sul. Fonte: Acervo da AMAVI. Trata-se do município mais populoso da região do Alto Vale do Itajaí, com maior taxa de urbanização e com 93,74% da população vivendo em sua área urbana. 3.1.3 Aspectos Demográficos A evolução demográfica da cidade de Rio do Sul está diretamente ligada às investidas colonizatórias, construção de estradas, rede ferroviária e ciclo da madeira. O contingente populacional que se deslocou para esta cidade foi predominantemente composto por brasileiros. Citam-se sertanejos, deslocados de Blumenau, quando da Colonização Alemã e, posteriormente, descendentes desta mesma colonização. Em 1920, faz-se referência a uma população de 8.800 habitantes, sendo apenas 596 estrangeiros (PELUSO, 1942). Em 1940, a população de Rio do Sul, excluindo seus distritos, era de 25.220 habitantes. Nas décadas de 50 e 60 a população concentrava-se predominantemente no meio 41 rural e seguindo tendência nacional, esta situação foi invertida nos anos seguintes. O Quadro 2 a seguir expõe um aumento significativo do número de habitantes entre as décadas de 70 e 80, concentrado em Rio do Sul, já que a última emancipação de municípios ocorrera em 1964. Quadro 2 – Evolução demográfica de Rio do Sul ANO HABITANTES POP. URBANA POP. RURAL 1940 49.548 4.391 44.617 1950 57.152 8.650 48.502 1960 40.008 13.053 26.955 1970 27.917 19.590 8.327 1980 37.092 33.362 3.730 1991 45.679 42.766 2.913 2000 51.650 48.418 3.232 Fonte: IBGE, 2002. Analisando o Quadro 2, constatamos um decréscimo populacional entre 1950 e 1970. Neste período ocorreram desmembramentos de municípios como: Taió, em 1948; Pouso Redondo, Trombudo Central, Rio do Oeste em 1958; Lontras, em 1961; Laurentino, em 1962; Agronômica e Aurora em 1964. A Fig.5 permite a visualização da indicação dos movimentos de desmembramentos ocorridos. 42 Figura 5 - Desmembramentos de Rio do Sul Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 15. 3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO Para entendermos a alteração morfológica na interface urbana com os impactos das enchentes em Rio do Sul, se faz necessário o estudo da sua forma de ocupação. Esta situação está contextualizada numa dimensão maior que é o processo de ocupação do Estado de Santa Catarina. Seguimos então para a ocupação do Vale do Itajaí. 3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense Até o início do século XIX, o processo de ocupação de Santa Catarina caracterizavase por duas iniciativas paralelas, sem ligação entre si. Por um lado, na região litorânea, com a criação das cidades de São Francisco do Sul (1645), Desterro (1651) e Laguna (1676), 43 realizada pelos Vicentistas, Açorianos e Madeirenses, tendo como principal via de ligação o mar. E, por outro lado, a ocupação do Planalto Serrano, pelos Paulistas, com o estabelecimento de Lages (1771), Curitibanos e São Joaquim, que se comunicavam com o mar via Tubarão. A serra do mar, intermediária a estas frentes de ocupações, constituía-se num grande obstáculo. Em 1850, com o estabelecimento da Colônia Blumenau, visando às comunicações, fez-se necessária à abertura de uma ligação até Curitibanos, já que o caminho para o Planalto era imensamente maior pelo litoral. A área existente entre o Litoral e o Planalto representava então, um “vazio demográfico” e a necessidade de sua ocupação, como elo comunicante, constituía-se uma política e uma necessidade. A Fig.6 caracteriza as origens da colonização européia do estado de Santa Catarina. Figura 6 - Origem do povoamento em SC Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 77. 44 3.2.2 A forma de ocupação Hermann Blumenau e seu sócio Fernando Hackradt obtiveram a concessão para a compra de terras devolutas para o estabelecimento, em território catarinense, de uma Companhia Colonizadora. Com base nesta concessão, foi criada a Colônia Blumenau. A partir desta iniciativa marca-se a entrada de inúmeros imigrantes, principalmente, alemães4 e italianos, mas também poloneses, austríacos, suíços, espanhóis, franceses, portugueses e russos. A Colônia prosperou e, conseqüentemente, uma grande região periférica a Blumenau começou a ser explorada. A partir do padrão de ocupação do espaço geográfico e das formas de manejo dos recursos dessa região é que passam a se registrar os primeiros casos de situações de emergência com enchentes no Vale (MATTEDI, 1999). Visando à ligação necessária com o planalto, Emil Odebrecht promoveu expedições em 1863 e 1867. Abriu uma picada, que em 1874 transformou-se num “caminho” para cargueiros. Durante muitos anos, esta picada foi a única ligação entre Blumenau e o Planalto (PELUSO, 1942 e SIEBERT, 1997). Os sertanejos, que habitavam Blumenau antes da instalação da Colônia, em função do contínuo aumento desta, foram deslocados gradativamente para as terras vagas, existentes rio acima, no caminho de Curitibanos. Em 1892, uma balsa é construída próxima à confluência dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, na localidade de Passo do Humaitá (hoje Rio do Sul), melhorando em muito o percurso e potencializando mais ocupações. Através da Sociedade Colonizadora Hanseática, se estabeleceu o núcleo de colonização Hamônia (hoje Ibirama), que recebeu mais imigrantes europeus em 1897 e 1917 (SIEBERT, 1997). Rio do Sul, como fruto da expansão de Blumenau, cresceu com a imigração das populações jovens, das comunas circunvizinhas de colonização européia. As terras devolutas foram vendidas por colonizadoras subseqüentes, sendo também utilizadas como pagamento para construção de estradas, que aconteceram em 1908 e 1911. A região ocupada pelo município de Rio do Sul era território histórico dos índios Xokleng que entraram em constantes atritos com os colonizadores. Em 1919, o governo abre novas frentes colonizadoras, por intermédio de empresas menores5 que atuavam junto com a Sociedade 4 Sob a denominação de alemães, englobamos todos procedentes da Alemanha independente da região de origem 5 Como Luis Bértoli Senior (1920); Victor Gaertner (1923); Cia. Salinger (1929). 45 Colonizadora Hanseática, atraindo residentes do litoral e italianos, que em função dos problemas com os índios, aglomeram-se visando à segurança, em pequenos povoados, como Lontras, Matador e Bela Aliança (PELUSO, 1942, p. 26). 3.2.3 O modelo de ocupação utilizado A colonização e a distribuição de terras no Vale do Itajaí seguiu a forma própria de colonização alemã conhecido por Waldhufendorf6 (RENAUX, 1987). O tamanho de lote mais utilizado foi o de 25 hectares. Foram marcados7, perpendicularmente, através de uma picada, que servia como via de acesso principal, aberta na mata. Distribuídos paralelamente, condicionados pela topografia, acompanhavam rios, picadas,8 ou ribeirões em direção ao fundo dos Vales. “No processo de colonização a água determinou tudo”, roteiro, caminho, estrada (JAMUNDÁ in SIEBERT 1997). Dispostos sob forma alongada permitiram otimização no aproveitamento das terras planas das várzeas, abastecimento de água e garantiram a comunicação. Os lotes precisavam ser pequenos, pois estes colonos, devido às suas origens sociais, não conseguiam viver isoladamente, além da intenção de se preservar o espírito comunitário (RENAUX, 1985). Suas proximidades justificavam preocupação com uma planificação territorial, embora Seyferth (1990) afirme que na região de Blumenau não se tratou de povoamento espontâneo, mas sim, determinado pela política de colonização do estado. O tamanho da propriedade representou um aspecto crucial para o entendimento do padrão de manejo dos recursos que se estabeleceu na região, porque por meio dele detectamse os condicionantes das pressões sobre a base dos recursos naturais. O solo deveria ser explorado ao máximo para providenciar o pagamento do lote e a necessidade de subsistência. Os colonos tinham a responsabilidade de povoamento para com a colonizadora sob pena de terem que devolver o lote9. Os vendeiros também estimulavam este tipo de conduta. As 6 O Waldhufendorf, consiste na distribuição de lotes contínuos-Hufen às famílias camponesas, (RENAUX, 1987, p. 39). O Hufen era marcado a partir de uma via fluvial, assegurando o direito a água, estendendo-se até o topo de uma montanha em estreitas faixas de 100 a 300 metros de largura por um a mais quilômetros de extensão, constituindo uma propriedade particular. 7 Giuseppe Landrini, em 1909, é apontado como o agrimensor responsável pela demarcação das terras outrora devolutas. 8 Transformadas posteriormente em vias carroçáveis e importantes acessos viários. 9 Havia a exigência da construção de uma casa e plantação de mil braças quadradas de roça. 46 ocupações eram iniciadas com a derrubada da floresta (MATTEDI, 1999). Segundo o modelo de assentamento utilizado em Blumenau, vemos que o Alto Vale seguiu a tendência de “Strassendorf” (aldeia estrada). Podemos constatar o desenvolvimento de pequenas povoações nas confluências e ao longo dos rios como Lontras, Rio do Sul e Rio do Oeste. Citamos também o caso dos seguintes bairros em Rio do Sul com estas conformações: Valadas São Paulo e Itoupava; Fundo Canoas, Bela Aliança, entre outros. Como aconteceu em Blumenau, estas localidades foram forçadas a ocupar áreas de risco em função da lógica de produção de espaço urbano citada por Mattedi (1999) e também por Siebert (1997). Nos cruzamentos das picadas coloniais, aparecem pequenos povoados com vendas10, que se destacavam como centro da vida econômica do lugar. Citam-se casas dos dois lados da rua, oficina de carpinteiro, ferreiro e instalações de artesões que, associados a uma capela e salão de festas, formavam vilas que os colonos alemães denominavam de Stadplätze11. Estes possuíam função urbana, mesmo não sendo cidades (RENAUX, 1987; SEYFERTH, 1990; MATTEDI, 1999). Em função da demarcação, as propriedades rurais tinham forma retangular, divididas no sentido longitudinal. Receberam o nome de “colônias”. Os espaços internos aos lotes refletiam a policultura, associada à criação de animais domésticos visando à subsistência familiar. Na visualização da colônia, a casa estava junto à estrada, próxima dos galpões para criação de animais e da horta. As roças eram feitas a partir das várzeas indo até ao pé das encostas. A colina nunca era inteiramente devastada, permitindo reserva de lenha (SEYFERTH, 1990). 3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA Na organização urbana de Rio do Sul observamos a necessidade da compreensão dos 10 As “vendas”, segundo Renaux (1985, p. 40), constituíam o local para onde afluía a produção comercial da época. Lugar de troca, ponto de encontro. 11 O Stadplatz diferencia-se do modelo urbano português por se estabelecer na confluência dos rios, expandindo-se paralelamente aos rios. (LAGO apud MATTEDI, 1990, p. 105). 47 ciclos econômicos vividos, já que estes reproduziram um modelo de cidade compatível com suas necessidades. Para compreender o urbano deve-se analisar e comparar os diferentes períodos históricos de forma bem abrangente. A análise espacial foi subdividida considerando: a) Braço do Sul, enquanto Vila de Blumenau, em fins do século XIX; b) Bella Alliança, na condição de Distrito de Blumenau em 1912; c) Rio do Sul, como cidade emancipada em 1931. 3.3.1 Braço do Sul Braço do Sul foi uma vila pertencente a Blumenau, situada na confluência dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, também conhecida por Südarm. O Braço do Sul, como foi chamado o Rio Itajaí do Sul, era o rio que realmente precisava ser atravessado por tropas, viajantes ou cargueiros, quando o destino fosse o Planalto ou no caminho inverso, o litoral. Para esta travessia, utilizava-se primeiramente o “Vau”12 existente, e posteriormente uma balsa. Na Fig.7, sem denominação de data, podemos ver a travessia das tropas de gado. 12 Parte rasa do rio que permitia a travessia. 48 Figura 7 - Passagem de tropas Fonte: Acervo Foto Marzall, sdd. A ocupação deste primeiro núcleo não se deu exatamente na confluência dos dois importantes rios, devido às enchentes já conhecidas na época. O “Picadão de Curitibanos, para fugir às inundações afastou-se do rio, conservando-se na parte mais alta do terreno adjacente” (PELUSO, 1942). Este autor refere-se ao Porto da Balsa no Braço Sul, próximo à confluência, como o elemento de formação da cidade. Embora a ocupação urbana acontecesse em áreas mais altas das margens, esta pesquisa defende a “confluência dos rios” como o verdadeiro nó estruturador da malha urbana e da ocupação regional. A história de Rio do Sul, e de parte do Alto Vale, começou neste encontro de rios. A esta confluência foram atribuídos vários fatos marcantes como pátio de rituais indígenas em 1864; ponto de passagem de colonizadores e revolucionários em 1893; primeira moradia do fundador da cidade; primeira roça e balsa; primeiro hotel de tropeiros; casa comercial; posto fiscal; escola; igreja; primeiro cemitério; primeira e maior indústria do Alto Vale (CARDOSO, 1991). Foi ponto de parada, de mudança de rumo, de descanso e de referência na imposição da paisagem. Em 1904 a Companhia Colonizadora Hanseática recebeu a concessão para construir e explorar uma ferrovia, cuja construção iniciou em 1906 entrando em funcionamento em 1910. 49 A travessia dos rios, nem sempre facilitada em função das enchentes, promoveu a expansão deste vilarejo com atendimento de serviços afins às necessidades presentes. Em 1905 a vila contava com 8 casas e venda13. Com o povoamento e aumento de trânsito somaram-se mais serviços. Neste contexto, destacamos a figura do vendeiro. Apossado de um ambiente territorial favorável, dá os primeiros passos no sentido da estruturação da urbe. Negociou com o colono o excedente de sua produção, em espécie e em recursos financeiros e Seyferth (1974) menciona o domínio econômico exercido sobre o colono, impondo-lhe sua forma de negócio. Este aproveitou localização estratégica nas encruzilhadas coloniais para garantir o sucesso do comércio e na maioria das vezes cresceu e se impôs em condição máxima no cenário econômico colonial (PELLIZZETTI, 1985; RENAUX, 1987). Envolvido no mercado, definia preços dos produtos aos colonos, isolados, enquanto servia-lhes de interlocutor. Foi responsável também pela articulação das unidades produtivas coloniais, auxiliando o colono a entender o seu papel no conjunto econômico da colônia. Os vendeiros expandiram seus negócios para além dos entroncamentos coloniais e ganharam espaços no Stadtplatz14, (BUGGENHAGEN apud RENAUX, 1987). As encruzilhadas alimentaram os comércios. A vila se expandiu e, na dúvida da escolha do destino, o passageiro parou, hospedou-se, comprou e promoveu gradativamente a ampliação do lugar de paragem. 3.3.2 Bella Alliança Braço do Sul expande-se e, em 13 de março de 1912 pela Lei Municipal nº 61, transforma-se no 5º Distrito de Blumenau, com o nome de Bella Alliança. A nova denominação, associada ao encontro dos rios, evidenciou a importância da água no cenário local. A confluência continuou a ser tratada como um ponto referencial muito forte. O Distrito de Bella Alliança, como pode ser observado na Fig.8 a seguir, em mapa interpretado, estava no caminho do Planalto. 13 A primeira casa comercial ou venda e um modesto hotel, foram de Rodolfo Odebrecht em 1904 50 Figura 8 - Mapa da colônia Fonte: Acervo Beatriz Pellizzetti. Vivendo do comércio mantido pelos colonos, o núcleo de Bella Alliança impôs-se às demais povoações (Lontras e Matador), por ser “Centro de Abastecimento” da área mais povoada. A condição de Distrito trouxe funcionários públicos e feições urbanas ao núcleo. Desenvolveu-se a exploração da madeira na vizinhança deste Distrito acarretando-lhe movimento e crescimento, com prestação de novos e diferenciados serviços, destinados não somente a lavradores. As Companhias Colonizadoras quando vendiam os lotes, faziam a reserva das madeiras nobres e na preparação das roças, o resgate destas implicando sempre em mais derrubada. No meio agrícola, o povoamento foi intensificado com agricultura de subsistência, em minifúndios explorados por grupos familiares, de modo que Pellizzetti (1985) definiu como predominantemente rural a vida em Bella Alliança. O tamanho dos lotes e também suas condições topográficas não permitiram uma produção agrícola em larga escala. O colono solidificou sua independência na policultura, pois não poderia se arriscar num mercado irregular produzindo mandioca, milho, frutas, feijão e, como produto comercial, o fumo. O crédito agrícola era uma necessidade da classe rural, destinado ao melhoramento da produção. As políticas nacionais não respondiam às expectativas e precisava-se de um sistema de crédito que financiasse o agricultor durante o ciclo vegetativo de sua produção. Ermembergo Pellizzetti, então deputado estadual, funda em 14 Sede da Vila. 51 1928, o Banco de Crédito Popular e Agrícola de Bella Alliança (PELLIZZETTI, 1985). Tratava-se de uma sociedade cooperativada de crédito, no sistema Luzzatti15. Capitalizando economias, realizava operações bancárias, responsáveis por um significado crescimento do pequeno trabalho, e do setor econômico do Distrito. Figura 9 - Banco de Crédito Agrícola 1928. Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., 1985. O Banco de Crédito Agrícola16 fornecia empréstimos aos colonos e também atendia aos comerciantes em geral, porém a estes, com prazos menores. Estes recursos, sem a menor dúvida, ajudaram a estruturar a forma urbana do Distrito (PELLIZETTI, 1985). Pretendendo repassar e aumentar conhecimentos ligados à produção agrícola entre os colonos, Ermembergo Pellizetti implanta também as Domingueiras Agrícolas. Tais reuniões, mensais ou bimensais, serviam para divulgações, reuniões e organização de campanhas, envolvendo as indústrias da lavoura (PELLIZETTI, 1985). Os pequenos engenhos de farinha e atafonas, existentes nas colônias, produziam açúcar, cachaça, fubá, farinha, e eram conhecidos como indústrias ligadas à lavoura que para Raud (1999), se desenvolveram alicerçadas no conhecimento técnico-científico e comercial dos colonos, e de um mercado que lhes permitiu 15 Luzzatti funda na Itália em 1864 os primeiros Bancos Populares, baseados em modelo alemão, por ele aperfeiçoado (PELLIZZETTI, 1985). 16 Este foi o primeiro Banco Cooperativo Popular Agrícola fundado em zona rural no estado de Santa Catarina. Contava com a participação de pioneiros da colonização de Rio do Sul como: Ermembergo Pellizzetti, 52 valorizar os recursos naturais locais. Os colonos trabalhavam nas pequenas indústrias, serrarias, olarias e cervejarias de forma suplementar, desde que sua mulher e seus filhos conduzissem a lavoura, buscando ampliação de seus capitais. Embora o sistema de colonização agrícola adotado na região de Blumenau não fora bem sucedido, sua expressão residiu no fato de anteceder e preparar a industrialização que viria posteriormente. Importava, nesta etapa, não o saldo global excedente, mas sim o acúmulo de reservas a serem investidos em terras, bens e na livre iniciativa (RENAUX, 1987). Deduzimos que no Distrito de Bella Alliança, seguindo os moldes de Blumenau, isto também tenha acontecido. Em Rio do Sul e no setor industrial, faz-se referência ao aparecimento da primeira serraria em 1915, na década seguinte de uma fábrica de charutos, chapéus de palha e vassouras. O Distrito é atendido na década de 20, com Energia Elétrica, instalação de água e ponte pênsil entre outras melhorias (TOMASONI apud KLUG, 2000). A Fig.10 mostra a Rua Carlos Gomes, aproximadamente em fins da década de 20, onde se pode observar um certo alinhamento das edificações ao longo da principal via de passagem. Figura 10 - Rua Carlos Gomes Fonte: Acervo Foto Marzall Walter Baugarten, Ewald Koschel, Domenico Largura, Adolfo Frischknecht, Willy Hering entre outros (PELLIZZETTI, 1985, p. 66). 53 “A rua é o lugar do encontro [...] Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os quais não há vida urbana”, Lefebvre (1999, p. 29). No traçado do distrito, interpretado na Fig.11, ficam evidenciadas as principais atividades como comércio, moradia e produção que procuram a melhor localização no território, de preferência junto a caminhos de acessos ao vilarejo ou eixo estruturante. Figura 11 - Uso do Solo em Bella Alliança interpretado Fonte: Acervo do Autor, 2002. O eixo estruturante de circulação Blumenau/Lages atravessa o núcleo urbano, localizado muito próximo do encontro dos rios Itajaí do Sul e Oeste. O atendimento do vilarejo foi, com funções urbanas voltadas a moradias, hotéis, ferrarias, farmácia, açougue, funilarias, cervejaria, comércios e serviços institucionais como correio, escolas, igrejas, casa do tabelião. Visando a manutenção dos caminhos para o planalto, destaca-se em 1918, a instalação de primitivos Postos Fiscais. Em 1919, Bella Alliança contava com 5.150 habitantes e CARDOSO (1991) cita o surgimento do primeiro hospital em 1926, do Grupo Escolar Paulo Zimmermann e do Colégio Maria Auxiliadora em 1928. A principal fonte econômica nos anos 20 era a cobrança de impostos pela passagem do gado em tropas, com 54 destino ao litoral (COLAÇO, 2000). A acomodação das edificações urbanas não se processa por meio de uma planificação pré-elaborada. O sistema viário único e precário constituía-se no grande problema a vencer. Seu desenvolvimento seguia preferencialmente o curso das águas e o contorno dos morros. Em 1929, iniciaram-se as obras para construção do trecho da ferrovia que ligaria Lontras a Rio do Sul. Pellizzetti (1985) afirma que havia promessas políticas feitas a Ermembergo Pellizzetti para a conclusão de tal obra, já que as enchentes, prejudicando os transportes, foram responsáveis pelas crises da colheita em 1927 e 1928. A ferrovia chegou a Lontras em 1929, vencendo a íngreme serra existente entre Ibirama e Lontras e a Rio do Sul em 1933 e foi prolongada de Blumenau a Itajaí, para ser atendida pelo porto daquela cidade.Esta ferrovia foi construída também com o objetivo de proporcionar o escoamento da produção madeireira e deveria ainda atingir o Planalto Serrano18 e posteriormente a Argentina. Sob o comando de Gino Alberto de Lotto17, os trilhos atravessaram o Distrito de Bella Alliança, imprimindo-lhe uma nova forma e o compromisso com o desenvolvimento. Com expressiva produção da fécula, Bella Alliança seguia economicamente em alta, embalada na produção das pequenas indústrias, conferindo a Blumenau confortáveis índices de arrecadação. Esta condição, sensível aos moradores do Distrito, não tardou a ser objeto de luta do então deputado estadual Ermembergo Pellizzetti, pró-emancipação do Distrito de Bella Alliança. 3.3.3 Rio do Sul O aumento de produção agrícola e poupança aliados à extração da madeira, promoveram à condição urbana, elevando o distrito à cidade. Santos define cidade, “como um lugar de atividades não agrícolas” (1994, p. 53). O corte do vínculo com Blumenau concentra em Rio do Sul uma nova opção de pólo regional. Os bancos comerciais apontaram em busca do dinheiro da madeira. A função de apoio ao colono e o Banco Agrícola perdem expressão. 18 Fato que acabou não se concretizando já que os trilhos pararam em Trombudo Central. Engenheiro italiano, radicado em Rio do Sul no pós-guerra, que responsabilizou-se por inúmeras construções como as pontes Curt Hering e dos Arcos, Catedral São João Batista, Colégio Maria Auxiliadora, antigo Clube Concórdia entre outras. 17 55 Raud (1999) destaca preocupação com caixas de poupança e crédito no início do século XX e salienta a atuação dos Bancos Comercias nos anos 30. A economia passa a ter outros interesses, como o comercial, e a cidade muda de aspecto, adaptando-se. No que se refere à formação de cidades, Ribeiro (1985) destaca: Muitas cidades começavam em terrenos descampados com divisas situadas nos topos dos morros, assegurando o acesso à água que corria no fundo do vale”. Referindo-se ainda à formação das cidades, afirma que “os caminhos passavam onde a conservação e o tráfego se faziam mais fáceis, surgindo praça, igreja e casas. Loteando-se áreas rurais, expandia-se o vilarejo tornando-se vias urbanas os caminhos onde surgiam os comércios e as suas inúmeras ramificações, dando origem ao tecido urbano. Os vales úmidos, de difícil e custoso saneamento, permaneciam desocupados por muito tempo, até que movidos pela especulação imobiliária, pudessem ser drenados e urbanizados. Neste sentido, a cidade de Rio do Sul seguiu regras similares de ocupação. Ocupou o eixo principal de passagem, foi formando o centro e posteriormente foram acontecendo as ocupações dos vales, seguindo propostas de parcelamentos da época. O meio ambiente e sua base topográfica acidentada, com paisagens descontínuas, trechos planos e vales, desempenharam um importante papel. A cidade se edificou na várzea, formada pelos dois vales dos dois rios. Para fugir das enchentes, não ocupou áreas muito baixas (PELUSO, 1942). Trata-se de uma cidade espontânea, surgida ao redor de um estrangulamento ambiental, num percurso único. Em 1930, instala-se a Comarca de Rio do Sul e em 15 de abril de 1931 é criado o município Elevado à categoria de sede, Rio do Sul é emancipado com três distritos: Taió, Trombudo Central e Pouso Redondo. O prefeito nomeado foi Eugênio Davet Schneider e o engenheiro Gino Alberto de Lotto tornou-se um grande colaborador, responsabilizando-se pelo primeiro Plano Regulador e mapa cadastral de Rio do Sul. Demonstrou, elaborando este mapa, preocupação com o crescimento ordenado tratando da setorização de espaços. Na Fig.12, como pode ser visto, o engenheiro previa ocupações residenciais no Morro da Boa Vista, Budag, Canoas e Jardim América. Fica visível o planejamento da cidade para o automóvel e a conformação urbana aberta para além do eixo original estruturante, espalhando-se. 56 Figura 12 - Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado Fonte: Museu Histórico. POLEZA, Maristela M., 2002. A preocupação com as enchentes foi retratada no traçado proposto, já que o referido mapa indica alguns espaços, como a margem esquerda do Rio Itajaí-Açú, hoje Bairro Canoas, pertencente na época quase que exclusivamente à família Odebrecht, como “áreas alagadiças”. Estas áreas foram excluídas da interação urbana sem indicação de uso específico. O sistema viário, com desenho ortogonal arrematado em curvas concordantes, “não segue rigorosamente os rios, se afastando deles, fugindo das baixadas inclusive” como salienta Peluso (1942). A opção adotada de traçado urbanístico pode levar ao entendimento de que estas áreas, mapeadas como alagadiças, por não terem indicações de uso, não deveriam ser ocupadas sendo preservado então, o espaço das águas. O desenho predominantemente retilíneo do sistema viário traduzia a intenção da ocupação de áreas preferencialmente planas. Verifica-se a opção de retificar a cidade, organizando glebas setoriais. Nos morros o 57 arruamento foi acomodado acompanhando a topografia19. No mapa produzido por Gino Lotto se pode concluir que todo seu cuidado estava voltado para a estruturação da urbe. A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Lontras, em 1934, permitiu continuação do desenvolvimento, nesta década. Na década de 40, o aglomerado com características urbanas se expande, e passa a ser atendido também com transporte coletivo e maior infra-estrutura, incrementando-se o transporte de cargas e pessoas, movimentando a cidade e avançando a urbanização. A afirmação de Peluso, em 1942, de que “...os aterros previstos, não foram viabilizados devido aos altos custos” pode sugerir outro viés de análise, referente às áreas alagadiças. A pressão imobiliária e a construção da ponte Waldemar Bornhausen na década de 50, ligando o centro ao Bairro Canoas, pode ter alterado a proposta original das áreas alagadiças, indicados definidas por Gino de Lotto, com atribuição de uso mediante aterro . Singer afirma que “A cidade é via de regra a sede do poder e da classe dominante”, que, provendo trabalho, passa a atrair o contingente populacional que requer os serviços de infra-estrutura necessários. As cidades atraem a indústria devido a fatores como mão-de-obra e mercado, e posteriormente a mesma devolve novas possibilidades de emprego e suscita serviços e para indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização, e para Castells (1983) o processo inverso também é importante, onde há matérias-primas e meios de transporte a indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização. Nos anos 40, o extrativismo da madeira foi o alavancador do desenvolvimento industrial de Rio do Sul. Rodolfo Odebrecht construiu, na confluência dos rios, a maior serraria do Alto Vale do Itajaí, iniciando Rio do Sul no setor industrial. Para Peluso (1942), a localização desta serraria produziu grande economia no transporte, já que as toras de madeira desciam por ambos os rios até chegarem ao seu pátio conhecido como Porto das Madeiras. Considerando que o maior problema encontrado pelas serrarias sempre foi o transporte, é possível imaginar o quanto tal medida acelerou ganhos. Cardoso (1991, p. 48), afirma que “...a possante máquina a vapor que servia a serraria, funcionava 24 horas por dia, atendia a indústria durante o dia e a noite propiciava iluminação pública” 19 O parcelamento proposto para o morro da Boa Vista pode estar ligado ao fato de ter acontecido em terras do então prefeito, Eugênio D. Schneider que promoveu um longo processo de parcelamento daquelas áreas. 58 A cidade dava as costas para os rios, que não foram aproveitados como paisagem cênica. Conforme referência feita anteriormente o entorno da união dos rios sedimentou-se como um forte ponto de referência regional. Os rios encontram-se no ponto que era conhecido como “Bella Alliança”20, onde começa o Rio Itajaí-açú. Figura 13 - Encontro dos rios Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., sdd. O aumento das industrias continua pela próxima década21, comprovando que urbanização e industrialização estão intimamente relacionadas. A madeira foi a principal fonte de renda e Rio do Sul explorou o fato de estar inserida numa região economicamente extrativista, com relevo acidentado. Em função da topografia, quase todos os rios e ribeirões, possuidores de cachoeiras e saltos, foram largamente utilizadas pelas serrarias, na obtenção da energia hidráulica (PELUSO, 1942). A exploração de tais condições serviu-lhe nas intermediações de transações comerciais, para imposição gradativa no cenário econômico regional e estadual. 20 Hoje usa-se a expressão “encontro dos rios” para referir-se àquele ponto, já que existe um bairro e uma rua com o nome de Bela Aliança. 21 TOMASONI cita que em Rio do Sul nesta época havia 39 fecularias, 140 serrarias e 13 fábricas de móveis. (in KLUG, 2000, p. 163). 59 Com o desenvolvimento deste extrativismo, reforça-se a condição de praça de negócios. Quando se compra mais, as cidades produzem mais, trocam mais excedentes entre si e, conseqüentemente, podem expandir-se e vêem seus espaços, elementos e relações aumentadas: crescem e se especializam em determinadas atividades. Para Lefebvre (1999, p. 30) “...o mundo da mercadoria se desenvolve na rua [...] a organização neocapitalista do consumo mostra sua força na rua”, e a Fig.14 nos passa um pouco deste movimento encontrado nas ruas de Rio do Sul na década de 40. Figura 14 - Movimento no centro urbano Fonte: Acervo Foto Marzall. O comércio expandiu-se com inúmeras filiais de Blumenau. No ramo alimentício, destaca-se a produção de erva-mate22 e fécula. Em 1941, instalam-se as Indústrias Gerais Ouro, atuando no beneficiamento de café, doces, aguardente e sabão, chegando a exportar seus produtos. A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Barra do Trombudo, em 1937, garantiu maior saída para produção interna, imprimindo mais desenvolvimento. Quanto mais interiorizada fosse a ligação com o Porto de Itajaí, maiores seriam as possibilidades de negócios. 22 Os exportadores adquiriam toda a erva mate produzida. 60 A Segunda Guerra Mundial dificultou a importação de matérias-primas, insumos e máquinas, mas também abalou as exportações, gerando um requisito interno da máquina industrial nacional, já que cessaram importações. Surgem com isso possibilidades de atendimento ao mercado interno. Renaux (1987) afirma que a Indústria Catarinense foi testada em relação a sua capacidade de resposta e estava lançado o desafio, que representava o campo deixado livre pela concorrência externa, que se retraiu. Para muitas indústrias foi o momento de conquista definitiva, de espaços próprios (RENAUX, 1987; RAUD, 1999). Na década de 50, a população concentra-se no núcleo urbano, embora a grande maioria fosse residente na área rural23. Neste período, existiam 114 indústrias na cidade das quais 29 na produção de fécula, demonstrando a importância desde setor na economia local. No ramo madeireiro, 22 indústrias estavam ligadas à sua extração. Ocorreram indústrias ligadas à extração de argilas, carvão vegetal e pasta mecânica, também são citadas como importantes (TOMASONI apud KLUG, 2000). Como conseqüência da sedimentação de variadas atividades industriais, o comércio se expandiu oferecendo mais serviços, tornando-se evidente a necessidade de mais espaços destinados à habitação. Criam-se também instituições regionais e coorporativistas. Rio do Sul passa a ser considerado referencial regional. As cidades vizinhas, com economia predominantemente agrícola, apresentam grande deficiência na prestação de serviços em geral. O jornal Últimas Notícias trazia a seguinte manchete sobre Rio do Sul na década de 50: Nossa cidade vem tomando um aspecto mais belo e de mais moderna com a instalação de anúncios luminosos por parte de várias firmas comerciais que funcionam nesta praça. A vista noturna do centro, atualmente, já é algo que chama a atenção de todos, pois aqui e acolá, há um conjunto de cores embelezando o frontispício dos prédios. Quem já teve a oportunidade de apreciar uma vista noturna de Rio do Sul , mais do alto, bem pode constatar a beleza desta inovação que tomou conta da cidade. Merecem menção especial as firmas comerciais que tiveram a feliz idéia desta iniciativa; colaborando assim para o embelezamento de nossa cidade. Vai assim Rio do Sul, pouco a pouco se modernizando, o seu progresso incontestável é bem um atestado de um futuro grandioso que lhe é reservado24 (COLAÇO apud KLUG, 2000). 23 24 TOMASONI, 2000, p. 166 Últimas Notícias. 06.09.1956, Nº 25, p.1. 61 A economia catarinense na década de 50 ocupou 44% da economia nacional com um modelo produtivo em que predominava a indústria. O elemento determinante na industrialização da madeira foi a existência de mercado local (RAUD, 1999). Com o ciclo da madeira em alta, desenvolveu-se mais a industrialização. O setor metal-mecânico, trabalhando em parceria com o setor madeireiro, amplia incrementando a urbanização (RAUD, 1999). O crescimento econômico gerou conseqüente atração e migração de mão de obra para a cidade, instalando-se em Rio do Sul e região, como nas demais cidades industriais, um processo de êxodo rural. A indústria, segundo Lefebvre (1999), implanta-se próxima às fontes de energia e de matéria prima, das reservas e da mão de obra. Se ela se aproxima das cidades é para aproximar-se dos capitais, dos mercados dos capitalistas e de uma mão-de-obra de baixo preço. Referindo-se a migrações, Castells (1983) afirma que a fuga para a cidade é considerada muito mais como resultado de um “push” rural do que um “pull” urbano, quer dizer, tem a ver mais com a decomposição da sociedade rural do que com o dinamismo urbano. A população de maior poder aquisitivo tende a habitar os locais mais seguros, enquanto a mais carente se instala em pontos de maior risco. As pessoas com baixo poder aquisitivo são atraídas para a cidade alojando-se em sub-habitações em áreas de risco, como margens de rios ou encostas. A primeira subocupação conhecida em Rio do Sul, mostrada na Fig.15, deu-se junto ao Rio Itajaí –Açu e ficou conhecida como “Beira”, chegando a perfazer um total de 380 pessoas, com procedência provável da própria região do Alto Vale, destinadas a trabalhar em serrarias e com o comércio de Rio do Sul. Este local atualmente é ocupado pelas instalações do campus universitário da UNIDAVI no Bairro Jardim América. 62 Figura 15 - Beira 1954 Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60. Esta ocupação aconteceu justamente no Jardim América, área central, parcelada e considerada de alto valor. O assentamento naquele local pode ser explicado pela ocupação de uma “beira” de terra excluída do projeto original do parcelamento. Com a problemática social instalada, políticos pronunciaram-se, solicitando medidas no sentido de erradicar tal situação que segundo eles, envergonhava a cidade25. Na década de 70, a favela foi deslocada, não por estar à beira do rio e trazer perigo a seus habitantes, mas para ceder lugar à Universidade, de tão “nobre” que era considerado aquele espaço. A casa máxima do saber local, atestando também desconhecimento da condição ambiental, como a cidade que ocupou a várzea, instala-se na beira do rio. Na década de 50, as principais edificações concentravam-se no centro urbano, em estrutura originalmente linear plana. Observa-se sobreposição de diferentes atitudes urbanas, de formas espontâneas e desajustadas coexistindo, como comércios, serviços e residências. Embora sendo pequena, a superfície edificada já apresentava obras importantes como: indústrias, igrejas, pontes, hospitais, residências, bancos, colégios e casas comerciais de porte. A zona comercial estendeu-se pelas principais ruas e as indústrias desenvolveram-se sem 25 O deslocamento desta população aconteceu na década de 70. 63 apresentar muita coerência quanto à ocupação do solo, que não obedecia a regras de planejamento urbano. O sistema viário não era planejado e hierarquizado, acontecendo entre rios e morros que nesta época não ofereciam muito estímulo à ocupação urbana, embora já abrigassem, especificamente no Bairro Boa Vista, uma população significativa. Esta ocupação, destituída de infra-estrutura, era fruto do parcelamento acontecido na década de 30, em terras de Eugênio Schneider. A Praça Ermembergo Pellizetti é construída na gestão do prefeito Waldemar Bornhausen em área central, caracterizada na Fig.16 e concluem-se nesta década as obras da Igreja Matriz. Figura 16 - Praça 1954 Fonte: Acervo Particular do Autor. O aumento dos transportes coletivos na década de 50 foi considerado como um indicador do incremento industrial. Criaram-se ligações com municípios vizinhos e uma nova 64 rodoviária foi construída. A cidade desenvolveu-se como eixo prestador de serviços regionais a partir da década de 50 e passa a ser intitulada e conhecida como Capital do Alto Vale do Itajaí. Em 1954, Rio do Sul sofre uma enchente considerada grande. Algumas áreas urbanas apresentaram maiores possibilidades de inundação. As mais suscetíveis, localizadas nos bairros Canoas, Budag, Barra do Trombudo e Santana, em função da condição natural de expansão dos rios, ofereciam preços de terrenos mais acessíveis. Como tantas outras cidades da Bacia Hidrográfica do Itajaí, a cidade de Rio do Sul instalou-se numa várzea. O centro comercial urbano deslocou-se em função de pontos de interesses típicos de cada época, sedimentando-se em local teoricamente mais seguro em relação à chegada das águas. A rápida industrialização gerou aceleramento da urbanização, havendo uma grande procura por áreas próximas ao centro. Aconteceram ofertas de áreas anteriormente destinadas ao alagamento dos rios como no Bairro Canoas. A construção de uma ponte ligando este bairro ao centro na década de 50 acelerou o processo de sua urbanização. Na década de 60, Rio do Sul consolidado como um importante pólo regional expõe através do uso urbano e de suas edificações o lucro obtido no ciclo econômico da madeira. A urbanização aumenta, a arquitetura segue elementos da Art Decô26 e a forma urbana demonstra uma cidade rica, para os padrões da região e da época como é possível verificar na Fig.17 em que se destaca a presença de detalhes paisagísticos como canteiros e luminárias. 26 Do termo Art Décoratif, caracterizando-se por forma geométricas e simétricas que buscam a simplificação em nome da modernidade, contrapondo-se aos excessos da Art Nouveu. Americanização da arquitetura somente possível para a cidade que se encontrava rica em função do ciclo da madeira 65 Figura 17 - Rua 7 de Setembro Fonte: Acervo Foto Marzall – década de 60. Rio do Sul conclui no início dos anos 1960 a avenida Aristiliano Ramos no sentido leste-oeste. Esta avenida promove uma nova dinâmica urbana recebendo canteiro principal e arborização lateral. Entre 60 e 70 Rio do Sul contou com o maior surto de urbanização de todas as demais cidades da Bacia do Itajaí. A população urbana passa de 37,82% em 1960 para 78,18% em 1970 (POMPÍLIO, 1990). A exploração da madeira segue em alta como é possível ver na Fig.18. Figura 18 - Caminhões na via principal nos anos 60. Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60. 66 Na Fig. 19, numa panorâmica da década de 60 pode-se observar no canto superior esquerdo o Bairro Jardim América em processo de formação, a serraria no encontro dos rios, o leito da ferrovia e os principais eixos viários da cidade evidenciados. Figura 19 - Panorâmica nos anos 60 Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60 O sistema rodoviário ganha impulso nacional e o trem é trocado pelo automóvel. A estrada de ferro foi desativada em 13 de março de 1971, depois de servir ao Alto Vale do Itajaí por 62 anos, em função do incremento no setor automobilístico na conjuntura nacional. Com a desativação da RFFSA, passa-se a incorporar, gradativamente, na malha viária local, este precioso espaço que promove uma melhoria considerável no fluxo viário, através da construção da Avenida Oscar Barcellos. Novas políticas resultantes do incremento industrial se instalam, atraindo as populações do campo para as cidades. A cidade exerce uma atração sobre a população de sua 67 região de influência. O crescimento demográfico supera o crescimento vegetativo onde os migrantes acabam se tornando citadinos. Com o incremento populacional acelerado nova sub ocupação acontece, desta feita em uma encosta, utilizando uma fatia residual de terra às margens das obras da rodovia BR 470 que ficou conhecida como Morro do Chuchu. Novas indústrias se instalam e as locais se ampliam. Rio do Sul se destaca neste setor, diversificando suas atividades industriais com 10 madeireiras, 2 metalúrgicas, 3 fecularias, fábricas de manufaturados e alimentícias. Inaugura-se o aeroporto com 3 vôos semanais a São Paulo e Rio de Janeiro. O comércio se diversifica, e a madeira, em função do extrativismo irracional, dá sinais de esgotamento. A cidade apresentou um índice de crescimento de 2,78 na década de 70 (IBGE, 1980) e Tomasoni apud Klug (2000) acusa a criação de 75 novas indústrias, destacando os setores metal mecânico, vestuário e madeireiro. A BR 470, com parte de seu trecho passando por Rio do Sul, é inaugurada nesta década, ligando o litoral à região do Alto Vale e ao Planalto Serrano. As redes urbanas, anteriormente estruturadas pelos rios, são substituídas por esta rodovia que é definida como espinha dorsal da região, na ligação dos muitos municípios (SIEBERT, 1997). Parte da cidade vira-se para esta rodovia que legitima, com pavimentação asfáltica, sua importância desviando da rota principal o centro da cidade. Abriu novos caminhos pela margem esquerda dos rios Itajaí-açú e do Oeste, possibilitando a ampliação e o adensamento de novas áreas no espaço urbano como os Bairros Fundo Canoas, Valadas Itoupava e São Paulo, Rainha e Pamplona. A “Federal”, como era chamada pela população, reforçou ainda mais a condição de Capital do Alto Vale à cidade de Rio do Sul. Houve um incremento no número de veículos circulando por Rio do Sul, em função do novo conforto oferecido. Com o modismo gerado pela construção de Brasília em alta no país, e sob o comando do renomado arquiteto Jorge Wilhelm, foi organizado o primeiro Plano Diretor da área urbana de Rio do Sul. A Fig.20 é apresentada com uma interpretação do Plano Diretor de 1970. 68 Figura 20 - Plano Diretor interpretado Fonte: Museu Histórico - POLEZA, Maristela M., 2002 Como proposta urbanística o referido plano detalhou preferencialmente o centro urbano e parte das principais vias de acesso à cidade. Uma extensa área foi destinada ao comércio, talvez em função da intenção de solidificar a condição de Capital “Comercial” do Alto Vale. Os rios foram percebidos, e nas suas margens foram propostos caminhos e espaços ampliados27. A pequena ilha fluvial que existia próxima da UNIDAVI, pelo projeto previsto, seria contemplada com um hotel municipal. Neste Plano, parte do Bairro Canoas seria aproveitado como um grande parque, dedicado a esportes e lazer. Destacam-se pontualmente os seguintes equipamentos: Prefeitura, Escolas, Museu, Teatro, Biblioteca, Igrejas, Centro de Compras e 27 Tais espaços conteriam pequenos comércios e áreas verdes para a contemplação da paisagem. 69 plano foi apresentado para a cidade envolto num material cartográfico farto e recheado com propostas inovadoras para a época, oferecendo espaço para a tratativa do desenho de prancheta, seus elementos formadores, transformações e inter-relações. Desenvolvido sobre dados sócio-econômicos e premissas urbanísticas existentes, estabeleceu relações entre a cidade e a região. Não foi assimilado, nem aprovado. Rio do Sul cresceu à mercê de sua própria sorte, balizando-se na espontaneidade, e no bom senso de alguns. Ideais urbanísticos encontram obstáculos econômicos, políticos, culturais e ambientais. Interesses localizados impedem que planos urbanísticos se instalem, exigindo rupturas muitas vezes não aceitas pela população. Outra situação pode ser apontada para a não adoção do Plano Diretor, mais especificamente as medidas referentes ao embelezamento ambiental já que na década de 70 as atenções locais não estavam voltadas para a preservação de paisagens, rios e florestas, mas sim para a plena expansão industrial pois, os recursos naturais ainda eram tidos como inesgotáveis. Na década de 70, a cidade de Curitiba despontou como uma das mais planejadas cidades do mundo. Adotando situações simples e criativas e realçando as relações sensitivas (humanização e participação), funcionais (sistema estrutural de circulação e transporte) e imaginativas (tratamento contemporâneo), quebrou a frieza funcional e valorizou o aspecto individual e humano. Copiando Curitiba em parte, na década de 80, a área central é contemplada com um calçadão que visava através de seu desenho à humanização do espaço. A cidade foi tratada pontualmente num processo de maquiagem desconsiderando-se o todo urbano. Com perfil arrojado para a época como é possível ver na Fig.21, esconde contradições. O calçadão, desconectado de um planejamento mais abrangente foi copiado de Curitiba para torna-se sala de visitas da cidade. Na mesma gestão, regulamenta-se por força da Lei Federal 6.766 o Parcelamento do Solo e implanta-se de forma isolada o Código de Edificações. O reduzido quadro técnico local, o grave problema topográfico do sítio urbano, e uma conduta permissiva no “fazer” a cidade, sempre em nome do desenvolvimento foram os grandes problemas a serem enfrentados nesta década. 70 Figura 21 - Calçadão Central Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 80. O meio urbano ignorava os rios que passavam inexpressivamente por dentro da cidade em leitos cada vez mais reduzidos, carregando lixos domésticos e industriais, em muitas vezes incomodando, mas só àqueles, que moravam em áreas baixas. Aliada à instabilidade econômica do país a capital do Alto Vale adentra a década de 80 sofrendo um declínio econômico causado pelo fim da atividade extrativista da madeira, num clima de empobrecimento geral, aliado ainda, à instabilidade econômica do país. A cidade não possuía uma produção de grande escala, não tendo mais como amortizar o investimento em capital fixo necessário, sem o forte ciclo da madeira. A madeira que até o início dos anos 70 liderava exportações com 85% do valor total, foi em 1983 quase que eliminada da pauta de vendas externas, representando menos de 1% (RAUD, 1999). A agroindústria artesanal, com a transformação da produção agrícola dentro da propriedade para o atendimento do comércio local e regional, como herança da colonização européia no Vale, sofre os reflexos econômicos da competitividade instituída pelo mercado globalizado. 71 A indústria da fécula também alterou deslocando-se para outras regiões do país, com condições climáticas e produtivas mais adequadas. Os setores Metal Mecânico e Confecções sobram, como opções econômicas de um vale devastado. 3.3.4 Síntese Os aspectos históricos referentes à ocupação do território foram considerados já que estabeleceram as bases do desenvolvimento sócio-econômico na sua relação com o meio ambiente. A pesquisa tratou da espacialização geográfica do território estudado e das conseqüentes formas de unidades espaciais, começando a pesquisa na Vila de Blumenau, Braço do Sul, seguindo por Bella Alliança como distrito e Rio do Sul cidade emancipada. A análise destes diferentes momentos mostrou que a condição urbana adaptou-se aos diferentes momentos econômicos, mas a relação comportamental da população com o entorno ambiental quase não foi ajustada. Enquanto Braço do Sul em modelo agrícola, a casa do vendeiro traduziu a expressão máxima polarizadora do cenário urbano, tendo as enchentes, comprometido o deslocamento da produção agrícola. Na condição de distrito de Blumenau, Bella Alliança em modelo industrial tradicional, ampliou o uso urbano que teve no Banco de Crédito Agrícola uma importante ajuda. Com maior área a ser impactada pelas enchentes os prejuízos da agricultura que fornecia matéria prima para as indústrias da lavoura, apareceram mais. Enquanto cidade emancipada a atividade econômica principal teve como base o extrativismo da madeira e a agricultura de subsistência. Esse foco nas atividades primárias impulsionou Rio do Sul e boa parte das cidades do Alto Vale do Itajaí, ao desenvolvimento de da base industrial formada pelo setor madeireiro e pelos gêneros alimentícios como: lacticínios, banha, fécula, arroz, charque etc. Estes dois setores estavam diretamente ligados e dependentes. Rio do Sul se destacou como pólo regional expressivo, atraiu migração da área rural, se industrializou, urbanizou e comprometeu o espaço físico, preparando um cenário de vulnerabilidade para a enchente de 1983. E é para a análise desta variável interveniente, que vamos passar ao próximo capítulo, centrando o foco do estudo no fenômeno. 72 4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE No capítulo anterior, tratamos da evolução da malha urbana, baseados nos diferentes momentos econômicos vividos até 1983 quando ocorreu a grande enchente. O presente capítulo aborda aspectos históricos, agravamento do problema, medidas de mitigação, impactos e danos causados ao meio urbano de Rio do Sul durante a ação do fenômeno. 4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL Na cidade de Rio do Sul, as enchentes sempre foram sentidas como um sério problema, afeto mais diretamente aos moradores das áreas de cotas mais baixas, onde residiam pessoas com menor poder aquisitivo. Pressupõem-se, para estas pessoas, maior dificuldade em acessar recursos e força política no sentido de viabilizar ações globais consertantes. O caminho indicado ao longo do tempo seria o de erguer ao máximo as edificações para que não fossem tão seriamente atingidas. A responsabilidade em discutir a questão parecia problema exclusivo do poder público, sempre envolvido nas situações de crise. Isto assim aconteceu até 1983, quando a magnitude do fenômeno atingiu um contingente populacional bem maior. São poucos os dados catalogados anteriores a 1983, segundo informações da Defesa Civil28. Em 1918 o jornal República29 referiu-se à enchente do seguinte modo: [...] Terrível enchente causando distrito enormes prejuízos plantações e criações, principalmente estradas, destruindo bueiros desta freguesia. Diversas casas estão inundadas e abandonadas pelos moradores, desde anteontem. O trânsito nas estradas está interrompido, o que demonstra importância nos estragos [...] urge solicitar socorros governo. Saudações. Max Mayer, intendente (COLAÇO apud KLUG, 2000). 28 Márcio Lucas – Secretário Executivo da Defesa Civil de Rio do Sul em set. 2002, afirmou que tudo o que se produziu de dados neste sentido em Rio do Sul foi posterior a 1983. Hoje o município mede diariamente o nível do Rio Itajaí-Açu. 29 “O temporal que desabou há três dias causou grandes prejuízos materiais no interior do estado.02.10.18, no 03,p.02.Fundo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.” 73 Outro relato em 10.06.1928 no mesmo jornal: “[...] Rio do Sul já subiu oito metros continuando a encher.” Em 1954: “[...] Rio do Sul também foi duramente atingido, sendo altíssimos os prejuízos sofridos pela cidade e pelo interior do rico município da serra acima. As águas subiram até o nível de 11,88m.” (SILVA, 1984 apud COLAÇO, 2000, p. 148). Alguns bairros apresentavam maiores possibilidades de enchentes, sendo mais suscetíveis, as áreas baixas dos bairros Canoas, Barra do Trombudo, Santana e Budag como é possível ver na Fig.22. Figura 22 - Enchente em 1954 Fonte: Acervo particular do Autor. Rio do Sul aterrou várzeas e quando a freqüência das inundações é baixa, a população despreza o risco. A forma urbana de Rio do Sul cresceu de costas para os rios e, como agravante, teve este modelo reproduzido nas cidades vizinhas. A comunidade do Alto Vale do Itajaí, que sempre sofria com enchentes, esperava que com a conclusão das barragens propostas pelo DNOS, viesse em direção a tranqüilidade total, como descreve parte do Relatório das Enchentes de 1983, anexado como documento: 74 Confiante na ação protetora das barragens Sul e Oeste, respectivamente localizadas nos municípios de Ituporanga e Taió, e já desacostumada a conviver com o flagelo das cheias, a população riosulense foi apanhada de surpresa, haja vista que, se nas enchentes anteriores somente as zonas ribeirinhas eram atingidas, desta feita todo o centro da cidade ficou submerso, para perplexidade e desespero da população [...]. Os limites físicos atuam dentro de condições pré-definidas e podem causar uma sensação de segurança não correspondente à realidade, já que podem aumentar o número e o volume das enchentes. A população de Rio do Sul esperava com as barragens a solução das enchentes até então vividas, mas não foi o que aconteceu. Butzke (1995) faz uma observação importante afirmando que as barragens, tem a função de amortecer a onda de cheia à jusante e não a função de “solucionar” a problemática das enchentes, como divulgam políticos e acreditam as pessoas. Em função de pontos de interesses característicos de cada época o centro comercial de Rio do Sul deslocou-se, fixando a princípio e até 1983 em local não inundável. A convivência com alagamentos na periferia gerou na população uma espécie de acomodação e muitas pessoas, por óbvia necessidade, “esqueceram” das enchentes e ergueram suas casas em lotes praticamente dentro dos rios, com permissão do poder público, como se as enchentes não pudessem voltar. Aconteceram ocupações em áreas alagáveis em função da necessidade maior de morar perto do centro. O incremento populacional de Rio do Sul, como nas demais cidades da Bacia do Itajaí, não foi acompanhado de cuidados proporcionais com a gestão das áreas de riscos. Em 1983, contava com alta densidade demográfica instalada nas áreas alagáveis reservadas em mapa, na década de 30 por Gino de Lotto. 4.2 O FENÔMENO E OS DANOS A visível ocupação das áreas de risco, para comportar diferentes atitudes urbanas, ao longo dos anos, deve ter interferido na condição natural dos rios, gerando agravamento das situações de emergência. O processo de desenvolvimento econômico e o modelo que atendeu este padrão sobrecarregou a capacidade regenerativa e assimilativa do ambiente, através da forma com que ocupou o espaço geográfico e como utilizou os recursos ambientais 75 (MATTEDI, 1999). A enchente de 1983 atingiu 138 municípios dos 199 existentes na época em Santa Catarina. De todas as enchentes registradas no estado, foi a de maior repercussão, devido a sua abrangência espacial e temporal. O tempo consecutivo de inundação foi de 13 dias, iniciando em 07/07/83 e terminando em 19/07/83. (ATLAS de SC. 1986). O fenômeno assolou a região do Vale do Itajaí de forma drástica, desabrigando aproximadamente 250.000 pessoas. Segundo dados da Defesa Civil, em Rio do Sul30, o número de flagelados chegou a 25.000 habitantes, com cinco mortes. Para Rio do Sul, em 1983, há que se tratar do caráter inusitado das enchentes. Aconteceram duas no mesmo ano em julho e em agosto. A de julho de 1983 foi a maior de sua história, tendo o Rio Itajaí-Açú atingido a cota de 15,08m. Esta enchente, com dimensões catastróficas, registrou no centro da cidade, na Rua Carlos Gomes, aproximadamente três metros a mais do que a maior cota de enchente ali vivenciada. A placa de trânsito à direita na Fig.23 pode expor o alto nível de água registrado neste ponto. Figura 23 - Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/0783 e 14/07/83. Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983. O levantamento dos prejuízos causados por uma enchente é um procedimento difícil os dados são incompletos e inconsistentes. Instala-se uma tendência generalizada de ampliar os dados dos prejuízos visando à liberação de maiores recursos. Importante também a 30 Nos trabalhos de socorro no estado de Santa Catarina, foram utilizados 37 helicópteros; 11 aviões com um total de 1.497.000 horas de vôo e transportados 4.257 passageiros (KLUG, 2000). 76 referência a danos psicológicos, gerados pela recorrência das enchentes, que não são mensurados nem computados. O impacto causado pelas enchentes de 1983 suplantou a capacidade de processamento político do problema (MATTEDI, 1999). Como as enchentes são manifestações do sistema hidrológico, sendo sua ocorrência considerada normal, e o sistema sócio-econômico manifestado pela forma com que o homem ocupa o espaço, os danos originaram-se na falta de adequação entre estes dois fatores. A enchente de 1983 começou castigando a periferia e terminou atingindo o centro urbano, a água se instalou mansamente em alguns locais e formou grandes correntezas em outros. A área urbana de Rio do Sul atingida pelas enchentes de 1983 foi extremamente maior do que a que se tinha como última referência, que era a enchente de 1954. Na enchente de 1983, foram atingidas todas as classes sociais. Do morador pobre instalado na beira do rio ao morador rico assentado em área urbana privilegiada. As ilustrações mostram os vários segmentos atingidos como residências, comércios, indústrias, equipamentos públicos, comunitários das quais 887 foram danificadas. Das 1664 residências atingidas, 259 foram totalmente destruídas, 380 semi-destruídas, 138 tiveram suas estruturas abaladas e das 125 industrias existentes na época, 120 foram atingidas. A calamidade feriu a vitalidade do sistema de relações econômicas, sociais, político, administrativas e culturais. A alta cota de cheias foi responsável por incalculáveis danos materiais, a cidade permaneceu isolada e apavorada com a possibilidade do rompimento das barragens à montante. As figuras a seguir possibilitam visualizar a situação vivida. Figura 24 - O calçadão em dois momentos distintos. Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983. 77 Rio do Sul atravessou um perfeito clima de guerra. Através do decreto no 065/83, de 08.07.83, determinou-se “Estado de Emergência” seguido após quatro dias do decreto no 070/83 de “Calamidade Pública”, em razão do aumento da gravidade dos problemas. Os municípios acionam os dispositivos legais para decretar estados de emergência e calamidade pública, para apontar a incapacidade do poder local de confrontar situações de emergência (MATTEDI, 1999). A Capital do Alto Vale do Itajaí ficou isolada de Santa Catarina e do mundo. Faltou luz, telefone e, por incrível que pareça, até água. O abalo sofrido foi tão forte que gerou comoção em todo país, recebendo a cidade de Rio do Sul e a região do Alto Vale do Itajaí, atenção da mídia nacional e solidariedade internacional. A enchente de 1983 deixou a marca da perda. As reportagens (veja anexos), mostram a magnitude da calamidade sofrida. As inundações expressivas, duradouras e sucessivas romperam com situações ligadas ao ritmo de atividades, já abaladas pela recessão da economia. Imobilizaram preciosos patrimônios que atuavam como forças matrizes das atividades humanas e danificaram um patrimônio acumulado, com imenso sacrifício, de milhares de famílias, de áreas urbanas, periurbanas e rurais (LAGO, 1983). Com a economia do município em baixa em função do fim do ciclo da madeira, a ocorrência das enchentes de 83 e 8431 recua ainda mais no tempo a cidade. O relatório das perdas apresentado pela administração pública pode dar uma idéia do tamanho dos prejuízos sofridos pela cidade.A administração pública contabilizou prejuízos. Segundo FRANK (1995) as enchentes de 1983 causaram ao Vale do Itajaí, um prejuízo na ordem de US$ 1,1bilhão. Após a ação do fenômeno, foi preciso reagir, reconstruir, cobrar ações das autoridades, enfrentar nova enchente um mês depois, adaptar-se à nova situação, ou mudar na cidade ou de cidade. Os serviços de limpeza, recuperação e levantamento de prejuízos, foram estendidos por meses. Em meio a tanta perda, parecia ser impossível reconstruir. A Defesa Civil local, montada às pressas, não dispunha de mecanismos de ajuda capazes de atender a tantos necessitados. Segundo Mattedi (1999) o aumento da capacidade de reivindicação não foi acompanhado de resposta governamental. As promessas de obras de contenção não 31 As enchentes de 1983 e 1984, aconteceram ainda no período de recuperação da ocorrência anterior, intensificando os impactos já que atingiram uma população debilitada (MATTEDI, 1999, p. 23). 78 para tratar da reconstrução. Gestionou-se objetivando a elaboração de obras que visassem a eliminação ou minimização do problema das enchentes. Foram buscadas soluções nos âmbitos federal, estadual e municipal. Em julho de 1983, foi instituído o Programa Especial de Reconstrução do estado de Santa Catarina pela lei n° 6.256 de 26/07/8332 e criou-se o Conselho de Reconstrução33. Em dezembro de 1984 foi redigido um Plano Global e integrado de Defesa contra as enchentes, aprovado pelo Conselho Extraordinário de Reconstrução, na forma da resolução n°30/85, porém nunca implantado (DYNAMIS, 1994). Em 1986, foi elaborado o Projeto JICA - The Itajaí River Basin Flood Control Project, uma proposta de contenção e manejo, que contemplou toda bacia do Itajaí. Frank (1995) acusou desconhecimento da dinâmica do Rio Itajaí-Açu e seus afluentes, na proposição deste plano, bem como omissão de impactos ambientais decorrentes, salientando ainda que o projeto não foi executado em função da indisponibilidade financeira e da extinção do DNOS em 1990. O governo estadual (1991-1994) assume o Projeto JICA e elabora uma proposta denominada: Plano Global e Integrado de Defesa contra Enchentes – Ecossistema Bacia do Rio Itajaí-açú ou PLADE, que visava à obtenção de recursos externos para viabilização do projeto JICA. Para Frank (1995), o que sobressai no PLADE são obras estruturais como alargamento dos rios e melhorias da calha. Mattedi (1999) afirma que apesar dos prejuízos e danos gerados pelas situações de emergência, seu tratamento permaneceu marginalizado na agenda de prioridades do governo estadual e só recebia atenção nos períodos de crise (1999). No âmbito municipal as ações voltaram-se ao atendimento pontual da crise. Embora a Constituição Federal determine em seu artigo 181 que a Defesa Civil deve ser organizada em tempos de paz, para estar em condições de atender nas situações de emergência, em Rio do Sul ela só foi implantada depois das enchentes de 1983. 32 Consta como material anexo. Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de Reconstrução do Estado de Santa Catarina, como órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do estado na definição de políticas e fixação de prioridades, visando à reconstrução da vida social e econômica catarinense..” O Programa contava com a seguinte estrutura: a) Conselho Estadual de Reconstrução; b) Gabinete Extraordinário da Reconstrução; c) Comissão Microrregional e Municipal de Reconstrução. 33 79 Houve a necessidade urgente de fugir do alcance das águas e foi o que cada uma das pessoas a sua maneira tentou fazer, ou fez. Alguns fatores devem ser considerados na análise do que motivou a reação no âmbito municipal: - Prejuízos extremamente altos; - Curto espaço de tempo entre as ocorrências. Em um ano aproximadamente a área urbana sofreu três grandes enchentes; - A população que esperava, não via ações mitigatórias por parte do governo; Os mecanismos de ajustes, quando em situações de emergência são desenvolvidos de forma individual em detrimento do coletivo e preventivo. O individual se superpõe ao social, o qual poderia torna-se expressivo como força reivindicatória (POMPÍLIO,1990, p. 229). Referindo-se a imagem das cidades Lynch (1980, p. 24) afirma que, “[...] uma boa imagem ambiental dá a seu possuidor um importante senso de segurança emocional, criando uma relação harmoniosa entre ele e o mundo exterior”. Refere-se à legibilidade não como uma coisa simplista, mas chama atenção para a necessidade da riqueza de detalhes e significados questionando a interferência dos apelos na sua coerência. O senso de segurança emocional do rio-sulense frente ao quadro vivido interferiu na imagem que este tinha da cidade requerendo reavaliações quanto aos espaços até então utilizados, gerando reações que modificaram a forma conhecida de usar o espaço atribuindo valores diferenciados aos lotes urbanos, agora ditados pela maior ou menor possibilidade de serem inundados. Parafraseando Santos (1999), quando disse que “[...] deixamos de entender a natureza amiga e criamos a natureza hostil” afirmamos que a Bela Aliança no período das enchentes, já não parecia mais tão “bela”. O capítulo abordou um histórico com as enchentes e tratou de possibilidades de causas do fenômeno em si, da área atingida, danos e perdas. Abordou sobre o aspecto político, referindo-se aos decretos de emergência, calamidade pública e relatório de perdas apresentado pelo Poder Público. O tema foi concluído analisando a reação nos ambientes municipal, estadual e federal. Em função da magnitude do fenômeno apresentado e o impacto que causou ao meio físico, este é indicado como uma variável interveniente no ambiente urbano acarretando transformações na forma de usar o solo. No próximo capítulo analisaremos estas ações e seus reflexos no espaço urbano. 80 5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983 Este capítulo se ocupará em estudar Rio do Sul depois do fenômeno. Destaca alterações morfológicas no espaço urbano, impulsionadas como reação ao impacto vivido. A situação pós-enchente foi subdividida em dois períodos: O primeiro iniciando em 1983, estendendo-se até 1992 quando foram concluídos os trabalhos do Plano Diretor; o segundo período iniciado em 1992 estendendo-se até o ano de 2000 quando o Plano Diretor sofreu alterações. O enfoque dado visou responder aos objetivos específicos referenciados na Introdução, como: Análise da Legislação urbana; Uso do solo, Valor do solo e mobilidade urbana. 5.1 De 1983 a 1992 5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano Em 1983, embora Rio do Sul já possuísse mais de 20.000 habitantes e a obrigatoriedade legal de elaborar seu Plano Diretor, não o havia feito. Na primeira década do pós-enchente, a administração pública trabalhou a recuperação dos prejuízos pontuais sofridos nas infra-estruturas urbanas. A estrutura administrativa carecia de legislação urbanística34, cartografia, estrutura organizacional e profissional referente a questões urbanas e ambientais35. O perímetro urbano de Rio do Sul em 1983 estendia-se por todo o espaço municipal possível de ocupação, excluindo apenas peraus e topos de serras. Esta opção atendia “promessas” políticas e uma visão estreita em relação ao meio ambiente, vislumbrando a 34 A administração dispunha da Lei de Parcelamento do Solo, e do Código de Edificações. Aprovados de forma isolada e independente. Não havia de fato uma rotina de análises de projetos. 35 Embora existisse desde 1979 o Conselho do meio ambiente (criado sob lei e como comissão), era pouco expressivo com ações relativas a áreas inundáveis, sua atuação voltava-se principalmente ao controle da poluição ambiental 81 possibilidade do parcelamento como um “ganho” ao dono da gleba. Esta situação individualizava possibilidades de intervenções, prejudicando uma ordenação ambiental macro, que pudesse surgir como real possibilidade. Não havia tributações urbanas incidentes sobre estes lotes e nem a menor coerência na possibilidade de tê-los como urbanos num curto prazo de tempo. A área urbana de Rio do Sul, pela população que continha, não necessitava de tamanho espaço. A necessidade de fuga das águas acelerou o processo desordenado de ocupação da cidade. Os conflitos de usos foram evidenciados, as relações de perdas exteriorizadas e, altos custos envolviam uma administração sem planejamento. Propicia-se um momento ideal para que profissionais locais intervissem junto à administração municipal para que se iniciassem os trabalhos de elaboração do Plano Diretor, o que aconteceu em 1990. Na ocasião a cidade de Rio do Sul fora contemplada pela SEDUMA, juntamente com outras oito cidades de Santa Catarina, para realizar seu Plano Diretor. O referido programa contemplava cidades de médio porte36 e somente seus perímetros urbanos. Áreas rurais não foram consideradas. Segundo Siebert (1979), a falta de atenção para com os espaços rurais relaciona-se com o forte processo migratório que o estado de Santa Catarina enfrentou e que concentrou nas maiores cidades um grande número de pessoas. Para Peluso, o desenvolvimento das cidades deve ser acompanhado em igual forma na agricultura, pois não haverá rede urbana integrada sem existência de agricultura próspera e para Santos apud Siebert (1997), a dicotomia urbano rural está deixando de existir à medida que os mercados se confundem e as cidades se conturbam. Para o início dos trabalhos do Plano Diretor de Rio do Sul, uma equipe de técnicos locais inserida no contexto da discussão estadual, atualizou cartografia, organizou e levantou dados, promoveu reuniões com a comunidade e discutiu a cidade num amplo contexto. Vários objetivos foram listados entre eles: promover uma redução do nível de conflitos entre interesses urbanos existentes e mudar o comportamento coletivo em relação ao uso do solo, através da minimização dos impactos, controlados pela conduta do homem. Raban apud Harvey (1989), afirma que a cidade é um lugar complexo para ser disciplinado e que o fato e imaginação tem que se fundir, “[...] para o bem ou para o mal, a cidade o convida a refazê-la numa forma que você possa viver nela”. 36 médio porte. Uma metodologia similar havia sido aplicada pelo então GAPLAN na década de 80 a cidades de 82 O Plano Diretor foi concluído em 1992, porém aprovado na outra gestão em 1995. A catástrofe de 1983 abriu os olhos da população e das autoridades para o problema “enchente x urbano”. A estruturação da Defesa Civil local veio como resposta imediata e assertiva, e em relação ao nível do rio passou a considerar: - Normal: até 4,00 metros; - Atenção: de 4,01 a 5,00 metros; - Alerta: de 5,01 a 6,50; Emergência: acima de 6,51 metros, estabelecendo uma rotina de trabalho para cada situação. A CEDEC estimulou o processo de criação de Defesas Civis municipais no estado de Santa Catarina aprovando a Lei no. 6.502, tratando especificamente do tema. No se artigo 2o. fica explícito: Art.2o. É vedado ao governo do estado a construção de prédio público, em área sujeita a inundação. Em casos de ampliação as obras ficam condicionadas ao erguimento do piso para proporcionar o salvamento de bens e documentos. As Cartas das Enchentes (ver material anexo) elaboradas pelo DNAEE, objetivaram o reconhecimento da real situação de inundação nos espaços urbanos. As enchentes mais críticas, segundo o referido documento, aconteceram na confluência dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste e a jusante deste ponto. 5.1.2 Uso do Solo Uma cidade como Rio do Sul, que em 1983 contava com 52 anos, sem o exercício de legislação urbana, ou regulamentação de uso do solo, numa situação de emergência como a que foi vivida, se distanciou ainda mais do cumprimento de qualquer ação normativa de planejamento urbano. Neste contexto, a tendência da busca individual de soluções imediatas ficou reforçada. Coube à população eleger os mecanismos capazes de garantir sua segurança diante do ataque das águas, com ações pontuais e desarticuladas que geraram conflitos para o atendimento dos vários interesses urbanos. 83 Para a caracterização do uso do solo na Bacia do Itajaí, Frank (1995) considera três conjuntos de informações, que dizem respeito, à exploração florestal, à atividade agropecuária e à atividade industrial. A atividade industrial mais ligada ao meio urbano gerou conflitos, visto que muitos empreendimentos foram deslocados para as áreas altas. A mesma autora referindo-se ao desmatamento ocorrido em toda região afirma: [...] as enchentes são o mais grave problema do Vale do Itajaí. Problemática histórica, ela é hoje agravada pelas agressões ambientais observadas na região, como o desmatamento, o ocupação desordenada das encostas e o crescente processo de erosão e conseqüente assoreamento das calhas dos rios (CAUBET e FRANK, 1983). Com a questão da legislação do Uso do Solo em aberto, foi comum a aquisição de 2 ou 3 lotes para a instalação de indústrias em loteamentos entendidos como residenciais e residências em meio a áreas próximas à BR 470 entendidas como industriais. Não havia por parte do poder público, naquele momento, nenhuma definição de regra indutora, nem tampouco vontade da população em cumpri-la. O loteamento mostrado na Fig. 25, situado em área alta foi previsto como residencial exclusivo, mas seus primeiros lotes foram ocupados por uma indústria, que gerou conflitos com trânsito, ruídos e descumprimento do afastamento frontal ao espaço residencial previsto. Figura 25 - Conflito de usos Fonte: Acervo do Autor, 1997. Na Fig. 26, evidenciamos outra situação conflitante, com a ocupação de área alta gerando comprometimento dos espaços e conflitos de uso. A indústria foi colocada a salvo 84 das águas e acima da área residencial. Neste caso, o trânsito de caminhões necessita vencer o aclive e atravessar a área residencial expondo a população a constantes riscos. Figura 26 - Comprometimento do sistema viário. Fonte: Acervo do Autor, 1997. Até as enchentes de 1983, Rio do Sul não oferecia um mercado voltado para a verticalização. O Residencial Navarino, um edifício de 5 pavimentos com 42 apartamentos e localização central inundável serve como exemplo. Em 1983 estava recém-concluído e com a ocorrência das enchentes teve todos os seus apartamentos vendidos imediatamente após o fato. Dificilmente isto aconteceria tão rápido se não fosse a enchente. O prédio, nos seus apartamentos menores, foi ocupado por pessoas de idade avançada que não podiam voltar às suas casas inundáveis; em outro exemplo, uma pessoa comprou um apartamento somente para “guardar” seus pertences e alojar sua família quando das enchentes; outro cidadão comprou dois apartamentos, já que somente uma unidade, não comportaria todos os seus pertences. A verticalização pegou a cidade despreparada quanto à legislação de uso do solo e índices urbanísticos. As edificações, em relação à sua altura, dispunham do espaço da maneira mais lucrativa possível ocupando o lote ao máximo, já que podiam atuar sem normas. O importante naquele momento era estar fora do nível das águas. Um grande número de pessoas anexou à sua edificação um segundo piso, em anexo de fundo de lote, constituído por um grande salão que permanece vazio para comportar o mobiliário da casa em caso de enchente. As pessoas não querem depender de terceiros para a remoção de seus pertences. 85 O sistema viário de uma cidade é estruturado por inúmeras vias que organizadas dão um sentido ao fluxo urbano de movimentação. As cotas inundáveis atingiram todo o sistema viário existente na parte baixa da cidade, alterando a estrutura organizacional existente. Nesta época o sistema viário dos morros continha infra-estrutura precária e desarticulada, sendo sempre facilitada a descida ao plano baixo para a retomada de novas direções no alto. Com o centro urbano espremido entre rios e morros, as enchentes exigiram o estabelecimento de novos percursos, visando circulações só pelos morros. A enchente praticamente isolou o sistema viário da área plana baixa. As águas agiram sobre os pontos nodais37 e o sistema viário refletiu a falta de planejamento apresentando mais problemas como por exemplo: - Com a abertura de vários loteamentos, o sistema viário precisou sofrer alterações significativas para ser adaptado a este incremento de habitantes e circulações; - Necessidade de maior atendimento com transporte coletivo nas áreas altas que não dispunham de infra-estrutura capaz de atender a crescente população; - Adensamento industrial ao longo e próximo da BR 470 acarretando mais fluxo municipal na rodovia federal; - Com a mudança de uso, áreas que eram residenciais exclusivas, passaram a exigir uma adequação do sistema viário com locais para estacionamentos e manobras nem sempre possíveis, num traçado originalmente residencial; - Os maiores e principais problemas ocorreram pela falta de compatibilização do sistema viário imposto pelas novas circulações com o existente, inadequado a maior fluxo e a enchente. 5.1.3 Valor do Solo As áreas inundáveis sofreram um visível processo de desvalorização das edificações pelo mercado e também pelos proprietários. No bairro Jardim América, área residencial unifamiliar exclusiva até as enchentes de 86 1983, a desvalorização pode ser caracterizada com situações de abandono onde famílias mudaram-se deste bairro para o litoral ou áreas altas; locações onde residências com muitos cômodos, foram compartimentadas visando a criação de mais de uma unidade residencial para estudantes38 e pessoas com menor poder aquisitivo que passaram a subdividir e cohabitar a antiga unidade residencial unifamiliar num processo visível de desvalorização do imóvel; A oferta de edificações, nas áreas inundáveis desvalorizadas pelos proprietários, permitiu a incorporação de um processo de reutilização destes espaços com novos usos. O uso residencial térreo exclusivo foi trocado por pontos de atendimentos comerciais e prestação de serviços, em condição otimizada pela maior possibilidade de estacionamento; a alteração da forma original das edificações térreas com o incremento de um segundo piso é outro sinal de adaptação da edificação ao fenômeno das cheias e reação ao processo de desvalorização do imóvel. O mercado imobiliário local passou a pressionar muito. Não foi possível à administração municipal, naquele momento, contrapor com medidas de redução de impactos ambientais, ou adequações que evitassem conflitos de usos, às tentadoras ofertas que aconteceram aos proprietários de lotes ou glebas nas áreas altas. O avanço que se deu em direção às áreas altas expôs a fragilidade urbana que foi sabiamente explorada por oportunistas imobiliários. Para Campos Filho (1986), o fenômeno de ganho privado pelo proprietário de imóveis à custa de um investimento da comunidade é denominado de especulação imobiliária. O mercado imobiliário pode ser mais facilmente compreendido pelos pequenos e médios investidores, que vendo para onde a cidade cresce e como se transforma, entendem a lógica do desenvolvimento. No bairro Jardim América muitos terrenos vagos, num típico processo de desvalorização, foram vendidos no período pós-enchente. Uma análise feita por nós em um dos cartórios de Registro de imóveis de Rio do Sul, apontou a venda de um lote edificado e 32 lotes sem edificações, somente no bairro Jardim América no período 1981 a 1985. 37 38 UNIDAVI. Segundo Lynch (1999) são os pontos de referência conceituais de nossas cidades. Neste bairro localiza-se a Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – 87 Neste contexto de desvalorização39, no mesmo bairro, encontramos pessoas que compraram vários imóveis, barganhando preços em função dos prejuízos apresentados pelas edificações. A limpeza das residências, em função do grande lodo que a enchente ali acumula, constituiu-se também num grande problema. O vendedor do imóvel queria livrar-se do problema da enchente e da limpeza do imóvel já que sua condição financeira melhorada, assim lhe permitia. Nos bairros Canoas e Santana, com menor poder aquisitivo, as transações imobiliárias envolveram outros fatores. Com lotes em cotas extremamente baixas e prejuízos agravados, constataram-se vendas de edificações porque seus proprietários não podiam bancar a própria reforma da edificação bastante destruída. Houve uma corrida em direção aos morros e morar neles não seria mais um problema como nas décadas anteriores, já que facilidades como o automóvel, transporte coletivo e telefone, podiam agora aproximar os moradores. O Morro da Boa Vista foi alvo de muita procura e instalação residencial. Houveram incrementos de novos loteamentos que foram abertos descumprindo a legislação federal pertinente, já que faltavam naquele momento, mecanismos municipais de controle e fiscalização das obras. O poder público também deslocou loteamentos populares para áreas altas como: o Loteamento Santa Rita conhecido por COHAB2, São Pedro, Mutirão Barragem e Alto da XV. A Fig.27 expõe alguns dos loteamentos, criados nas áreas altas posteriormente as enchentes de 1983, sendo que na sua grande maioria foram abertos descumprindo a legislação municipal de parcelamento. 39 Segundo palavras do corretor de imóveis João Luiz R. Neves. 88 Figura 27 - Localização de novos loteamentos Fonte: Acervo do Autor, 1998. 5.1.4 Mobilidade Urbana Aconteceram trocas de espaços. As áreas inundáveis próximas ao centro continham, antes de 1983, pessoas com maior poder aquisitivo enquanto que os morros eram ocupados por pessoas em situação contrária. O usuário urbano detentor de maior renda, que morava em área inundável, comprou lote ou gleba no morro, pertencente ao usuário de menor poder aquisitivo. Estes lotes, em sua grande parte possuíam edificações simples, com pouco valor de mercado sendo desprezadas pelo novo comprador, que se interessava realmente pelo terreno. Com a venda da gleba valorizada, o morador do morro, até então considerado “o mais pobre” pode pagar pelo preço da terra na parte baixa, fato impossível antes do fenômeno das enchentes. Houve uma espécie de equilíbrio tanto financeiro como emocional com esta troca de espaços. Salientamos duas opções do morador do morro: Optou pela compra, em área inundável, de edificação desvalorizada que possuía o conforto e o status desejado, que ele até então não podia pagar (suítes, garagens, churrasqueira, piscina etc.); instalou-se em uma parte mais alta do morro, ou periferia recomeçando um novo processo de urbanização e criando novos problemas ambientais com efeitos ainda mais perversos. Em relação à mobilidade urbana vemos como negativo o corte nas antigas relações de vizinhanças tanto nas áreas altas e baixas da cidade. 89 Na Valada São Paulo, área alta e bairro típico da comunidade italiana, foi instalado um conjunto habitacional popular. Esta instalação constitui-se em problema para ao bairro pois lá o poder público inseriu pessoas que não possuíam vínculos com os moradores locais e nem com o bairro. Aconteceram interferências nas relações de vizinhança mudando-lhe as características originais e o novo morador chegou com outro perfil. Associando a questões de topofilia, citamos o caso de pessoas de idade, residentes em locais “agora” inundáveis, que foram “sacadas” de seus habitats e levadas para apartamentos ou áreas altas, onde vidas e referências foram abaladas, com desfecho nem sempre feliz. A necessidade da defesa chegou a revelar situações atípicas como a de uma família que levou a casa para o morro, ou seja, reedificou no morro a mesma casa que possuía em área inundável expressando com isto uma vontade de poder continuar a vida como ela era, porém sem a enchente. A Fig. 28 mostra tal situação sendo a primeira foto com a edificação na área inundável na Alameda Bela Aliança, e a segunda mostra o mesmo projeto reproduzido no morro. Figura 28 - A imagem do destino interrompido na área inundável / Livre da enchente no morro. Fonte: Acervo do Autor, set./2002. Concluímos o capítulo concordando com Rossi (1977), afirmando que o conceito que temos de um fato urbano será sempre um tanto diferente do tipo de conhecimento que tem quem vive aquele mesmo fato. Como toda cidade vivenciou as enchentes quer na condição de flagelado ou de ajudante, a situação marcou e o significado é sempre mais forte para quem experenciou isto. 90 Passado o maior impacto, podemos concluir que a ocupação urbana de Rio do Sul, sofre uma transformação, passando a ter uma experiência real, concreta e vivencial, frente ao fato. O domínio dos referenciais deixados pela catástrofe está na memória coletiva norteando significativamente novos assentamentos. Na década seguinte, com a legislação urbana em vias de aprovação e implantação, a análise recaí sobre a enchente e sua vinculação com o planejamento urbano proposto, que agiu no sentido de disciplinar a tendência natural de reacomodação do sítio urbano, em relação à ação das cheias. 5.2 DE 1992 A 2000 Conforme Lynch (1959, p. 11) “O design de uma cidade é, assim, uma arte temporal, mas raramente pode usar seqüências controladas e limitadas. [...] Em outras ocasiões diferentes as seqüências são invertidas, interrompidas, abandonadas, anuladas”. Neste intervalo de tempo, com ações em âmbito nacional como a Rio 92 e a Agenda 21, e no âmbito local com a aprovação do Plano Diretor, a discussão da sustentabilidade ambiental cresce, ganha mais espaço na mídia e a relação cidade/enchente/prejuízos passa também a ser mais discutida e evitada. Propõem-se na seqüência da década anterior, uma análise das mudanças ocorridas no cenário urbano, na segunda década do pós-enchente. 5.2.1 Legislação Urbana e perímetro Urbano Quando os prejuízos maiores relacionados à habitação, pontes e sistema viário pareciam sanados, abriu-se espaço para o trato do “planejamento” da cidade. A enchente precisando ser considerada exigiu uma nova postura para pensar a cidade. A Secretaria de Planejamento foi criada e o aspecto urbano passou a ser gerenciado. Instalaram-se comissões de Meio Ambiente e Defesa Civil, o quadro técnico foi ampliado e institui-se um sistema de consulta e análise de projetos, visando nova conduta urbanística. 91 Áreas de risco devem ser identificadas com medidas especiais de proteção legal, traduzidas nas legislações urbanas40 e para tanto tais áreas devem ser estudadas. Em relação ao perímetro urbano, buscou-se sua redução, para viabilizar aerofotogametria e a atualização cartográfica culminando com o intento na lei municipal n° 2.346 que redefiniu o perímetro urbano de Rio do Sul em 59km2. A Fig.29 destaca as áreas pertencentes ao perímetro urbano que foram transformadas em rurais com a lei acima citada. Figura 29 - Áreas urbanas reduzidas. Fonte: Acervo do Autor, 2002. No Plano Diretor de Rio do Sul, o tema enchente foi contemplado, visto que foram incorporadas noções de um urbanismo adaptado à condição topográfica local O instrumento legal foi aprovado em 1995, composto pelas seguintes leis: - Código de Edificações; n.º 007/95 - Código de Parcelamento do Solo; n.º 008/95. - Lei de Uso do Solo n.º 010/95 - Código de Posturas n.º 011/95 No Brasil são poucas as cidades que possuem legislações municipais urbanas 40 Os países devem desenvolver uma “cultura de segurança” através da educação pública. Franco (2000) afirma que o planejamento ambiental, hoje uma necessidade, deve incluir a pesquisa das vulnerabilidades ambientais e criar especialistas para ações nas emergências. 92 reguladoras do Uso do Solo. Campos Filho (1986), cita fortes pressões políticas como forças contrárias à imposição legal desses mecanismos e aponta como importante a luta pela implantação deste controle, como forma de evitar o congestionamento das infra-estruturas que exigem altíssimos custos para sua substituição. Frank (1995) em relação ao planejamento ambiental, afirma que para elaborar um diagnóstico o erro consiste em acreditar que o planejamento se realiza em um meio inerte passivo, estático, quando a realidade se encontra em movimento, e num meio resistente. Lynch (1999), “As pessoas desenvolvem ligações muito fortes com as formas urbanas, tanto em decorrência do passado histórico, quanto de suas próprias experiências. Cada cena é imediatamente identificável e traz a mente um turbilhão de associações”. Rio do Sul, como outras cidades da Bacia do Itajaí, também debruçada sobre os rios, reservou no seu Plano Diretor, Faixa de Preservação ao longo dos rios e ribeirões, num total de 15 metros41. Vale salientar que a aplicabilidade do Código Florestal na época, em área urbana central, altamente valorizada, constituía-se num problema urbano intransponível. Atualmente o Estatuto das Cidades possibilita o manejo das áreas consolidadas e deve servir como instrumento ao trato destes espaços e questão. O Código de Parcelamento do Solo também tratou de parcelamento em áreas inundáveis e serviços de terraplanagens42. Os tamanhos dos lotes foram previstos segundo sua localização topográfica. Quanto maior a condição topográfica maior a exigência cobrada para os referidos tamanhos 43. Em relação aos loteamentos, o Código de Parcelamento determina o não comprometimento das bacias hidrográficas44. 41 I - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado dos seguintes rios e ribeirões: Ribeirão Cobras, Albertina, Canoas, Taboão, Matador, Itoupava, Quintino e Tigre. 42 Art. 75 – O tamanho mínimo dos lotes, exceto nas subzonas RE, Ind2 e Expansão Urbana, deverá obedecer a tabela 01,02,03. 43 Aclividade/Declividade. Até 10% 11% a 20% 21% a 25% 26% a 30%. 44 Testada/profundidade 12,00 20,00 15,00 20,00 20,00 30,00 25,00 30,00 Área 300,00 m² 500,00 m² 800,00 m² 2.000,00 m² Art. 88 – Nenhum loteamento poderá prejudicar o escoamento natural das águas nas respectivas bacias hidrográficas. As obras para drenagem superficial deverão ser executadas obrigatoriamente nas vias públicas ou em faixas reservadas para esse fim. Art. 89 - Os cursos d água não poderão ser aterrados ou tubulados sem projeto aprovado pela Prefeitura 93 5.2.2 Uso do Solo A Lei de Zoneamento regulamentou a ocupação dos espaços e a forma de atuação sobre os mesmos, objetivando minimizar conflitos. O setor industrial foi deslocado para próximo da BR 470 e as áreas residenciais, comerciais, mistas, preservação e expansão foram devidamente mapeadas. No Plano Diretor, foram criadas áreas de preservação, não edificandis e especiais como: - A “Área Emergencial” de 334,08m, correspondente ao nível de 7 metros acima do leito normal dos rios, onde ficou proibida qualquer construção e descaracterização da condição natural existente. A lei de Uso do Solo em seus artigos 20 e 85 determinam o acima citado45. - A “Área da Máxima Cheia”, correspondente ao nível máximo da inundação de 1983. O conhecimento do alcance das águas fornece importantes dados que servem de apoio para ações de Planejamento Urbano e Defesa Civil. Através da verticalização foi possível, ao proprietário, reagregar o valor perdido ao lote, com a enchente. Para a verticalização, faz-se necessária a urbanização adicional das infra-estruturas e um maior comprometimento do dinheiro público e ganhos divididos com poucos. Constatamos este fato no Jardim América, onde esta tomou forma mais expressiva em função do maior poder aquisitivo dos proprietários. A verticalização transformou-se numa opção segura para a otimização das áreas já atendidas com infra-estrutura que sofriam processos de desvalorização por serem alagáveis. Tornou-se um negócio atrativo. Os Bairros Jardim América, Centro, Canoas e Santana através desta e de novos usos 45 “[...] Art. 20 - Ficam declaradas de Preservação Especial (PE), segundo anexo 04, as seguintes áreas e edificações: [...] VII- A cota emergencial (334,08m). Parágrafo Único - Nenhuma ação modificadora do estado atual dos bens poderá ser realizada sem o conhecimento exarado, em decreto do Poder Executivo, após ouvida a Assessoria de Planejamento, o Conselho do Plano Diretor.” Art. 85 - Para efeito desta Lei Complementar consideram-se como faixas non aedificandi o que segue: I - toda área abaixo da cota emergencial sendo definida em 334,08m (trezentos e trinta e quatro metros e oito centímetros) acima do nível do mar; [...] IX - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado das margens do rios Itajaí do Sul em toda a sua extensão e do Oeste (do Clube Palmeirinhas até o centro); X - faixa definida pelo projeto do D.N.O.S. para o Rio Itajaí-Açu; XI - faixa de 50,00 m (cinqüenta metros) para cada lado do rio Itajaí do Oeste (da divisa com Agronômica até o Clube Palmeirinhas); 94 retomaram parte de seus valores. Vários edifícios foram construídos e a opção por morar em apartamentos próximos ao centro e com segurança em relação às cheias, passou a ser uma busca. Constatamos a necessidade da comparação da situação da verticalização antes e depois das inundações de 1983 como forma de procedermos nossa análise e, como este dado não se encontrava disponível em informações cadastrais, fomos a campo em sua busca. Através de consulta a antigos moradores produzimos os mapas anteriores a 1983 e verificando in loco, reproduzimos a situação atual ou de 2000. No bairro Jardim América, os mapas da Fig.30 refletem a situação da verticalização anteriores e posteriores à inundação. No primeiro mapa podemos observar a planta dos gabaritos anterior a 1983 e na segunda figura observamos a alteração dos gabaritos em época posterior às enchentes. Figura 30 - Jardim América antes de 1983 e depois de 1983. 95 Fonte: Desenvolvido pelo Autor. No Jardim América pode-se ver uma maior ocupação verticalizada, após as enchentes e praticamente o desaparecimento da ocupação térrea em novas construções. Neste bairro, aproveitando a otimização da infra-estrutura existente às novas construções acontecem sempre com mais pavimentos. A proximidade deste bairro, com o centro da cidade, também tem estimulado a ocupação verticalizada de unidades residenciais, que acontecem preferencialmente com mais de três pavimentos. Em relação ao Bairro Canoas, com moradores de menor poder aquisitivo, a situação é outra. Anteriormente às enchentes o uso com o pavimento térreo era muito expressivo, o que já passou a não acontecer após este fato. Observa-se na análise do mapa uma maior possibilidade de ocupação com mais de um pavimento, porém não chegando a acontecer como no Jardim América, grandes adensamentos verticais. Com poder aquisitivo menos expressivo, este bairro não comporta ainda grandes adensamentos verticais como demonstra a Fig. 31 em análise e pesquisa de campo feita de forma similar a anterior. 96 Figura 31 - Bairro Canoas antes e depois de 1983. Fonte: Desenvolvido pelo Autor, 2002. A verticalização, que na primeira década aconteceu de forma pontual e descontrolada, é contemplada pela Lei de Uso do Solo e passa a ser normatizada e estimulada 97 nas áreas inundáveis. Objetivando criar um desestímulo à ocupação térrea unifamiliar em áreas inundáveis, a Lei de Uso do Solo, induz à verticalização46. A insistência no uso residencial térreo em área inundável é paga com a exigência de um maior recuo frontal e uma menor otimização do potencial construtivo. Nova situação surge em relação aos morros. Nesta década, com a valorização destes e a crescente melhoria da infra-estrutura, a verticalização deslocou-se também para estas áreas, em função do alto custo destes espaços. Pressões no sentido de mudar a legislação contemplando com maior gabarito aconteceram. O sistema viário sofreu readequações com pavimentações, aumento de dimensões e previsões de melhorias que em parte aconteceram, invadindo fortemente áreas altas. Os cruzamentos centrais ligados ao dia a dia da cidade, em função do maior distanciamento dos moradores, deslocados para os morros, encontram-se mais congestionados nos momentos de “rush”. O carro passou a ser mais utilizado. O comércio vicinal vem sendo oferecido cada vez mais também em pontos altos onde o sistema viário estrangula-se. A pavimentação asfáltica das principais vias acaba por imprimir mais velocidade ao trânsito. É visível a sobrecarga gerada nos poucos eixos de acesso das áreas altas, como por exemplo, a Rua Tuiuti. O sistema viário local necessita urgentemente da abertura das vias previstas pelo Plano Diretor, à visando possibilidade de trânsito seguro e interligado das áreas altas. Estas vias definidas pelo plano, além de poderem auxiliar no desafogamento diário dos acessos tradicionais, funcionarão como anel viário capaz de interligar bairros, auxiliando nas situações de enchentes. O adensamento junto à BR 470 vem se constituindo em um problema na medida que a rodovia federal é utilizada com trânsito local. Há que se implantar a via marginal também prevista. O transporte coletivo precisa atender o aumento de fluxo significativo nas áreas altas. Os parcelamentos do solo principalmente sob a forma de remembramentos, possibilitaram a adição de espaços necessários a usos novos. Permitiram a instalação de altos 46 “[...] Art. 160 – O terceiro pavimento de uma edificação residencial unifamiliar não contará para o cálculo do gabarito quando esta estiver situada em área inundável definida no anexo 04. “[...] Art. 175 - Nas áreas inundáveis será cobrado um afastamento maior22, quando se tratar de edificação unifamiliar térrea, conforme anexo 06 do Plano Diretor.” 98 edifícios, novas instalações industriais, áreas para estacionamentos entre outros usos. No Bairro Jardim América visando à possibilidade de construir edifícios altos, houve a necessidade de terrenos maiores. Nas áreas altas, para possibilitar grandes edificações, ou instalações industriais também aconteceram remembramentos. Junto à Br 470 este fato pouco se verificou, visto tratarem-se de lotes coloniais com metragens maiores. Neste caso, foram desmembrados visando a questões referentes à partilhas entre herdeiros. Em relação à tipologia construtiva, Santos (1994) afirma que as formas dependem das condições econômicas, políticas e culturais. Desvendar essa dinâmica social é fundamental. A população entendeu que precisará conviver com as enchentes. Para tanto, na medida do possível, adaptou-se, utilizando mais pavimentos e materiais de revestimento impermeáveis. Este ajustamento também aconteceu com a utilização de, sótãos anteriormente desprezados, rampas edículas e etc. A tipologia construtiva aditada imprimiu características próprias, retratando uma proposta de uso baseada nesta nova realidade. Órgãos públicos, como prédio da AMAVI, Delegacia Regional, Instituto Médico Legal, Corpo de Bombeiros promoveram ajustamento de seus espaços considerando as enchentes. Surgem novas formas construtivas que permitem uma leitura espacial diferenciada em relação ao próprio bairro, e ao centro urbano. Como negativo apontamos a perda da memória urbana em função do não aproveitamento do que as áreas inundáveis já dispunham. 5.2.3 Valor do Solo Ainda se observa um processo de desvalorização das terras inundáveis pela população; porém, é mais intenso nas áreas de cotas emergenciais. Nesta condição há a redução do IPTU, como política pública instituída, conforme definido no artigo 176 do Código Tributário Municipal. A prefeitura, em 1997, reúne profissionais do setor privado e promove uma reavaliação de sua planta de valores e do custo por metro quadrado do imposto territorial urbano. Nesta data, já se tornavam evidentes as melhorias promovidas nos morros. O novo contingente populacional deslocado para as áreas altas, puxou recursos públicos e também 99 pagou por melhor infra-estrutura. O novo morador das áreas inundáveis, onde a infra-estrutura encontrava-se concluída lucrou com a possibilidade de poder verticalizá-la. Os valores minimizados para cobranças de IPTU, atualmente referem-se a lotes situados em áreas emergenciais. O acréscimo provocado pela contribuição de melhoria em 1997, nas áreas altas é um indicador do fato que o imposto no morro subiu em função da melhoria ali acontecida. Esta melhoria é conseqüência das enchentes, ou seja, aconteceu pelos moradores que se transferiram para os morros em função das cheias. O uso residencial unifamiliar térreo, deslocou-se para áreas altas, gerando melhoria na infra-estrutura local e agregando mais valor aos lotes e o uso industrial foi deslocado para áreas altas e próximas à BR 470, supervalorizando estes locais, evitando-se com isso a possibilidade de serem atingidas por novas cheias. 5.2.4 Mobilidade A cidade sofreu uma grande mistura. As áreas residenciais espalharam-se por todos os locais altos. Moradores de diferentes classes sociais passaram a conviver nos mesmos bairros, apontando vantagens como a não segmentação de bairros e desvantagens como corte nas relações de vizinhança. A cidade deu uma resposta própria à forma de enfrentar o problema. Considera-se como positiva a liberação de lotes e edificações nas áreas centrais inundáveis. Com o significativo deslocamento da atividade residencial térrea da área inundável, sobraram edificações que foram oferecidas a usos renovados e ajustados ao solo inundável. No caso específico do Jardim América, foi proporcionada uma dinâmica de novos usos e novas formas de edificar que reagregaram valor às áreas desvalorizadas. Questionando como seria hoje o centro de Rio do Sul, se o Jardim América não tivesse absorvido parte das atividades anteriormente no centro desenvolvidas, poderia se chegar a respostas preocupantes. A mobilidade urbana de forma negativa também avançou mais agressivamente sobre o meio ambiente. Em relação aos novos e extintos setores urbanos, podem-se constatar nesta década a sedimentação de novos setores urbanos, bem como a exclusão de outros que antes das cheias 100 existiam ou eram previstos. Como novos setores são apontados: - Setor Educacional: Embora a UNIDAVI já estivesse instalada anteriormente às cheias no Jardim América, a desvalorização dos terrenos neste bairro depois da ocorrência do fenômeno, facilitou a aquisição de novos lotes, podendo a universidade aumentar seu campus. Ampliou-se significativamente este setor educacional que ocupa hoje parcela significativa do bairro; - Setor Saúde: O setor sofreu expansão nas áreas altas e a conclusão do Hospital Regional, polarizou clínicas médicas. O maior ambulatório municipal edificado em área altamente inundável, no Bairro Santana, foi deslocado para áreas altas, em espaço do antigo hospital intensificando e reforçando este uso no morro; - Setor Industrial: Configurou-se em área alta marginal à BR470; - Setor Habitacional: As habitações térreas foram deslocadas preferencialmente para os morros e edifícios. Foram criados e ampliados novos bairros como: Loteamento Schneider e Clara Connick I e II, Becker para populações de alto poder aquisitivo; COHAB2 (Bairro Santa Rita), Divinéia, Mutirão da XV de Novembro, Mutirão da Barragem e Miranda para poder aquisitivo baixo; Loteamentos como Continental, Centro Park, Jardim Alexandro entre outros para a classe média; - Setor Comercial (nas áreas altas): Os novos moradores das áreas altas incrementaram os pequenos pontos de comércio vicinal existentes, principalmente no Morro da Boa Vista intensificando este uso. Como setores extintos, apontamos: - Setor Industrial: As áreas destinadas a este fim na década de 70 nos Bairros Taboão e Canta Galo, para onde já haviam se deslocado empresas como as Indústrias Círculo e Frahm perdeu razão de instalação industrial após as enchentes. Estes locais, embora disponibilizassem grandes áreas livres não receberam mais instalações industriais nos últimos anos em função do alto nível de alagamento; - Setor Residencial Exclusivo: Como exclusivo desapareceu nas áreas inundáveis. A Ilha dos Bugres, onde em 1983 havia o projeto de loteamento exclusivamente residencial foi abandonada com tal proposta. Os bairros em geral, sofreram alterações com o incremento de novos usuários. Em 101 relação ao comportamento dos novos usuários, podemos observar que muitas vezes não se inseriram no contexto do bairro, assimilando-o como seu, mas em outras situações incorporaram rapidamente o novo espaço, passando a reforçar solicitações e também pagar por medidas de melhorias pontuais. O suporte financeiro trazido aos bairros altos possíveis aos novos usuários foi traduzido na melhoria da infra-estrutura daquelas áreas. Importante ressaltar que anteriormente às enchentes, nos bairros de menor renda as escolas e os serviços comunitários, eram instalados próximos às moradias. Com a ocorrência das enchentes, assentamentos residenciais foram deslocados para áreas altas, onde estes serviços nem sempre estavam disponíveis, gerando problemas com custos de construções e deslocamentos. O adensamento intenso das áreas centrais foi contido pelo fenômeno das enchentes. O centro se espalhou para áreas próximas, deixadas livres pelos moradores que subiram morros. Os vazios urbanos da área central, servidos à especulação, sofreram desvalorização em função do oferecimento de novas áreas para atendimento comercial. Referindo-se à natureza Lefebvre (1999) afirma que teoricamente a natureza distancia-se, mas os signos desta do natural se multiplicam suplantando à natureza real. Tais signos são vendidos em massa, na publicidade, nos produtos têxteis e alimentares, moradias de férias, enfim a tudo se recorre à “natureza” representada num sentido ilusório. Rara, fugidia, devastada resíduo da urbanização e da industrialização, a natureza é buscada com forte apelo. Os espaços verdes, última palavra das boas intenções e das deploráveis representações urbanas, constituem um substituto medíocre desta. Os rios têm significado simbólico, visto que são elementos do contexto ambiental, mas estão afastados do cotidiano das pessoas. São elementos importantes na materialização da paisagem e sua reintegração aos espaços e cotidianos é uma necessidade real dentro de uma visão sistêmica. Há que se apontar a descaracterização das encostas, sem a observância da topografia. As encostas foram rasgadas por acessos viários chamados de estradas, para instalação de edificações residenciais e até industrias. Foram abertos novos caminhos e estabelecidos diferentes percursos, que alteraram a imagem que as pessoas tinham da cidade. Circulando-se por estes locais sempre se consegue uma interação visual quase que completa da cidade, diferente de se circular só na parte baixa, onde este domínio do todo não acontece. 102 5.3 SÍNTESE A modificação na estrutura urbana foi considerada em dois intervalos de tempos. Na primeira década, a ação do fenômeno sobre o meio foi interpretada como uma reação pontual de defesa, onde o uso do solo, especulação imobiliária, tipologia, mobilidade, sistema viário, verticalização, valorização e desvalorização de áreas foi sentida pela população que reagiu da forma que lhe foi possível, evidenciando as carências de legislação urbana e os conflitos que surgiram em função disto. Na segunda década, a interpretação recaiu sobre os mesmos temas sendo que foi considerada a adequação ao regime urbanístico implantado pelo Plano Diretor e sua vinculação com as enchentes. A situação vivida pela segunda década foi comparada à da primeira, como forma de apontar ganhos, melhorias ou conseqüências das ações sofridas. O Plano Diretor levou em consideração as situações vividas na primeira década e o poder público implantou a referida lei como forma de exercer maior controle. 103 6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES Um processo de desenvolvimento espacializa, através da urbanização, formas diferentes e possíveis de ocupação a cada sociedade. Os lucros obtidos no referido processo de desenvolvimento estão restritos a uma minoria, sendo possível através da leitura do urbano, a constatação, no jogo dos espaços, de quem ganhou e de quem perdeu. Quando se registram grandes catástrofes nas cidades, com prejuízos como os vivenciados com as enchentes de 1983, podemos acusar, além da fragilidade urbana, a incompatibilidade do modelo de urbanização adotado com o meio físico existente. Na ocorrência de fenômenos como enchentes a tendência é que, quem estiver instalado em áreas de risco e ribeirinhas, receba o maior impacto sofrendo mais perdas. O ciclo regional da madeira expôs na urbanização de Rio do Sul seus ganhos, expandindo a cidade pólo para a concentração e o atendimento de funções necessárias ao atendimento desta atividade econômica como casas bancárias, comércio e serviços dirigidos à manutenção de serrarias, configurando-a com a melhor infra-estrutura regional. Na medida que se tornou mais complexa, como cidade em vias de industrialização, ocupou mais espaços e de forma mais impactante, expôs suas perdas com as enchentes. Em situações de enchentes, geralmente os residentes em áreas ribeirinhas, com menor renda, são os primeiramente atingidos. No caso de Rio do Sul, registrou-se um processo diferente. As grandes perdas materiais aconteceram em imóveis de pessoas com maior poder aquisitivo, instaladas em áreas inundáveis. A área central e melhor servida com infra-estrutura urbana está em local vulnerável. A população com menor renda, que até então ocupava os morros, destituídos de infra-estruturas, ficou livre das enchentes. Verificou-se, com as enchentes em 1983, que sua principal área de risco não alojava a população carente e sim a de maior renda. O aceleramento do adensamento das áreas altas após as enchentes, causou um processo de deslocamento das atividades urbanas para além dos limites das enchentes e este maior espalhamento urbano tem passado uma “falsa” idéia de desenvolvimento. Propaga-se um desenvolvimento que tem muito mais a ver com a característica de crescimento carregado de conseqüências. A constatação da ampliação dos limites da ocupação urbana e a 104 caracterização da alteração morfológica através dos dados levantados pela pesquisa, apontam certamente para um crescimento de Rio do Sul e para um conjunto de intervenções urbanas e sociais necessárias e complementares, para que esta constatação aponte também o tão buscado desenvolvimento. O que se pode concluir em relação aos itens pesquisados, no pós-enchente, em relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano, é que o poder público assimilou a necessidade de adequar uma Secretaria de Planejamento ao desenvolvimento urbano, quando buscou a tratativa do Plano Diretor e legislações complementares afins. Tais leis, voltadas principalmente ao parcelamento do solo, foram aplicadas e mecanismos de fiscalização satisfatoriamente implantados. O perímetro urbano de Rio do Sul sofreu uma redução em seu tamanho, tornando maiores as possibilidades de um planejamento urbano assertivo. Quanto ao uso do solo, nas áreas altas, a equipamentação das infra-estruturas urbanas, foi obviamente o mais visível sinal da alteração morfológica e do crescimento urbano. Com a supervaloração destes espaços houve um incremento no número de habitantes, usos e funções. Deve-se atenção especial ao uso residencial, fartamente ampliado para estas áreas e ao uso industrial, também maciçamente deslocado com toda sua ambiência necessária e conflituosa para áreas altas. Em relação às áreas inundáveis, a atenção voltou-se para a instalação do processo de verticalização, especulativamente imposto na primeira década, regulado e controlado posteriormente. O sistema viário, embora ainda necessite de importantes ajustes como a construção de novas pontes, para maior fluência, sofreu no período pós-enchente uma melhoria significativa, principalmente nas áreas altas. Como aspectos negativos, observou-se na primeira década do pós-enchente a ocupação desordenada do solo, nas áreas urbanas e de expansão, a incompatibilização com o sistema viário existente, paisagem e áreas verdes. Na segunda década, o Plano Diretor define uma proposta de uso do solo e de hierarquização viária visando a minimização dos conflitos. Quanto ao valor do solo, o oferecimento de espaços nas áreas inundáveis próximas ao centro, fruto da desvalorização temporária de tais imóveis em função das enchentes, foi de grande importância, pois permitiu menor pressão imobiliária e a possibilidade de expansão dos serviços que até então só eram realizados na área central. Constata-se um aumento na noção de centralidade. O centro de Rio do Sul parece que ficou maior. Na segunda década do pós-enchente, em função da maior adaptação da cidade ao problema, alteração da tipologia 105 arquitetônica, ao distanciamento de tempo com esta problemática e ao processo de verticalização instalado, o valor dos imóveis nas áreas inundáveis situadas próximas ao centro, retomam a forma ascendente. Uma reagregação de valor às propriedades, considerando prioritária a localização otimizada em relação a pontos de centralidade volta a acontecer. Quanto à mobilidade urbana, a enchente promoveu um movimento positivo e dinâmico de trocas misturando usos e pessoas na cidade. Sob a ação deste fenômeno, condições particulares de instalação e ocupação do espaço urbano foram revistas, alteradas, implementadas sendo que a mistura promovida converteu-se num mecanismo agitador e dissolvidor de guetos. Um dos grandes problemas vividos pelas cidades atualmente, reside justamente na segmentação dos compartimentos citadinos, ou seja, grupos de indivíduos detém determinadas parcelas de cidade pelas quais pode ou não se pode circular e viver, como condomínios fechados, favelas etc. O corte nas relações de vizinhança altamente sentido na primeira década do pós-enchente passou a não ser tão seriamente sentido na segunda década. A mobilidade urbana conduziu a uma maior adaptação tipológica da edificação ao problema da enchente. A forma arquitetônica e materiais utilizados, sujeitaram-se a determinados níveis de inundações, requerendo respostas próprias minimizadoras de danos. O sentimento de perda assimilado nas enchentes, em função dos altos danos sofridos, e do despreparo da população, ainda é forte o bastante para servir como referencial na hora de construir na cidade de Rio do Sul. A possibilidade de repetição do fenômeno, bem como os níveis de enchente ao qual determinado espaço urbano fica sujeito, passaram a ter uma importância comparável à condição de insolação ou acessibilidade, visando a aquisição de imóvel ou construção de edificação. No âmbito das recomendações, cabe ao Plano Diretor atualmente implantado o oferecimento de condições de usos eqüalizados não inviabilizando a cidade, mas oferecendo através de estímulos com índices urbanísticos e detalhamento através do desenho urbano a condição de se construir de forma adaptada ao fenômeno. Deve-se buscar um planejamento racional como forma de otimizar convivências. Os rios e suas áreas naturais de alagamento precisam vir para as pranchetas dos urbanistas e mesas de decisões como elementos de extrema importância do contexto urbano. As intervenções em seus leitos precisam de maiores cuidados e critérios altamente técnicos. 106 O poder público deverá agir no sentido de aplicar as medidas constantes no Plano Diretor impedindo a ocupação de áreas ribeirinhas, bem como realimentá-lo com novas proposições urbanas e ambientais, visto que a cidade é dinâmica e necessita de reconsiderações sistematicamente. Como a urbanização promove a impermeabilização do solo impedindo infiltrações e dificultando escoamentos, há que se trabalhar políticas como a conscientização e educação ambiental, projetos de drenagem urbana, aplicação e fiscalização da legislação federal para proteger as áreas de preservação ao longo de rios e ribeirões. A constatação do crescimento urbano em direção às áreas altas precisa ser considerada pelo planejamento urbano local já que acarreta sim, maiores e sérios problemas ambientais e de atendimento com as infra-estruturas urbanas, que chegam sempre posteriores num processo de ações sempre curativas e não preventivas. Em relação à Legislação Urbana, recomenda-se uma ampliação dos serviços de fiscalização das áreas de preservação permanente, com a utilização de instrumentos definidos pelo Estatuto das Cidades para o tratamento das áreas já consolidadas. Projetos técnicos de engenharia e planejamento urbano são recomendados para o não comprometimento da vazão das microbacias. Salienta-se também como importante o envolvimento da UNIDAVI, mais especificamente os cursos de Ecologia e de Direito, no trato das questões ambientais e legais. O perímetro urbano só deve ter seu espaço ampliado após rigorosa análise de custo benefício. A prática do aumento do perímetro urbano, visando exclusivamente à maior geração de impostos, tem que ser eliminada. A questão do Uso do Solo pode ser implementada com a valorização das singularidades locais. Com bairros como Albertina e Bela Aliança com características culturais e arquitetônicas alemãs; Itoupava e Valada São Paulo, típicos da comunidade italiana; Canoas, com alta cota de inundação; Taboão, Bela Aliança e Fundos Canoas, com recursos paisagísticos significativos; recomendamos a criação de parques urbanos que poderiam atender a questão da preservação ambiental e cultural, interferindo qualitativamente no redesenho do solo, definindo regras minimizadoras de conflitos em futuros assentamentos urbanos e proporcionado melhoria na qualidade de vida em geral. Em relação à verticalização, há que se trabalhar na diminuição do alto gabarito vigente na legislação atual, para que, amparado no já referido Estatuto das Cidades, o poder público possa conduzir a negociação da transferência do potencial construtivo, visando a sustentabilidade de políticas públicas dirigidas à cidade. 107 Na escala regional, o meio rural precisa da reconstituição do que for possível de sua vegetação nativa, extraída ao longo dos anos, bem como do controle e do manejo ambiental, para poder suportar e conter parte das águas das chuvas, minimizando enchentes. A cidade de Rio do Sul, por situar-se no encontro de dois grandes vales, tem sua vulnerabilidade aumentada e a população precisa entender que as enchentes fazem parte da vida natural dos rios adaptando-se, e não aumentando o problema, ocupando indevidamente áreas baixas. O comportamento do ser humano é que precisa ser administrado e há que se trabalhar a responsabilidade coletiva nas ações de ocupação dos espaços, visando uma gestão autônoma da bacia hidrográfica. As minimizações de os problemas com enchentes passam por um processo sustentável de gestão da bacia hidrográfica. É importante explorar o potencial cênico dos rios que precisaram impressionar para serem notados e temidos pela população. Este desrespeito aos leitos e esta visão temerosa precisa transformar-se em diminuição da distância homem/rio. Interagindo corretamente e a favor da paisagem, o homem precisa voltar a sentir os rios que devem ser aproveitados pasagísticamente na moldura urbana e como complemento ao cenário turístico local e regional. Como elemento de fruição pela população, que conscientizada e vislumbrando possibilidades de contemplação e lazer ao longo de seus leitos, poderia ajudar nos projetos de despoluição destes. Maior conscientização e educação ambiental se fazem necessárias. A paisagem precisa de cuidados e, como nó estruturador do Alto Vale do Itajaí, a antiga Bella Alliança, hoje Rio do Sul, precisa voltar a ser Bela. 108 REFERÊNCIAS ATLAS DE SANTA CATARINA. Gabinete de Planejamento e Coordenação Geral. Rio de Janeiro, 1986. ALVES, Ieda Maria (1998) Glossário de Termos Neológicos da Economia. São Paulo: Humanitas- FFLCH-USP. BRUNA, Gilda. (org.) et al. Questões de organização do Espaço Regional. São Paulo: Livraria Nobel, 1983. BUTZKE, Ivani C. Ocupação de áreas inundáveis em Blumenau – SC. Rio Claro, 1995. Dissertação - Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP. _____. Ocupação das áreas de risco em Blumenau. Fev. 1999. Relatório Final - Curso de Ciências Sociais. _____. O meandro de Agrolândia. Blumenau: Dynamis, v. 2, n. 8, p. 143-150. 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ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da 119 Reconstrução do Estado de Santa Catarina........................................................................................................ 120 113 ANEXO 1 - Entrevista com Governador Esperidião Amim data:07/12/00 Entrevistado: Governador Esperidião Amim Hellou Filho. Como o senhor vê a vulnerabilidade do estado de Santa Catarina frente as enchentes? Não vejo como vulnerável o estado, está muito rico veja aquele mapa é o mapa das bacias , nossas, hidrográficas, é a grande riqueza do estado, é o que nós temos que cuidar é para não darmos uso inadequado para o nosso solo, não sei se você tem, mas se não tem arranja com alguém, eu tenho só um exemplar do Atlas que nós fizemos em 1986 do Estado de Santa Catarina é um trabalho fantástico e lá tem o mapa das áreas inundáveis de algumas cidades catarinenses. O que não pode é o Plano Diretor de uma cidade permitir a construção em área inundável. O estado não é vulnerável, vulnerável é a cobiça do ser humano que vai ocupar aquilo que é a área do pulmão. Que qual é o tamanho de um rio? Depende ...na sêca ele tem uma certa dimensão, na média ele tem outra dimensão e na época das cheias ele tem uma maior dimensão. Se você construir dentro da área de alagamento você é vulnerável??? não...você construiu no lugar errado. Seria a mesma coisa que o sujeito não acreditar que existe maré de 7 anos, a chamada Maré de Sicigia, garanto que você não sabia que existe isso, e construir uma casa num lugar onde ele acha que a maré não chega, mas chega. A maré alta é um fenômeno ainda mais agora com o degelo essas coisas todas. O que existe é imprevidência, não existe vulnerabilidade, e o estado de Santa Catarina, acho que já aprendeu o suficiente para não deixar de perceber que a próxima será a maior inundação. Por isso nós temos que preservar. São ações não estruturais aquelas que decorrem do disciplinamento do uso do solo, aquelas que podem nos tornar menos vulneráveis. No mais é projeto de Micro Bacias1, Micro Bacias 2, todo esse esforço em favor da natureza, os projetos de reflorestamento, de repovoamento de agricultura orgânica, de desenvolvimento sustentável, que vão nos ajudar a reduzir as vulnerabilidades que nós criamos, nenhuma foi criada pela natureza, foi criada pelo mau uso do solo, pelo desmatamento. Você tem hoje de 7 a 8% da Mata Atlântica, então se imagina o que levamos, e é o Estado vulnerável? Não o estado ficou mais vulnerável por causa da ação urbana. Cabe uma restruturação, projetos estruturais, de micro bacias, pequenas providências com contenção, eventualmente diques e muito plano não estrutural, que é o que não custa nada mas que impede que se faça uma bobagem...e a natureza cobra! 114 ANEXO 2 - Recortes do Jornal: O Estado de 14/07/83 115 116 ANEXO 3 – Relatório das perdas e danos de Rio do Sul jul/1983. 117 118 119 ANEXO 4 - Mapa do DNAEE – Zoneamento de Áreas inundáveis na Bacia do Rio Itajaí-Açu 120 ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da Reconstrução do Estado de Santa Catarina LEI N. 6.256, de 26 de Julho de 1983 Procedência - Governamental Natureza - PL- 73/83 D.O. 12.267 de 29/07/83 Fonte - ALESC/Div.Documentação Institui o Programa Especial de Reconstrução do Estado de Santa Catarina, e estabelece outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembléia Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1º - Fica instituído o Programa Especial de reconstrução do Estado de Santa Catarina, observadas as diretrizes e normas da presente Lei. Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de reconstrução do estado de Santa Catarina, como órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do estado na definição de políticas e fixação de prioridades, visando à reconstrução da vida social e econômica catarinense. Parágrafo único – No Conselho, presidido pelo Governador do Estado, terão assento: I II III IV V – os ex-Governadores do Estado; – O Vice-Governador do Estado; – O presidente da Assembléia Legislativa; – o Presidente do tribunal de Justiça; – dois parlamentares federais, indicados pelas respectivas bancadas no Congresso Nacional; VI – dois parlamentares estaduais, indicados pelas respectivas bancadas na Assembléia Legislativa; VII – quatro prefeitos municipais, escolhidos paritariamente, pelos respectivos partidos políticos; VIII – os presidentes dos Diretórios Regionais dos Partidos Políticos; IX – os Presidentes das federações da Indústria, do Comércio e da Agricultura e o Presidente da Organização das Cooperativas do estado; X – os Presidentes das Federações dos Trabalhadores na Indústria, no Comércio, na Agricultura, e na Indústria da Construção Civil; XI – o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina; XII – o Presidente da Associação Catarinense de Fundações Educacionais; XIII – um representante de cada uma das confissões religiosas; XIV – os Presidentes da Secção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, do Conselho Regional de Medicina, do Conselho regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, do Conselho regional de Economia e do Conselho regional de Assistentes Sociais; XV – um representante do Governo Federal; XVI – o Secretário de Estado Extraordinário de que trata esta Lei; XVII – o Presidente do tribunal de Contas do Estado; e XVIII– outros representantes da sociedade civil, mediante convocação do Conselho. 121 Art. 3º – Os Secretários de Estado, os dirigentes de órgãos federais e da administração indireta estadual, participarão das deliberações do Conselho sempre que solicitarem ou forem convidados. Art. 4º - O Conselho Extraordinário de reconstrução do estado poderá funcionar com câmaras ou comissões específicas, sendo uma câmara de natureza especial, integrada pelo exGovernadores do Estado. Art. 5º - O funcionamento do Conselho Extraordinário não acarretará quaisquer ônus para o Estado. Art. 6º - Fica criado o cargo de Secretário de Estado Extraordinário para a reconstrução de Santa Catarina. § 1º - Compete ao Secretário Extraordinário: I – auxiliar o Governador do estado na tarefas de supervisão, coordenação, controle e avaliação das ações inerentes ao Programa Especial de Reconstrução do Estado de Santa Catarina. II – secretariar executivamente o funcionamento do Conselho Extraordinário de Reconstrução; III – propor prioridades e soluções para a decisão final do Chefe do poder Executivo, relativamente aso planos de aplicação dos recursos destinados ao Programa de Reconstrução; e IV – exercer outras atribuições determinadas pelo Chefe do Poder Executivo, decorrente da aplicação desta lei. § 2º - Decreto do Poder Executivo disporá sobre organização estrutural do gabinete do Secretário Extraordinário, bem como sobre o remanejamento de cargos, em caráter transitório, e a requisição de pessoal, equipamentos e material de consumo ou permanente e espaço físico, independentemente de indenização, aos órgãos da administração direta, indireta e funcional do Estado, necessários à sua operação. Art. 7º – Fica criado um cargo de Secretário-Adjunto Extraordinário, DASU-5, que será extinto com a desativação do gabinete do Secretário Extraordinário de Reconstrução do Estado. Art. 8º - às despesas necessárias ao funcionamento do Gabinete do Secretário Extraordinário de Reconstrução do Estado, neste exercício, correrão à conta das dotações orçamentárias do gabinete do Governador do estado. Art. 9º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a: I – criar, no orçamento em execução, os projetos e/ou atividades necessários à implantação do programa especial de Reconstrução do estado de Santa catarina e baixar demais atos necessários à execução da presente Lei; II – criar unidades colegiadas, microrregionais ou municipais, com a participação das prefeituras municipais e da comunidade, para auxiliar e apoiar a execução do Programa Especial de Reconstrução do Estado; III – transformar, mediante lei específica, a autarquia Programa Especial de Apoio à Capitalização de Empresas (PROCAPE) em empresa de participações societárias; e 122 IV – modificar transitoriamente, a vinculação de órgãos centrais da administração direta e das entidades da administração indireta ou fundacional do estado, independentemente das áreas de competência previstas na Lei nº 5.089, de 30 de abril d 1975, com suas alterações. Parágrafo único – As unidades colegiadas municipais serão presididas pelo Prefeito Municipal ou pessoa por ele indicada. Art. 10 – O Governador do Estado encaminhará ao Poder Legislativo as proposições suplementares que se fizerem necessárias à execução do programa Especial de Reconstrução, instituído pela presente Lei. Art. 11 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 12 – Ficam revogadas as disposições em contrário. Florianópolis, 26 de julho de 1983 ESPERIDIÃO AMIN HELOU FILHO Governador do Estado 123 UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA DAS ENCHENTES DE 1983 MARISTELA MACEDO POLEZA BLUMENAU 2003