Determinação do instante inicial para o cálculo da trajetória extrapolada
João Emile Louis
IAE - CTA
[email protected]
Nandamudi L. Vijaykumar
INPE
[email protected]
Resumo
sinal não é reativado. Neste caso, mesmo que o veículo
continue no seu percurso normal, os dados da sua posição
não poderão ser monitorados. Então, como conhecer esta
trajetória? Como fazer uma reconstituição desta trajetória?
Uma solução para tais situações é utilizar o cálculo de
uma extrapolação da trajetória. Este cálculo será baseado
nos dados dos últimos instantes de rastreio do veículo. Isto
pode determinar a trajetória que o veículo fez e
conseqüentemente o seu ponto de impacto.
Em lançamento de veículos espaciais, tanto o cálculo da
provável trajetória quanto a sua trajetória real, são alvo
de vários estudos e análises por seus respectivos centros
de pesquisa. Existem casos em que, durante o lançamento,
o radar que rastreia o veículo perde a comunicação com
o veículo em vôo, e então muitas vezes, a partir do
instante da perda, não se tem o histórico da posição da
trajetória real, já que estes dados são fornecidos pelo
radar. Para estes casos, em uma análise pós-vôo, uma
opção para se ter a provável trajetória real é através do
cálculo de uma trajetória extrapolada, baseada nos dados
já coletados até o momento. Um dos grandes problemas
para este cálculo é a identificação do instante do vôo em
que, a partir do qual será feito o cálculo da extrapolação.
A proposta deste artigo é calcular várias trajetórias
extrapoladas, analisando as possíveis alternativas em
relação a este instante inicial, mostrando as diferenças
resultantes do uso de base de tempo inicial aleatória.
2. Contexto
O trabalho deste artigo é parte de uma pesquisa de
dissertação [1] que, baseado em dados do veículo em vôo
em tempo real, consiste em determinar uma trajetória
extrapolada e visualizá-la na tela por meio de um browser.
Este processo de atualização da trajetória ocorre a cada
instante de vôo. A Figura 1 mostra uma versão
simplificada deste processo:
Palavras-chave: instante inicial, trajetória extrapolada,
segurança de vôo, veículo espacial, análise pós-vôo.
1. Introdução
As instituições ligadas às atividades aeroespaciais,
mais especificamente aquelas que calculam a trajetória
prevista ou nominal de um veículo espacial, podem, em
geral por questões de segurança, querer dispor de
trajetórias alternativas. Estas seriam simuladas por algum
tipo de anomalia sobre o veículo que interfira em sua
posição esperada.
Estas trajetórias alternativas seriam um recurso
adicional para as pessoas que trabalham com a segurança
de vôo, no sentido de poder analisar previamente a
performance do veículo, caso alguma perturbação
parecida com a simulada ocorra no vôo real.
Estes cálculos alternativos se referem aos estudos
realizados antes do vôo acontecer. Paralelamente, buscamse alternativas de análise do vôo após o seu
acontecimento. Por exemplo, considere o caso em que o
rastreio do veículo em vôo é feito através de um radar e a
comunicação entre eles se rompe e por algum motivo o
Figura 1.
Cálculo da trajetória extrapolada em
tempo real
Para o cálculo da trajetória extrapolada da Figura 1,
deve-se levar em consideração os seguintes tópicos:
•
•
parâmetros já conhecidos do veículo
posição e velocidade do veículo
determinados instantes
em
Os parâmetros já conhecidos do veículo são aqueles
usados para se calcular a trajetória nominal, como por
exemplo,
distribuição
de
massa,
parâmetros
aerodinâmicos e propulsivos, e, portanto já estão
definidos.
O outro item é a posição e a velocidade do veículo no
instante que a partir do qual se deseja fazer uma
extrapolação. Porém, existe a necessidade de se
determinar que instante é este, pois uma escolha aleatória,
pode acarretar em distorções no resultado.
3. Objetivo
O objetivo deste trabalho é projetar e desenvolver um
módulo para determinar a base de tempo ideal para ser
usada como instante inicial no cálculo da extrapolação da
trajetória.
4. Especificação
Quando se fala em instante inicial para cálculo de uma
extrapolação, deve-se pensar nos seguintes itens:
• tempo do vôo (m)
• vetor posição Æ X, Y, Z (km)
• vetor velocidade Æ Vx, Vy, Vz (m/s)
Uma análise detalhada destes itens deverá ser feita,
para se obter o instante em que, após o cálculo da
extrapolação, resultará na reconstituição mais parecida
com o vôo real.
O procedimento para esta análise pode ser vista na
Figura 2.
trajetória do vôo real foi monitorada, o que permite uma
comparação dos dados do vôo com os dados que serão
calculados ou extrapolados.
Normalmente, nos centros de lançamento brasileiros,
existem dois radares que acompanham os lançamentos,
portanto duas fontes de dados.
Apesar de se tratar do mesmo vôo, cada radar tem
características diferentes. Um dos radares é considerado
de muita precisão nos seus dados e o outro tem a sua
maior eficiência quanto mais próximo do alvo. Por isso,
podem ser verificadas diferenças entre seus dados [4]. Nos
centros de lançamento, existe um procedimento detalhado
em como determinar ou designar qual a fonte é ou qual
está mais confiável em um determinado momento.
Em uma comparação entre dois radares, que rastrearam
o veículo, pode-se perceber uma pequena diferença na
posição, mas uma diferença na velocidade que mereceria
um estudo detalhado.
A Figura 3 mostra a componente z (m/s), neste caso a
componente mais significativa do vetor velocidade, no
intervalo compreendido entre 190 e 210 s do vôo, e a
Figura 4 mostra a componente z (km) do vetor posição no
mesmo intervalo de tempo.
1440
1380
1320
1260
1200
1140
1080
1020
960
190
192
194
Figura 3.
196
198
200
202
204
206
208
210
T x Vz (Radar Atlas e Adour)
360
352
344
336
328
320
Figura 2.
Determinação do instante inicial
312
304
É importante ressaltar que, para o cálculo da
extrapolação, ainda é necessário obter os parâmetros do
veículo. Esses parâmetros são tabelados em função do
tempo de vôo ou em função de mach e da altitude do
veículo e são previamente definidos e fixos [2]. Por este
motivo, não farão parte deste estudo, apesar de serem
importantes para a extrapolação.
5. Determinação do instante inicial
Para esta análise serão usados os dados de um veículo
[3] que não teve problemas de rastreio, portanto, toda a
296
190
192
194
Figura 4.
196
198
200
202
204
206
208
210
T x Z (Radar Atlas e Adour)
Dentro do contexto deste trabalho, que é definir o
instante inicial para a extrapolação, os estudos recairão
sobre os dados dos dois radares, porém isoladamente. Isto
porque, os dados disponíveis podem ser de qualquer fonte,
a que está mais confiável ou simplesmente a que está
disponível.
O primeiro tópico do esquema proposto na Figura 2,
requer a simulação da perda de rastreio. Qualquer instante,
desde que não seja na fase balística do vôo, pode ser
usado. Portanto, de uma forma aleatória, o instante 204.0
segundos foi escolhido.
Porém, provavelmente devido aos ruídos inerentes ao
funcionamento dos radares e que refletem no tratamento
de dados, um único ponto nem sempre reflete a posição e
velocidade exata do veículo. Portanto, em primeiro lugar,
é necessário que se adote uma metodologia para definir
alguns pontos, de modo que, para cada um deles se possa
comparar com a trajetória real e analisar com qual ponto
inicial o cálculo foi mais eficaz, ou seja, ficou mais
próximo da trajetória real.
Com o intuito de aprimorar a escolha, idealizou-se uma
metodologia que investigue os resultados sob as seguintes
abordagens:
• define-se um grupo de dados (posição e
velocidade) e para cada ocorrência calcula-se
a extrapolação e a compara com a real.
• define-se um grupo de dados e a partir deles
será criada uma curva de suavização [5],
caracterizando um novo grupo de dados, que
passaria pelo processo anterior.
O processo de aquisição de dados da trajetória do
veículo, no tocante ao Centro de Tratamento de Dados de
Localização, é feito em uma freqüência de 10 Hz, ou seja,
10 dados por segundo. Apenas por este motivo, um grupo
de dados foi definido como tendo 10 ocorrências ou 1
segundo de vôo.
Assim, pode-se definir que o grupo de dados a ser
utilizado para esta simulação, está compreendido entre
203.1 e 204.0 segundos de vôo, instante da simulação da
perda de rastreio pelo radar.
A Figura 5, mostra a coordenada z (m/s), do vetor
velocidade de um dos radares, no intervalo de tempo (s)
definido:
1162.5
1161
1159.5
1158
1156.5
1155
1153.5
1152
1150.5
203
203.1
203.2
203.3
203.4
203.5
203.6
203.7
203.8
203.9
204
Figura 5.
T x Vz
Portanto, serão feitas simulações neste intervalo de
tempo, utilizando-se cada décimo de segundo deste
intervalo e depois cada décimo de segundo da curva
suavizada, para o cálculo da extrapolação. Finalmente,
será feita a comparação com o vôo real, mostrando se a
determinação do instante inicial pode ou não ser
fundamental para que o cálculo da extrapolação se torne a
verdadeira reconstituição da trajetória [6].
6. Ponto de referência
Os dados, por exemplo, de posição do veículo em vôo,
são fornecidos pelo radar sempre em relação a algum
ponto de referência. Neste caso, a posição é dada em
relação à rampa de lançamento. Porém, para o cálculo da
trajetória extrapolada, é necessário que estes dados sejam
fornecidos em relação ao centro da Terra.
Portanto, após a determinação do ponto inicial, é
necessária uma transformação dos dados obtidos de
posição e velocidade no sistema de referência na rampa de
lançamento, para o sistema de referência no centro da
Terra [7], como mostra a Figura 6.
Figura 6.
Sist. rampa Æ Sist. centro da Terra
7. Cálculo da trajetória extrapolada
Para se calcular uma trajetória de um veículo espacial
[8], deve-se conhecer a sua configuração completa, assim
como a missão que ele deve cumprir. Como uma trajetória
já teria que ter sido calculada previamente, assume-se que
já se tem toda a configuração do veículo e também a sua
missão.
Nesta simulação, como parte da trajetória não foi
rastreada e conseqüentemente não se têm dados relativos
ao veículo em determinados instantes, calcula-se a
trajetória extrapolada. Para se obter a trajetória completa,
deve-se unir esses dados calculados com os dados
existentes.
A Tabela 1 mostra os valores de posição (km) e
velocidade (m/s). Os dados da primeira coluna têm como
referência a rampa de lançamento (obtidos do rastreio), já
os dados da segunda coluna, tem como referência o centro
da Terra (obtidos por meio de cálculo). Estes servirão
como ponto inicial do cálculo da extrapolação, no instante
203.1 s:
Tabela 1.
Tempo Æ 203.1 s
X = 87.566
Xi = 4865.729
Y = 66.552
Yi = -4637.003
Z = 345.151
Zi = -203.628
Vx = 616.313
Vxi = 1275.179
Vy = 485.574
Vyi = -385.203
Vz = 1162.258
Vzi = 438.183
O resultado dos cálculos é uma lista de parâmetros,
como por exemplo, posição, variação de massa e empuxo,
sempre relacionada com o tempo de vôo. Para este
trabalho, os parâmetros mais significativos são o apogeu e
o alcance. Uma análise sobre esses parâmetros é capaz de
analisar a sensibilidade da influência da escolha dos
pontos iniciais, bem como, validar ou não o cálculo de
extrapolação.
Portanto, usando esses dados como o instante inicial,
obteve-se um apogeu de 427.166 km e um alcance de
437.758 km.
Utilizando-se os dados do outro radar, para o mesmo
instante, obteve-se um apogeu de 434.772 km e um
alcance de 363.753 km.
O processo se repete para cada instante do intervalo de
tempo destinado ao estudo.
8. Resultados
A tabela 2 mostra na primeira linha o apogeu e alcance
do vôo real. Na segunda e quarta linhas estão os dados de
apogeu e alcance calculados através da extrapolação,
utilizando-se como instante inicial os vetores posição e
velocidade do tempo de vôo 203.1 s de um dos radares,
denominado R1. Na terceira e quinta linhas, estão os
dados referentes ao outro radar, denominado R2.
Tabela 2. Comparação dos resultados
Instante Apogeu Tempo
Alcance
Tempo
inicial
(km)
Apogeu
(km)
Alcance
(s)
(s)
(s)
Real
434.287 345.874
363.114
656.074
203.1 R1 427.166 343.074
434.474
653.074
203.1 R2 434.772 343.074
363.753
663.074
203.2 R1 426.556 343.174
440.581
653.174
203.2 R2 435.050 343.174
360.987
663.174
...
...
...
...
...
204.0 R2 435.660 343.974
349.204
663.974
Pode-se notar claramente que os dados do radar R2
proporcionam os resultados mais coerentes do que os
resultados com os dados do radar R1, se comparados com
o vôo real. Portanto, analisando apenas os resultados com
os dados do radar R2, chega-se a conclusão que o instante
ideal a ser usado neste caso, é o referente à base de tempo
203.1 s, e não o instante exato da simulação da perda de
rastreio que é de 204.0 s, e que o alcance extrapolado para
este instante ficou 14 km distante do real.
A Figura 7, mostra em um mapa, a comparação da
projeção da evolução da trajetória extrapolada em dois
instantes desta simulação.
Figura 7.
Projeção de trajetória extrapoladas
Considerando ainda o radar R2, foram feitas
simulações para outros instantes de vôo. Estes instantes
foram escolhidos aleatoriamente, e a Tabela 3 mostra que
continua havendo diferença nos resultados.
Tabela 3. Outros resultados
Instante Apogeu Tempo
Alcance
inicial
(km)
Apogeu
(km)
(s)
(s)
81.574
434.511 351.574
362.877
140.974
434.309 350.974
361.445
216.874
435.521 346.874
356.113
314.074
434.135 344.074
363.121
Tempo
Alcance
(s)
661.574
670.974
666.874
654.074
É importante ressaltar que, apesar de os dados do radar
R1 se mostrarem inadequados neste instante do vôo, eles
podem ser úteis em casos que, por exemplo, são os únicos
dados disponíveis. Por isso, vale ressaltar que em uma
simulação com estes dados no instante 187.774 s, o
resultado foi de um apogeu de 437.935 km (347.8 s) e um
alcance de 332.678 km (667.7 s), o que não é totalmente
descartável, quando não se tem outra fonte de dados.
Outro fato importante a ressaltar, é que, pelo menos os
dados de posição fornecidos pelo radar R1, estão
compatíveis com os fornecidos pelo radar R2, em
praticamente todas as fases de vôo.
Os resultados mostrados até agora foram gerados tendo
com base os valores fornecidos diretamente pelo radar,
isto é, nenhum processo de filtragem adicional ou
suavização das curvas foi utilizado.
Como há interesse na avaliação de outros resultados,
foi necessário gerar novos dados por meio de uma
suavização das curvas das coordenadas de posição e
velocidade. Os dados resultantes desta suavização se
tornaram os novos instantes iniciais para o cálculo da
extrapolação, e passaram pelo mesmo processo aos que os
dados brutos do radar foram submetidos. Porém, nenhuma
mudança significativa ocorreu.
9. Conclusão
O cálculo de uma extrapolação de trajetória de veículos
espaciais se baseia nos vetores posição e velocidade de
um determinado instante. Portanto, qualquer variação
nestes dados, pode gerar uma trajetória calculada bem
diferente da verdadeira.
Assim, a determinação correta do ponto inicial, pode
reproduzir com bastante precisão o vôo realizado, pois
este instante já terá nele embutido a real trajetória do
veículo até um determinado momento. Além disso,
condições climáticas antes do instante da ignição e os
prováveis erros de imprecisão do lançador, já teriam
influenciado a posição atual.
Referências
[1] Louis, João E., Visualização da extrapolação em tempo real
da trajetória de veículos espaciais em um mapa usando padrões
abertos na web, Proposta de Dissertação, INPE, Maio de 2004.
[2] Yamanaka, Sidney S.C. & Garcia, Alexandre – Operação
Pirapema, Dossiê de Lançamento, RT 031/ASE-V/02
[3] Yamanaka, Sidney S.C. & Garcia, Alexandre – Operação
Pirapema, relatório Pós-vôo, RT 033/ASE-V/02
[4] Louis, João E. & Yamanaka, Sidney S.C.- NT 001/ASEV/99, Maio 1999
[5] Carvalhaes, Eudy – Suavização – 2002
[6] Magalhães, Raul G. – Reconstituição do vôo SONDA IIIXV 20 - 2000
[7] Carvalhaes, Eudy – Rampa2SI – 2002
[8] Kramer, H.J & Craubner, A. & Ziegltrum, W; ROSI –
Rocket Simulation, DFVLR TN 12/76, 1976
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