MARISTELA MACEDO POLEZA
MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA
DAS ENCHENTES DE 1983
Dissertação apresentada ao Colegiado do
Programa de Mestrado em Desenvolvimento
Regional na Universidade Regional de Blumenau,
como requisito parcial para a obtenção do título
de Mestre em Desenvolvimento Regional.
Dra. Beate Frank - Orientadora
BLUMENAU
2003
MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA
DAS ENCHENTES DE 1983
Por
MARISTELA MACEDO POLEZA
Dissertação aprovada para a obtenção do título
de Mestre em Desenvolvimento Regional pela
banca examinadora formada por:
Presidente:
________________________________________________
Prof. Dra. Beate Frank – Orientadora, FURB
Membro:
_______________________________________________
Prof. Dr. Lino Fernando Peres Bragança, 1o.Examinador, UFSC
Membro:
________________________________________________
Prof. Dr. Ivo Theis, 2o. Examinador , FURB
_________________________________________
Coordenador do PPGAd: Prof.
Blumenau, dezembro, 2002.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de externar meus sinceros agradecimentos:
À AMAVI, por ter me possibilitado todas as condições necessárias para a elaboração
desta pesquisa, idem aos colegas de trabalho, pelo apoio imprescindível;
Ao professor Marcos Antônio Mattedi, estimulador da pesquisa e orientador até sua
saída para estudos fora do país;
A Márcio Lucas por disponibilizar gentilmente sua atenção e material da Defesa
Civil;
Aos amigos Mariel Tambosi, Gilmar Triches e professor Paulo de Souza,
companheiros agradáveis das inúmeras viagens a Blumenau;
À estagiária Carla Ferrari pela ajuda na elaboração dos mapas e Vanda M.
Lucktemberg por garantir a rotina de meu escritório;
Ao meu pai, pela ajuda na pesquisa histórica e a minha mãe pela preocupação com as
viagens;
À Marina, caloura de Arquitetura e Urbanismo, que me serve de luz na busca de
conhecimentos que possam iluminar sua trajetória, e Luiza, que me fez prometer que só
voltaria a estudar daqui a muitos anos, promessa que certamente não conseguirei cumprir;
Ao Sérgio companheiro sempre.
Finalmente, à professora Beate Frank, que me acolheu como orientanda com extrema
competência, num momento tão difícil.
SUMÁRIO
LISTA DE FIGURAS ......................................................................................................
6
LISTA DE QUADROS ....................................................................................................
7
LISTA DE ABREVIATURAS ........................................................................................
7
RESUMO...........................................................................................................................
8
ABSTRACT .....................................................................................................................
9
1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................
10
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..............................................................................
17
2.1 DESENVOLVIMENTO .............................................................................................
17
2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO ....................
21
2.2.1 Urbanização no Brasil .............................................................................................
27
2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO ....................................
29
2.3.1 Enchentes Urbanas ..................................................................................................
30
2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí ...............................................................
31
2.3.3 Agravante do Fenômeno enchente no Alto Vale do Itajaí ......................................
33
3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983 ................
37
3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL ................................................................................
37
3.1.1 Bacia Hidrográfica ...................................................................................................
37
3.1.2 Situação ...................................................................................................................
39
3.1.3 Aspectos Demográficos ...........................................................................................
40
3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO .................................................................................
42
3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense ............................................
42
3.2.2 A forma de ocupação ................................................................................................
44
3.2.3 O modelo de ocupação utilizado .............................................................................
45
3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA .....................................................................................
46
3.3.1 Braço do Sul ...........................................................................................................
47
3.3.2 Bella Alliança ..........................................................................................................
49
3.3.3 Rio do Sul ................................................................................................................
54
3.3.4 Síntese ......................................................................................................................
71
4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE .........................
72
4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL ...............................................
72
4.2 O FENÔMENO E OS DANOS ..................................................................................
74
80
5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983 ...............................................................................
5.1 DE 1983 A 1992 .........................................................................................................
80
5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano ..................................................................
80
5.1.2 Uso do Solo .............................................................................................................
82
5.1.3 Valor do Solo ..........................................................................................................
85
5.1.4 Mobilidade Urbana ..................................................................................................
88
5.2 DE 1992 A 2000 .........................................................................................................
90
5.2.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano ..................................................................
90
5.2.2 Uso do Solo .............................................................................................................
93
5.2.3 Valor do Solo ..........................................................................................................
98
5.2.4 Mobilidade ...............................................................................................................
99
5.3 SÍNTESE ....................................................................................................................
102
6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES .................................................................
103
REFERÊNCIAS ..............................................................................................................
108
ANEXOS ..........................................................................................................................
112
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 -
Modelo de Análise .......................................................................................... 13
Figura 2 -
Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e freqüência de 34
enchentes a cada 20 anos...................................................... ..........................
Figura 3 -
Bacia do Rio Itajaí ........................................................................................... 38
Figura 4 -
Mapa de Rio do Sul ......................................................................................... 40
Figura 5 -
Desmembramentos de Rio do Sul ................................................................... 42
Figura 6 -
Origem do povoamento em SC ....................................................................... 43
Figura 7 -
Passagem de tropas .......................................................................................... 48
Figura 8 -
Mapa da colônia .............................................................................................. 50
Figura 9 -
Banco de Crédito Agrícola 1928 ..................................................................... 51
Figura 10 -
Rua Carlos Gomes ........................................................................................... 52
Figura 11 -
Uso do Solo em Bella Aliança interpretado .................................................... 53
Figura 12 -
Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado ................................................ 56
Figura 13 -
Encontro dos rios ............................................................................................. 58
Figura 14 -
Movimento no centro urbano .......................................................................... 59
Figura 15 -
Beira 1954 ....................................................................................................... 62
Figura 16 -
Praça 1954 ....................................................................................................... 63
Figura 17 -
Rua 7 de setembro ........................................................................................... 65
Figura 18 -
Caminhões na via principal nos anos 60 ......................................................... 65
Figura 19 -
Panorâmica nos anos 60 .................................................................................. 66
Figura 20 -
Plano Diretor interpretado ............................................................................... 68
Figura 21 -
Calçadão Central ............................................................................................. 70
Figura 22 -
Enchente em 1954 ........................................................................................... 73
Figura 23 -
Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/07/83 e 14/07/83 .......................... 75
Figura 24 -
O calçadão em dois momentos distintos ......................................................... 76
Figura 25 -
Conflitos de usos ............................................................................................. 83
Figura 26 -
Comprometimento do sistema viário .............................................................. 84
Figura 27 -
Localização de novos loteamentos .................................................................. 88
Figura 28 -
A imagem do destino interrompido na área inundável / livre da enchente no
morro ............................................................................................................... 89
Figura 29 -
Áreas urbanas reduzidas .................................................................................. 91
Figura 30 -
Jardim América antes de 1983 e depois de 1983 ............................................ 94
Figura 31 -
Bairro Canoas antes e depois de 1983 ............................................................. 96
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 –
Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí ........................................
32
Quadro 2 –
Evolução demográfica de Rio do Sul ..........................................................
41
LISTA DE ABREVIATURAS
AMAVI – Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí
CEDEC – Coordenação Estadual de Defesa Civil
DNAEE – Departamento Nacional de Água e Energia Elétrica
DNOS – Departamento Nacional de Obras e Saneamento
FURB – Fundação Universitária da Região de Blumenau
GAPLAN – Gabinete de Planejamento
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IPA – Instituto de Pesquisas Ambientais
IPTU – Imposto Territorial Urbano
ONU – Organização das Nações Unidas
UNIDAVI – Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí.
RESUMO
As enchentes fazem parte da história do Vale do Itajaí, desde o início de sua
colonização. Com as grandes enchentes de 1983 no Alto Vale, Rio do Sul a cidade que sofreu
o maior impacto, considerando que os prejuízos estenderam-se por uma extensa área
urbanizada. A necessidade do entendimento da situação urbana pré-impacto, visando
comparação pós-impacto, levou ao estudo da formação e consolidação de Rio do Sul como
pólo regional. A pesquisa interpretou as respostas que a população encontrou para minimizar
os impactos sofridos e reagir à ação do fenômeno das enchentes. Historicamente, a
preocupação com a redução destes prejuízos no Vale do Itajaí tem se voltado ao incremento
de medidas estruturais de controle das cheias, tendo pouca atenção dirigida ao planejamento
do ambiente urbanizado. O intervalo de tempo analisado inicia com a ocupação do território
na década de 20, e vai até o ano de 2000, considerando a enchente de 1983 como a variável
interveniente neste processo de consolidação urbana. As propostas urbanísticas que
contemplaram o crescimento urbano neste intervalo de tempo foram reunidas neste trabalho
como forma de documentá-las.
PALAVRAS CHAVES: Enchentes, Planejamento Urbano, Desenvolvimento Regional,
Urbanização.
ABSTRACT
Floods make part of the Itajaí River High Valley history since its early establishment.
With the big valley floods in 1983, Rio do Sul suffered the biggest impact, considering that
the damages affected most of the urban areas of the city. The necessity to understand the
situation of the urban pre-impact comparing in to the pos-impact motivated a research to
consolidate Rio do Sul as the most important city of the region. The research sought for an
interpretation to the answers brought by the population to minimize flood impacts and
reactions to the flood phenomena. Historically the preoccupation with the reduction of
prejudices in the Itajai valley has turned to the increment of structural measures to control
floods and having less given attention to the urban zoning laws.
The period of time analyzed in the study starts with the territory settlement in the 1920’s until
the year 2000, considering the 1983 flood as the intervenient variant of urban area
consolidation. The big urban area dispersing on the high areas of the city doors not express
necessarily the real development of it.
The urbanistic proposals that contemplate urban growing during this period of time
were put together in this work to document them.
Key words: floods, urban planning, regional development, urbanization.
10
1 INTRODUÇÃO
A ocupação urbana de Rio do Sul, como a maioria das cidades da região do Alto
Vale do Itajaí, de colonização predominantemente alemã, aconteceu junto aos rios. O rio
Itajaí-açú, responsável pela maior bacia hídrica inteiramente catarinense, começa exatamente
no centro desta cidade, no encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, que com seus leitos
permeiam grande parte do referido perímetro urbano.
Situada estrategicamente entre Blumenau e Lages, Rio do Sul, ocupou na região do
Alto Vale, o principal espaço atrativo comercial, aproveitando o ciclo da madeira para
desenvolver-se como eixo prestador de serviços a partir da década de 40 e atrair, para a
industrialização, populações de áreas próximas.
Usando valores transmitidos culturalmente, Rio do Sul realizou um urbanismo
espontâneo. A instalação de cidades muito próximas aos rios, bem característico no Alto Vale,
refletindo aspectos culturais significativos e próprios da forma de colonizar, também
demonstrou o desconhecimento da base topográfica e hidrográfica local. Em Rio do Sul é
possível observar, pelas edificações, o deslocamento das atividades urbanas em direção a
áreas mais altas, posteriormente à sua instalação inicial.
Na década de 70, a condição de pólo regional de Rio do Sul é reforçada, com a
implantação da BR 470. Neste período, o índice de crescimento da cidade chega a 2,78 (IBGE
1980), e nos anos 80, com o esgotamento do ciclo da madeira, acontece o declínio econômico.
È evidente, na forma de ocupar o espaço a despreocupação com os rios, para os quais seus
habitantes sempre davam as costas. Os rios Itajaí do Oeste, do Sul e Açú várias vezes saíram
de seus leitos, inundando margens e causando alagamentos em residências e nos bairros mais
baixos como Santana, Canoas e Sumaré, onde as mesmas já se adaptavam a dois pisos.
A maior enchente vivida por Rio do Sul e pelo Alto Vale, em 1983, desabrigou
aproximadamente 250.000 pessoas em toda a bacia hidrográfica. Segundo dados da Defesa
Civil de Rio do Sul, o Rio Itajaí-açú atingiu 15,08 metros no dia 12 de julho de 1983, com
aproximadamente três metros a mais do que a maior cota até então conhecida. Esta elevação
das águas foi responsável por incalculáveis perdas. O abalo sofrido foi muito forte e a cidade
permaneceu isolada reagindo da forma que pôde. Deslocou-se para áreas altas, desvalorizou
11
áreas baixas, enfrentou novas enchentes no mês e anos seguintes, verticalizou, concentrou,
dispersou, enfim mudou a sua forma de ocupar o espaço.
O estudo da alteração da forma urbana de Rio do Sul vem buscar uma explicação das
relações estabelecidas entre o espaço natural e a cidade que nele se instalou, interpretando
vetores de crescimento territoriais vivenciados, visando a aumentar conhecimentos que
auxiliem no planejamento urbano, já que as enchentes, ameaças em potencial, continuam
sendo tema pouco estudado no Brasil. Em síntese, a pesquisa concentra-se na área urbana de
Rio do Sul e estuda as alterações ocorridas posteriores a grande enchente de 1983.
Torna-se impossível, nos dias de hoje, trabalhar com construção civil em Rio do Sul
desconsiderando a variável enchente. A possibilidade ou não de uma enchente atingir uma
edificação redefine a forma de ocupação volumétrica e seu valor de mercado, passando a ser
um componente tão importante como acessibilidade e insolação. A pesquisa está centrada
nesta nova forma de edificar a cidade, suas interpretações e conseqüências. A consideração
deste processo nos permite a formulação da seguinte questão norteadora da pesquisa:
- Qual o reflexo que a mudança do padrão de uso e ocupação do solo, provocada pela
enchente de 1983, causou sobre o desenvolvimento urbano de Rio do Sul?
Como hipóteses básica e secundária, considera-se que:
As enchentes estimularam a ocupação desordenada do solo urbano, promovendo um
processo de valorização do solo em algumas áreas e desvalorização do mesmo em outras; a
verticalização nas áreas inundáveis e a ampliação da ocupação urbana nas áreas altas da
cidade, acelerada após as enchentes, causaram um processo de deslocamento das atividades
urbanas para além dos limites das enchentes, aumentando visivelmente o crescimento e
passando uma falsa idéia de desenvolvimento.
A realização desta pesquisa visa a atender ao objetivo geral, referente ao estudo do
impacto das enchentes no desenvolvimento da área urbana, que se traduz nos seguintes
objetivos específicos, sempre relacionados à comparação da situação urbana anterior e
posterior às enchentes de 1983:
1) Interpretação da legislação urbana e perímetro urbano;
2) Entendimento da alteração no padrão de uso do solo;
3) Entendimento da alteração no padrão de custo do solo nas áreas urbanas
12
promovidas pela valorização e ou desvalorização;
4) Conhecimento da mobilidade urbana.
A pesquisa é desenvolvida na consideração dos conjuntos teóricos, segundo o seguinte
modelo de análise:
-
Como variável independente o desenvolvimento e ciclos econômicos
vividos como principalmente o ciclo da madeira;
-
Como variável dependente, a estrutura urbana reflexo do ciclo econômico
correspondente. Enquanto economia agrícola Rio do Sul desenvolveu
espaços rurais, concentrando na cidade pequenos pontos de troca
comercial; no ciclo da madeira o espaço urbano cresceu, expondo seus
ganhos com a construção de igrejas, hospitais, bancos, praças, avenidas,
pontes
entre
outros
equipamentos;
sendo
tratado
na
fase
da
industrialização à reserva de espaços para distritos industriais, expansão
urbana e parcelamentos do solo em geral, visando ao maior oferecimento
para o setor residencial. Esta variável é a que foi realmente afetada pelo
fenômeno das enchentes, sendo o objeto da pesquisa. Será analisada na
sua transformação e reflexos positivos ou negativos que sofreu;
-
Como variável interveniente a enchente, afetou a relação entre
desenvolvimento econômico e o espaço ocupado. Seu caráter catastrófico
interrompeu um modelo urbano vulnerável. Analisa-se o fenômeno e sua
forma de interpretação. As cheias promoveram rupturas na forma
conhecida de ocupar o solo, redirecionando vetores de expansão,
redefinindo usos, acelerando a verticalização. A figura 1 representa
esquematicamente, o teor da pesquisa onde o desenvolvimento ocorrido
gera a estrutura urbana correspondente, tendo a enchente de 1983, atuado
neste processo dinâmico, alterando-lhe a forma.
13
Figura 1 – Modelo de Análise
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
REGIONAL
ESTRUTURA
URBANA
LOCAL
ENCHENTE
Fonte: Desenvolvido pelo autor.
A realização da pesquisa justifica-se por duas ordens de considerações que são
complementares: relevância teórica e relevância prática.
(i)
Relevância Teórica: Do ponto de vista teórico sobre o desenvolvimento
do Vale do Itajaí em geral e sobre a problemática das enchentes em
particular, encontra-se poucas publicações referentes à cidade de Rio do
Sul. Os poucos estudos existentes estão relacionados à formação
histórica
e
entende-se
que
considerações
relacionadas
ao
desenvolvimento urbano proporcionarão conhecimentos que ajudarão no
entendimento das soluções urbanas adotadas, compatíveis com modelos
de desenvolvimento vividos. Trata-se, de um estudo que busca
incrementar o conhecimento sobre as relações entre desenvolvimento
regional e problemas ambientais.
(ii)
Relevância Prática: Do ponto de vista prático, a realização da pesquisa
possui uma importância direta para o processo de planejamento e
ordenamento do espaço urbano de Rio do Sul, pois o estudo identifica
vetores de crescimento urbano que permitem redefinições urbanísticas,
que poderão melhorar aspectos ligados à legislação urbana, alimentando
processos de tomada de decisões. Além disso, poderá fornecer novos
subsídios a estratégias de planejamento do processo de ocupação do uso
do solo, como ampliação do sistema viário, áreas de expansão,
14
preservação da paisagem e, adensamentos. A pesquisa é importante aos
interesses
públicos
conscientização
e
privados
ambiental,
já
apontando
que
pode
novos
provocar
caminhos
maior
para
o
desenvolvimento regional.
A pesquisa foi do tipo exploratória e a coleta de dados foi documental, buscando
referências em decretos, leis, jornais, revistas e publicações que demonstravam a situação da
ocupação urbana anterior e posterior às inundações; bibliográfica quando recolheu
informações sobre planejamento urbano e enchentes em pesquisas já publicadas relacionadas
com o tema em estudo; icnográfica, quando cercou-se de dados que caracterizam os sinais, as
marcas, ou cotas de inundações; fotográfica pela análise de fotos que auxiliaram na
compreensão dos fatos estudados; cartográfica pela interpretação de mapas de diferentes
épocas visando à análise do crescimento urbano, e com entrevistas não diretivas, onde pessoas
envolvidas com as temáticas citadas foram ouvidas em conversações sistemáticas baseadas
em roteiro prévio de perguntas.
Durante a execução desta pesquisa, verificou-se grande carência de dados,
principalmente em órgãos públicos. Informações apresentadas referentes à verticalização, por
exemplo, foram colhidas em campo e transformadas nos mapas apresentados. Foram ainda
realizadas buscas em cartórios de registro de imóveis, visando aumentar o entendimento de
questões relacionadas à compra e venda de lotes em áreas inundáveis.
Os passos metodológicos que permitiram cumprir os objetivos específicos da
pesquisa em relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano foram:
Para a comparação da legislação urbanística;
a) análise da estruturação interna da prefeitura no que se referia ao planejamento
urbano;
b) comportamento das pessoas e dos especuladores imobiliários, frente a ausência de
legislação e sua posterior implantação;
c) dimensões do perímetro urbano antes e depois das cheias;
d) setores urbanos que deixaram de existir ou foram criados.
15
Para o entendimento da alteração no padrão de uso do solo foram analisados os
seguintes tópicos:
a) comportamento do sistema viário;
b) uso do solo que sofreu mobilidade;
c) Interferência na paisagem;
d) Localização de novos loteamentos;
e) Ocupação das áreas centrais baixas e altas antes das enchentes;
f) Processo de verticalização na cidade;
g) Surgimento de pontos comerciais, industriais e de conflitos;
h) Localização de áreas residenciais;
i) Áreas de expansão urbana e preservação;
j) Relação visual com os rios antes e depois do fenômeno;
l) Alterações na tipologia arquitetônica.
Para o entendimento da alteração no padrão de Custo do Solo nas áreas urbanas
promovidas pela valorização e ou desvalorização foram levantados:
a) Valor venal dos lotes e desvalorização nas áreas centrais baixas;
b) Localização das áreas nobres, com melhor ocupação e infra-estrutura;
c) Localização das áreas com problemas de infra-estrutura e com ocupação precária.
Para a interpretação da mobilidade urbana o estudo abrangeu:
a) Uso que sofreu maior mobilidade;
b) Número de residentes urbanos e análise de incremento ou êxodo urbano;
c) Migrações internas;
d) Alteração nas relações de vizinhanças.
Após a Introdução, o trabalho é seguido da Fundamentação Teórica, onde os
conceitos de desenvolvimento, enchente e urbanização são estudados. Na seqüência, passa-se
à formação e ao desenvolvimento urbano de Rio do Sul, até 1983. Neste sentido, a utilização
de mapas e fotos contextualiza o comportamento urbano frente aos diferentes tempos e a
16
ênfase é de uma análise até 1983. Na seqüência, o foco da pesquisa recai sobre o fenômeno da
enchente em si, sua abrangência e danos, seguido de uma análise da condição urbana após o
evento, tratando da reação gerada e das transformações provocadas pelas enchentes na
estrutura urbana de Rio do Sul. A conclusão da pesquisa é seguida de recomendações
baseadas no estudo feito.
17
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento ocupa lugar de destaque no pensamento moderno. Não é possível
desassociar o termo de palavras como crescimento, evolução, maturação. Indica que estamos
progredindo em direção de uma meta desejável, segundo Sachs (2000). De acordo com Alves
(1988), o crescimento do volume de bens e serviços produzidos em um país, medido pela
evolução do Produto Interno Bruto (PIB) e o valor da totalidade de bens e serviços finais
produzidos num país com elevação da renda é o crescimento econômico. A mesma autora
refere-se a desenvolvimento econômico como uma conseqüência da melhoria no padrão de
vida da população.
A palavra Desenvolvimento é carregada de conotações, está destinada à extinção e a
sua prolongada agonia transforma-se em uma condição crônica. Os Estados Unidos,
considerados pela sua grande capacidade produtiva o centro do mundo, em 20 de janeiro de
1949, logo após a Segunda Guerra Mundial, abriram a era do Desenvolvimento, aproveitando
como momento oportuno, a posse do presidente Truman. Este, ao referir-se ao
Desenvolvimento, deu um novo significado ao termo, criando uma nova concepção do “eu” e
do “outro”, transformando o significado histórico-político do Desenvolvimento. Inserido num
contexto tipicamente americano, como uma arma contra o comunismo, projetou-se para o
resto do século XX, marcando nesta data, dois bilhões de pessoas como “Subdesenvolvidas”.
Daquele momento em diante, este contingente humano deixou de ser o que era na sua
diversidade, transformando-se magicamente numa imagem inversa da realidade alheia, que os
diminuía. Para Sachs (2000), o subdesenvolvimento usurpa e transforma duzentos anos de
construção social do significado histórico e político do tema Desenvolvimento.
No início do século XX, generaliza-se o termo Desenvolvimento Urbano, referindose às áreas periféricas, terraplanagens, produção industrial homogênea e instalações
especializadas, não se conseguindo fixar uma imagem generalizada como hoje é aplicada.
18
Também, na mesma época, alguns autores dão uma atenção pragmática aos fatores externos e
internos que pareciam ser as causas mais atuais para o desenvolvimento, ou melhor, para o
não desenvolvimento: temas comerciais, intercâmbio desigual, dependência, protecionismo,
imperfeições do mercado, corrupção, falta de democracia ou de talento empresarial. Com a
evolução das civilizações e da urbanização como conseqüência para obtenção de bens e
serviços, as necessidades se tornaram maiores que os recursos humanos e materiais. A
definição da palavra desenvolvimento pode estar atrelada a fatores como industrialização,
renda per capita, urbanização, qualidade de vida e uma série de demais indicadores sociais,
desde que crescentes.
Urbanização e desenvolvimento econômico aparecem ligados e se constata como
importante à aceleração do crescimento urbano nas regiões subdesenvolvidas com um ritmo
superior a arrancada urbana dos países industrializados, e isto, sem crescimento compatível,
sendo que para Castells (1983), a característica principal de subdesenvolvimento é a
impossibilidade de uma sociedade dirigir o desenvolvimento da coletividade, além da falta de
recursos. Para Betlheim (apud Castells, 1983), em vez de países subdesenvolvidos, temos
países explorados, dependentes e dominados com economia deformada. Tratar do
subdesenvolvimento significa, além de falar de dominação e dependência, de estabelecer o
alcance e a expressividade da dominação.
A hipeurbanização existente hoje nos países subdesenvolvidos é apontada como um
obstáculo ao desenvolvimento na medida que imobiliza recursos sob a forma de investimentos
não produtivos necessários à organização de serviços indispensáveis a grandes concentrações
de populações. Vê como problemática também a concentração num mesmo espaço de uma
população com insatisfatório nível de renda, desenraizada sem função precisa na sociedade.
Uma boa parte das cidades nestas condições não é o resultado de um processo dos meios de
produção e força de trabalho e sim de um desaguadouro do que o sistema desorganiza, sem
poder destruir inteiramente, considerando impactante a industrialização numa sociedade
fracamente urbanizada (Castells, 1983).
Cardoso (apud Castells, 1983), afirma que a mudança na estrutura de emprego na
América Latina foi mais provocada pela integração de parte da população agrícola no setor
terciário do que pelo processo de industrialização. A massa urbana ligada à produção de
serviços possui interesses e condições que não condizem com os interesses da classe
dominante, gerando uma urbanização dependente que não é a expressão de um processo de
19
modernização, mas sim das contradições sociais inerentes a seu modo de desenvolvimento,
determinado por uma dependência específica no interior do sistema capitalista mundial. A
guerra e a pobreza contribuíram para que a população aprofundasse o sentimento de
deficiência e fixasse a noção de subdesenvolvimento. Os teóricos dependentistas latinoamericanos e os intelectuais de esquerda se dedicaram a criticar as estratégias
desenvolvimentistas que os americanos esboçavam e para eles o novo termo era só mais uma
palavra para designar atraso ou pobreza, afirmando que o subdesenvolvimento era
conseqüência do Desenvolvimento. O debate sobre origem e causas do Desenvolvimento
define o termo como uma “percepção” e ninguém parece suspeitar que o conceito não se
refere a um fenômeno real. Não se compreende a quantidade de processos interligados que
compõem a realidade mundial, e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes
deste desmembramento, como ponto de referência geral. O conceito de Desenvolvimento
empobreceu ainda mais nas mãos de seus primeiros defensores que o reduziram a
“crescimento econômico”. Um simples crescimento de renda per capita, nas áreas
economicamente subdesenvolvidas, era a meta insinuada na Carta da ONU de 1947.
O primeiro relatório da situação social em 1952 despertou o interesse da ONU, que
passou a ver meios de aliviar a pobreza mundial. Estes davam conta do progresso e a
expressão Desenvolvimento Social introduzida gradativamente aparecia de forma vaga e
relacionada a Desenvolvimento Econômico. O econômico e o social eram situações
consideradas distintas. O relatório de 1962 recomendava a união do econômico e do social
afirmando que Desenvolvimento era o crescimento com mudanças qualitativas e quantitativas
nos campos sociais, econômicos e culturais. A palavra chave seria Qualidade de Vida e em
1966 a ONU reconhecia a interdependência dos fatores econômicos e sociais e a necessidade
de equilibrá-los. No final dos anos 60 ficou claro que o crescimento econômico acelerado
vinha acompanhado de desigualdades crescentes e os economistas já consideravam os
aspectos sociais como obstáculos sociais.
Em 1970, Robert McNamara (apud Sachs, 2000), então presidente do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, admitiu que um alto índice de crescimento não tinha
conduzido a um progresso satisfatório do desenvolvimento na primeira década e insistiu que
os anos 70 seriam testemunha de algo mais que índices brutos de crescimento econômico.
Enquanto a primeira década foi considerada a dos aspectos sociais, a segunda década dedicouse a fundir os dois. Uma resolução da ONU estabeleceu um projeto para identificação de uma
20
abordagem unificada ao desenvolvimento e ao planejamento, com o objetivo de: incluir todos
os setores da população nas oportunidades; efetuar mudanças estruturais; buscar igualdade
social incluindo distribuição justa e priorizar o desenvolvimento do potencial humano.
Começou assim a busca de uma abordagem unificada, a análise e o planejamento do
Desenvolvimento, que procurava a integração setorial, espacial e regional, com um tipo de
“Desenvolvimento participativo”. O projeto durou pouco e os resultados foram
decepcionantes, dando uma nova vida ao debate sobre Desenvolvimento nos anos que se
seguiram.
Em 1972, a Conferência de Estocolmo abordou o Ecodesenvolvimento, alertando
para o esgotamento dos recursos não renováveis. Avançando nesta linha de pensamento, a
ONU realizou seminários sobre estilos alternativos de desenvolvimento refletindo no
Relatório Brundtland em 1987, onde a idéia de desenvolvimento sustentável chama a atenção
para a melhor distribuição das riquezas produzidas e adoção de estilos de vida compatíveis
com os recursos naturais disponíveis, também às futuras gerações, idéias estas, conduzidas à
Conferência do Rio de Janeiro. Esta conferência, conhecida como ECO 92, realizada no Rio
de Janeiro em 1992, foi o início de um processo para estabelecer as bases para o
desenvolvimento sustentável pois, para Strong (apud Sachs, 1986), a vida do planeta está
condenada se não houver diminuição no consumo dos recursos naturais. O meio ambiente e o
desenvolvimento foram reconhecidos como lados de uma mesma moeda. Houve, com este
encontro, um considerável avanço na preocupação com a gestão ambiental evoluindo-se para
discussão de temas como: meio ambiente, crescimento demográfico, fome, opressão,
problemas habitacionais e desemprego. Como recomendação da ECO 92 o Brasil criou a
Agenda 21, um conjunto de propostas de desenvolvimento sustentável, estabelecendo áreas
temáticas de ações como: agricultura, cidades, integração regional, gestão dos recursos
naturais, tecnologia e redução das desigualdades sociais, que deverão ser implementados por
estados e municípios e internalizados pela sociedade em geral. O Desenvolvimento não
deveria ser de coisas, mas do ser humano, dando ênfase à necessidade da diversidade e de que
sejam seguidos caminhos diferentes para o Desenvolvimento.
Na década de 90 a ONU passou a divulgar o IDH (medidor que combina o poder real
de compra, educação e saúde), numa nova abordagem sobre desenvolvimento, tratou da
abordagem das necessidades básicas, voltando a atenção para a tarefa de resolver
necessidades como a pobreza absoluta, levando em conta as especificidades da cada país.
21
Seguindo-se à risca tal concepção, conduzir-se-ia à dissolução da própria noção de
Desenvolvimento, no momento que ficasse evidente a impossibilidade de impor um modelo
mundial cultural único. A crise dos anos 80 tirou o poder de pessoas que foram criadas na
dependência dos salários, e sem base social que os habilitasse a viver de forma autônoma e
Sachs (2000) pede o debate sobre os acontecimentos pós-econômicos, lançando um desafio à
sociedade, para que formule um tipo de controle político que permita iniciativas econômicas
menos danosas, e sua maior inserção no tecido social, pressupondo que a economia criada
pelo homem comum acabe com os abusos. O mesmo autor afirma ainda que o
Desenvolvimento evaporou-se, e o homem moderno fracassou no seu esforço para ser Deus.
Sugere que é chegada a hora de recobrar a realidade e a serenidade, para que o homem
comum possa andar com seus próprios pés e contar sua própria história e para Diegues
(1995), a possibilidade das sociedades definirem seus padrões de produção, consumo e bem
estar da população deve ser buscada, em troca da adoção de modelos definidos por
sociedades industrializadas.
Hoje, para dois terços dos povos do mundo, o subdesenvolvimento é uma
experiência de vida de subordinação, discriminação e de subjugação e o desenvolvimento
consiste em desdobrar um processo mundial em diferentes níveis como local, regional e
global. A verdadeira escolha não está entre desenvolvimento e meio ambiente, mas entre
formas de desenvolvimento sensíveis ou insensíveis à questão ambiental, mobilizando a
defesa de estilos de vida que se acomodem ao meio não comprometendo sua exploração
excessiva. O desenvolvimento regional deve ser estudado e buscado, para de forma
descentralizada ser equilibrado e eficiente. Deverá também ser papel não só dos governos
mas, de todos os seres humanos, num contexto sinérgico.
Diante do exposto podemos concluir que o termo desenvolvimento é cercado de uma
grande discussão conceitual e sua análise atrela-se a realidade e pontos de vistas distintos. A
palavra desenvolvimento é utilizada com vários entendimentos e foi progressivamente
incorporando nas suas definições, aspectos sociais e ambientais.
2.2 OCUPAÇÃO URBANA E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO
22
As sociedades formam estruturas organizacionais urbanas diferentes e usam estes
espaços de acordo com suas necessidades, em relações funcionais muito peculiares. Cada
modelo econômico produz um tipo de cidade que o exprime de maneira imediata, visível e
legível no terreno, tornando sensíveis às relações sociais mais abstratas, jurídicas, políticas,
ideológicas. Na cidade também há um processo cumulativo, relativamente contínuo, de
conhecimentos, técnicas, pessoas, riquezas, dinheiro e depois de capital (LEFEBVRE, 1999).
O aparecimento da cultura urbana crescente tem início a partir da Idade Média. As
Cruzadas trataram do ressurgimento do comércio e tiveram o objetivo de conquistar e ampliar
sua movimentação. Com isto cresceu o êxodo rural, ocasionado principalmente pelas
precárias condições da vida no campo. Com o incremento do comércio e atividades
econômicas as cidades, antes destinadas a sedes administrativas e fortificações, mudaram suas
feições. Para Castells (1983), a cidade política cede lugar à cidade mercantil.
A segunda metade do século XIX marca o começo das migrações maciças dos países
“velhos” para as nações novas onde se instalaram milhares de europeus. A população urbana
representava 1,7% do total nos inícios do século XIX; em 1950 tal percentual era de 21%; em
1960 de 25%; de 37,4% em 1970 e 41,5% em 1980. O fenômeno da urbanização foi
avassalador, principalmente no terceiro mundo, e as cidades constituíram-se nas melhores
representações organizacionais do espaço, sendo sua forma resultado do comportamento da
sociedade que a ocupava. São citados aspectos comportamentais, culturais, históricos, formas
de utilização dos espaços, sistema de produção e conflitos sociais, e Lefebvre (1999), define
a cidade como um conjunto de relações que se estabelecem entre esses elementos.
Numa visão geral, com características determinantes da sociedade, sobressaem três
grandes períodos:
(i) civilização agrícola
(ii) civilização industrial
(iii) civilização da informação.
Lefebvre (1999), as descreve como: “Três camadas. Três épocas. Três campos não
apenas de ‘fenômenos sociais’, mas de sensações e de percepções, de espaços e de tempos, de
imagens e de conceitos, de linguagem e de racionalidade, de teorias e de práticas sociais: o
rural, o industrial e o urbano”.
(i) Civilização Agrícola é a caracterizada pela ligação direta do homem com a
23
natureza em atividades onde grande parte da população vive dispersa pelas terras.
O poder está na posse da terra e sua estrutura urbana abriga uma pequena parcela
da população, já que a maior parte desta vive no campo. O espaço urbano é o
centro de relações de troca (SEYFERTH, 1990; RENAUX, 1987; PELLIZZETTI,
1985). As preocupações na conformação das cidades estão ligadas à defesa,
proteção dos moradores, do território e das riquezas CARSTENS (1990). A
destruição da agricultura tradicional e o êxodo rural para a cidade, barateando o
custo da força de trabalho, iniciou o primeiro ciclo de exploração da cidade sobre
o campo (CORREA, 1989).
(ii) A Civilização Industrial, também conhecida como moderna, é caracterizada pelo
domínio do homem sobre a natureza. Toda sociedade funciona como uma linha de
montagem de uma grande fábrica. As atividades são especializadas, repetitivas e
padronizadas. Há uma população que fornece mão-de-obra e o poder está
associado aos mecanismos de produção. No capitalismo a produção agrícola se
destina à cidade que se transforma em um ponto de comercialização da produção
rural (CORREA, 1989). A civilização industrial abriga em seu espaço urbano a
maior parte da população e um grande número de atividades.
Trabalhar, recrear, habitar e circular seriam as funções básicas da Carta de Atenas
e os urbanistas desta fase, acreditavam ter descoberto uma fórmula que
comandaria o planejamento das cidades. Através do Zoneamento1 tudo seria
disciplinado. Cidades modelos, independentes de diferenças culturais e políticas,
poderiam ser implantadas em qualquer parte do mundo, como realmente foram.
Através da Revolução Industrial chegam novos conceitos de produção, fontes de
energia e de processos tecnológicos. O ser humano industrial pensa e vive
diferente do ser humano agrícola. A centralidade é forte e determinante e a cidade,
vista pelo prisma industrial, necessita de ajustes para funcionar a todo vapor. O
comportamento social é ordenador e a eficiência da máquina e da fábrica torna-se
para a sociedade um modelo. Destacando a cidade como condição necessária para
o aparecimento da Era Industrial, Lefebvre (1999) e Bruna (1983), afirmam que
no interior dos aglomerados urbanos se encontrava o elemento exigido para a
1
Zoneamento é a divisão da área urbana classificada de acordo com a qualificação do tipo de uso
adequando a condicionantes físico, ambientais e culturais onde ficam estabelecidas diferentes possibilidades de
usos e índices urbanísticos.
24
indústria como mão-de-obra, fonte de energia, matéria-prima, preços favoráveis e
diversificação necessária para o atendimento da ampliação das possibilidades
industriais.
A revolução tecnológica abrigada pelas cidades estabeleceu um paralelo entre
urbanização e industrialização, e a concentração cultural e o progresso tecnológico
nas cidades influenciaram novos hábitos e métodos de produção de vida causando
modificações ambientais (BUTZKE, 1995). Para Santos (1994) a urbanização
ganha impulso com a industrialização, e o espaço, tanto nas cidades como no
campo, vai se tornando um espaço cada vez mais instrumentalizado, culturizado,
tecnificado e cada vez mais trabalhado segundo ditames da ciência. Os transportes
se modernizam encurtando as distâncias entre as cidades e dentro delas e a
organização espacial é necessária para sanear as aglomerações. As cidades são
dotadas de infra-estruturas voltadas ao saneamento, esgoto, lixo, trânsito,
expansão entre outros. O aperfeiçoamento e integração dos processos de controle
conduzirão ao surgimento do Plano Urbanístico, na virada dos séculos XIX e XX,
que é batizado de urbanismo2 e estuda a cidade e suas relações tratando das
relações entre o espaço desta e a sociedade que nela vive (BARDET apud
CARSTEN, 1990). Como ciência, está intimamente ligado aos processos de
transformação das civilizações e, para Lefebvre (1999), como fenômeno urbano,
não pertence a nenhuma ciência especializada. O urbano define-se não como
realidade acabada, situada em relação à realidade atual, de maneira recuada no
tempo, mas ao contrário, como horizonte, como virtualidade iluminadora,
devendo o conhecimento teórico mostrar a base sobre qual o urbano se funda.
Correa (1989) destaca o significado que o processo de urbanização passou a ter,
sobretudo a partir do século XIX, ao refletir e condicionar mudanças cruciais na
sociedade. A rede urbana passou a ser o meio através do qual a produção,
circulação e consumo se realizavam efetivamente e, para Campos Filho (1986), os
fenômenos de concentração e centralização da malha urbana são frutos de um
processo especulativo que norteia a produção do espaço urbano.
Segundo o urbanismo moderno, o homem totalmente adaptado à realidade
2
Urbanismo surgiu em 1910 e deriva do latim urbe que é igual a cidade e etimologicamente significa
o estudo da cidade.
25
industrial poderia ser encontrado em qualquer parte do mundo. Na cidade
moderna predominariam a mudança, a velocidade, a novidade e o movimento,
sendo que cada geração deveria erguer sua própria realidade, oferecendo muito
trabalho aos urbanistas, que, com suas idéias, materializariam todas as novas e
diferentes situações.
A cidade deveria funcionar segundo uma produção altamente científica e, para
Castells (1983), a indústria organiza a paisagem urbana. Nesta concepção,
modelos urbanísticos foram distribuídos pelo mundo, igualando muitas das
cidades. A arquitetura e a cidade se desatam da natureza e se transformam em
joguete de interesses das especulações imobiliárias e financeiras, em desfavor da
estética e da funcionalidade (FRANCO, 2000).
O Período Moderno produziu uma ruptura radical na urbanística das cidades e este
processo não teve origem num único lugar, tempo ou tipo de cultura. Aconteceu,
considerando um grande número de experiências e formulações teóricas,
abrangendo conceitos amplos e reflexos universais. A cidade moderna é
considerada como aquela resultante de formas e experiências teóricas da primeira
metade do século XX, que viria a repudiar a cidade tradicional, substituindo-a, por
um “novo” modelo. No pós-guerra, a reconstrução das cidades e suas
experimentações foram admitidas no escalão teórico e administrativo,
influenciando-as definitivamente na troca do modelo tradicional formal. Neste
contexto, são de singular importância dois períodos: o primeiro situado entre as
duas guerras, onde a cidade fragmenta-se pelo zoneamento rígido e casa, rua,
bairro e a própria praça são abandonados e arquitetos assumem a busca por um
novo modelo urbano já que, segundo suas visões, a cidade tradicional não oferecia
respostas adequadas ao novo século; o segundo período, desde o fim da Segunda
Guerra Mundial até os anos 70, definido pela industrialização, êxodo rural e
demais fenômenos sociais, requisitou cidades marcadas por habitações, bairros
industriais e centros comerciais modernos em quantidades e a ritmos até então
desconhecidos. A Europa, neste período, é levada a buscar a reconstrução rápida
de suas cidades e a urbanística moderna serve-a com uma avalanche de projetos,
onde a forma estética perde espaço para a forma operacional. A cidade moderna
perde as conexões com a cidade tradicional, recusando-a. O caráter industrial nem
26
sempre é apresentado com qualidade e acontece a vulgarização da forma moderna
visando à reconstrução do pós-guerra. Na procura do “erro” do urbanismo,
concluiu-se que o que começava a desaparecer eram os princípios que
sustentavam a era da indústria. A partir da década de 50, anuncia-se o despertar de
uma civilização que contesta o código industrial, entendendo o esgotamento deste
modelo e idéias que dominaram cenários urbanos por longos anos começavam a
se tornar ineficazes.
(iii) A Civilização Informacional desponta em meados da década de 50 como uma
nova era que modifica a estrutura industrial. O capitalismo passa por um processo
de
profunda
reestruturação,
caracterizado
por
maior
flexibilidade
de
gerenciamento, descentralização das empresas e organização em redes, declínio da
influência dos movimentos de trabalhadores, individualização e diversificação
cada vez maior das relações de trabalho; incorporação maciça das mulheres na
força de trabalho remunerada; aumento da concorrência econômica, integração
global dos mercados entre outros fatores (CASTELLS, 2000). Hoje se vive a era
da transição e da informação. Tende-se à desconcentração, descentralização e a
busca do convívio harmonioso com a natureza. O poder está na informação. Nesta
civilização, as trocas físicas são substituídas por trocas de informações virtuais. A
cidade é mais dispersa e a preocupação com a concentração não é mais uma
necessidade, recaindo a preocupação sobre a adaptação dos espaços para abrigar
esta nova sociedade. Esta era contestou o código industrial, pois se entendia que a
civilização industrial já cumprira seu papel. O homem tipo sai de cena e dá lugar
ao indivíduo que busca a diferenciação e a personalização em vez da
massificação. O transporte físico é trocado pelo de informações, a energia
concentrada é substituída por fontes renováveis e em sintonia com a ecologia e
surgem conceitos de sustentabilidade ambiental. O urbanismo deixa todas as
relações acomodarem-se livremente. São aplicados conceitos onde os espaços se
auto definem se ajustando às leis de mercado, longe dos urbanistas e seus planos.
Criou-se um instrumento metodológico, jurídico e legislativo, que amarrou o
sistema de planejamento urbano ao atingir moldes industriais. Este novo momento
ditado por um novo código onde predominaria a individualização, a
dessincronização, a produção qualitativa, a dispersão física energética e a
27
disseminação da informação e do poder. A produção é dirigida para o indivíduo
da sociedade informacional e não mais para o homem-padrão industrial e o tempo
livre é buscado, criando-se novos hábitos. Masi (2000), afirma que um adulto nos
Estados Unidos, já dedica 170.000 horas ao tempo livre contra 80.000 horas de
trabalho. As cidades são integradas à natureza funcionando como um organismo
vivo. O urbanismo liberal surge como tendência e os principais autores sugerem
um salto quântico, ou seja, atingir o estado informacional sem passar pelo
completo e doloroso estado industrial.
2.2.1 Urbanização no Brasil
A sociedade brasileira está envolta num processo de rápida industrialização e
urbanização, com base em enormes desequilíbrios, desigualdades sociais e espaciais. Os
países ditos subdesenvolvidos caracterizam-se por conhecerem simultaneamente a era
agrícola e industrial, acumulando os problemas (CASTELLS, 1983 e LEFEBVRE, 1999).
Para Campos Filho (1986), um governo urbano cada vez mais pobre enfrenta cidades cada vez
mais caras, e é essa a realidade preocupante que os brasileiros tem que enfrentar. O
desenvolvimento urbano está intimamente ligado ao crescimento industrial e ao modelo de
produção agrícola, e um acelerado crescimento populacional, de forma desigual, no que se
refere ao urbano e rural, acontece (SINGER, 1987).
Em dados da ONU, cerca de 90% do aumento no mundo em desenvolvimento
acontecerá nas áreas urbanas, cuja população deverá passar de 1,15 bilhões para 3,85 bilhões
em 2025. Santos (1994) define como surpreendente a proliferação das cidades nos países
pobres e a partir da década de 30, para Campos Filho (1986), foi sendo montado o quadro dos
problemas urbanos com que hoje nos defrontamos.
O processo de introdução ao urbanismo moderno no Brasil, iniciado na virada do
século XX e intensificado no período entre guerras, foi marcado por uma série de percalços
que comprometeram a efetivação de muitos dos princípios sociais e reguladores que estavam
no cerne da urbanística européia (MALTA, 2000). Para TUCCI (1995), o processo de
urbanização acelerado que ocorreu depois da década de 60, gerou uma ocupação urbana sem
28
infra-estrutura, refletido nos recursos hídricos no tocante ao abastecimento de água, esgotos e
drenagens.
A expansão e o dinamismo industrial estão ausentes no encontro com a urbanização e
a qualidade de vida da população no Brasil. A população que migrou para a cidade foi
induzida pela industrialização, já que todas as políticas de incentivo à industrialização foram
concebidas para atrair população do campo para a cidade, como afirma Vidor (1995).
A maior parte do espaço urbano no Brasil, segundo Grostein (apud Campos
Filho,1986), teve origem clandestina, não sendo previstos no seu atendimento normas
sanitárias mínimas como o não parcelamento de áreas inundáveis, insalubres, verdes e
altamente acidentadas. O sistema viário, na maioria das vezes, não atendeu a projetos
técnicos, assemelhando-se a uma colcha de retalhos mal costurada. A expansão horizontal
apareceu também praticamente sem controle. Como problemas, somamos o custo da
regularização do desplanejamento, jogado para os poderes públicos. A partir da década de 70,
a Lei 6766, que disciplina os parcelamentos do solo, surge como mecanismo de minimização
destes custos, na medida que exige a contrapartida do loteador (CAMPOS FILHO, 1989). A
verticalização descontrolada é outro problema vivido pelas grandes cidades brasileiras, onde a
otimização máxima dos espaços visando ao lucro especulativo, gera ônus ao poder público já
que necessita de infra-estrutura urbana adicional.
A especulação imobiliária nas cidades brasileiras de pequeno e médio portes,
avolumaram-se e cerca de metade do espaço utilizável para edificação chega a estar vazia.
Seus proprietários nada precisam investir em melhorias urbanas, bastando aguardarem o
crescimento urbano e o investimento público em mais infra-estrutura, para que seus terrenos
sejam ainda mais valorizados (CAMPOS FILHO, 1986).
Para Vidor (1995), a qualidade de vida dos cidadãos na cidade, é primordial para
definir o urbano e as condições de vida desta população nem sempre foram consideradas
quando o objetivo foi urbanizar. Foram tomadas medidas para melhorar o urbano e bem
poucas para elevar o nível de vida tanto na cidade como no campo. O mesmo autor aponta a
falta de planejamento no meio rural como séria, salientando que na formação da sociedade
brasileira o rural, que no início se articulava em termos de complementaridade, hoje foi
reduzido ao interesse da classe do poder. O planejamento do território reflete as mudanças de
atitudes humanas em relação aos espaços habitados e se faz necessário estabelecer um
controle sobre o desenvolvimento urbano para que se garanta a própria continuidade do
29
desenvolvimento econômico.
Em Rio do Sul, será possível observar no capítulo desta pesquisa que trata da sua
formação e evolução urbana, a espacilaização dos diferentes momentos econômicos como sua
fase predominantemente agrícola e posteriormente com o ciclo da madeira, a fase mais
industrializada, sem portanto, ter ficado espacialmente clara a situação do troca de momentos
econômicos visto que ainda podemos encontrar produtores primitivamente agrícolas e
industrias artesanais, convivendo com serviços e industrias tipicamente informacionais.
2.3 ENCHENTES E SUAS FORMAS DE INTERPRETAÇÃO
O aumento das calamidades naturais leva ao questionamento e discussão das relações
entre a natureza e a sociedade e avança conjuntamente com os fenômenos da urbanização e do
aumento populacional. A ONU decretou a década de 90 como a década internacional para
redução dos desastres naturais, priorizando as atividades de pré-impacto, planejamento e
previsão. No Brasil existem poucas informações atualizadas sobre calamidades naturais,
diferente do cenário mundial onde as mesmas já são mais estudadas.
A questão das enchentes pode ser enfocada pela teoria dos Hazards e Desastre. A
teoria dos Desastres tem seu direcionamento para os aspectos sociais e foi desenvolvida a
partir do ponto de vista sociológico, enquanto a Teoria do Hazards tem seu enfoque na
natureza e foi desenvolvida a partir do ponto de vista geográfico (MATTEDI, 1999).
O conceito de hazards abrange várias calamidades naturais e a difícil mensuração
dos fatores sociais envolvidos fez com que geógrafos entendessem delimitar a referência aos
fenômenos geofísicos, climatológicos e geológicos. A pesquisa sobre hazards foi
impulsionada por Gilbert White, no Tennesse Valley, enfocando enchentes, ajustamentos
humanos e suas perdas. O estudo dos hazards apontou como relevante a dificuldade em
separar a dimensão física da humana em um evento onde as pessoas eram vistas como
vítimas com pouca capacidade de reação. Burton e Kates (apud Mattedi, 1999) definiram
hazards como elementos do ambiente físico, prejudiciais ao homem, surgindo do contínuo
processo de ajustamento entre este e a natureza. Pessoas que vivem em áreas sujeitas a
enchentes, atribuem a destruição de suas casas à força da natureza e não à forma errônea de
30
ocupar o espaço. Para compreender uma inundação, torna-se necessário avaliar os fatores que
antecederam o problema, e não somente suas conseqüências e as forças físicas e humanas que
combinadas determinam a significância dos impactos, atingindo necessariamente as
atividades humanas, já que estas é que definem sua essência (MATEDDI, 1999).
Drubeck (apud Butzke, 1995), considera Desastre como o evento incontrolável ou
acidental concentrado em tempo e espaço, podendo causar prejuízo a uma sociedade
vulnerável. Não é possível tratar separadamente a situação de emergência da situação prédesastre e este, constituindo-se em um problema social, é que deve ser identificado,
principalmente para a elaboração de ações governamentais. No contexto pré-Desastre, a
resposta vem baseada em dois fatores: o tipo de integração e conflito existente no período de
normalidade e a experiência acumulada frente à crise, sendo que a relação entre os dois
indica a dimensão social e a magnitude do impacto que pode ser minimizada mediante
aprendizado prévio Wenger (apud Mattedi, 1999). Para Mateddi (1999), a importância nos
estudos dos Desastres não está em sua dimensão natural, mas em suas conseqüências sociais.
Pelanda como Mattedi (1999), afirma como importante o estudo da normalidade e analisa as
condições pré-impactos. Focado nos fatores sociais analisa o pré e o pós-impacto, reportando
que situações encontradas no pós-impacto podem ser entendidas como extensão de condições
sociais vigentes no pré-desastre, incorporando a “responsabilidade total” da organização
social na geração das pré-condições. O problema resulta da incapacidade de prevenir e o
agente do desastre não é independente do contexto social e exprime, segundo o autor, a
“materialidade da vulnerabilidade social”.
Cada sociedade responde a Desastres segundo experiências acumuladas no convívio
com o problema e o aumento do número de Desastres nos últimos anos, em condições
geofísicas quase que estáveis, aponta que o aumento da vulnerabilidade está ligado com o
processo de subdesenvolvimento e de marginalização social. Desastre é visto como resultado
de uma população marginalizada num ambiente físico deteriorado (SUSMAM; OKEÉFE,
WISNER 1983 apud MATTEDI, 1999).
2.3.1 Enchentes Urbanas
As enchentes urbanas constituem-se num dos importantes impactos sobre a
31
sociedade. As enchentes das várzeas ribeirinhas ocorrem principalmente pelo processo natural
no qual o rio ocupa o seu leito maior, de acordo com os eventos chuvosos extremos, com
tempo de retorno variável e ocorrem normalmente em bacias grandes, decorrentes de
processos naturais. Os impactos sobre a população são causados pela ocupação inadequada do
espaço urbano. Essas condições ocorrem devido a: parcelamentos do solo em áreas indevidas
ao longo de muitos anos; ocupação de áreas de risco; invasão de áreas ribeirinhas por
populações de baixa renda e comprometimento de áreas de médio risco. O solo edificado
ganha maior impermeabilização com a ocupação urbana e a água que outrora facilmente
infiltrava, passa a escorrer ganhando também mais velocidade. Em uma área urbana, anos sem
inundações são motivos para que o fato seja esquecido e a pressão populacional pela
ocupação aconteça.
2.3.2 Histórico das enchentes no Vale do Itajaí
Os registros históricos indicam o Vale do Itajaí como o cenário mais expressivo, no
estado de Santa Catarina, para a ocorrência de enchentes. O “problema” ou o convívio com as
cheias começa em 1850 com a instalação da Colônia Blumenau. Esta história marca
profundamente o Vale do Itajaí, por conter aspectos importantes que não podem ser
desconsiderados no trato da questão ambiental da bacia hidrográfica. São apontadas como
grandes enchentes no Vale do Itajaí, as que ocorreram nos anos de: 1880, 1911, 1927,1957 e
1983 e 1984. É nítido o aumento do número de enchentes a partir de 1910, data que coincide
com o início da expansão da colonização em toda bacia hidrográfica (FRANK 1995).
O Rio Itajaí-Açú é o rio que apresenta maior freqüência de enchentes no estado de
Santa Catarina, tendo-se registrado mais de sessenta ocorrências desde 1850 (ATLAS de SC,
1986). Encontram-se citações referentes às enchentes do Rio Itajaí –Açú em publicações
relativas a diferentes temas como Silva (1972), Lago (1983), Pellizzetti (1985), Renaux
(1987), Butzke (1995), Pompílio (1990), Mattedi (1999), Frank (1995).
No Quadro 1, destacam-se os picos máximos, medidos em metros, das grandes
enchentes ocorridas em Blumenau e Rio do Sul.
32
Quadro 1 - Principais enchentes ocorridas no Vale do Itajaí.
ANO
BLUMENAU RIO DO SUL
1851
16,30
1855
13,30
1868
13,30
1891
13,80
1911
16,90
1927
12,30
1935
11,65
1954
12,53
1957
13,07
1961
12,49
1972
11,35
1973
12,35
1975
12,63
1980
13,27
1983
---
1983
15,34
1984
15,46
13,64
1992
12,80
8,52
1997
9,50
8,72
11,88
15,08
1997
7,33
1998
7,96
1999
7,00
Fonte: Dados de Blumenau/ Comitê do Itajaí. Dados de Rio do Sul/ Defesa Civil3.
A cidade de Blumenau, detentora da maior densidade habitacional, poder econômico
3
As cotas de Blumenau são referenciadas à régua linimétrica da Ponte Adolfo Konder (Fonte:
IPA/FURB) e as cotas de Rio do Sul referenciadas à régua situada próxima a Ponte Ivo Silveira (Defesa Civil).
33
expressivo e o melhor aparelhamento técnico-científico da Bacia do Itajaí, destacou-se no
cenário nacional pelas inúmeras enchentes sofridas, exteriorizando muitas perdas e danos.
Neste contexto, tornou-se a responsável maior pela condução desta discussão. Esta histórica
convivência também permitiu a esta cidade maior adaptabilidade ao problema, como cita
Lago (1983):
O blumenauense há muito racionalizou procedimentos de ‘limpar a cidade’ e de re-arrumar
equipamentos. Assim que as águas baixavam iniciava-se como rotina, a operação limpeza com tal
eficiência que algumas horas depois, tinha-se a impressão de que nada de perturbador havia ocorrido na
vida daquela dinâmica cidade (LAGO, 1983).
2.3.3 Agravante do Fenômeno Enchente no Alto Vale do Itajaí
O desmatamento de maneira descontrolada, que ocorreu principalmente no ciclo da
madeira, levou a maior compactação do solo. Práticas agrícolas trazidas pelos imigrantes,
inadequadas às condições de clima e solo da bacia, como queimadas e a exigência de
constante aumento na produtividade provocaram maior pressão sobre os recursos naturais, e
como resultados, se obteve a destruição de florestas, erosão e perda da produtividade do solo,
o assoreamento dos cursos d’água e o maior escoamento destas (MATTEDI,1999,
POMPÍLIO, 1990 e FRANK, 1995).
A Fig.2 mostra o gráfico do aumento da área explorada a montante de Blumenau
entre 1850 e 1990 e suas prováveis conseqüências em termos do aumento
enchentes ocorridas.
do número de
34
Figura 2 - Área explorada a montante de Blumenau entre 1850 e 1990 e frequência de
enchentes a cada 20 anos.
Fonte: IPA/FURB.
Intervenções desconectadas de considerações ambientais em escala microregional,
como alterações nos percursos naturais dos rios, com trajetórias mais condizentes a interesses
pontuais, tem assumido proporções alarmantes. Butzke (1995), cita com preocupação em
estudos feitos na cidade de Agrolândia, diversas intervenções como dragagens, retificações e
alargamentos realizadas no Rio Trombudo, justificadas pela necessidade de ocupar as várzeas
para a agricultura e para evitar enchentes.
[...] Desde 1984, foram realizadas várias obras, que invariavelmente se apresentavam como soluções
pontuais: liberavam a região a montante de alagamentos, gerando conseqüências negativas a jusante.
Foram registrados, por exemplo: o aumento da velocidade da água, ocasionando assoreamento com
pedras; o alagamento de algumas regiões ‘devido às curvas ainda existentes’; a tentativa de retorno do
rio para o leito original em alguns locais onde foram feitos cortes de curvas Butzke (1995).
35
Para Frank (1995), essa forma de lidar com os rios não é exclusividade do estado de
Santa Catarina, pois enchentes nos Estados Unidos foram agravadas por intervenções que
visavam a aumentar a área agrícola. A mesma autora acusa a impropriedade com que são
tratadas faixas não edificandis, matas ciliares de rios e ribeirões em toda a bacia e, sobretudo,
os espaços rurais. As conseqüências são sentidas tanto em grande como em pequena escala e,
como exemplo, cita os desastres sofridos pelos municípios da Bacia do Itajaí, num total de
255 eventos no período de 1978 a 1995.
O ex-governador do Estado de Santa Catarina, Sr. Esperidião Amin Hellou Filho,
que ganhou projeção nacional com as enchentes de 1983 e 1984, respondendo a
questionamento em dezembro de 2000 (ver entrevista anexa), referiu-se à não vulnerabilidade
do estado de Santa Catarina, frente às cheias. Afirma que não vê Santa Catarina vulnerável às
cheias e que as cidades é que invadiram áreas potencialmente inundáveis muito próximas aos
rios. Esta observação indica vulnerabilidade política ou falta de planejamento urbano que
permitiu que as cidades tomassem conta dos espaços que deveriam ser destinados, legal e
preferencialmente, às águas e seus escoamentos.
O Rio Itajaí-abçú, e seus afluentes várias vezes saíram de seus leitos, inundando
margens e áreas com cotas mais baixas. Para Frank (1995), Franco (2000) e Butzke (1995), as
enchentes de maiores ou menores proporções fazem parte dos processos naturais. Butzke
(1995) afirma que causas não naturais influenciam na ocorrência dos desastres, como
expansão urbana descontrolada e dissociada do meio ambiente. A dinâmica de intervenção
humana na bacia hidrográfica, com a instalação de cidades nas várzeas que também
contribuíram para a formação de superfícies compactadas, as quais tenderiam a aumentar o
volume de água superficial e a reduzir a capacidade de infiltração, modificou o padrão de
ação dos agentes naturais, na formação de situações de emergência. Butzke (1995), aponta
também o descumprimento de legislações voltadas a edificações e infra-estruturas físicas sem
conservação e manutenção.
As medidas de controle das inundações podem ser do tipo estrutural e não-estrutural.
As estruturais modificam o sistema fluvial e as não-estruturais são àquelas onde os prejuízos
são minimizados pela melhor convivência com o problema. Com a incidência de constantes
cheias, várias técnicas e métodos foram propostos, discussões aprofundadas, pontos de vistas
modificados e multiplicados enquanto crescia a ocupação urbana e a experiência com o
problema. Tais medidas estruturais revelaram a presença do governo federal nas obras de
36
engenharia, controlando fisicamente os rios como: barragens, comportas, retificações,
canalizações. O processo de formulação de tais medidas na Bacia do Itajaí teve início em
1957, quando aconteceram cheias com altas cotas em Blumenau. Como assinala Frank (1995),
os estudos da década de 50 justificavam a implantação das barragens:
Os estudos geo econômicos mostraram que, de um lado, os fatores energia e
transporte constituem os problemas gerais que impediam o desenvolvimento da Bacia do
Itajaí. De outro lado, evidenciaram que a intensidade com que progrediram as transações
comercias na região, foi maior que a verificada nas regiões mais bem desenvolvidas da União,
o que foi atribuído, numa primeira, análise, à predominância de transações à vista e diminuta
participação de intermediários. Em resumo, foi comprovado o benefício econômico de
investimentos em obras para uso múltiplo dos rios da bacia.
Neste mesmo ano, através de um decreto do presidente da república, nomeia-se um
grupo de trabalho, que ficou encarregado de concluir projetos e executar obras. Como obras
principais de contenção, os estudos indicaram e o DNOS executou as barragens Oeste, em
Taió; Sul, em Ituporanga e Norte, em Ibirama. O objetivo da construção destas barragens foi o
de “tentar” resolver o grande problema das enchentes em Blumenau principalmente.
37
3 FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE RIO DO SUL ATÉ 1983
No capítulo anterior, trabalhamos o referencial teórico. O presente capítulo, objetiva
contextualizar a formação e o desenvolvimento da área urbana de Rio do Sul, permitindo o
entendimento de aspectos ligados a transformações provocadas pela grande enchente ocorrida
em 1983. A evolução histórica será dividida da seguinte forma: Num primeiro momento será
tratadO: a configuração espacial, situação e localização da bacia hidrográfica, índices de
evolução demográfica e histórico da ocupação; posteriormente através da interpretação de
mapas urbanos de diferentes épocas, objetiva-se entender a vinculação do momento
econômico gerador, e a expansão urbana correspondentemente ocorrida.
A utilização de fotos se fez necessária, objetivando o que este recurso permite. Os
croquis e mapas inseridos, como forma de expressão, intencionam o esclarecimento de
questões pontuais.
3.1 CONFIGURAÇÃO ESPACIAL
A região do Alto Vale do Itajaí situa-se praticamente no centro do estado de Santa
Catarina possuindo uma área de 95.442,9km2, representando 1,12% do território brasileiro,
pertencendo a Bacia Hidrográfica do Itajaí que é formada por 7 subbacias estando a cidade de
Rio do Sul, inserida na parte alta desta.
3.1.1 Bacia Hidrográfica
O sistema de drenagem da vertente do Atlântico no Estado de Santa Catarina
compreende uma área de aproximadamente 35.298 km2, ou seja, 37,00% da área total do
estado, onde se destaca com 15.500 km2 (ATLAS de Santa Catarina, 1986). O Rio Itajaí-Açú,
principal formador desta bacia hidrográfica, tem suas nascentes na Serra do Mar, em altitude
de até 1.500 metros e estende-se no sentido leste-oeste, a partir do Oceano Atlântico, onde
38
despeja suas águas até encontrar a serra Geral, entre as serras do Espigão e o morro Campo
dos Padres. As características térmicas e pluviométricas permitem classificar o clima como de
subtropical chuvoso sendo que a precipitação média anual é de 1.500 mm (PINHEIRO, 1990
e POMPÍLIO, 1990). Na Fig.3 estão evidenciadas as principais cidades e rios inseridos nesta
bacia.
Figura 3 - Bacia do Rio Itajaí
Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 49.
O Rio Itajaí-Açú tem uma importância destacada no contexto hídrico estadual já que
sua bacia trata-se da maior bacia, inteiramente catarinense. Este rio é formado exatamente no
centro da cidade de Rio do Sul, no encontro dos rios Itajaí do Sul, proveniente da
microrregião de Ituporanga, e Itajaí do Oeste, proveniente da microrregião de Taió. Atravessa
parte significativa do perímetro urbano de Rio do Sul, ligando o Alto Vale ao litoral, em Itajaí
39
onde atinge a confluência com o Rio Itajaí-Mirim, e passa a se chamar somente Rio Itajaí.
Percorre cerca de 185 km tendo como principais afluentes os rios Itajaí do Norte, Benedito,
Testo, Garcia e Itajaí Mirim. Pelas características topográficas da Bacia Hidrográfica, o rio
divide-se em Alto, Médio e Baixo, sendo que o rio e seus afluentes possuem perfis
longitudinais bastante acidentados, cursos tortuosos, retilizados com várias corredeiras em
decorrência das diferenciações geomorfológicas. O Rio Itajaí-Açú e seus afluentes apresentam
declividades de linha d’água muito altas (Carta das Enchentes de 1987).
A cobertura vegetal é bastante diversificada encontrando-se nela cinco das seis
formações estabelecidas no estado de Santa Catarina. A floresta ombrófila densa ocupava
quase a sua totalidade sendo que a dinâmica urbana e o ciclo exploratório da madeira
modificaram a condição da cobertura vegetal da Bacia do Itajaí, restando pouco da floresta
primitiva. Vale salientar que a descrição detalhada dos aspectos físicos, ambientais, e
hidrológicos não são objeto deste estudo, que se volta para o estudo urbano.
3.1.2 Situação
A cidade de Rio do Sul, cenário desta pesquisa, é pólo da micro-região da
Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí (AMAVI), composta por 28 municípios.
Está situada no encontro dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, cujas bacias perfazem um total de
5.114km2, com área de 260,8 km 2 sendo urbana em aproximadamente 59 km2 .
A Fig.4 delimita a área do município, mostra o perímetro urbano e evidencia os
recursos hídricos.
40
Figura 4 - Mapa de Rio do Sul.
Fonte: Acervo da AMAVI.
Trata-se do município mais populoso da região do Alto Vale do Itajaí, com maior taxa
de urbanização e com 93,74% da população vivendo em sua área urbana.
3.1.3 Aspectos Demográficos
A evolução demográfica da cidade de Rio do Sul está diretamente ligada às
investidas colonizatórias, construção de estradas, rede ferroviária e ciclo da madeira. O
contingente populacional que se deslocou para esta cidade foi predominantemente composto
por brasileiros. Citam-se sertanejos, deslocados de Blumenau, quando da Colonização Alemã
e, posteriormente, descendentes desta mesma colonização. Em 1920, faz-se referência a uma
população de 8.800 habitantes, sendo apenas 596 estrangeiros (PELUSO, 1942).
Em 1940, a população de Rio do Sul, excluindo seus distritos, era de 25.220
habitantes. Nas décadas de 50 e 60 a população concentrava-se predominantemente no meio
41
rural e seguindo tendência nacional, esta situação foi invertida nos anos seguintes. O Quadro
2 a seguir expõe um aumento significativo do número de habitantes entre as décadas de 70 e
80, concentrado em Rio do Sul, já que a última emancipação de municípios ocorrera em 1964.
Quadro 2 – Evolução demográfica de Rio do Sul
ANO
HABITANTES
POP. URBANA
POP. RURAL
1940
49.548
4.391
44.617
1950
57.152
8.650
48.502
1960
40.008
13.053
26.955
1970
27.917
19.590
8.327
1980
37.092
33.362
3.730
1991
45.679
42.766
2.913
2000
51.650
48.418
3.232
Fonte: IBGE, 2002.
Analisando o Quadro 2, constatamos um decréscimo populacional entre 1950 e 1970.
Neste período ocorreram desmembramentos de municípios como: Taió, em 1948; Pouso
Redondo, Trombudo Central, Rio do Oeste em 1958; Lontras, em 1961; Laurentino, em 1962;
Agronômica e Aurora em 1964.
A Fig.5 permite a visualização da indicação dos movimentos de desmembramentos
ocorridos.
42
Figura 5 - Desmembramentos de Rio do Sul
Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 15.
3.2 HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO
Para entendermos a alteração morfológica na interface urbana com os impactos das
enchentes em Rio do Sul, se faz necessário o estudo da sua forma de ocupação. Esta situação
está contextualizada numa dimensão maior que é o processo de ocupação do Estado de Santa
Catarina.
Seguimos então para a ocupação do Vale do Itajaí.
3.2.1 A ocupação do Vale do Itajaí no contexto catarinense
Até o início do século XIX, o processo de ocupação de Santa Catarina caracterizavase por duas iniciativas paralelas, sem ligação entre si. Por um lado, na região litorânea, com a
criação das cidades de São Francisco do Sul (1645), Desterro (1651) e Laguna (1676),
43
realizada pelos Vicentistas, Açorianos e Madeirenses, tendo como principal via de ligação o
mar. E, por outro lado, a ocupação do Planalto Serrano, pelos Paulistas, com o
estabelecimento de Lages (1771), Curitibanos e São Joaquim, que se comunicavam com o
mar via Tubarão.
A serra do mar, intermediária a estas frentes de ocupações, constituía-se num grande
obstáculo. Em 1850, com o estabelecimento da Colônia Blumenau, visando às comunicações,
fez-se necessária à abertura de uma ligação até Curitibanos, já que o caminho para o Planalto
era imensamente maior pelo litoral. A área existente entre o Litoral e o Planalto representava
então, um “vazio demográfico” e a necessidade de sua ocupação, como elo comunicante,
constituía-se uma política e uma necessidade.
A Fig.6 caracteriza as origens da colonização européia do estado de Santa Catarina.
Figura 6 - Origem do povoamento em SC
Fonte: ATLAS de Santa Catarina, 1986, p. 77.
44
3.2.2 A forma de ocupação
Hermann Blumenau e seu sócio Fernando Hackradt obtiveram a concessão para a
compra de terras devolutas para o estabelecimento, em território catarinense, de uma
Companhia Colonizadora. Com base nesta concessão, foi criada a Colônia Blumenau. A partir
desta iniciativa marca-se a entrada de inúmeros imigrantes, principalmente, alemães4 e
italianos, mas também poloneses, austríacos, suíços, espanhóis, franceses, portugueses e
russos. A Colônia prosperou e, conseqüentemente, uma grande região periférica a Blumenau
começou a ser explorada. A partir do padrão de ocupação do espaço geográfico e das formas
de manejo dos recursos dessa região é que passam a se registrar os primeiros casos de
situações de emergência com enchentes no Vale (MATTEDI, 1999).
Visando à ligação necessária com o planalto, Emil Odebrecht promoveu expedições
em 1863 e 1867. Abriu uma picada, que em 1874 transformou-se num “caminho” para
cargueiros. Durante muitos anos, esta picada foi a única ligação entre Blumenau e o Planalto
(PELUSO, 1942 e SIEBERT, 1997). Os sertanejos, que habitavam Blumenau antes da
instalação da Colônia, em função do contínuo aumento desta, foram deslocados
gradativamente para as terras vagas, existentes rio acima, no caminho de Curitibanos. Em
1892, uma balsa é construída próxima à confluência dos Rios Itajaí do Sul e do Oeste, na
localidade de Passo do Humaitá (hoje Rio do Sul), melhorando em muito o percurso e
potencializando mais ocupações.
Através da Sociedade Colonizadora Hanseática, se estabeleceu o núcleo de
colonização Hamônia (hoje Ibirama), que recebeu mais imigrantes europeus em 1897 e 1917
(SIEBERT, 1997). Rio do Sul, como fruto da expansão de Blumenau, cresceu com a
imigração das populações jovens, das comunas circunvizinhas de colonização européia. As
terras devolutas foram vendidas por colonizadoras subseqüentes, sendo também utilizadas
como pagamento para construção de estradas, que aconteceram em 1908 e 1911. A região
ocupada pelo município de Rio do Sul era território histórico dos índios Xokleng que
entraram em constantes atritos com os colonizadores. Em 1919, o governo abre novas frentes
colonizadoras, por intermédio de empresas menores5 que atuavam junto com a Sociedade
4
Sob a denominação de alemães, englobamos todos procedentes da Alemanha independente da
região de origem
5
Como Luis Bértoli Senior (1920); Victor Gaertner (1923); Cia. Salinger (1929).
45
Colonizadora Hanseática, atraindo residentes do litoral e italianos, que em função dos
problemas com os índios, aglomeram-se visando à segurança, em pequenos povoados, como
Lontras, Matador e Bela Aliança (PELUSO, 1942, p. 26).
3.2.3 O modelo de ocupação utilizado
A colonização e a distribuição de terras no Vale do Itajaí seguiu a forma própria de
colonização alemã conhecido por Waldhufendorf6 (RENAUX, 1987). O tamanho de lote mais
utilizado foi o de 25 hectares. Foram marcados7, perpendicularmente, através de uma picada,
que servia como via de acesso principal, aberta na mata. Distribuídos paralelamente,
condicionados pela topografia, acompanhavam rios, picadas,8 ou ribeirões em direção ao
fundo dos Vales. “No processo de colonização a água determinou tudo”, roteiro, caminho,
estrada (JAMUNDÁ in SIEBERT 1997).
Dispostos sob forma alongada permitiram otimização no aproveitamento das terras
planas das várzeas, abastecimento de água e garantiram a comunicação. Os lotes precisavam
ser pequenos, pois estes colonos, devido às suas origens sociais, não conseguiam viver
isoladamente, além da intenção de se preservar o espírito comunitário (RENAUX, 1985).
Suas proximidades justificavam preocupação com uma planificação territorial, embora
Seyferth (1990) afirme que na região de Blumenau não se tratou de povoamento espontâneo,
mas sim, determinado pela política de colonização do estado.
O tamanho da propriedade representou um aspecto crucial para o entendimento do
padrão de manejo dos recursos que se estabeleceu na região, porque por meio dele detectamse os condicionantes das pressões sobre a base dos recursos naturais. O solo deveria ser
explorado ao máximo para providenciar o pagamento do lote e a necessidade de subsistência.
Os colonos tinham a responsabilidade de povoamento para com a colonizadora sob pena de
terem que devolver o lote9. Os vendeiros também estimulavam este tipo de conduta. As
6
O Waldhufendorf, consiste na distribuição de lotes contínuos-Hufen às famílias camponesas,
(RENAUX, 1987, p. 39). O Hufen era marcado a partir de uma via fluvial, assegurando o direito a água,
estendendo-se até o topo de uma montanha em estreitas faixas de 100 a 300 metros de largura por um a mais
quilômetros de extensão, constituindo uma propriedade particular.
7
Giuseppe Landrini, em 1909, é apontado como o agrimensor responsável pela demarcação das terras
outrora devolutas.
8
Transformadas posteriormente em vias carroçáveis e importantes acessos viários.
9
Havia a exigência da construção de uma casa e plantação de mil braças quadradas de roça.
46
ocupações eram iniciadas com a derrubada da floresta (MATTEDI, 1999).
Segundo o modelo de assentamento utilizado em Blumenau, vemos que o Alto Vale
seguiu a tendência de “Strassendorf” (aldeia estrada). Podemos constatar o desenvolvimento
de pequenas povoações nas confluências e ao longo dos rios como Lontras, Rio do Sul e Rio
do Oeste. Citamos também o caso dos seguintes bairros em Rio do Sul com estas
conformações: Valadas São Paulo e Itoupava; Fundo Canoas, Bela Aliança, entre outros.
Como aconteceu em Blumenau, estas localidades foram forçadas a ocupar áreas de risco em
função da lógica de produção de espaço urbano citada por Mattedi (1999) e também por
Siebert (1997).
Nos cruzamentos das picadas coloniais, aparecem pequenos povoados com vendas10,
que se destacavam como centro da vida econômica do lugar. Citam-se casas dos dois lados da
rua, oficina de carpinteiro, ferreiro e instalações de artesões que, associados a uma capela e
salão de festas, formavam vilas que os colonos alemães denominavam de Stadplätze11. Estes
possuíam função urbana, mesmo não sendo cidades (RENAUX, 1987; SEYFERTH, 1990;
MATTEDI, 1999).
Em função da demarcação, as propriedades rurais tinham forma retangular, divididas
no sentido longitudinal. Receberam o nome de “colônias”. Os espaços internos aos lotes
refletiam a policultura, associada à criação de animais domésticos visando à subsistência
familiar. Na visualização da colônia, a casa estava junto à estrada, próxima dos galpões para
criação de animais e da horta. As roças eram feitas a partir das várzeas indo até ao pé das
encostas. A colina nunca era inteiramente devastada, permitindo reserva de lenha
(SEYFERTH, 1990).
3.3 ORGANIZAÇÃO URBANA
Na organização urbana de Rio do Sul observamos a necessidade da compreensão dos
10
As “vendas”, segundo Renaux (1985, p. 40), constituíam o local para onde afluía a produção
comercial da época. Lugar de troca, ponto de encontro.
11
O Stadplatz diferencia-se do modelo urbano português por se estabelecer na confluência dos rios,
expandindo-se paralelamente aos rios. (LAGO apud MATTEDI, 1990, p. 105).
47
ciclos econômicos vividos, já que estes reproduziram um modelo de cidade compatível com
suas necessidades. Para compreender o urbano deve-se analisar e comparar os diferentes
períodos históricos de forma bem abrangente. A análise espacial foi subdividida
considerando:
a) Braço do Sul, enquanto Vila de Blumenau, em fins do século XIX;
b) Bella Alliança, na condição de Distrito de Blumenau em 1912;
c) Rio do Sul, como cidade emancipada em 1931.
3.3.1 Braço do Sul
Braço do Sul foi uma vila pertencente a Blumenau, situada na confluência dos Rios
Itajaí do Sul e do Oeste, também conhecida por Südarm. O Braço do Sul, como foi chamado o
Rio Itajaí do Sul, era o rio que realmente precisava ser atravessado por tropas, viajantes ou
cargueiros, quando o destino fosse o Planalto ou no caminho inverso, o litoral. Para esta
travessia, utilizava-se primeiramente o “Vau”12 existente, e posteriormente uma balsa.
Na Fig.7, sem denominação de data, podemos ver a travessia das tropas de gado.
12
Parte rasa do rio que permitia a travessia.
48
Figura 7 - Passagem de tropas
Fonte: Acervo Foto Marzall, sdd.
A ocupação deste primeiro núcleo não se deu exatamente na confluência dos dois
importantes rios, devido às enchentes já conhecidas na época. O “Picadão de Curitibanos,
para fugir às inundações afastou-se do rio, conservando-se na parte mais alta do terreno
adjacente” (PELUSO, 1942). Este autor refere-se ao Porto da Balsa no Braço Sul, próximo à
confluência, como o elemento de formação da cidade. Embora a ocupação urbana acontecesse
em áreas mais altas das margens, esta pesquisa defende a “confluência dos rios” como o
verdadeiro nó estruturador da malha urbana e da ocupação regional. A história de Rio do Sul,
e de parte do Alto Vale, começou neste encontro de rios.
A esta confluência foram atribuídos vários fatos marcantes como pátio de rituais
indígenas em 1864; ponto de passagem de colonizadores e revolucionários em 1893; primeira
moradia do fundador da cidade; primeira roça e balsa; primeiro hotel de tropeiros; casa
comercial; posto fiscal; escola; igreja; primeiro cemitério; primeira e maior indústria do Alto
Vale (CARDOSO, 1991). Foi ponto de parada, de mudança de rumo, de descanso e de
referência na imposição da paisagem.
Em 1904 a Companhia Colonizadora Hanseática recebeu a concessão para construir
e explorar uma ferrovia, cuja construção iniciou em 1906 entrando em funcionamento em
1910.
49
A travessia dos rios, nem sempre facilitada em função das enchentes, promoveu a
expansão deste vilarejo com atendimento de serviços afins às necessidades presentes. Em
1905 a vila contava com 8 casas e venda13. Com o povoamento e aumento de trânsito
somaram-se mais serviços.
Neste contexto, destacamos a figura do vendeiro. Apossado de um ambiente
territorial favorável, dá os primeiros passos no sentido da estruturação da urbe. Negociou com
o colono o excedente de sua produção, em espécie e em recursos financeiros e Seyferth
(1974) menciona o domínio econômico exercido sobre o colono, impondo-lhe sua forma de
negócio. Este aproveitou localização estratégica nas encruzilhadas coloniais para garantir o
sucesso do comércio e na maioria das vezes cresceu e se impôs em condição máxima no
cenário econômico colonial (PELLIZZETTI, 1985; RENAUX, 1987). Envolvido no mercado,
definia preços dos produtos aos colonos, isolados, enquanto servia-lhes de interlocutor. Foi
responsável também pela articulação das unidades produtivas coloniais, auxiliando o colono a
entender o seu papel no conjunto econômico da colônia. Os vendeiros expandiram seus
negócios para além dos entroncamentos coloniais e ganharam espaços no Stadtplatz14,
(BUGGENHAGEN apud RENAUX, 1987).
As encruzilhadas alimentaram os comércios. A vila se expandiu e, na dúvida da
escolha do destino, o passageiro parou, hospedou-se, comprou e promoveu gradativamente a
ampliação do lugar de paragem.
3.3.2 Bella Alliança
Braço do Sul expande-se e, em 13 de março de 1912 pela Lei Municipal nº 61,
transforma-se no 5º Distrito de Blumenau, com o nome de Bella Alliança. A nova
denominação, associada ao encontro dos rios, evidenciou a importância da água no cenário
local. A confluência continuou a ser tratada como um ponto referencial muito forte. O Distrito
de Bella Alliança, como pode ser observado na Fig.8 a seguir, em mapa interpretado, estava
no caminho do Planalto.
13
A primeira casa comercial ou venda e um modesto hotel, foram de Rodolfo Odebrecht em 1904
50
Figura 8 - Mapa da colônia
Fonte: Acervo Beatriz Pellizzetti.
Vivendo do comércio mantido pelos colonos, o núcleo de Bella Alliança impôs-se às
demais povoações (Lontras e Matador), por ser “Centro de Abastecimento” da área mais
povoada. A condição de Distrito trouxe funcionários públicos e feições urbanas ao núcleo.
Desenvolveu-se a exploração da madeira na vizinhança deste Distrito acarretando-lhe
movimento e crescimento, com prestação de novos e diferenciados serviços, destinados não
somente a lavradores. As Companhias Colonizadoras quando vendiam os lotes, faziam a
reserva das madeiras nobres e na preparação das roças, o resgate destas implicando sempre
em mais derrubada. No meio agrícola, o povoamento foi intensificado com agricultura de
subsistência, em minifúndios explorados por grupos familiares, de modo que Pellizzetti
(1985) definiu como predominantemente rural a vida em Bella Alliança.
O tamanho dos lotes e também suas condições topográficas não permitiram uma
produção agrícola em larga escala. O colono solidificou sua independência na policultura,
pois não poderia se arriscar num mercado irregular produzindo mandioca, milho, frutas, feijão
e, como produto comercial, o fumo. O crédito agrícola era uma necessidade da classe rural,
destinado ao melhoramento da produção. As políticas nacionais não respondiam às
expectativas e precisava-se de um sistema de crédito que financiasse o agricultor durante o
ciclo vegetativo de sua produção. Ermembergo Pellizzetti, então deputado estadual, funda em
14
Sede da Vila.
51
1928, o Banco de Crédito Popular e Agrícola de Bella Alliança (PELLIZZETTI, 1985).
Tratava-se de uma sociedade cooperativada de crédito, no sistema Luzzatti15. Capitalizando
economias, realizava operações bancárias, responsáveis por um significado crescimento do
pequeno trabalho, e do setor econômico do Distrito.
Figura 9 - Banco de Crédito Agrícola 1928.
Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., 1985.
O Banco de Crédito Agrícola16 fornecia empréstimos aos colonos e também atendia
aos comerciantes em geral, porém a estes, com prazos menores. Estes recursos, sem a menor
dúvida, ajudaram a estruturar a forma urbana do Distrito (PELLIZETTI, 1985). Pretendendo
repassar e aumentar conhecimentos ligados à produção agrícola entre os colonos,
Ermembergo Pellizetti implanta também as Domingueiras Agrícolas. Tais reuniões, mensais
ou bimensais, serviam para divulgações, reuniões e organização de campanhas, envolvendo as
indústrias da lavoura (PELLIZETTI, 1985). Os pequenos engenhos de farinha e atafonas,
existentes nas colônias, produziam açúcar, cachaça, fubá, farinha, e eram conhecidos como
indústrias ligadas à lavoura que para Raud (1999), se desenvolveram alicerçadas no
conhecimento técnico-científico e comercial dos colonos, e de um mercado que lhes permitiu
15
Luzzatti funda na Itália em 1864 os primeiros Bancos Populares, baseados em modelo alemão, por
ele aperfeiçoado (PELLIZZETTI, 1985).
16
Este foi o primeiro Banco Cooperativo Popular Agrícola fundado em zona rural no estado de Santa
Catarina. Contava com a participação de pioneiros da colonização de Rio do Sul como: Ermembergo Pellizzetti,
52
valorizar os recursos naturais locais. Os colonos trabalhavam nas pequenas indústrias,
serrarias, olarias e cervejarias de forma suplementar, desde que sua mulher e seus filhos
conduzissem a lavoura, buscando ampliação de seus capitais. Embora o sistema de
colonização agrícola adotado na região de Blumenau não fora bem sucedido, sua expressão
residiu no fato de anteceder e preparar a industrialização que viria posteriormente. Importava,
nesta etapa, não o saldo global excedente, mas sim o acúmulo de reservas a serem investidos
em terras, bens e na livre iniciativa (RENAUX, 1987). Deduzimos que no Distrito de Bella
Alliança, seguindo os moldes de Blumenau, isto também tenha acontecido.
Em Rio do Sul e no setor industrial, faz-se referência ao aparecimento da primeira
serraria em 1915, na década seguinte de uma fábrica de charutos, chapéus de palha e
vassouras. O Distrito é atendido na década de 20, com Energia Elétrica, instalação de água e
ponte pênsil entre outras melhorias (TOMASONI apud KLUG, 2000).
A Fig.10 mostra a Rua Carlos Gomes, aproximadamente em fins da década de 20,
onde se pode observar um certo alinhamento das edificações ao longo da principal via de
passagem.
Figura 10 - Rua Carlos Gomes
Fonte: Acervo Foto Marzall
Walter Baugarten, Ewald Koschel, Domenico Largura, Adolfo Frischknecht, Willy Hering entre outros
(PELLIZZETTI, 1985, p. 66).
53
“A rua é o lugar do encontro [...] Nela efetua-se o movimento, a mistura, sem os
quais não há vida urbana”, Lefebvre (1999, p. 29).
No traçado do distrito, interpretado na Fig.11, ficam evidenciadas as principais
atividades como comércio, moradia e produção que procuram a melhor localização no
território, de preferência junto a caminhos de acessos ao vilarejo ou eixo estruturante.
Figura 11 - Uso do Solo em Bella Alliança interpretado
Fonte: Acervo do Autor, 2002.
O eixo estruturante de circulação Blumenau/Lages atravessa o núcleo urbano,
localizado muito próximo do encontro dos rios Itajaí do Sul e Oeste. O atendimento do
vilarejo foi, com funções urbanas voltadas a moradias, hotéis, ferrarias, farmácia, açougue,
funilarias, cervejaria, comércios e serviços institucionais como correio, escolas, igrejas, casa
do tabelião. Visando a manutenção dos caminhos para o planalto, destaca-se em 1918, a
instalação de primitivos Postos Fiscais. Em 1919, Bella Alliança contava com 5.150
habitantes e CARDOSO (1991) cita o surgimento do primeiro hospital em 1926, do Grupo
Escolar Paulo Zimmermann e do Colégio Maria Auxiliadora em 1928. A principal fonte
econômica nos anos 20 era a cobrança de impostos pela passagem do gado em tropas, com
54
destino ao litoral (COLAÇO, 2000).
A acomodação das edificações urbanas não se processa por meio de uma
planificação pré-elaborada. O sistema viário único e precário constituía-se no grande
problema a vencer. Seu desenvolvimento seguia preferencialmente o curso das águas e o
contorno dos morros. Em 1929, iniciaram-se as obras para construção do trecho da ferrovia
que ligaria Lontras a Rio do Sul. Pellizzetti (1985) afirma que havia promessas políticas
feitas a Ermembergo Pellizzetti para a conclusão de tal obra, já que as enchentes,
prejudicando os transportes, foram responsáveis pelas crises da colheita em 1927 e 1928. A
ferrovia chegou a Lontras em 1929, vencendo a íngreme serra existente entre Ibirama e
Lontras e a Rio do Sul em 1933 e foi prolongada de Blumenau a Itajaí, para ser atendida pelo
porto daquela cidade.Esta ferrovia foi construída também com o objetivo de proporcionar o
escoamento da produção madeireira e deveria ainda atingir o Planalto Serrano18 e
posteriormente a Argentina.
Sob o comando de Gino Alberto de Lotto17, os trilhos atravessaram o Distrito de
Bella Alliança, imprimindo-lhe uma nova forma e o compromisso com o desenvolvimento.
Com expressiva produção da fécula, Bella Alliança seguia economicamente em alta,
embalada na produção das pequenas indústrias, conferindo a Blumenau confortáveis índices
de arrecadação. Esta condição, sensível aos moradores do Distrito, não tardou a ser objeto de
luta do então deputado estadual Ermembergo Pellizzetti, pró-emancipação do Distrito de
Bella Alliança.
3.3.3 Rio do Sul
O aumento de produção agrícola e poupança aliados à extração da madeira,
promoveram à condição urbana, elevando o distrito à cidade. Santos define cidade, “como um
lugar de atividades não agrícolas” (1994, p. 53). O corte do vínculo com Blumenau concentra
em Rio do Sul uma nova opção de pólo regional. Os bancos comerciais apontaram em busca
do dinheiro da madeira. A função de apoio ao colono e o Banco Agrícola perdem expressão.
18
Fato que acabou não se concretizando já que os trilhos pararam em Trombudo Central.
Engenheiro italiano, radicado em Rio do Sul no pós-guerra, que responsabilizou-se por inúmeras
construções como as pontes Curt Hering e dos Arcos, Catedral São João Batista, Colégio Maria Auxiliadora,
antigo Clube Concórdia entre outras.
17
55
Raud (1999) destaca preocupação com caixas de poupança e crédito no início do século XX e
salienta a atuação dos Bancos Comercias nos anos 30. A economia passa a ter outros
interesses, como o comercial, e a cidade muda de aspecto, adaptando-se.
No que se refere à formação de cidades, Ribeiro (1985) destaca:
Muitas cidades começavam em terrenos descampados com divisas situadas nos topos dos morros,
assegurando o acesso à água que corria no fundo do vale”. Referindo-se ainda à formação das cidades,
afirma que “os caminhos passavam onde a conservação e o tráfego se faziam mais fáceis, surgindo
praça, igreja e casas. Loteando-se áreas rurais, expandia-se o vilarejo tornando-se vias urbanas os
caminhos onde surgiam os comércios e as suas inúmeras ramificações, dando origem ao tecido urbano.
Os vales úmidos, de difícil e custoso saneamento, permaneciam desocupados por muito tempo, até que
movidos pela especulação imobiliária, pudessem ser drenados e urbanizados.
Neste sentido, a cidade de Rio do Sul seguiu regras similares de ocupação. Ocupou o
eixo principal de passagem, foi formando o centro e posteriormente foram acontecendo as
ocupações dos vales, seguindo propostas de parcelamentos da época. O meio ambiente e sua
base topográfica acidentada, com paisagens descontínuas, trechos planos e vales,
desempenharam um importante papel. A cidade se edificou na várzea, formada pelos dois
vales dos dois rios. Para fugir das enchentes, não ocupou áreas muito baixas (PELUSO,
1942). Trata-se de uma cidade espontânea, surgida ao redor de um estrangulamento
ambiental, num percurso único.
Em 1930, instala-se a Comarca de Rio do Sul e em 15 de abril de 1931 é criado o
município Elevado à categoria de sede, Rio do Sul é emancipado com três distritos: Taió,
Trombudo Central e Pouso Redondo. O prefeito nomeado foi Eugênio Davet Schneider e o
engenheiro Gino Alberto de Lotto tornou-se um grande colaborador, responsabilizando-se
pelo primeiro Plano Regulador e mapa cadastral de Rio do Sul. Demonstrou, elaborando este
mapa, preocupação com o crescimento ordenado tratando da setorização de espaços.
Na Fig.12, como pode ser visto, o engenheiro previa ocupações residenciais no
Morro da Boa Vista, Budag, Canoas e Jardim América. Fica visível o planejamento da cidade
para o automóvel e a conformação urbana aberta para além do eixo original estruturante,
espalhando-se.
56
Figura 12 - Uso do Solo 2 em Bella Alliança interpretado
Fonte: Museu Histórico. POLEZA, Maristela M., 2002.
A preocupação com as enchentes foi retratada no traçado proposto, já que o referido
mapa indica alguns espaços, como a margem esquerda do Rio Itajaí-Açú, hoje Bairro Canoas,
pertencente na época quase que exclusivamente à família Odebrecht, como “áreas
alagadiças”. Estas áreas foram excluídas da interação urbana sem indicação de uso específico.
O sistema viário, com desenho ortogonal arrematado em curvas concordantes, “não
segue rigorosamente os rios, se afastando deles, fugindo das baixadas inclusive” como
salienta Peluso (1942). A opção adotada de traçado urbanístico pode levar ao entendimento
de que estas áreas, mapeadas como alagadiças, por não terem indicações de uso, não deveriam
ser ocupadas sendo preservado então, o espaço das águas. O desenho predominantemente
retilíneo do sistema viário traduzia a intenção da ocupação de áreas preferencialmente planas.
Verifica-se a opção de retificar a cidade, organizando glebas setoriais. Nos morros o
57
arruamento foi acomodado acompanhando a topografia19. No mapa produzido por Gino Lotto
se pode concluir que todo seu cuidado estava voltado para a estruturação da urbe.
A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Lontras, em 1934, permitiu
continuação do desenvolvimento, nesta década.
Na década de 40, o aglomerado com características urbanas se expande, e passa a ser
atendido também com transporte coletivo e maior infra-estrutura, incrementando-se o
transporte de cargas e pessoas, movimentando a cidade e avançando a urbanização. A
afirmação de Peluso, em 1942, de que “...os aterros previstos, não foram viabilizados devido
aos altos custos” pode sugerir outro viés de análise, referente às áreas alagadiças. A pressão
imobiliária e a construção da ponte Waldemar Bornhausen na década de 50, ligando o centro
ao Bairro Canoas, pode ter alterado a proposta original das áreas alagadiças, indicados
definidas por Gino de Lotto, com atribuição de uso mediante aterro .
Singer afirma que “A cidade é via de regra a sede do poder e da classe dominante”,
que, provendo trabalho, passa a atrair o contingente populacional que requer os serviços de
infra-estrutura necessários. As cidades atraem a indústria devido a fatores como mão-de-obra
e mercado, e posteriormente a mesma devolve novas possibilidades de emprego e suscita
serviços e para indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização, e para
Castells (1983) o processo inverso também é importante, onde há matérias-primas e meios de
transporte a indústria coloniza e provoca a urbanização organizando a urbanização.
Nos anos 40, o extrativismo da madeira foi o alavancador do desenvolvimento
industrial de Rio do Sul. Rodolfo Odebrecht construiu, na confluência dos rios, a maior
serraria do Alto Vale do Itajaí, iniciando Rio do Sul no setor industrial. Para Peluso (1942), a
localização desta serraria produziu grande economia no transporte, já que as toras de madeira
desciam por ambos os rios até chegarem ao seu pátio conhecido como Porto das Madeiras.
Considerando que o maior problema encontrado pelas serrarias sempre foi o transporte, é
possível imaginar o quanto tal medida acelerou ganhos. Cardoso (1991, p. 48), afirma que
“...a possante máquina a vapor que servia a serraria, funcionava 24 horas por dia, atendia a
indústria durante o dia e a noite propiciava iluminação pública”
19
O parcelamento proposto para o morro da Boa Vista pode estar ligado ao fato de ter acontecido em
terras do então prefeito, Eugênio D. Schneider que promoveu um longo processo de parcelamento daquelas
áreas.
58
A cidade dava as costas para os rios, que não foram aproveitados como paisagem
cênica. Conforme referência feita anteriormente o entorno da união dos rios sedimentou-se
como um forte ponto de referência regional. Os rios encontram-se no ponto que era conhecido
como “Bella Alliança”20, onde começa o Rio Itajaí-açú.
Figura 13 - Encontro dos rios
Fonte: PELLIZZETTI, Beatriz., sdd.
O aumento das industrias continua pela próxima década21, comprovando que
urbanização e industrialização estão intimamente relacionadas. A madeira foi a principal fonte
de renda e Rio do Sul explorou o fato de estar inserida numa região economicamente
extrativista, com relevo acidentado. Em função da topografia, quase todos os rios e ribeirões,
possuidores de cachoeiras e saltos, foram largamente utilizadas pelas serrarias, na obtenção da
energia hidráulica (PELUSO, 1942). A exploração de tais condições serviu-lhe nas
intermediações de transações comerciais, para imposição gradativa no cenário econômico
regional e estadual.
20
Hoje usa-se a expressão “encontro dos rios” para referir-se àquele ponto, já que existe um bairro e
uma rua com o nome de Bela Aliança.
21
TOMASONI cita que em Rio do Sul nesta época havia 39 fecularias, 140 serrarias e 13 fábricas de
móveis. (in KLUG, 2000, p. 163).
59
Com o desenvolvimento deste extrativismo, reforça-se a condição de praça de
negócios. Quando se compra mais, as cidades produzem mais, trocam mais excedentes entre
si e, conseqüentemente, podem expandir-se e vêem seus espaços, elementos e relações
aumentadas: crescem e se especializam em determinadas atividades.
Para Lefebvre (1999, p. 30) “...o mundo da mercadoria se desenvolve na rua [...] a
organização neocapitalista do consumo mostra sua força na rua”, e a Fig.14 nos passa um
pouco deste movimento encontrado nas ruas de Rio do Sul na década de 40.
Figura 14 - Movimento no centro urbano
Fonte: Acervo Foto Marzall.
O comércio expandiu-se com inúmeras filiais de Blumenau. No ramo alimentício,
destaca-se a produção de erva-mate22 e fécula. Em 1941, instalam-se as Indústrias Gerais
Ouro, atuando no beneficiamento de café, doces, aguardente e sabão, chegando a exportar
seus produtos. A conclusão do trecho férreo entre Rio do Sul e Barra do Trombudo, em 1937,
garantiu maior saída para produção interna, imprimindo mais desenvolvimento. Quanto mais
interiorizada fosse a ligação com o Porto de Itajaí, maiores seriam as possibilidades de
negócios.
22
Os exportadores adquiriam toda a erva mate produzida.
60
A Segunda Guerra Mundial dificultou a importação de matérias-primas, insumos e
máquinas, mas também abalou as exportações, gerando um requisito interno da máquina
industrial nacional, já que cessaram importações. Surgem com isso possibilidades de
atendimento ao mercado interno. Renaux (1987) afirma que a Indústria Catarinense foi testada
em relação a sua capacidade de resposta e estava lançado o desafio, que representava o campo
deixado livre pela concorrência externa, que se retraiu. Para muitas indústrias foi o momento
de conquista definitiva, de espaços próprios (RENAUX, 1987; RAUD, 1999).
Na década de 50, a população concentra-se no núcleo urbano, embora a grande
maioria fosse residente na área rural23. Neste período, existiam 114 indústrias na cidade das
quais 29 na produção de fécula, demonstrando a importância desde setor na economia local.
No ramo madeireiro, 22 indústrias estavam ligadas à sua extração. Ocorreram indústrias
ligadas à extração de argilas, carvão vegetal e pasta mecânica, também são citadas como
importantes (TOMASONI apud KLUG, 2000).
Como conseqüência da sedimentação de variadas atividades industriais, o comércio
se expandiu oferecendo mais serviços, tornando-se evidente a necessidade de mais espaços
destinados à habitação. Criam-se também instituições regionais e coorporativistas. Rio do Sul
passa a ser considerado referencial regional. As cidades vizinhas, com economia
predominantemente agrícola, apresentam grande deficiência na prestação de serviços em
geral.
O jornal Últimas Notícias trazia a seguinte manchete sobre Rio do Sul na década de
50:
Nossa cidade vem tomando um aspecto mais belo e de mais moderna com a instalação de anúncios
luminosos por parte de várias firmas comerciais que funcionam nesta praça. A vista noturna do centro,
atualmente, já é algo que chama a atenção de todos, pois aqui e acolá, há um conjunto de cores
embelezando o frontispício dos prédios. Quem já teve a oportunidade de apreciar uma vista noturna de
Rio do Sul , mais do alto, bem pode constatar a beleza desta inovação que tomou conta da cidade.
Merecem menção especial as firmas comerciais que tiveram a feliz idéia desta iniciativa; colaborando
assim para o embelezamento de nossa cidade. Vai assim Rio do Sul, pouco a pouco se modernizando,
o seu progresso incontestável é bem um atestado de um futuro grandioso que lhe é reservado24
(COLAÇO apud KLUG, 2000).
23
24
TOMASONI, 2000, p. 166
Últimas Notícias. 06.09.1956, Nº 25, p.1.
61
A economia catarinense na década de 50 ocupou 44% da economia nacional com um
modelo produtivo em que predominava a indústria. O elemento determinante na
industrialização da madeira foi a existência de mercado local (RAUD, 1999).
Com o ciclo da madeira em alta, desenvolveu-se mais a industrialização. O setor
metal-mecânico, trabalhando em parceria com o setor madeireiro, amplia incrementando a
urbanização (RAUD, 1999). O crescimento econômico gerou conseqüente atração e migração
de mão de obra para a cidade, instalando-se em Rio do Sul e região, como nas demais cidades
industriais, um processo de êxodo rural.
A indústria, segundo Lefebvre (1999), implanta-se próxima às fontes de energia e de
matéria prima, das reservas e da mão de obra. Se ela se aproxima das cidades é para
aproximar-se dos capitais, dos mercados dos capitalistas e de uma mão-de-obra de baixo
preço. Referindo-se a migrações, Castells (1983) afirma que a fuga para a cidade é
considerada muito mais como resultado de um “push” rural do que um “pull” urbano, quer
dizer, tem a ver mais com a decomposição da sociedade rural do que com o dinamismo
urbano. A população de maior poder aquisitivo tende a habitar os locais mais seguros,
enquanto a mais carente se instala em pontos de maior risco.
As pessoas com baixo poder aquisitivo são atraídas para a cidade alojando-se em
sub-habitações em áreas de risco, como margens de rios ou encostas. A primeira subocupação conhecida em Rio do Sul, mostrada na Fig.15, deu-se junto ao Rio Itajaí –Açu e
ficou conhecida como “Beira”, chegando a perfazer um total de 380 pessoas, com procedência
provável da própria região do Alto Vale, destinadas a trabalhar em serrarias e com o comércio
de Rio do Sul.
Este local atualmente é ocupado pelas instalações do campus universitário da
UNIDAVI no Bairro Jardim América.
62
Figura 15 - Beira 1954
Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60.
Esta ocupação aconteceu justamente no Jardim América, área central, parcelada e
considerada de alto valor. O assentamento naquele local pode ser explicado pela ocupação de
uma “beira” de terra excluída do projeto original do parcelamento. Com a problemática social
instalada, políticos pronunciaram-se, solicitando medidas no sentido de erradicar tal situação
que segundo eles, envergonhava a cidade25. Na década de 70, a favela foi deslocada, não por
estar à beira do rio e trazer perigo a seus habitantes, mas para ceder lugar à Universidade, de
tão “nobre” que era considerado aquele espaço. A casa máxima do saber local, atestando
também desconhecimento da condição ambiental, como a cidade que ocupou a várzea,
instala-se na beira do rio.
Na década de 50, as principais edificações concentravam-se no centro urbano, em
estrutura originalmente linear plana. Observa-se sobreposição de diferentes atitudes urbanas,
de formas espontâneas e desajustadas coexistindo, como comércios, serviços e residências.
Embora sendo pequena, a superfície edificada já apresentava obras importantes como:
indústrias, igrejas, pontes, hospitais, residências, bancos, colégios e casas comerciais de porte.
A zona comercial estendeu-se pelas principais ruas e as indústrias desenvolveram-se sem
25
O deslocamento desta população aconteceu na década de 70.
63
apresentar muita coerência quanto à ocupação do solo, que não obedecia a regras de
planejamento urbano.
O sistema viário não era planejado e hierarquizado, acontecendo entre rios e morros
que nesta época não ofereciam muito estímulo à ocupação urbana, embora já abrigassem,
especificamente no Bairro Boa Vista, uma população significativa. Esta ocupação, destituída
de infra-estrutura, era fruto do parcelamento acontecido na década de 30, em terras de
Eugênio Schneider.
A Praça Ermembergo Pellizetti é construída na gestão do prefeito Waldemar
Bornhausen em área central, caracterizada na Fig.16 e concluem-se nesta década as obras da
Igreja Matriz.
Figura 16 - Praça 1954
Fonte: Acervo Particular do Autor.
O aumento dos transportes coletivos na década de 50 foi considerado como um
indicador do incremento industrial. Criaram-se ligações com municípios vizinhos e uma nova
64
rodoviária foi construída. A cidade desenvolveu-se como eixo prestador de serviços regionais
a partir da década de 50 e passa a ser intitulada e conhecida como Capital do Alto Vale do
Itajaí.
Em 1954, Rio do Sul sofre uma enchente considerada grande. Algumas áreas urbanas
apresentaram maiores possibilidades de inundação. As mais suscetíveis, localizadas nos
bairros Canoas, Budag, Barra do Trombudo e Santana, em função da condição natural de
expansão dos rios, ofereciam preços de terrenos mais acessíveis. Como tantas outras cidades
da Bacia Hidrográfica do Itajaí, a cidade de Rio do Sul instalou-se numa várzea.
O centro comercial urbano deslocou-se em função de pontos de interesses típicos de
cada época, sedimentando-se em local teoricamente mais seguro em relação à chegada das
águas. A rápida industrialização gerou aceleramento da urbanização, havendo uma grande
procura por áreas próximas ao centro. Aconteceram ofertas de áreas anteriormente destinadas
ao alagamento dos rios como no Bairro Canoas. A construção de uma ponte ligando este
bairro ao centro na década de 50 acelerou o processo de sua urbanização.
Na década de 60, Rio do Sul consolidado como um importante pólo regional expõe
através do uso urbano e de suas edificações o lucro obtido no ciclo econômico da madeira. A
urbanização aumenta, a arquitetura segue elementos da Art Decô26 e a forma urbana
demonstra uma cidade rica, para os padrões da região e da época como é possível verificar na
Fig.17 em que se destaca a presença de detalhes paisagísticos como canteiros e luminárias.
26
Do termo Art Décoratif, caracterizando-se por forma geométricas e simétricas que buscam a
simplificação em nome da modernidade, contrapondo-se aos excessos da Art Nouveu. Americanização da
arquitetura somente possível para a cidade que se encontrava rica em função do ciclo da madeira
65
Figura 17 - Rua 7 de Setembro
Fonte: Acervo Foto Marzall – década de 60.
Rio do Sul conclui no início dos anos 1960 a avenida Aristiliano Ramos no sentido
leste-oeste. Esta avenida promove uma nova dinâmica urbana recebendo canteiro principal e
arborização lateral.
Entre 60 e 70 Rio do Sul contou com o maior surto de urbanização de todas as
demais cidades da Bacia do Itajaí. A população urbana passa de 37,82% em 1960 para
78,18% em 1970 (POMPÍLIO, 1990).
A exploração da madeira segue em alta como é possível ver na Fig.18.
Figura 18 - Caminhões na via principal nos anos 60.
Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60.
66
Na Fig. 19, numa panorâmica da década de 60 pode-se observar no canto superior
esquerdo o Bairro Jardim América em processo de formação, a serraria no encontro dos rios,
o leito da ferrovia e os principais eixos viários da cidade evidenciados.
Figura 19 - Panorâmica nos anos 60
Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 60
O sistema rodoviário ganha impulso nacional e o trem é trocado pelo automóvel. A
estrada de ferro foi desativada em 13 de março de 1971, depois de servir ao Alto Vale do
Itajaí por 62 anos, em função do incremento no setor automobilístico na conjuntura nacional.
Com a desativação da RFFSA, passa-se a incorporar, gradativamente, na malha viária local,
este precioso espaço que promove uma melhoria considerável no fluxo viário, através da
construção da Avenida Oscar Barcellos.
Novas políticas resultantes do incremento industrial se instalam, atraindo as
populações do campo para as cidades. A cidade exerce uma atração sobre a população de sua
67
região de influência. O crescimento demográfico supera o crescimento vegetativo onde os
migrantes acabam se tornando citadinos.
Com o incremento populacional acelerado nova sub ocupação acontece, desta feita
em uma encosta, utilizando uma fatia residual de terra às margens das obras da rodovia BR
470 que ficou conhecida como Morro do Chuchu.
Novas indústrias se instalam e as locais se ampliam. Rio do Sul se destaca neste
setor, diversificando suas atividades industriais com 10 madeireiras, 2 metalúrgicas, 3
fecularias, fábricas de manufaturados e alimentícias. Inaugura-se o aeroporto com 3 vôos
semanais a São Paulo e Rio de Janeiro. O comércio se diversifica, e a madeira, em função do
extrativismo irracional, dá sinais de esgotamento.
A cidade apresentou um índice de crescimento de 2,78 na década de 70 (IBGE,
1980) e Tomasoni apud Klug (2000) acusa a criação de 75 novas indústrias, destacando os
setores metal mecânico, vestuário e madeireiro. A BR 470, com parte de seu trecho passando
por Rio do Sul, é inaugurada nesta década, ligando o litoral à região do Alto Vale e ao
Planalto Serrano. As redes urbanas, anteriormente estruturadas pelos rios, são substituídas por
esta rodovia que é definida como espinha dorsal da região, na ligação dos muitos municípios
(SIEBERT, 1997). Parte da cidade vira-se para esta rodovia que legitima, com pavimentação
asfáltica, sua importância desviando da rota principal o centro da cidade. Abriu novos
caminhos pela margem esquerda dos rios Itajaí-açú e do Oeste, possibilitando a ampliação e o
adensamento de novas áreas no espaço urbano como os Bairros Fundo Canoas, Valadas
Itoupava e São Paulo, Rainha e Pamplona.
A “Federal”, como era chamada pela população, reforçou ainda mais a condição de
Capital do Alto Vale à cidade de Rio do Sul. Houve um incremento no número de veículos
circulando por Rio do Sul, em função do novo conforto oferecido. Com o modismo gerado
pela construção de Brasília em alta no país, e sob o comando do renomado arquiteto Jorge
Wilhelm, foi organizado o primeiro Plano Diretor da área urbana de Rio do Sul. A Fig.20 é
apresentada com uma interpretação do Plano Diretor de 1970.
68
Figura 20 - Plano Diretor interpretado
Fonte: Museu Histórico - POLEZA, Maristela M., 2002
Como proposta urbanística o referido plano detalhou preferencialmente o centro
urbano e parte das principais vias de acesso à cidade. Uma extensa área foi destinada ao
comércio, talvez em função da intenção de solidificar a condição de Capital “Comercial” do
Alto Vale. Os rios foram percebidos, e nas suas margens foram propostos caminhos e espaços
ampliados27.
A pequena ilha fluvial que existia próxima da UNIDAVI, pelo projeto previsto, seria
contemplada com um hotel municipal. Neste Plano, parte do Bairro Canoas seria aproveitado
como um grande parque, dedicado a esportes e lazer. Destacam-se pontualmente os seguintes
equipamentos: Prefeitura, Escolas, Museu, Teatro, Biblioteca, Igrejas, Centro de Compras e
27
Tais espaços conteriam pequenos comércios e áreas verdes para a contemplação da paisagem.
69
plano foi apresentado para a cidade envolto num material cartográfico farto e recheado com
propostas inovadoras para a época, oferecendo espaço para a tratativa do desenho de
prancheta, seus elementos formadores, transformações e inter-relações. Desenvolvido sobre
dados sócio-econômicos e premissas urbanísticas existentes, estabeleceu relações entre a
cidade e a região. Não foi assimilado, nem aprovado. Rio do Sul cresceu à mercê de sua
própria sorte, balizando-se na espontaneidade, e no bom senso de alguns.
Ideais urbanísticos encontram obstáculos econômicos, políticos, culturais e
ambientais. Interesses localizados impedem que planos urbanísticos se instalem, exigindo
rupturas muitas vezes não aceitas pela população. Outra situação pode ser apontada para a não
adoção do Plano Diretor, mais especificamente as medidas referentes ao embelezamento
ambiental já que na década de 70 as atenções locais não estavam voltadas para a preservação
de paisagens, rios e florestas, mas sim para a plena expansão industrial pois, os recursos
naturais ainda eram tidos como inesgotáveis.
Na década de 70, a cidade de Curitiba despontou como uma das mais planejadas
cidades do mundo. Adotando situações simples e criativas e realçando as relações sensitivas
(humanização e participação), funcionais (sistema estrutural de circulação e transporte) e
imaginativas (tratamento contemporâneo), quebrou a frieza funcional e valorizou o aspecto
individual e humano.
Copiando Curitiba em parte, na década de 80, a área central é contemplada com um
calçadão que visava através de seu desenho à humanização do espaço. A cidade foi tratada
pontualmente num processo de maquiagem desconsiderando-se o todo urbano. Com perfil
arrojado para a época como é possível ver na Fig.21, esconde contradições. O calçadão,
desconectado de um planejamento mais abrangente foi copiado de Curitiba para torna-se sala
de visitas da cidade. Na mesma gestão, regulamenta-se por força da Lei Federal 6.766 o
Parcelamento do Solo e implanta-se de forma isolada o Código de Edificações. O reduzido
quadro técnico local, o grave problema topográfico do sítio urbano, e uma conduta permissiva
no “fazer” a cidade, sempre em nome do desenvolvimento foram os grandes problemas a
serem enfrentados nesta década.
70
Figura 21 - Calçadão Central
Fonte: Acervo Foto Marzall, década de 80.
O meio urbano ignorava os rios que passavam inexpressivamente por dentro da
cidade em leitos cada vez mais reduzidos, carregando lixos domésticos e industriais, em
muitas vezes incomodando, mas só àqueles, que moravam em áreas baixas.
Aliada à instabilidade econômica do país a capital do Alto Vale adentra a década de
80 sofrendo um declínio econômico causado pelo fim da atividade extrativista da madeira,
num clima de empobrecimento geral, aliado ainda, à instabilidade econômica do país. A
cidade não possuía uma produção de grande escala, não tendo mais como amortizar o
investimento em capital fixo necessário, sem o forte ciclo da madeira. A madeira que até o
início dos anos 70 liderava exportações com 85% do valor total, foi em 1983 quase que
eliminada da pauta de vendas externas, representando menos de 1% (RAUD, 1999).
A agroindústria artesanal, com a transformação da produção agrícola dentro da
propriedade para o atendimento do comércio local e regional, como herança da colonização
européia no Vale, sofre os reflexos econômicos da competitividade instituída pelo mercado
globalizado.
71
A indústria da fécula também alterou deslocando-se para outras regiões do país, com
condições climáticas e produtivas mais adequadas. Os setores Metal Mecânico e Confecções
sobram, como opções econômicas de um vale devastado.
3.3.4 Síntese
Os aspectos históricos referentes à ocupação do território foram considerados já que
estabeleceram as bases do desenvolvimento sócio-econômico na sua relação com o meio
ambiente. A pesquisa tratou da espacialização geográfica do território estudado e das
conseqüentes formas de unidades espaciais, começando a pesquisa na Vila de Blumenau,
Braço do Sul, seguindo por Bella Alliança como distrito e Rio do Sul cidade emancipada. A
análise destes diferentes momentos mostrou que a condição urbana adaptou-se aos diferentes
momentos econômicos, mas a relação comportamental da população com o entorno ambiental
quase não foi ajustada.
Enquanto Braço do Sul em modelo agrícola, a casa do vendeiro traduziu a expressão
máxima polarizadora do cenário urbano, tendo as enchentes, comprometido o deslocamento
da produção agrícola.
Na condição de distrito de Blumenau, Bella Alliança em modelo industrial
tradicional, ampliou o uso urbano que teve no Banco de Crédito Agrícola uma importante
ajuda. Com maior área a ser impactada pelas enchentes os prejuízos da agricultura que
fornecia matéria prima para as indústrias da lavoura, apareceram mais.
Enquanto cidade emancipada a atividade econômica principal teve como base o
extrativismo da madeira e a agricultura de subsistência. Esse foco nas atividades primárias
impulsionou Rio do Sul e boa parte das cidades do Alto Vale do Itajaí, ao desenvolvimento de
da base industrial formada pelo setor madeireiro e pelos gêneros alimentícios como:
lacticínios, banha, fécula, arroz, charque etc. Estes dois setores estavam diretamente ligados e
dependentes. Rio do Sul se destacou como pólo regional expressivo, atraiu migração da área
rural, se industrializou, urbanizou e comprometeu o espaço físico, preparando um cenário de
vulnerabilidade para a enchente de 1983. E é para a análise desta variável interveniente, que
vamos passar ao próximo capítulo, centrando o foco do estudo no fenômeno.
72
4 O IMPACTO DE 1983 COMO VARIÁVEL INTERVENIENTE
No capítulo anterior, tratamos da evolução da malha urbana, baseados nos diferentes
momentos econômicos vividos até 1983 quando ocorreu a grande enchente. O presente
capítulo aborda aspectos históricos, agravamento do problema, medidas de mitigação,
impactos e danos causados ao meio urbano de Rio do Sul durante a ação do fenômeno.
4.1 HISTÓRICO DAS ENCHENTES EM RIO DO SUL
Na cidade de Rio do Sul, as enchentes sempre foram sentidas como um sério
problema, afeto mais diretamente aos moradores das áreas de cotas mais baixas, onde
residiam pessoas com menor poder aquisitivo. Pressupõem-se, para estas pessoas, maior
dificuldade em acessar recursos e força política no sentido de viabilizar ações globais
consertantes. O caminho indicado ao longo do tempo seria o de erguer ao máximo as
edificações para que não fossem tão seriamente atingidas. A responsabilidade em discutir a
questão parecia problema exclusivo do poder público, sempre envolvido nas situações de
crise. Isto assim aconteceu até 1983, quando a magnitude do fenômeno atingiu um
contingente populacional bem maior.
São poucos os dados catalogados anteriores a 1983, segundo informações da Defesa
Civil28. Em 1918 o jornal República29 referiu-se à enchente do seguinte modo:
[...] Terrível enchente causando distrito enormes prejuízos plantações e criações, principalmente
estradas, destruindo bueiros desta freguesia. Diversas casas estão inundadas e abandonadas pelos
moradores, desde anteontem. O trânsito nas estradas está interrompido, o que demonstra importância
nos estragos [...] urge solicitar socorros governo. Saudações. Max Mayer, intendente (COLAÇO apud
KLUG, 2000).
28
Márcio Lucas – Secretário Executivo da Defesa Civil de Rio do Sul em set. 2002, afirmou que tudo
o que se produziu de dados neste sentido em Rio do Sul foi posterior a 1983. Hoje o município mede diariamente
o nível do Rio Itajaí-Açu.
29
“O temporal que desabou há três dias causou grandes prejuízos materiais no interior do
estado.02.10.18, no 03,p.02.Fundo: Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, Florianópolis.”
73
Outro relato em 10.06.1928 no mesmo jornal: “[...] Rio do Sul já subiu oito metros
continuando a encher.”
Em 1954: “[...] Rio do Sul também foi duramente atingido, sendo altíssimos os
prejuízos sofridos pela cidade e pelo interior do rico município da serra acima. As águas
subiram até o nível de 11,88m.” (SILVA, 1984 apud COLAÇO, 2000, p. 148).
Alguns bairros apresentavam maiores possibilidades de enchentes, sendo mais
suscetíveis, as áreas baixas dos bairros Canoas, Barra do Trombudo, Santana e Budag como é
possível ver na Fig.22.
Figura 22 - Enchente em 1954
Fonte: Acervo particular do Autor.
Rio do Sul aterrou várzeas e quando a freqüência das inundações é baixa, a
população despreza o risco. A forma urbana de Rio do Sul cresceu de costas para os rios e,
como agravante, teve este modelo reproduzido nas cidades vizinhas.
A comunidade do Alto Vale do Itajaí, que sempre sofria com enchentes, esperava
que com a conclusão das barragens propostas pelo DNOS, viesse em direção a tranqüilidade
total, como descreve parte do Relatório das Enchentes de 1983, anexado como documento:
74
Confiante na ação protetora das barragens Sul e Oeste, respectivamente localizadas nos municípios de
Ituporanga e Taió, e já desacostumada a conviver com o flagelo das cheias, a população riosulense foi
apanhada de surpresa, haja vista que, se nas enchentes anteriores somente as zonas ribeirinhas eram
atingidas, desta feita todo o centro da cidade ficou submerso, para perplexidade e desespero da
população [...].
Os limites físicos atuam dentro de condições pré-definidas e podem causar uma
sensação de segurança não correspondente à realidade, já que podem aumentar o número e o
volume das enchentes. A população de Rio do Sul esperava com as barragens a solução das
enchentes até então vividas, mas não foi o que aconteceu. Butzke (1995) faz uma observação
importante afirmando que as barragens, tem a função de amortecer a onda de cheia à jusante e
não a função de “solucionar” a problemática das enchentes, como divulgam políticos e
acreditam as pessoas.
Em função de pontos de interesses característicos de cada época o centro comercial
de Rio do Sul deslocou-se, fixando a princípio e até 1983 em local não inundável. A
convivência com alagamentos na periferia gerou na população uma espécie de acomodação e
muitas pessoas, por óbvia necessidade, “esqueceram” das enchentes e ergueram suas casas em
lotes praticamente dentro dos rios, com permissão do poder público, como se as enchentes
não pudessem voltar. Aconteceram ocupações em áreas alagáveis em função da necessidade
maior de morar perto do centro.
O incremento populacional de Rio do Sul, como nas demais cidades da Bacia do
Itajaí, não foi acompanhado de cuidados proporcionais com a gestão das áreas de riscos. Em
1983, contava com alta densidade demográfica instalada nas áreas alagáveis reservadas em
mapa, na década de 30 por Gino de Lotto.
4.2 O FENÔMENO E OS DANOS
A visível ocupação das áreas de risco, para comportar diferentes atitudes urbanas, ao
longo dos anos, deve ter interferido na condição natural dos rios, gerando agravamento das
situações de emergência. O processo de desenvolvimento econômico e o modelo que atendeu
este padrão sobrecarregou a capacidade regenerativa e assimilativa do ambiente, através da
forma com que ocupou o espaço geográfico e como utilizou os recursos ambientais
75
(MATTEDI, 1999).
A enchente de 1983 atingiu 138 municípios dos 199 existentes na época em Santa
Catarina. De todas as enchentes registradas no estado, foi a de maior repercussão, devido a
sua abrangência espacial e temporal. O tempo consecutivo de inundação foi de 13 dias,
iniciando em 07/07/83 e terminando em 19/07/83. (ATLAS de SC. 1986). O fenômeno
assolou a região do Vale do Itajaí de forma drástica, desabrigando aproximadamente 250.000
pessoas. Segundo dados da Defesa Civil, em Rio do Sul30, o número de flagelados chegou a
25.000 habitantes, com cinco mortes. Para Rio do Sul, em 1983, há que se tratar do caráter
inusitado das enchentes. Aconteceram duas no mesmo ano em julho e em agosto. A de julho
de 1983 foi a maior de sua história, tendo o Rio Itajaí-Açú atingido a cota de 15,08m. Esta
enchente, com dimensões catastróficas, registrou no centro da cidade, na Rua Carlos Gomes,
aproximadamente três metros a mais do que a maior cota de enchente ali vivenciada.
A placa de trânsito à direita na Fig.23 pode expor o alto nível de água registrado
neste ponto.
Figura 23 - Rua Carlos Gomes em dois momentos 12/0783 e 14/07/83.
Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983.
O levantamento dos prejuízos causados por uma enchente é um procedimento difícil
os dados são incompletos e inconsistentes. Instala-se uma tendência generalizada de ampliar
os dados dos prejuízos visando à liberação de maiores recursos. Importante também a
30
Nos trabalhos de socorro no estado de Santa Catarina, foram utilizados 37 helicópteros; 11 aviões
com um total de 1.497.000 horas de vôo e transportados 4.257 passageiros (KLUG, 2000).
76
referência a danos psicológicos, gerados pela recorrência das enchentes, que não são
mensurados nem computados. O impacto causado pelas enchentes de 1983 suplantou a
capacidade de processamento político do problema (MATTEDI, 1999).
Como as enchentes são manifestações do sistema hidrológico, sendo sua ocorrência
considerada normal, e o sistema sócio-econômico manifestado pela forma com que o homem
ocupa o espaço, os danos originaram-se na falta de adequação entre estes dois fatores.
A enchente de 1983 começou castigando a periferia e terminou atingindo o centro
urbano, a água se instalou mansamente em alguns locais e formou grandes correntezas em
outros. A área urbana de Rio do Sul atingida pelas enchentes de 1983 foi extremamente maior
do que a que se tinha como última referência, que era a enchente de 1954.
Na enchente de 1983, foram atingidas todas as classes sociais. Do morador pobre
instalado na beira do rio ao morador rico assentado em área urbana privilegiada. As
ilustrações mostram os vários segmentos atingidos como residências, comércios, indústrias,
equipamentos públicos, comunitários das quais 887 foram danificadas. Das 1664 residências
atingidas, 259 foram totalmente destruídas, 380 semi-destruídas, 138 tiveram suas estruturas
abaladas e das 125 industrias existentes na época, 120 foram atingidas.
A calamidade feriu a vitalidade do sistema de relações econômicas, sociais, político,
administrativas e culturais. A alta cota de cheias foi responsável por incalculáveis danos
materiais, a cidade permaneceu isolada e apavorada com a possibilidade do rompimento das
barragens à montante. As figuras a seguir possibilitam visualizar a situação vivida.
Figura 24 - O calçadão em dois momentos distintos.
Fonte: Acervo Foto Marzall, 1983.
77
Rio do Sul atravessou um perfeito clima de guerra. Através do decreto no 065/83, de
08.07.83, determinou-se “Estado de Emergência” seguido após quatro dias do decreto no
070/83 de “Calamidade Pública”, em razão do aumento da gravidade dos problemas. Os
municípios acionam os dispositivos legais para decretar estados de emergência e calamidade
pública, para apontar a incapacidade do poder local de confrontar situações de emergência
(MATTEDI, 1999).
A Capital do Alto Vale do Itajaí ficou isolada de Santa Catarina e do mundo. Faltou
luz, telefone e, por incrível que pareça, até água. O abalo sofrido foi tão forte que gerou
comoção em todo país, recebendo a cidade de Rio do Sul e a região do Alto Vale do Itajaí,
atenção da mídia nacional e solidariedade internacional. A enchente de 1983 deixou a marca
da perda. As reportagens (veja anexos), mostram a magnitude da calamidade sofrida.
As inundações expressivas, duradouras e sucessivas romperam com situações ligadas
ao ritmo de atividades, já abaladas pela recessão da economia. Imobilizaram preciosos
patrimônios que atuavam como forças matrizes das atividades humanas e danificaram um
patrimônio acumulado, com imenso sacrifício, de milhares de famílias, de áreas urbanas, periurbanas e rurais (LAGO, 1983).
Com a economia do município em baixa em função do fim do ciclo da madeira, a
ocorrência das enchentes de 83 e 8431 recua ainda mais no tempo a cidade. O relatório das
perdas apresentado pela administração pública pode dar uma idéia do tamanho dos prejuízos
sofridos pela cidade.A administração pública contabilizou prejuízos. Segundo FRANK (1995)
as enchentes de 1983 causaram ao Vale do Itajaí, um prejuízo na ordem de US$ 1,1bilhão.
Após a ação do fenômeno, foi preciso reagir, reconstruir, cobrar ações das
autoridades, enfrentar nova enchente um mês depois, adaptar-se à nova situação, ou mudar na
cidade ou de cidade. Os serviços de limpeza, recuperação e levantamento de prejuízos, foram
estendidos por meses. Em meio a tanta perda, parecia ser impossível reconstruir. A Defesa
Civil local, montada às pressas, não dispunha de mecanismos de ajuda capazes de atender a
tantos necessitados. Segundo Mattedi (1999) o aumento da capacidade de reivindicação não
foi acompanhado de resposta governamental. As promessas de obras de contenção não
31
As enchentes de 1983 e 1984, aconteceram ainda no período de recuperação da ocorrência anterior,
intensificando os impactos já que atingiram uma população debilitada (MATTEDI, 1999, p. 23).
78
para tratar da reconstrução. Gestionou-se objetivando a elaboração de obras que visassem a
eliminação ou minimização do problema das enchentes. Foram buscadas soluções nos
âmbitos federal, estadual e municipal. Em julho de 1983, foi instituído o Programa Especial
de Reconstrução do estado de Santa Catarina pela lei n° 6.256 de 26/07/8332 e criou-se o
Conselho de Reconstrução33.
Em dezembro de 1984 foi redigido um Plano Global e integrado de Defesa contra as
enchentes, aprovado pelo Conselho Extraordinário de Reconstrução, na forma da resolução
n°30/85, porém nunca implantado (DYNAMIS, 1994).
Em 1986, foi elaborado o Projeto JICA - The Itajaí River Basin Flood Control
Project, uma proposta de contenção e manejo, que contemplou toda bacia do Itajaí. Frank
(1995) acusou desconhecimento da dinâmica do Rio Itajaí-Açu e seus afluentes, na
proposição deste plano, bem como omissão de impactos ambientais decorrentes, salientando
ainda que o projeto não foi executado em função da indisponibilidade financeira e da extinção
do DNOS em 1990.
O governo estadual (1991-1994) assume o Projeto JICA e elabora uma proposta
denominada: Plano Global e Integrado de Defesa contra Enchentes – Ecossistema Bacia do
Rio Itajaí-açú ou PLADE, que visava à obtenção de recursos externos para viabilização do
projeto JICA. Para Frank (1995), o que sobressai no PLADE são obras estruturais como
alargamento dos rios e melhorias da calha.
Mattedi (1999) afirma que apesar dos prejuízos e danos gerados pelas situações de
emergência, seu tratamento permaneceu marginalizado na agenda de prioridades do governo
estadual e só recebia atenção nos períodos de crise (1999).
No âmbito municipal as ações voltaram-se ao atendimento pontual da crise. Embora
a Constituição Federal determine em seu artigo 181 que a Defesa Civil deve ser organizada
em tempos de paz, para estar em condições de atender nas situações de emergência, em Rio
do Sul ela só foi implantada depois das enchentes de 1983.
32
Consta como material anexo.
Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de Reconstrução do Estado de Santa Catarina, como
órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do estado na definição de políticas e
fixação de prioridades, visando à reconstrução da vida social e econômica catarinense..”
O Programa contava com a seguinte estrutura:
a) Conselho Estadual de Reconstrução; b) Gabinete Extraordinário da Reconstrução; c) Comissão
Microrregional e Municipal de Reconstrução.
33
79
Houve a necessidade urgente de fugir do alcance das águas e foi o que cada uma das
pessoas a sua maneira tentou fazer, ou fez. Alguns fatores devem ser considerados na análise
do que motivou a reação no âmbito municipal:
- Prejuízos extremamente altos;
- Curto espaço de tempo entre as ocorrências. Em um ano aproximadamente a área
urbana sofreu três grandes enchentes;
- A população que esperava, não via ações mitigatórias por parte do governo;
Os mecanismos de ajustes, quando em situações de emergência são desenvolvidos de
forma individual em detrimento do coletivo e preventivo. O individual se superpõe ao social,
o qual poderia torna-se expressivo como força reivindicatória (POMPÍLIO,1990, p. 229).
Referindo-se a imagem das cidades Lynch (1980, p. 24) afirma que, “[...] uma boa
imagem ambiental dá a seu possuidor um importante senso de segurança emocional, criando
uma relação harmoniosa entre ele e o mundo exterior”. Refere-se à legibilidade não como
uma coisa simplista, mas chama atenção para a necessidade da riqueza de detalhes e
significados questionando a interferência dos apelos na sua coerência. O senso de segurança
emocional do rio-sulense frente ao quadro vivido interferiu na imagem que este tinha da
cidade requerendo reavaliações quanto aos espaços até então utilizados, gerando reações que
modificaram a forma conhecida de usar o espaço atribuindo valores diferenciados aos lotes
urbanos, agora ditados pela maior ou menor possibilidade de serem inundados. Parafraseando
Santos (1999), quando disse que “[...] deixamos de entender a natureza amiga e criamos a
natureza hostil” afirmamos que a Bela Aliança no período das enchentes, já não parecia mais
tão “bela”.
O capítulo abordou um histórico com as enchentes e tratou de possibilidades de
causas do fenômeno em si, da área atingida, danos e perdas. Abordou sobre o aspecto político,
referindo-se aos decretos de emergência, calamidade pública e relatório de perdas apresentado
pelo Poder Público.
O tema foi concluído analisando a reação nos ambientes municipal, estadual e
federal. Em função da magnitude do fenômeno apresentado e o impacto que causou ao meio
físico, este é indicado como uma variável interveniente no ambiente urbano acarretando
transformações na forma de usar o solo.
No próximo capítulo analisaremos estas ações e seus reflexos no espaço urbano.
80
5 ANÁLISE URBANA APÓS 1983
Este capítulo se ocupará em estudar Rio do Sul depois do fenômeno. Destaca
alterações morfológicas no espaço urbano, impulsionadas como reação ao impacto vivido. A
situação pós-enchente foi subdividida em dois períodos: O primeiro iniciando em 1983,
estendendo-se até 1992 quando foram concluídos os trabalhos do Plano Diretor; o segundo
período iniciado em 1992 estendendo-se até o ano de 2000 quando o Plano Diretor sofreu
alterações.
O enfoque dado visou responder aos objetivos específicos referenciados na
Introdução, como: Análise da Legislação urbana; Uso do solo, Valor do solo e mobilidade
urbana.
5.1 De 1983 a 1992
5.1.1 Legislação Urbana e Perímetro Urbano
Em 1983, embora Rio do Sul já possuísse mais de 20.000 habitantes e a
obrigatoriedade legal de elaborar seu Plano Diretor, não o havia feito. Na primeira década do
pós-enchente, a administração pública trabalhou a recuperação dos prejuízos pontuais sofridos
nas infra-estruturas urbanas. A estrutura administrativa carecia de legislação urbanística34,
cartografia, estrutura organizacional e profissional referente a questões urbanas e
ambientais35.
O perímetro urbano de Rio do Sul em 1983 estendia-se por todo o espaço municipal
possível de ocupação, excluindo apenas peraus e topos de serras. Esta opção atendia
“promessas” políticas e uma visão estreita em relação ao meio ambiente, vislumbrando a
34
A administração dispunha da Lei de Parcelamento do Solo, e do Código de Edificações. Aprovados
de forma isolada e independente. Não havia de fato uma rotina de análises de projetos.
35
Embora existisse desde 1979 o Conselho do meio ambiente (criado sob lei e como comissão), era
pouco expressivo com ações relativas a áreas inundáveis, sua atuação voltava-se principalmente ao controle da
poluição ambiental
81
possibilidade do parcelamento como um “ganho” ao dono da gleba. Esta situação
individualizava possibilidades de intervenções, prejudicando uma ordenação ambiental
macro, que pudesse surgir como real possibilidade. Não havia tributações urbanas incidentes
sobre estes lotes e nem a menor coerência na possibilidade de tê-los como urbanos num curto
prazo de tempo. A área urbana de Rio do Sul, pela população que continha, não necessitava
de tamanho espaço.
A necessidade de fuga das águas acelerou o processo desordenado de ocupação da
cidade. Os conflitos de usos foram evidenciados, as relações de perdas exteriorizadas e, altos
custos envolviam uma administração sem planejamento. Propicia-se um momento ideal para
que profissionais locais intervissem junto à administração municipal para que se iniciassem os
trabalhos de elaboração do Plano Diretor, o que aconteceu em 1990. Na ocasião a cidade de
Rio do Sul fora contemplada pela SEDUMA, juntamente com outras oito cidades de Santa
Catarina, para realizar seu Plano Diretor. O referido programa contemplava cidades de médio
porte36 e somente seus perímetros urbanos. Áreas rurais não foram consideradas.
Segundo Siebert (1979), a falta de atenção para com os espaços rurais relaciona-se
com o forte processo migratório que o estado de Santa Catarina enfrentou e que concentrou
nas maiores cidades um grande número de pessoas. Para Peluso, o desenvolvimento das
cidades deve ser acompanhado em igual forma na agricultura, pois não haverá rede urbana
integrada sem existência de agricultura próspera e para Santos apud Siebert (1997), a
dicotomia urbano rural está deixando de existir à medida que os mercados se confundem e as
cidades se conturbam.
Para o início dos trabalhos do Plano Diretor de Rio do Sul, uma equipe de técnicos
locais inserida no contexto da discussão estadual, atualizou cartografia, organizou e levantou
dados, promoveu reuniões com a comunidade e discutiu a cidade num amplo contexto. Vários
objetivos foram listados entre eles: promover uma redução do nível de conflitos entre
interesses urbanos existentes e mudar o comportamento coletivo em relação ao uso do solo,
através da minimização dos impactos, controlados pela conduta do homem.
Raban apud Harvey (1989), afirma que a cidade é um lugar complexo para ser
disciplinado e que o fato e imaginação tem que se fundir, “[...] para o bem ou para o mal, a
cidade o convida a refazê-la numa forma que você possa viver nela”.
36
médio porte.
Uma metodologia similar havia sido aplicada pelo então GAPLAN na década de 80 a cidades de
82
O Plano Diretor foi concluído em 1992, porém aprovado na outra gestão em 1995.
A catástrofe de 1983 abriu os olhos da população e das autoridades para o problema
“enchente x urbano”. A estruturação da Defesa Civil local veio como resposta imediata e
assertiva, e em relação ao nível do rio passou a considerar:
- Normal: até 4,00 metros;
- Atenção: de 4,01 a 5,00 metros;
- Alerta: de 5,01 a 6,50;
Emergência: acima de 6,51 metros, estabelecendo uma rotina de trabalho para cada
situação.
A CEDEC estimulou o processo de criação de Defesas Civis municipais no estado de
Santa Catarina aprovando a Lei no. 6.502, tratando especificamente do tema. No se artigo 2o.
fica explícito:
Art.2o. É vedado ao governo do estado a construção de prédio público, em área sujeita a inundação.
Em casos de ampliação as obras ficam condicionadas ao erguimento do piso para proporcionar o
salvamento de bens e documentos.
As Cartas das Enchentes (ver material anexo) elaboradas pelo DNAEE, objetivaram
o reconhecimento da real situação de inundação nos espaços urbanos. As enchentes mais
críticas, segundo o referido documento, aconteceram na confluência dos Rios Itajaí do Sul e
do Oeste e a jusante deste ponto.
5.1.2 Uso do Solo
Uma cidade como Rio do Sul, que em 1983 contava com 52 anos, sem o exercício de
legislação urbana, ou regulamentação de uso do solo, numa situação de emergência como a
que foi vivida, se distanciou ainda mais do cumprimento de qualquer ação normativa de
planejamento urbano. Neste contexto, a tendência da busca individual de soluções imediatas
ficou reforçada. Coube à população eleger os mecanismos capazes de garantir sua segurança
diante do ataque das águas, com ações pontuais e desarticuladas que geraram conflitos para o
atendimento dos vários interesses urbanos.
83
Para a caracterização do uso do solo na Bacia do Itajaí, Frank (1995) considera três
conjuntos de informações, que dizem respeito, à exploração florestal, à atividade agropecuária
e à atividade industrial. A atividade industrial mais ligada ao meio urbano gerou conflitos,
visto que muitos empreendimentos foram deslocados para as áreas altas. A mesma autora
referindo-se ao desmatamento ocorrido em toda região afirma:
[...] as enchentes são o mais grave problema do Vale do Itajaí. Problemática histórica, ela é hoje
agravada pelas agressões ambientais observadas na região, como o desmatamento, o ocupação
desordenada das encostas e o crescente processo de erosão e conseqüente assoreamento das calhas dos
rios (CAUBET e FRANK, 1983).
Com a questão da legislação do Uso do Solo em aberto, foi comum a aquisição de 2
ou 3 lotes para a instalação de indústrias em loteamentos entendidos como residenciais e
residências em meio a áreas próximas à BR 470 entendidas como industriais. Não havia por
parte do poder público, naquele momento, nenhuma definição de regra indutora, nem
tampouco vontade da população em cumpri-la.
O loteamento mostrado na Fig. 25, situado em área alta foi previsto como residencial
exclusivo, mas seus primeiros lotes foram ocupados por uma indústria, que gerou conflitos
com trânsito, ruídos e descumprimento do afastamento frontal ao espaço residencial previsto.
Figura 25 - Conflito de usos
Fonte: Acervo do Autor, 1997.
Na Fig. 26, evidenciamos outra situação conflitante, com a ocupação de área alta
gerando comprometimento dos espaços e conflitos de uso. A indústria foi colocada a salvo
84
das águas e acima da área residencial. Neste caso, o trânsito de caminhões necessita vencer o
aclive e atravessar a área residencial expondo a população a constantes riscos.
Figura 26 - Comprometimento do sistema viário.
Fonte: Acervo do Autor, 1997.
Até as enchentes de 1983, Rio do Sul não oferecia um mercado voltado para a
verticalização. O Residencial Navarino, um edifício de 5 pavimentos com 42 apartamentos e
localização central inundável serve como exemplo. Em 1983 estava recém-concluído e com a
ocorrência das enchentes teve todos os seus apartamentos vendidos imediatamente após o
fato. Dificilmente isto aconteceria tão rápido se não fosse a enchente. O prédio, nos seus
apartamentos menores, foi ocupado por pessoas de idade avançada que não podiam voltar às
suas casas inundáveis; em outro exemplo, uma pessoa comprou um apartamento somente para
“guardar” seus pertences e alojar sua família quando das enchentes; outro cidadão comprou
dois apartamentos, já que somente uma unidade, não comportaria todos os seus pertences.
A verticalização pegou a cidade despreparada quanto à legislação de uso do solo e
índices urbanísticos. As edificações, em relação à sua altura, dispunham do espaço da maneira
mais lucrativa possível ocupando o lote ao máximo, já que podiam atuar sem normas. O
importante naquele momento era estar fora do nível das águas. Um grande número de pessoas
anexou à sua edificação um segundo piso, em anexo de fundo de lote, constituído por um
grande salão que permanece vazio para comportar o mobiliário da casa em caso de enchente.
As pessoas não querem depender de terceiros para a remoção de seus pertences.
85
O sistema viário de uma cidade é estruturado por inúmeras vias que organizadas dão
um sentido ao fluxo urbano de movimentação. As cotas inundáveis atingiram todo o sistema
viário existente na parte baixa da cidade, alterando a estrutura organizacional existente. Nesta
época o sistema viário dos morros continha infra-estrutura precária e desarticulada, sendo
sempre facilitada a descida ao plano baixo para a retomada de novas direções no alto. Com o
centro urbano espremido entre rios e morros, as enchentes exigiram o estabelecimento de
novos percursos, visando circulações só pelos morros. A enchente praticamente isolou o
sistema viário da área plana baixa.
As águas agiram sobre os pontos nodais37 e o sistema viário refletiu a falta de
planejamento apresentando mais problemas como por exemplo:
- Com a abertura de vários loteamentos, o sistema viário precisou sofrer alterações
significativas para ser adaptado a este incremento de habitantes e circulações;
- Necessidade de maior atendimento com transporte coletivo nas áreas altas que não
dispunham de infra-estrutura capaz de atender a crescente população;
- Adensamento industrial ao longo e próximo da BR 470 acarretando mais fluxo
municipal na rodovia federal;
- Com a mudança de uso, áreas que eram residenciais exclusivas, passaram a exigir
uma adequação do sistema viário com locais para estacionamentos e manobras nem
sempre possíveis, num traçado originalmente residencial;
- Os maiores e principais problemas ocorreram pela falta de compatibilização do
sistema viário imposto pelas novas circulações com o existente, inadequado a maior
fluxo e a enchente.
5.1.3 Valor do Solo
As áreas inundáveis sofreram um visível processo de desvalorização das edificações
pelo mercado e também pelos proprietários.
No bairro Jardim América, área residencial unifamiliar exclusiva até as enchentes de
86
1983, a desvalorização pode ser caracterizada com situações de abandono onde famílias
mudaram-se deste bairro para o litoral ou áreas altas; locações onde residências com muitos
cômodos, foram compartimentadas visando a criação de mais de uma unidade residencial
para estudantes38 e pessoas com menor poder aquisitivo que passaram a subdividir e cohabitar a antiga unidade residencial unifamiliar num processo visível de desvalorização do
imóvel;
A oferta de edificações, nas áreas inundáveis desvalorizadas pelos proprietários,
permitiu a incorporação de um processo de reutilização destes espaços com novos usos. O uso
residencial térreo exclusivo foi trocado por pontos de atendimentos comerciais e prestação de
serviços, em condição otimizada pela maior possibilidade de estacionamento; a alteração da
forma original das edificações térreas com o incremento de um segundo piso é outro sinal de
adaptação da edificação ao fenômeno das cheias e reação ao processo de desvalorização do
imóvel.
O mercado imobiliário local passou a pressionar muito. Não foi possível à
administração municipal, naquele momento, contrapor com medidas de redução de impactos
ambientais, ou adequações que evitassem conflitos de usos, às tentadoras ofertas que
aconteceram aos proprietários de lotes ou glebas nas áreas altas. O avanço que se deu em
direção às áreas altas expôs a fragilidade urbana que foi sabiamente explorada por
oportunistas imobiliários.
Para Campos Filho (1986), o fenômeno de ganho privado pelo proprietário de
imóveis à custa de um investimento da comunidade é denominado de especulação imobiliária.
O mercado imobiliário pode ser mais facilmente compreendido pelos pequenos e médios
investidores, que vendo para onde a cidade cresce e como se transforma, entendem a lógica do
desenvolvimento.
No bairro Jardim América muitos terrenos vagos, num típico processo de
desvalorização, foram vendidos no período pós-enchente. Uma análise feita por nós em um
dos cartórios de Registro de imóveis de Rio do Sul, apontou a venda de um lote edificado e 32
lotes sem edificações, somente no bairro Jardim América no período 1981 a 1985.
37
38
UNIDAVI.
Segundo Lynch (1999) são os pontos de referência conceituais de nossas cidades.
Neste bairro localiza-se a Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí –
87
Neste contexto de desvalorização39, no mesmo bairro, encontramos pessoas que
compraram vários imóveis, barganhando preços em função dos prejuízos apresentados pelas
edificações. A limpeza das residências, em função do grande lodo que a enchente ali acumula,
constituiu-se também num grande problema. O vendedor do imóvel queria livrar-se do
problema da enchente e da limpeza do imóvel já que sua condição financeira melhorada,
assim lhe permitia.
Nos bairros Canoas e Santana, com menor poder aquisitivo, as transações
imobiliárias envolveram outros fatores. Com lotes em cotas extremamente baixas e prejuízos
agravados, constataram-se vendas de edificações porque seus proprietários não podiam bancar
a própria reforma da edificação bastante destruída.
Houve uma corrida em direção aos morros e morar neles não seria mais um problema
como nas décadas anteriores, já que facilidades como o automóvel, transporte coletivo e
telefone, podiam agora aproximar os moradores.
O Morro da Boa Vista foi alvo de muita procura e instalação residencial. Houveram
incrementos de novos loteamentos que foram abertos descumprindo a legislação federal
pertinente, já que faltavam naquele momento, mecanismos municipais de controle e
fiscalização das obras.
O poder público também deslocou loteamentos populares para áreas altas como: o
Loteamento Santa Rita conhecido por COHAB2, São Pedro, Mutirão Barragem e Alto da XV.
A Fig.27 expõe alguns dos loteamentos, criados nas áreas altas posteriormente as
enchentes de 1983, sendo que na sua grande maioria foram abertos descumprindo a legislação
municipal de parcelamento.
39
Segundo palavras do corretor de imóveis João Luiz R. Neves.
88
Figura 27 - Localização de novos loteamentos
Fonte: Acervo do Autor, 1998.
5.1.4 Mobilidade Urbana
Aconteceram trocas de espaços. As áreas inundáveis próximas ao centro continham,
antes de 1983, pessoas com maior poder aquisitivo enquanto que os morros eram ocupados
por pessoas em situação contrária. O usuário urbano detentor de maior renda, que morava em
área inundável, comprou lote ou gleba no morro, pertencente ao usuário de menor poder
aquisitivo. Estes lotes, em sua grande parte possuíam edificações simples, com pouco valor de
mercado sendo desprezadas pelo novo comprador, que se interessava realmente pelo terreno.
Com a venda da gleba valorizada, o morador do morro, até então considerado “o
mais pobre” pode pagar pelo preço da terra na parte baixa, fato impossível antes do fenômeno
das enchentes. Houve uma espécie de equilíbrio tanto financeiro como emocional com esta
troca de espaços. Salientamos duas opções do morador do morro:
Optou pela compra, em área inundável, de edificação desvalorizada que possuía o
conforto e o status desejado, que ele até então não podia pagar (suítes, garagens,
churrasqueira, piscina etc.); instalou-se em uma parte mais alta do morro, ou periferia
recomeçando um novo processo de urbanização e criando novos problemas ambientais com
efeitos ainda mais perversos. Em relação à mobilidade urbana vemos como negativo o corte
nas antigas relações de vizinhanças tanto nas áreas altas e baixas da cidade.
89
Na Valada São Paulo, área alta e bairro típico da comunidade italiana, foi instalado
um conjunto habitacional popular. Esta instalação constitui-se em problema para ao bairro
pois lá o poder público inseriu pessoas que não possuíam vínculos com os moradores locais e
nem com o bairro. Aconteceram interferências nas relações de vizinhança mudando-lhe as
características originais e o novo morador chegou com outro perfil. Associando a questões de
topofilia, citamos o caso de pessoas de idade, residentes em locais “agora” inundáveis, que
foram “sacadas” de seus habitats e levadas para apartamentos ou áreas altas, onde vidas e
referências foram abaladas, com desfecho nem sempre feliz. A necessidade da defesa chegou
a revelar situações atípicas como a de uma família que levou a casa para o morro, ou seja,
reedificou no morro a mesma casa que possuía em área inundável expressando com isto uma
vontade de poder continuar a vida como ela era, porém sem a enchente. A Fig. 28 mostra tal
situação sendo a primeira foto com a edificação na área inundável na Alameda Bela Aliança,
e a segunda mostra o mesmo projeto reproduzido no morro.
Figura 28 - A imagem do destino interrompido na área inundável / Livre da enchente no
morro.
Fonte: Acervo do Autor, set./2002.
Concluímos o capítulo concordando com Rossi (1977), afirmando que o conceito que
temos de um fato urbano será sempre um tanto diferente do tipo de conhecimento que tem
quem vive aquele mesmo fato. Como toda cidade vivenciou as enchentes quer na condição de
flagelado ou de ajudante, a situação marcou e o significado é sempre mais forte para quem
experenciou isto.
90
Passado o maior impacto, podemos concluir que a ocupação urbana de Rio do Sul,
sofre uma transformação, passando a ter uma experiência real, concreta e vivencial, frente ao
fato. O domínio dos referenciais deixados pela catástrofe está na memória coletiva norteando
significativamente novos assentamentos.
Na década seguinte, com a legislação urbana em vias de aprovação e implantação, a
análise recaí sobre a enchente e sua vinculação com o planejamento urbano proposto, que agiu
no sentido de disciplinar a tendência natural de reacomodação do sítio urbano, em relação à
ação das cheias.
5.2 DE 1992 A 2000
Conforme Lynch (1959, p. 11) “O design de uma cidade é, assim, uma arte temporal,
mas raramente pode usar seqüências controladas e limitadas. [...] Em outras ocasiões
diferentes as seqüências são invertidas, interrompidas, abandonadas, anuladas”.
Neste intervalo de tempo, com ações em âmbito nacional como a Rio 92 e a Agenda
21, e no âmbito local com a aprovação do Plano Diretor, a discussão da sustentabilidade
ambiental cresce, ganha mais espaço na mídia e a relação cidade/enchente/prejuízos passa
também a ser mais discutida e evitada. Propõem-se na seqüência da década anterior, uma
análise das mudanças ocorridas no cenário urbano, na segunda década do pós-enchente.
5.2.1 Legislação Urbana e perímetro Urbano
Quando os prejuízos maiores relacionados à habitação, pontes e sistema viário
pareciam sanados, abriu-se espaço para o trato do “planejamento” da cidade. A enchente
precisando ser considerada exigiu uma nova postura para pensar a cidade.
A Secretaria de Planejamento foi criada e o aspecto urbano passou a ser gerenciado.
Instalaram-se comissões de Meio Ambiente e Defesa Civil, o quadro técnico foi ampliado e
institui-se um sistema de consulta e análise de projetos, visando nova conduta urbanística.
91
Áreas de risco devem ser identificadas com medidas especiais de proteção legal,
traduzidas nas legislações urbanas40 e para tanto tais áreas devem ser estudadas.
Em relação ao perímetro urbano, buscou-se sua redução, para viabilizar
aerofotogametria e a atualização cartográfica culminando com o intento na lei municipal n°
2.346 que redefiniu o perímetro urbano de Rio do Sul em 59km2. A Fig.29 destaca as áreas
pertencentes ao perímetro urbano que foram transformadas em rurais com a lei acima citada.
Figura 29 - Áreas urbanas reduzidas.
Fonte: Acervo do Autor, 2002.
No Plano Diretor de Rio do Sul, o tema enchente foi contemplado, visto que foram
incorporadas noções de um urbanismo adaptado à condição topográfica local O instrumento
legal foi aprovado em 1995, composto pelas seguintes leis:
- Código de Edificações; n.º 007/95
- Código de Parcelamento do Solo; n.º 008/95.
- Lei de Uso do Solo n.º 010/95
- Código de Posturas n.º 011/95
No Brasil são poucas as cidades que possuem legislações municipais urbanas
40
Os países devem desenvolver uma “cultura de segurança” através da educação pública. Franco
(2000) afirma que o planejamento ambiental, hoje uma necessidade, deve incluir a pesquisa das vulnerabilidades
ambientais e criar especialistas para ações nas emergências.
92
reguladoras do Uso do Solo. Campos Filho (1986), cita fortes pressões políticas como forças
contrárias à imposição legal desses mecanismos e aponta como importante a luta pela
implantação deste controle, como forma de evitar o congestionamento das infra-estruturas que
exigem altíssimos custos para sua substituição. Frank (1995) em relação ao planejamento
ambiental, afirma que para elaborar um diagnóstico o erro consiste em acreditar que o
planejamento se realiza em um meio inerte passivo, estático, quando a realidade se encontra
em movimento, e num meio resistente.
Lynch (1999), “As pessoas desenvolvem ligações muito fortes com as formas
urbanas, tanto em decorrência do passado histórico, quanto de suas próprias experiências.
Cada cena é imediatamente identificável e traz a mente um turbilhão de associações”.
Rio do Sul, como outras cidades da Bacia do Itajaí, também debruçada sobre os rios,
reservou no seu Plano Diretor, Faixa de Preservação ao longo dos rios e ribeirões, num total
de 15 metros41. Vale salientar que a aplicabilidade do Código Florestal na época, em área
urbana central, altamente valorizada, constituía-se num problema urbano intransponível.
Atualmente o Estatuto das Cidades possibilita o manejo das áreas consolidadas e deve servir
como instrumento ao trato destes espaços e questão. O Código de Parcelamento do Solo
também tratou de parcelamento em áreas inundáveis e serviços de terraplanagens42. Os
tamanhos dos lotes foram previstos segundo sua localização topográfica. Quanto maior a
condição topográfica maior a exigência cobrada para os referidos tamanhos 43.
Em relação aos loteamentos, o Código de Parcelamento determina o não
comprometimento das bacias hidrográficas44.
41
I - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado dos seguintes rios e ribeirões: Ribeirão Cobras,
Albertina, Canoas, Taboão, Matador, Itoupava, Quintino e Tigre.
42
Art. 75 – O tamanho mínimo dos lotes, exceto nas subzonas RE, Ind2 e Expansão Urbana, deverá
obedecer a tabela 01,02,03.
43
Aclividade/Declividade.
Até 10%
11% a 20%
21% a 25%
26% a 30%.
44
Testada/profundidade
12,00
20,00
15,00
20,00
20,00
30,00
25,00
30,00
Área
300,00 m²
500,00 m²
800,00 m²
2.000,00 m²
Art. 88 – Nenhum loteamento poderá prejudicar o escoamento natural das águas nas respectivas
bacias hidrográficas. As obras para drenagem superficial deverão ser executadas obrigatoriamente nas vias
públicas ou em faixas reservadas para esse fim.
Art. 89 - Os cursos d água não poderão ser aterrados ou tubulados sem projeto aprovado pela
Prefeitura
93
5.2.2 Uso do Solo
A Lei de Zoneamento regulamentou a ocupação dos espaços e a forma de atuação
sobre os mesmos, objetivando minimizar conflitos. O setor industrial foi deslocado para
próximo da BR 470 e as áreas residenciais, comerciais, mistas, preservação e expansão foram
devidamente mapeadas. No Plano Diretor, foram criadas áreas de preservação, não edificandis
e especiais como:
- A “Área Emergencial” de 334,08m, correspondente ao nível de 7 metros acima do
leito normal dos rios, onde ficou proibida qualquer construção e descaracterização
da condição natural existente. A lei de Uso do Solo em seus artigos 20 e 85
determinam o acima citado45.
- A “Área da Máxima Cheia”, correspondente ao nível máximo da inundação de
1983. O conhecimento do alcance das águas fornece importantes dados que servem
de apoio para ações de Planejamento Urbano e Defesa Civil.
Através da verticalização foi possível, ao proprietário, reagregar o valor perdido ao
lote, com a enchente. Para a verticalização, faz-se necessária a urbanização adicional das
infra-estruturas e um maior comprometimento do dinheiro público e ganhos divididos com
poucos. Constatamos este fato no Jardim América, onde esta tomou forma mais expressiva em
função do maior poder aquisitivo dos proprietários.
A verticalização transformou-se numa opção segura para a otimização das áreas já
atendidas com infra-estrutura que sofriam processos de desvalorização por serem alagáveis.
Tornou-se um negócio atrativo.
Os Bairros Jardim América, Centro, Canoas e Santana através desta e de novos usos
45
“[...] Art. 20 - Ficam declaradas de Preservação Especial (PE), segundo anexo 04, as seguintes áreas
e edificações: [...] VII- A cota emergencial (334,08m).
Parágrafo Único - Nenhuma ação modificadora do estado atual dos bens poderá ser realizada sem o
conhecimento exarado, em decreto do Poder Executivo, após ouvida a Assessoria de Planejamento, o Conselho
do Plano Diretor.”
Art. 85 - Para efeito desta Lei Complementar consideram-se como faixas non aedificandi o que segue:
I - toda área abaixo da cota emergencial sendo definida em 334,08m (trezentos e trinta e quatro metros
e oito centímetros) acima do nível do mar;
[...] IX - faixa de 15,00 m (quinze metros) para cada lado das margens do rios Itajaí do Sul em toda a
sua extensão e do Oeste (do Clube Palmeirinhas até o centro);
X - faixa definida pelo projeto do D.N.O.S. para o Rio Itajaí-Açu;
XI - faixa de 50,00 m (cinqüenta metros) para cada lado do rio Itajaí do Oeste (da divisa com
Agronômica até o Clube Palmeirinhas);
94
retomaram parte de seus valores. Vários edifícios foram construídos e a opção por morar em
apartamentos próximos ao centro e com segurança em relação às cheias, passou a ser uma
busca.
Constatamos a necessidade da comparação da situação da verticalização antes e
depois das inundações de 1983 como forma de procedermos nossa análise e, como este dado
não se encontrava disponível em informações cadastrais, fomos a campo em sua busca.
Através de consulta a antigos moradores produzimos os mapas anteriores a 1983 e verificando
in loco, reproduzimos a situação atual ou de 2000.
No bairro Jardim América, os mapas da Fig.30 refletem a situação da verticalização
anteriores e posteriores à inundação. No primeiro mapa podemos observar a planta dos
gabaritos anterior a 1983 e na segunda figura observamos a alteração dos gabaritos em época
posterior às enchentes.
Figura 30 - Jardim América antes de 1983 e depois de 1983.
95
Fonte: Desenvolvido pelo Autor.
No Jardim América pode-se ver uma maior ocupação verticalizada, após as
enchentes e praticamente o desaparecimento da ocupação térrea em novas construções. Neste
bairro, aproveitando a otimização da infra-estrutura existente às novas construções acontecem
sempre com mais pavimentos. A proximidade deste bairro, com o centro da cidade, também
tem estimulado a ocupação verticalizada de unidades residenciais, que acontecem
preferencialmente com mais de três pavimentos.
Em relação ao Bairro Canoas, com moradores de menor poder aquisitivo, a situação
é outra. Anteriormente às enchentes o uso com o pavimento térreo era muito expressivo, o que
já passou a não acontecer após este fato. Observa-se na análise do mapa uma maior
possibilidade de ocupação com mais de um pavimento, porém não chegando a acontecer
como no Jardim América, grandes adensamentos verticais. Com poder aquisitivo menos
expressivo, este bairro não comporta ainda grandes adensamentos verticais como demonstra a
Fig. 31 em análise e pesquisa de campo feita de forma similar a anterior.
96
Figura 31 - Bairro Canoas antes e depois de 1983.
Fonte: Desenvolvido pelo Autor, 2002.
A verticalização, que na primeira década aconteceu de forma pontual e
descontrolada, é contemplada pela Lei de Uso do Solo e passa a ser normatizada e estimulada
97
nas áreas inundáveis. Objetivando criar um desestímulo à ocupação térrea unifamiliar em
áreas inundáveis, a Lei de Uso do Solo, induz à verticalização46. A insistência no uso
residencial térreo em área inundável é paga com a exigência de um maior recuo frontal e uma
menor otimização do potencial construtivo.
Nova situação surge em relação aos morros. Nesta década, com a valorização destes
e a crescente melhoria da infra-estrutura, a verticalização deslocou-se também para estas
áreas, em função do alto custo destes espaços. Pressões no sentido de mudar a legislação
contemplando com maior gabarito aconteceram.
O sistema viário sofreu readequações com pavimentações, aumento de dimensões e
previsões de melhorias que em parte aconteceram, invadindo fortemente áreas altas.
Os cruzamentos centrais ligados ao dia a dia da cidade, em função do maior
distanciamento dos moradores, deslocados para os morros, encontram-se mais congestionados
nos momentos de “rush”. O carro passou a ser mais utilizado. O comércio vicinal vem sendo
oferecido cada vez mais também em pontos altos onde o sistema viário estrangula-se. A
pavimentação asfáltica das principais vias acaba por imprimir mais velocidade ao trânsito. É
visível a sobrecarga gerada nos poucos eixos de acesso das áreas altas, como por exemplo, a
Rua Tuiuti.
O sistema viário local necessita urgentemente da abertura das vias previstas pelo
Plano Diretor, à visando possibilidade de trânsito seguro e interligado das áreas altas. Estas
vias definidas pelo plano, além de poderem auxiliar no desafogamento diário dos acessos
tradicionais, funcionarão como anel viário capaz de interligar bairros, auxiliando nas situações
de enchentes.
O adensamento junto à BR 470 vem se constituindo em um problema na medida que
a rodovia federal é utilizada com trânsito local. Há que se implantar a via marginal também
prevista. O transporte coletivo precisa atender o aumento de fluxo significativo nas áreas
altas.
Os parcelamentos do solo principalmente sob a forma de remembramentos,
possibilitaram a adição de espaços necessários a usos novos. Permitiram a instalação de altos
46
“[...] Art. 160 – O terceiro pavimento de uma edificação residencial unifamiliar não contará para o
cálculo do gabarito quando esta estiver situada em área inundável definida no anexo 04.
“[...] Art. 175 - Nas áreas inundáveis será cobrado um afastamento maior22, quando se tratar de
edificação unifamiliar térrea, conforme anexo 06 do Plano Diretor.”
98
edifícios, novas instalações industriais, áreas para estacionamentos entre outros usos. No
Bairro Jardim América visando à possibilidade de construir edifícios altos, houve a
necessidade de terrenos maiores.
Nas áreas altas, para possibilitar grandes edificações, ou instalações industriais
também aconteceram remembramentos. Junto à Br 470 este fato pouco se verificou, visto
tratarem-se de lotes coloniais com metragens maiores. Neste caso, foram desmembrados
visando a questões referentes à partilhas entre herdeiros.
Em relação à tipologia construtiva, Santos (1994) afirma que as formas dependem
das condições econômicas, políticas e culturais. Desvendar essa dinâmica social é
fundamental. A população entendeu que precisará conviver com as enchentes. Para tanto, na
medida do possível, adaptou-se, utilizando mais pavimentos e materiais de revestimento
impermeáveis. Este ajustamento também aconteceu com a utilização de, sótãos anteriormente
desprezados, rampas edículas e etc. A tipologia construtiva aditada imprimiu características
próprias, retratando uma proposta de uso baseada nesta nova realidade. Órgãos públicos,
como prédio da AMAVI, Delegacia Regional, Instituto Médico Legal, Corpo de Bombeiros
promoveram ajustamento de seus espaços considerando as enchentes.
Surgem novas formas construtivas que permitem uma leitura espacial diferenciada
em relação ao próprio bairro, e ao centro urbano. Como negativo apontamos a perda da
memória urbana em função do não aproveitamento do que as áreas inundáveis já dispunham.
5.2.3 Valor do Solo
Ainda se observa um processo de desvalorização das terras inundáveis pela
população; porém, é mais intenso nas áreas de cotas emergenciais. Nesta condição há a
redução do IPTU, como política pública instituída, conforme definido no artigo 176 do
Código Tributário Municipal.
A prefeitura, em 1997, reúne profissionais do setor privado e promove uma
reavaliação de sua planta de valores e do custo por metro quadrado do imposto territorial
urbano. Nesta data, já se tornavam evidentes as melhorias promovidas nos morros. O novo
contingente populacional deslocado para as áreas altas, puxou recursos públicos e também
99
pagou por melhor infra-estrutura. O novo morador das áreas inundáveis, onde a infra-estrutura
encontrava-se concluída lucrou com a possibilidade de poder verticalizá-la.
Os valores minimizados para cobranças de IPTU, atualmente referem-se a lotes
situados em áreas emergenciais. O acréscimo provocado pela contribuição de melhoria em
1997, nas áreas altas é um indicador do fato que o imposto no morro subiu em função da
melhoria ali acontecida. Esta melhoria é conseqüência das enchentes, ou seja, aconteceu pelos
moradores que se transferiram para os morros em função das cheias.
O uso residencial unifamiliar térreo, deslocou-se para áreas altas, gerando melhoria
na infra-estrutura local e agregando mais valor aos lotes e o uso industrial foi deslocado para
áreas altas e próximas à BR 470, supervalorizando estes locais, evitando-se com isso a
possibilidade de serem atingidas por novas cheias.
5.2.4 Mobilidade
A cidade sofreu uma grande mistura. As áreas residenciais espalharam-se por todos
os locais altos. Moradores de diferentes classes sociais passaram a conviver nos mesmos
bairros, apontando vantagens como a não segmentação de bairros e desvantagens como corte
nas relações de vizinhança. A cidade deu uma resposta própria à forma de enfrentar o
problema.
Considera-se como positiva a liberação de lotes e edificações nas áreas centrais
inundáveis. Com o significativo deslocamento da atividade residencial térrea da área
inundável, sobraram edificações que foram oferecidas a usos renovados e ajustados ao solo
inundável. No caso específico do Jardim América, foi proporcionada uma dinâmica de novos
usos e novas formas de edificar que reagregaram valor às áreas desvalorizadas. Questionando
como seria hoje o centro de Rio do Sul, se o Jardim América não tivesse absorvido parte das
atividades anteriormente no centro desenvolvidas, poderia se chegar a respostas preocupantes.
A mobilidade urbana de forma negativa também avançou mais agressivamente sobre
o meio ambiente.
Em relação aos novos e extintos setores urbanos, podem-se constatar nesta década a
sedimentação de novos setores urbanos, bem como a exclusão de outros que antes das cheias
100
existiam ou eram previstos. Como novos setores são apontados:
- Setor Educacional: Embora a UNIDAVI já estivesse instalada anteriormente às
cheias no Jardim América, a desvalorização dos terrenos neste bairro depois da
ocorrência do fenômeno, facilitou a aquisição de novos lotes, podendo a
universidade aumentar seu campus. Ampliou-se significativamente este setor
educacional que ocupa hoje parcela significativa do bairro;
- Setor Saúde: O setor sofreu expansão nas áreas altas e a conclusão do Hospital
Regional, polarizou clínicas médicas. O maior ambulatório municipal edificado em
área altamente inundável, no Bairro Santana, foi deslocado para áreas altas, em
espaço do antigo hospital intensificando e reforçando este uso no morro;
- Setor Industrial: Configurou-se em área alta marginal à BR470;
- Setor Habitacional: As habitações térreas foram deslocadas preferencialmente
para os morros e edifícios. Foram criados e ampliados novos bairros como:
Loteamento Schneider e Clara Connick I e II, Becker para populações de alto poder
aquisitivo; COHAB2 (Bairro Santa Rita), Divinéia, Mutirão da XV de Novembro,
Mutirão da Barragem e Miranda para poder aquisitivo baixo; Loteamentos como
Continental, Centro Park, Jardim Alexandro entre outros para a classe média;
- Setor Comercial (nas áreas altas): Os novos moradores das áreas altas
incrementaram os pequenos pontos de comércio vicinal existentes, principalmente
no Morro da Boa Vista intensificando este uso.
Como setores extintos, apontamos:
- Setor Industrial: As áreas destinadas a este fim na década de 70 nos Bairros
Taboão e Canta Galo, para onde já haviam se deslocado empresas como as
Indústrias Círculo e Frahm perdeu razão de instalação industrial após as enchentes.
Estes locais, embora disponibilizassem grandes áreas livres não receberam mais
instalações industriais nos últimos anos em função do alto nível de alagamento;
- Setor Residencial Exclusivo: Como exclusivo desapareceu nas áreas inundáveis. A
Ilha dos Bugres, onde em 1983 havia o projeto de loteamento exclusivamente
residencial foi abandonada com tal proposta.
Os bairros em geral, sofreram alterações com o incremento de novos usuários. Em
101
relação ao comportamento dos novos usuários, podemos observar que muitas vezes não se
inseriram no contexto do bairro, assimilando-o como seu, mas em outras situações
incorporaram rapidamente o novo espaço, passando a reforçar solicitações e também pagar
por medidas de melhorias pontuais. O suporte financeiro trazido aos bairros altos possíveis
aos novos usuários foi traduzido na melhoria da infra-estrutura daquelas áreas.
Importante ressaltar que anteriormente às enchentes, nos bairros de menor renda as
escolas e os serviços comunitários, eram instalados próximos às moradias. Com a ocorrência
das enchentes, assentamentos residenciais foram deslocados para áreas altas, onde estes
serviços nem sempre estavam disponíveis, gerando problemas com custos de construções e
deslocamentos.
O adensamento intenso das áreas centrais foi contido pelo fenômeno das enchentes.
O centro se espalhou para áreas próximas, deixadas livres pelos moradores que subiram
morros. Os vazios urbanos da área central, servidos à especulação, sofreram desvalorização
em função do oferecimento de novas áreas para atendimento comercial.
Referindo-se à natureza Lefebvre (1999) afirma que teoricamente a natureza
distancia-se, mas os signos desta do natural se multiplicam suplantando à natureza real. Tais
signos são vendidos em massa, na publicidade, nos produtos têxteis e alimentares, moradias
de férias, enfim a tudo se recorre à “natureza” representada num sentido ilusório. Rara,
fugidia, devastada resíduo da urbanização e da industrialização, a natureza é buscada com
forte apelo. Os espaços verdes, última palavra das boas intenções e das deploráveis
representações urbanas, constituem um substituto medíocre desta.
Os rios têm significado simbólico, visto que são elementos do contexto ambiental,
mas estão afastados do cotidiano das pessoas. São elementos importantes na materialização da
paisagem e sua reintegração aos espaços e cotidianos é uma necessidade real dentro de uma
visão sistêmica.
Há que se apontar a descaracterização das encostas, sem a observância da topografia.
As encostas foram rasgadas por acessos viários chamados de estradas, para instalação de
edificações residenciais e até industrias. Foram abertos novos caminhos e estabelecidos
diferentes percursos, que alteraram a imagem que as pessoas tinham da cidade. Circulando-se
por estes locais sempre se consegue uma interação visual quase que completa da cidade,
diferente de se circular só na parte baixa, onde este domínio do todo não acontece.
102
5.3 SÍNTESE
A modificação na estrutura urbana foi considerada em dois intervalos de tempos.
Na primeira década, a ação do fenômeno sobre o meio foi interpretada como uma
reação pontual de defesa, onde o uso do solo, especulação imobiliária, tipologia, mobilidade,
sistema viário, verticalização, valorização e desvalorização de áreas foi sentida pela
população que reagiu da forma que lhe foi possível, evidenciando as carências de legislação
urbana e os conflitos que surgiram em função disto.
Na segunda década, a interpretação recaiu sobre os mesmos temas sendo que foi
considerada a adequação ao regime urbanístico implantado pelo Plano Diretor e sua
vinculação com as enchentes. A situação vivida pela segunda década foi comparada à da
primeira, como forma de apontar ganhos, melhorias ou conseqüências das ações sofridas.
O Plano Diretor levou em consideração as situações vividas na primeira década e o
poder público implantou a referida lei como forma de exercer maior controle.
103
6 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Um processo de desenvolvimento espacializa, através da urbanização, formas
diferentes e possíveis de ocupação a cada sociedade. Os lucros obtidos no referido processo
de desenvolvimento estão restritos a uma minoria, sendo possível através da leitura do urbano,
a constatação, no jogo dos espaços, de quem ganhou e de quem perdeu.
Quando se registram grandes catástrofes nas cidades, com prejuízos como os
vivenciados com as enchentes de 1983, podemos acusar, além da fragilidade urbana, a
incompatibilidade do modelo de urbanização adotado com o meio físico existente. Na
ocorrência de fenômenos como enchentes a tendência é que, quem estiver instalado em áreas
de risco e ribeirinhas, receba o maior impacto sofrendo mais perdas.
O ciclo regional da madeira expôs na urbanização de Rio do Sul seus ganhos,
expandindo a cidade pólo para a concentração e o atendimento de funções necessárias ao
atendimento desta atividade econômica como casas bancárias, comércio e serviços dirigidos à
manutenção de serrarias, configurando-a com a melhor infra-estrutura regional. Na medida
que se tornou mais complexa, como cidade em vias de industrialização, ocupou mais espaços
e de forma mais impactante, expôs suas perdas com as enchentes.
Em situações de enchentes, geralmente os residentes em áreas ribeirinhas, com
menor renda, são os primeiramente atingidos. No caso de Rio do Sul, registrou-se um
processo diferente. As grandes perdas materiais aconteceram em imóveis de pessoas com
maior poder aquisitivo, instaladas em áreas inundáveis. A área central e melhor servida com
infra-estrutura urbana está em local vulnerável. A população com menor renda, que até então
ocupava os morros, destituídos de infra-estruturas, ficou livre das enchentes. Verificou-se,
com as enchentes em 1983, que sua principal área de risco não alojava a população carente e
sim a de maior renda.
O aceleramento do adensamento das áreas altas após as enchentes, causou um
processo de deslocamento das atividades urbanas para além dos limites das enchentes e este
maior espalhamento urbano tem passado uma “falsa” idéia de desenvolvimento. Propaga-se
um desenvolvimento que tem muito mais a ver com a característica de crescimento carregado
de conseqüências. A constatação da ampliação dos limites da ocupação urbana e a
104
caracterização da alteração morfológica através dos dados levantados pela pesquisa, apontam
certamente para um crescimento de Rio do Sul e para um conjunto de intervenções urbanas e
sociais necessárias e complementares, para que esta constatação aponte também o tão buscado
desenvolvimento.
O que se pode concluir em relação aos itens pesquisados, no pós-enchente, em
relação à interpretação da legislação urbana e perímetro urbano, é que o poder público
assimilou a necessidade de adequar uma Secretaria de Planejamento ao desenvolvimento
urbano, quando buscou a tratativa do Plano Diretor e legislações complementares afins. Tais
leis, voltadas principalmente ao parcelamento do solo, foram aplicadas e mecanismos de
fiscalização satisfatoriamente implantados.
O perímetro urbano de Rio do Sul sofreu uma redução em seu tamanho, tornando
maiores as possibilidades de um planejamento urbano assertivo. Quanto ao uso do solo, nas
áreas altas, a equipamentação das infra-estruturas urbanas, foi obviamente o mais visível sinal
da alteração morfológica e do crescimento urbano. Com a supervaloração destes espaços
houve um incremento no número de habitantes, usos e funções. Deve-se atenção especial ao
uso residencial, fartamente ampliado para estas áreas e ao uso industrial, também
maciçamente deslocado com toda sua ambiência necessária e conflituosa para áreas altas.
Em relação às áreas inundáveis, a atenção voltou-se para a instalação do processo de
verticalização, especulativamente imposto na primeira década, regulado e controlado
posteriormente. O sistema viário, embora ainda necessite de importantes ajustes como a
construção de novas pontes, para maior fluência, sofreu no período pós-enchente uma
melhoria significativa, principalmente nas áreas altas. Como aspectos negativos, observou-se
na primeira década do pós-enchente a ocupação desordenada do solo, nas áreas urbanas e de
expansão, a incompatibilização com o sistema viário existente, paisagem e áreas verdes. Na
segunda década, o Plano Diretor define uma proposta de uso do solo e de hierarquização
viária visando a minimização dos conflitos.
Quanto ao valor do solo, o oferecimento de espaços nas áreas inundáveis próximas
ao centro, fruto da desvalorização temporária de tais imóveis em função das enchentes, foi de
grande importância, pois permitiu menor pressão imobiliária e a possibilidade de expansão
dos serviços que até então só eram realizados na área central. Constata-se um aumento na
noção de centralidade. O centro de Rio do Sul parece que ficou maior. Na segunda década do
pós-enchente, em função da maior adaptação da cidade ao problema, alteração da tipologia
105
arquitetônica, ao distanciamento de tempo com esta problemática e ao processo de
verticalização instalado, o valor dos imóveis nas áreas inundáveis situadas próximas ao
centro, retomam a forma ascendente. Uma reagregação de valor às propriedades,
considerando prioritária a localização otimizada em relação a pontos de centralidade volta a
acontecer.
Quanto à mobilidade urbana, a enchente promoveu um movimento positivo e
dinâmico de trocas misturando usos e pessoas na cidade. Sob a ação deste fenômeno,
condições particulares de instalação e ocupação do espaço urbano foram revistas, alteradas,
implementadas sendo que a mistura promovida converteu-se num mecanismo agitador e
dissolvidor de guetos. Um dos grandes problemas vividos pelas cidades atualmente, reside
justamente na segmentação dos compartimentos citadinos, ou seja, grupos de indivíduos
detém determinadas parcelas de cidade pelas quais pode ou não se pode circular e viver, como
condomínios fechados, favelas etc. O corte nas relações de vizinhança altamente sentido na
primeira década do pós-enchente passou a não ser tão seriamente sentido na segunda década.
A mobilidade urbana conduziu a uma maior adaptação tipológica da edificação ao
problema da enchente. A forma arquitetônica e materiais utilizados, sujeitaram-se a
determinados níveis de inundações, requerendo respostas próprias minimizadoras de danos.
O sentimento de perda assimilado nas enchentes, em função dos altos danos sofridos,
e do despreparo da população, ainda é forte o bastante para servir como referencial na hora de
construir na cidade de Rio do Sul. A possibilidade de repetição do fenômeno, bem como os
níveis de enchente ao qual determinado espaço urbano fica sujeito, passaram a ter uma
importância comparável à condição de insolação ou acessibilidade, visando a aquisição de
imóvel ou construção de edificação.
No âmbito das recomendações, cabe ao Plano Diretor atualmente implantado o
oferecimento de condições de usos eqüalizados não inviabilizando a cidade, mas oferecendo
através de estímulos com índices urbanísticos e detalhamento através do desenho urbano a
condição de se construir de forma adaptada ao fenômeno. Deve-se buscar um planejamento
racional como forma de otimizar convivências. Os rios e suas áreas naturais de alagamento
precisam vir para as pranchetas dos urbanistas e mesas de decisões como elementos de
extrema importância do contexto urbano. As intervenções em seus leitos precisam de maiores
cuidados e critérios altamente técnicos.
106
O poder público deverá agir no sentido de aplicar as medidas constantes no Plano
Diretor impedindo a ocupação de áreas ribeirinhas, bem como realimentá-lo com novas
proposições urbanas e ambientais, visto que a cidade é dinâmica e necessita de
reconsiderações sistematicamente. Como a urbanização promove a impermeabilização do solo
impedindo infiltrações e dificultando escoamentos, há que se trabalhar políticas como a
conscientização e educação ambiental, projetos de drenagem urbana, aplicação e fiscalização
da legislação federal para proteger as áreas de preservação ao longo de rios e ribeirões. A
constatação do crescimento urbano em direção às áreas altas precisa ser considerada pelo
planejamento urbano local já que acarreta sim, maiores e sérios problemas ambientais e de
atendimento com as infra-estruturas urbanas, que chegam sempre posteriores num processo de
ações sempre curativas e não preventivas.
Em relação à Legislação Urbana, recomenda-se uma ampliação dos serviços de
fiscalização das áreas de preservação permanente, com a utilização de instrumentos definidos
pelo Estatuto das Cidades para o tratamento das áreas já consolidadas. Projetos técnicos de
engenharia e planejamento urbano são recomendados para o não comprometimento da vazão
das microbacias. Salienta-se também como importante o envolvimento da UNIDAVI, mais
especificamente os cursos de Ecologia e de Direito, no trato das questões ambientais e legais.
O perímetro urbano só deve ter seu espaço ampliado após rigorosa análise de custo
benefício. A prática do aumento do perímetro urbano, visando exclusivamente à maior
geração de impostos, tem que ser eliminada.
A questão do Uso do Solo pode ser implementada com a valorização das
singularidades locais. Com bairros como Albertina e Bela Aliança com características
culturais e arquitetônicas alemãs; Itoupava e Valada São Paulo, típicos da comunidade
italiana; Canoas, com alta cota de inundação; Taboão, Bela Aliança e Fundos Canoas, com
recursos paisagísticos significativos; recomendamos a criação de parques urbanos que
poderiam atender a questão da preservação ambiental e cultural, interferindo qualitativamente
no redesenho do solo, definindo regras minimizadoras de conflitos em futuros assentamentos
urbanos e proporcionado melhoria na qualidade de vida em geral.
Em relação à verticalização, há que se trabalhar na diminuição do alto gabarito
vigente na legislação atual, para que, amparado no já referido Estatuto das Cidades, o poder
público possa conduzir a negociação da transferência do potencial construtivo, visando a
sustentabilidade de políticas públicas dirigidas à cidade.
107
Na escala regional, o meio rural precisa da reconstituição do que for possível de sua
vegetação nativa, extraída ao longo dos anos, bem como do controle e do manejo ambiental,
para poder suportar e conter parte das águas das chuvas, minimizando enchentes. A cidade de
Rio do Sul, por situar-se no encontro de dois grandes vales, tem sua vulnerabilidade
aumentada e a população precisa entender que as enchentes fazem parte da vida natural dos
rios adaptando-se, e não aumentando o problema, ocupando indevidamente áreas baixas. O
comportamento do ser humano é que precisa ser administrado e há que se trabalhar a
responsabilidade coletiva nas ações de ocupação dos espaços, visando uma gestão autônoma
da bacia hidrográfica. As minimizações de os problemas com enchentes passam por um
processo sustentável de gestão da bacia hidrográfica.
É importante explorar o potencial cênico dos rios que precisaram impressionar para
serem notados e temidos pela população. Este desrespeito aos leitos e esta visão temerosa
precisa transformar-se em diminuição da distância homem/rio. Interagindo corretamente e a
favor da paisagem, o homem precisa voltar a sentir os rios que devem ser aproveitados
pasagísticamente na moldura urbana e como complemento ao cenário turístico local e
regional. Como elemento de fruição pela população, que conscientizada e vislumbrando
possibilidades de contemplação e lazer ao longo de seus leitos, poderia ajudar nos projetos de
despoluição destes.
Maior conscientização e educação ambiental se fazem necessárias. A paisagem
precisa de cuidados e, como nó estruturador do Alto Vale do Itajaí, a antiga Bella Alliança,
hoje Rio do Sul, precisa voltar a ser Bela.
108
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112
ANEXOS
ANEXO 1 – Entrevista com Governador Esperidião Amim............................................
113
ANEXO 2 – Recortes do Jornal: O Estado de 14/07/83...................................................
114
ANEXO 3 – Relatório das perdas e danos de Rio do Sul jul/1983 ..................................
118
ANEXO 4 – Mapa do DNAEE – Zoneamento de Áreas inundáveis na Bacia do Rio
Itajaí-Açu ....................................................................................................
ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da
119
Reconstrução do Estado de Santa
Catarina........................................................................................................
120
113
ANEXO 1 - Entrevista com Governador Esperidião Amim
data:07/12/00
Entrevistado: Governador Esperidião Amim Hellou Filho.
Como o senhor vê a vulnerabilidade do estado de Santa Catarina frente as enchentes?
Não vejo como vulnerável o estado, está muito rico veja aquele mapa é o mapa das bacias ,
nossas, hidrográficas, é a grande riqueza do estado, é o que nós temos que cuidar é para não
darmos uso inadequado para o nosso solo, não sei se você tem, mas se não tem arranja com
alguém, eu tenho só um exemplar do Atlas que nós fizemos em 1986 do Estado de Santa
Catarina é um trabalho fantástico e lá tem o mapa das áreas inundáveis de algumas cidades
catarinenses. O que não pode é o Plano Diretor de uma cidade permitir a construção em área
inundável. O estado não é vulnerável, vulnerável é a cobiça do ser humano que vai ocupar
aquilo que é a área do pulmão. Que qual é o tamanho de um rio? Depende ...na sêca ele tem
uma certa dimensão, na média ele tem outra dimensão e na época das cheias ele tem uma
maior dimensão. Se você construir dentro da área de alagamento você é vulnerável???
não...você construiu no lugar errado. Seria a mesma coisa que o sujeito não acreditar que
existe maré de 7 anos, a chamada Maré de Sicigia, garanto que você não sabia que existe
isso, e construir uma casa num lugar onde ele acha que a maré não chega, mas chega. A
maré alta é um fenômeno ainda mais agora com o degelo essas coisas todas. O que existe é
imprevidência, não existe vulnerabilidade, e o estado de Santa Catarina, acho que já aprendeu
o suficiente para não deixar de perceber que a próxima será a maior inundação. Por isso nós
temos que preservar. São ações não estruturais aquelas que decorrem do disciplinamento do
uso do solo, aquelas que podem nos tornar menos vulneráveis. No mais é projeto de Micro
Bacias1, Micro Bacias 2, todo esse esforço em favor da natureza, os projetos de
reflorestamento, de repovoamento de agricultura orgânica, de desenvolvimento sustentável,
que vão nos ajudar a reduzir as vulnerabilidades que nós criamos, nenhuma foi criada pela
natureza, foi criada pelo mau uso do solo, pelo desmatamento. Você tem hoje de 7 a 8% da
Mata Atlântica, então se imagina o que levamos, e é o Estado vulnerável? Não o estado ficou
mais vulnerável por causa da ação urbana. Cabe uma restruturação, projetos estruturais, de
micro bacias, pequenas providências com contenção, eventualmente diques e muito plano não
estrutural, que é o que não custa nada mas que impede que se faça uma bobagem...e a
natureza cobra!
114
ANEXO 2 - Recortes do Jornal: O Estado de 14/07/83
115
116
ANEXO 3 – Relatório das perdas e danos de Rio do Sul jul/1983.
117
118
119
ANEXO 4 - Mapa do DNAEE – Zoneamento de Áreas inundáveis na Bacia do Rio
Itajaí-Açu
120
ANEXO 5 - Lei da Criação do Conselho da Reconstrução do Estado de Santa Catarina
LEI N. 6.256, de 26 de Julho de 1983
Procedência - Governamental Natureza - PL- 73/83 D.O. 12.267 de 29/07/83
Fonte - ALESC/Div.Documentação Institui o Programa Especial de Reconstrução do Estado
de Santa Catarina, e estabelece outras providências. O GOVERNADOR DO ESTADO DE
SANTA CATARINA, Faço saber a todos os habitantes deste Estado que a Assembléia
Legislativa decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Art. 1º - Fica instituído o Programa Especial de reconstrução do Estado de Santa Catarina,
observadas as diretrizes e normas da presente Lei.
Art. 2º - Fica criado o Conselho Extraordinário de reconstrução do estado de Santa Catarina,
como órgão especial, transitório e deliberativo, de consulta e apoio ao Governador do
estado na definição de políticas e fixação de prioridades, visando à reconstrução da
vida social e econômica catarinense.
Parágrafo único – No Conselho, presidido pelo Governador do Estado, terão
assento:
I
II
III
IV
V
– os ex-Governadores do Estado;
– O Vice-Governador do Estado;
– O presidente da Assembléia Legislativa;
– o Presidente do tribunal de Justiça;
– dois parlamentares federais, indicados pelas respectivas bancadas no
Congresso Nacional;
VI – dois parlamentares estaduais, indicados pelas respectivas bancadas na
Assembléia Legislativa;
VII – quatro prefeitos municipais, escolhidos paritariamente, pelos respectivos
partidos políticos;
VIII – os presidentes dos Diretórios Regionais dos Partidos Políticos;
IX – os Presidentes das federações da Indústria, do Comércio e da Agricultura e o
Presidente da Organização das Cooperativas do estado;
X – os Presidentes das Federações dos Trabalhadores na Indústria, no Comércio,
na Agricultura, e na Indústria da Construção Civil;
XI – o Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina;
XII – o Presidente da Associação Catarinense de Fundações Educacionais;
XIII – um representante de cada uma das confissões religiosas;
XIV – os Presidentes da Secção estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, do
Conselho Regional de Medicina, do Conselho regional de Engenharia,
Arquitetura e Agronomia, do Conselho regional de Economia e do Conselho
regional de Assistentes Sociais;
XV – um representante do Governo Federal;
XVI – o Secretário de Estado Extraordinário de que trata esta Lei;
XVII – o Presidente do tribunal de Contas do Estado; e
XVIII– outros representantes da sociedade civil, mediante convocação do Conselho.
121
Art. 3º – Os Secretários de Estado, os dirigentes de órgãos federais e da administração indireta
estadual, participarão das deliberações do Conselho sempre que solicitarem ou forem
convidados.
Art. 4º - O Conselho Extraordinário de reconstrução do estado poderá funcionar com câmaras
ou comissões específicas, sendo uma câmara de natureza especial, integrada pelo exGovernadores do Estado.
Art. 5º - O funcionamento do Conselho Extraordinário não acarretará quaisquer ônus para o
Estado.
Art. 6º - Fica criado o cargo de Secretário de Estado Extraordinário para a reconstrução de
Santa Catarina.
§ 1º - Compete ao Secretário Extraordinário: I – auxiliar o Governador do estado na
tarefas de supervisão, coordenação, controle e avaliação das ações inerentes ao
Programa Especial de Reconstrução do Estado de Santa Catarina. II –
secretariar executivamente o funcionamento do Conselho Extraordinário de
Reconstrução; III – propor prioridades e soluções para a decisão final do Chefe
do poder Executivo, relativamente aso planos de aplicação dos recursos
destinados ao Programa de Reconstrução; e IV – exercer outras atribuições
determinadas pelo Chefe do Poder Executivo, decorrente da aplicação desta lei.
§ 2º - Decreto do Poder Executivo disporá sobre organização estrutural do gabinete
do Secretário Extraordinário, bem como sobre o remanejamento de cargos, em
caráter transitório, e a requisição de pessoal, equipamentos e material de
consumo ou permanente e espaço físico, independentemente de indenização,
aos órgãos da administração direta, indireta e funcional do Estado, necessários
à sua operação.
Art. 7º – Fica criado um cargo de Secretário-Adjunto Extraordinário, DASU-5, que será
extinto com a desativação do gabinete do Secretário Extraordinário de Reconstrução
do Estado.
Art. 8º - às despesas necessárias ao funcionamento do Gabinete do Secretário Extraordinário
de Reconstrução do Estado, neste exercício, correrão à conta das dotações
orçamentárias do gabinete do Governador do estado.
Art. 9º - Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a:
I
– criar, no orçamento em execução, os projetos e/ou atividades necessários à
implantação do programa especial de Reconstrução do estado de Santa catarina
e baixar demais atos necessários à execução da presente Lei;
II
– criar unidades colegiadas, microrregionais ou municipais, com a participação
das prefeituras municipais e da comunidade, para auxiliar e apoiar a execução
do Programa Especial de Reconstrução do Estado;
III – transformar, mediante lei específica, a autarquia Programa Especial de Apoio
à Capitalização de Empresas (PROCAPE) em empresa de participações
societárias; e
122
IV
– modificar transitoriamente, a vinculação de órgãos centrais da administração
direta e das entidades da administração indireta ou fundacional do estado,
independentemente das áreas de competência previstas na Lei nº 5.089, de 30
de abril d 1975, com suas alterações.
Parágrafo único – As unidades colegiadas municipais serão presididas pelo Prefeito
Municipal ou pessoa por ele indicada.
Art. 10 – O Governador do Estado encaminhará ao Poder Legislativo as proposições
suplementares que se fizerem necessárias à execução do programa Especial de
Reconstrução, instituído pela presente Lei.
Art. 11 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 12 – Ficam revogadas as disposições em contrário.
Florianópolis, 26 de julho de 1983
ESPERIDIÃO AMIN HELOU FILHO
Governador do Estado
123
UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
MUDANÇAS NA ESTRUTURA URBANA DE RIO DO SUL EM DECORRÊNCIA
DAS ENCHENTES DE 1983
MARISTELA MACEDO POLEZA
BLUMENAU
2003
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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU