DEBATE Quinet ANA COSTA: A apresentação de Quinet conseguiu condensar uma trajetória bastante densa e importante, momentos histórico/institucionais que também nos dizem respeito. Eu queria agora que vocês pudessem participar. AUXILIADORA: Achei ótima a tua intervenção e lembrei de uma frase de Lacan, no seminário o Ato Analítico, que eu considero ambígua, e gostaria que você comentasse, ele diz assim: “o que produz o analista é o psicanalisante”. Eu sempre ouço como ambígua essa frase, vejo como uma Fita de Moebius que produz vários efeitos de entendimento e também de lugares. Se puderes fazer algum apontamento a esse respeito... QUINET: Eu acho que é isso, esse analisante que produz o analista é a mesma pessoa. É esse analisante que produz o analista, na sua própria análise. Do analisante resulta um analista. É claro que é um desafio muito maior a essa proposta... AUXILIADORA: Ele usa pontos divergentes: o que o psicanalisante produz é o psicanalista, e, por outro lado, sem psicanalista não há psicanalisante. QUINET: E sem psicanalisante também não tem analista. Concordo, pode ter analista sem ter analisante. Agora, Lacan também traz a idéia de que uma análise levada até o fim produz um analista, mesmo que esse não exerça como analista. O próprio Pierre Rey, em Uma temporada com Lacan…fez de tudo para ele ser analista... é um escritor... AUXILIADORA: É que Lacan, por conta própria, propunha por vezes a nomeação de psicanalista a quem ele achava que devia... QUINET: Mas nem tanto, porque senão ele não teria proposto o passe. Ele propôs o passe como dispositivo institucional que nomeasse os analistas. CRISTINA POLI: Obrigada pela tua exposição. Fica uma série de questões, como eu disse para você, adoro as polêmicas, então dá vontade de polemizar um monte de coisa. Uma coisa que eu nunca entendi bem é porque - tudo bem o dispositivo do passe teve o propósito de investigar esse momento e o que acontece aí nessa virada no processo de análise - mas porque fazer disso um dispositivo de nomeação de analista? Porque dentro dessa estrutura, analista membro de escola e analista de escola, não precisa passar pelo passe para ter o reconhecimento e a garantia da escola de que é analista. Ele pode ser analista membro de escola sem ter feito o passe. Então me parece que é um dispositivo muito mais investigativo, com o propósito de tirar efeitos, doutrinários inclusive, mas não vejo porque utilizá- lo na nomeação. Não teria sido essa associação com a nomeação que provocou dificuldades dentro da Escola do Lacan? Queria saber o que você pensa sobre isso. QUINET: Eu penso o seguinte: há dentro da proposição essa nomeação. Há essa convocação dos analistas que tenham acabado de passar pelo passe, que venham testemunhar sobre os problemas cruciais da psicanálise e que se tornem, como ele mesmo diz, analistas de sua própria experiência. Frase ambígua, que pode ser entendida nos dois sentidos e a meu ver os dois sentidos são interessantes para responder o porquê da existência do AE, como eu vejo, na proposição do Lacan. Um, que eles venham a testemunhar sobre os problemas cruciais da análise, principalmente o que é essa virada, ou seja, o que eles vão falar sobre isso. Eles mesmos falarem a partir da sua própria experiência, os nomeados para isso. Que venham falar sobre a sua própria experiência e que falem sobre os problemas cruciais da psicanálise. Ou seja, é uma nomeação que é uma convocação a falar sobre isso, a trabalhar sobre isso. Crítica do próprio Lacan a isso que ele propôs: não foi isso que aconteceu na EFP. Os AEs foram nomeados e eles foram se incrustrar numa casta, aí viraram a castas dos AEs, aquelas suficiências que ele mesmo critica naquele outro texto A psicanálise e seu ensino. Mas não é essa a proposta. Como eu vejo, essa nomeação é uma convocação ao trabalho: “venha e fale sobre isso para a gente, para a comunidade toda, como é que é essa passagem? O que aconteceu com você, como é que se articula isso, e como é que se elabora isso”, ou seja, uma convocação ao trabalho. Então para evitar isso, eu não sei de onde veio essa idéia, se do próprio Lacan, mas nós adotamos que o AE é transitório, que ele tem essa função de AE por três anos e depois acaba. Durante três anos ele é convocado pela escola e assim tem sido, ele é convocado a falar sobre isso... CRISTINA POLI: Mas isso é uma inovação de vocês. QUINET: Eu não sei de onde vem isso. Não é da proposição. Não me lembro se foi a partir da Escola da Causa, tenho a impressão que foi, que nós adotamos para não acontecer isso. Então, tem o efeito ao contrário também: ninguém ‘dá bola’. Mas tem um efeito de parar com isso, agora, não deve ser uma promoção, porque o que é interessante ao mesmo tempo com o AE, na nomeação do AE, é que há algo que subverte completamente a carreira, que existe em todo o lugar: apresenta um trabalho aqui, outro ali, vai sendo conhecido e tal, porque uma pessoa totalmente desconhecida da comunidade pode de repente ser o analista da escola, isso também é um exemplo de subversão... ANA COSTA: Isso é interessante. QUINET: Nós temos AEs, até uma AE que foi nomeada que eu não conhecia. Conheci recentemente lá de São Paulo, e está falando coisas interessantíssimas sobre a análise dela, sobre essa passagem. Então acho que tem um efeito legal. Acho que pode ter também um efeito de imaginarização, aí a briga “porque que nomeou um e não nomeou outro, porque é o analisante de fulano”, vai ter isso, mas acho que isso deve ser minimizado pelos efeitos... ANA COSTA: Agora, já estão na própria nomeação do analista membro esses efeitos “porque não eu”. Isso já está, faz parte do próprio risco que as instituições tomam e – ressaltando a importância do que você falou - é o risco público que uma comunidade precisa bancar. ROBERTO MEDEIROS: Hoje de manhã na Faculdade de Educação se falou sobre o laço social, daí me ocorre, agora ouvindo você falar da escola, se seria possível determinar que laço permitiu o surgimento da Escola Freudiana. QUINET: É uma ótima questão, porque se a gente pensar a escola sendo uma instituição, ou seja, fazendo parte da sociedade como uma instituição, é óbvio que ela é fundada pelo discurso do analista, como toda e qualquer instituição há um discurso da ordem do mestre onde tem a lei. Circula o discurso universitário? Certamente. Onde o saber está no posto, pode circular no seminário, nas aulas e tal. O discurso da histérica? O tempo todo. Todo mundo provocando o mestre, o que se passou...as horizontais, as verticais. Agora, o que se espera é que dentro dos quatro discursos possa circular também o discurso do analista numa escola. E ao situar - é como eu vejo conceitualmente falando - o passe como cerne, há algo de um privilégio ou pelo menos de deixar passar o discurso do analista, ou seja, de trazer o discurso do analista, que é aquilo que acontece entre duas pessoas, o analista e o analisante. Que possa trazer ali como algo que o analisante tenha voz para vir falar fora da obscenidade, digamos, que possa vir falar desse lugar, dessa passagem. Acho que na escola circula os quatro discursos e é um lugar apropriado, diferentemente das outras instituições, universidades ou sei lá o que, onde isso possa... LÚCIA MEES: Gostaria de retomar a questão que a Cristina colocou e ponderar se poderíamos pensar que esses efeitos de “casta” (que se produziram a partir das nominações dos AEs) seriam conseqüência da própria posição do passante, ou seja, que ao falar do seu fim de análise este necessariamente teria que voltar a produzir uma consistência em relação ao objeto, ao sintoma, ao sentido, que deporia contra o seu final de análise? QUINET: Acho que sim, acho que isso depende muito da posição do AE. Concordo plenamente. LÚCIA MEES: Você não acha que pode ser uma falha do dispositivo, ou seja, que este poderia reconvocar a uma consistência que a análise desfez ao ter sido finalizada? QUINET: Não, eu não vejo não, eu vejo uma convocação ao trabalho e a poder falar ali daquele lugar sobre essa passagem. Porque se o sujeito é destituído, então não vai ser essa nomeação o que vem lhe trazer uma infatuação maior. Não vejo como uma questão do dipositivo. Que há esse risco há, sem dúvida, sempre há. Depende muito do AE e de como a escola trata os seus AEs. O que é uma questão. Para nós é uma questão constante, qual o lugar que a escola dá para os seus AEs. Por exemplo, para dar uma idéia, acho que foi no início da crise, em 96, não me lembro, teve lá em Buenos Aires, lá na ANP, Associação Nacional de Psicanálise do Miller, eles fizeram uma plenária só de AEs. Foi muito engraçado, tinha mais de mil pessoas no salão, aí apagaram-se todas as luzes da platéia e puseram um foco no AE e aí o Jacques Alain Miller falava com uma voz em off. Foi uma coisa espetaculosa. Jogar os AEs aí nesse lugar, eu acho muito problemático. Então, você colocar um AE totalmente destituído, como são nossos AEs e reclamam na nossa escola - e ao mesmo tempo poder fazer circular e encontrar um lugar que isso possa ser transmitido, que algo possa ser transmitido, porque essa também é a idéia, não é? Eu acho que é uma das propostas, que isso possa ser transmitido é uma coisa importante, mas como não trans formar isso num show é uma preocupação importante. ANA COSTA: Eu queria engatar uma pergunta: que efeitos tem, então, na sua escola, ou que efeitos você percebe, nessa passagem do AE pelo passe? QUINET: O efeito que eu mais vejo é nas conduções das análises, ou seja, você fazer parte de uma comunidade que tem o passe no horizonte, a questão do final de análise está presente o tempo todo nessa preocupação e isso incide nas análises de uma certa forma. Nessa questão dos analistas, que é uma questão para todo mundo, como termina uma análise - questão para o analisante e para o analista - como se forma um analista é algo que está presente, inclusive sabendo que aquele analisante pode pedir um passe. É uma coisa interessante e que constitui um exterior- interior, que é interessante também, ou seja, que o analisante pode vir falar daquilo que você está fazendo com ele, vindo trazer testemunhos da análise que você está conduzindo. Tem aí alguma coisa que se constitui presentificando a questão do final da análise, a questão do tornar-se analista, a questão estrutural. Eu vejo isso como efeito. JAIME BETTS: A questão que me ocorre levantar vai na direção do que a Lúcia e a Cristina falavam e vários pontos que mencionastes. Uma questão é a aporia da posição, como descrevestes, de sujeito, como objeto e como falar, nomear e instituir o dispositivo em torno daquilo que trata-se do não penso, porque ao instituir como dispositivo, e ele tem a sua própria lógica de funcionamento, e aí a questão vai na direção de como vocês estão procurando fazer: que o AE tenha um tempo de exercício dessa função. Eu vejo um problema a partir daí em muitas instituições lacanianas onde o dispositivo torna-se o amo da instituição, produzindo esses efeitos de castas, esses efeitos de imaginário, de cristalização do poder. E Lacan é muito claro em dizer que o princípio da análise, a direção do tratamento e o princípio do seu poder é do analista não exercer o poder e toda a questão do passe também precisa passar pela mesma questão, o não exercício do poder que essa transferência lhe dá. Agora, quando se cria um dispositivo, como trabalhar essa questão do poder? Porque é instituído. QUINET: Eu responderia que eu acho que é justamente o contrário, eu acho que o passe é um dispositivo de destituição do poder, do poder, por exemplo, dos didatas. Do poder, por exemplo, instituído pelos analistas estabelecidos. JAIME BETTS: Eu concordo que a preocupação com o passe sim, como tu descrevestes. Agora, o que estou levantando é que há na história das instituições lacanianas... QUINET: Aqui? JAIME BETTS: No Brasil... QUINET: Não. Porque as escolas que eu conheço atualmente, pelo menos o que eu vejo a partir do Rio, eu não vejo esse problema. Ao contrário, têm algumas escolas que funcionam que não tem o passe. Agora, nas escolas que tem o passe, pelo menos aqui no Brasil, eu não tenho visto esse problema, o de AEs se transformarem numa casta. Estou pensando em três escolas que eu conheço. Aqui tem escola que funciona com o passe? ANA COSTA: Não QUINET: Eu realmente não conheço. Atualmente eu não sei. Talvez isso tenha sido tão criticado que talvez o efeito seja até contrário, de uma discrição muito grande dos testemunhos de passe e dos AEs. É o que tenho visto. Na Escola do Campo Lacaniano, que eu pertenço, não vejo isso. Nem na Escola da Letra Freudiana e nem atualmente na Escola Brasileira, que eu critiquei muito, mas atualmente não é mais assim. Não sei outras, talvez na Argentina vocês conheçam, onde isso possa estar acontecendo, mas eu acho que já tem 42 anos de passe. Esse realmente foi o problema da EFP, da Ècole de La Cause, que foi uma politização do passe, uma interferência muito grande que teve, hoje em dia talvez seja menos, não sei como é que é. JAIME BETTS: E quando Lacan fala “eu sigo passando o passe” e ressaltastes isso, de que o passe pode se dar em muitos momentos e contextos, o passe nesse sentido pode ter múltiplos dispositivos onde isso pode se dar: esse testemunho da passagem de analisante à analista pode ser testemunhado. QUINET: Dentro do conceito de escola não. JAIME BETTS: Explica isso. QUINET: Se você...pode ser um outro...porque não? Pode se utilizar isso como eu falei, eu acho que pode usar os significantes de Lacan de diversas maneiras. Mas ele propôs um dispositivo muito específico. É como eu estava falando, eu posso dizer da minha análise, o dispositivo do passe é esse, agora porque não inventar também outros dispositivos. Não estou dizendo que não, quem sou eu para dizer ‘não, não pode!’ Não é isso. Mas eu acho que dentro da proposta de Escola de Lacan o passe é um dispositivo específico tal como ele propõe. Agora, se existem outros dispositivos baseados nessa lógica, qual é a lógica? Primeiro: fora da transferência. Dois: que seja ao mesmo tempo íntimo e reservado. Não é uma coisa para se falar. É muito diferente o AE depois que vem falar sobre uma elaboração, ele não está fazendo o passe, ele já fez. Ele vem dar o testemunho disso depois de ter passado pelo dispositivo. Eu acho que tê m algumas características do dispositivo que são muito interessantes, como o fato de você falar para duas pessoas. Ás vezes os dois passadores trazem coisas que se complementam, às vezes trazem coisas que se contradizem, às vezes a gente vê que tem uma constante que salta aos olhos. JAIME BETTS: Gostaria de colocar um pouquinho mais longe a questão: fora da transferência, sim e não. Fora da transferência com o seu analista, testemunho para outros, mas sabemos que dentro de uma instituição há um rede de transferências de trabalho, no melhor sentido QUINET: Eu falei fora da transferência analítica. Concordo, dentro da transferência de trabalho, claro. Concordo, estou falando fora da transferência analítica, isso sem dúvida. LÚCIA MEES: Eu achei interessante o que você falou sobre a presentificação da questão sobre o fim de análise, por outro lado, nós já tivemos conosco outros colegas, também do Rio, mas de outras instituições, que fizeram parecer que as suas instituições talvez pendessem demais para um oposto, ou seja,de um excesso de presença. Como se a instituição ficasse muito tomada pelo passe propriamente, pela importância do dispositivo, pela possibilidade de produzir uma experiência até melhor do que o Lacan conseguiu. Você acredita que há uma medida certa dessa presentificação que seja interessante para a instituição? QUINET: É tão difícil, eu não tenho medida de nada, acho muito complicado, por enquanto estou otimista, pode ser que amanhã eu diga “ah! Pois é... não sei”, depende de cada experiência ÂNGELA BRASIL: Mencionando isso que a Lúcia falou, a APPOA foi convocada a testemunhar os efeitos de cisão que uma instituição analítica sofreu na tentativa de implantação do passe. QUINET: Ah foi! Não conheço. ÂNGELA BRASIL: Sim, a APPOA foi convocada para poder ouvir aquilo que aconteceu, o sofrimento que causou; então, realmente, essas questões se colocam... QUINET: É? MARIETA RODRIGUES: A gente está falando do efeito institucional, que é uma questão que dá muitas voltas, mas fiquei me perguntando sobre o efeito para o sujeito, pois além do seu trabalho de análise, teria, como perspectiva, um certo compromisso de poder contar a história desse trabalho. Qual seria o efeito analítico dessa perspectiva? QUINET: Deixa eu te falar, já para te retificar imediatamente, não há obrigatoriedade nenhuma o passe; não tem que, não tem ‘compromisso de’. É, a meu ver, uma oferta que se faz para quem quiser ir lá e passar por isso, então é muito diferente de você estar… - gente! quantas pessoas terminam a sua análise e são loucos para falar da sua análise, de transmitir aquele ‘saque’ que teve e que dá aquele entusiasmo - então é um lugar apropriado para isso, mas é muito... eu concordo com você, que se fosse assim seria um horror, uma prova o tempo todo: “eu vou fazer uma análise para quando acabar eu vou falar sobre isso...já não basta falar aqui!” Aí seria o terror, não é...(risos) MARIETA RODRIGUES: Pensando no processo analítico, seria o oposto, fica um pouco na contramão....ofereceria a tentação do interminável. QUINET: Não é isso não, é o contrário, é uma oferta, é para quem quer, não é obrigatório. ÂNGELA BRASIL: Fiquei pensando no desejo de falar de uma análise, na experiência da APPOA. Nosso processo de acolhimento como membro tem recolhido algo deste desejo, no sentido de que: alguém pede uma entrevista, fala do seu interesse pela psicanálise, da sua trajetória, do que funda o seu interesse, acaba falando um pouco da sua análise e isso é passado para alguém do acolhimento, que passa para a mesa diretiva, que escuta aquele momento, isso é para ingressar como membro, a gente percebe um pouco disso, que é singular, é de um determinado momento daquela pessoa e que a instituição está acompanhando e testemunhando essa entrada. Com relação ao passe, estamos trabalhando na direção do que é o passe para nós, que assumimos a responsabilidade de nomear analistas da APPOA. Porém, desde a ata de fundação, não prevemos um pedido de nomeação, pensamos um outro dispositivo, que propõe aos analistas nomeados a indicação de um nome a ser pensado pela comisão de analistas.... ANA COSTA: Mas isso não contradiz Ângela, porque está, nós temos AME... ÂNGELA BRASIL: Temos... ANA COSTA: É outra coisa, ele está falando de outra coisa. Isso é importante de frisar. Acho legal a forma como tu estás nos apresentando a experiência, porque são diferentes experiências... QUINET: São... ANA COSTA: E eu acho que a forma que tu estás trazendo coloca justamente dois elementos que eu destaco, e que acho importante que se resgate aqui. Uma, é a convocação ao trabalho e que cada um tenha essa responsabilidade com a causa analítica nessa passagem. Também a convocação a dar testemunho do que é isso, na dimensão do passe. E a segunda questão, que me parece super importante, é esse limite que está em causa, que possa estar em causa numa instituição, da questão do fim de análise e acho que isso é um operador importante. Você falou que isso está em causa, também pode estar em causa, para a comunidade de analistas poder situar isso no interior do trabalho institucional. Essas duas questões acho que qua lquer um de nós compartilha, essa colocação que me parece importante QUINET: Gente, não estou querendo colocar essa questão da escola como um ideal a ser atingido, estou falando de um trabalho um pouco conceitual que estou propondo e falando um pouco da experiência... MARIETA RODRIGUES: Mas eu acho que essa movimentação toda é porque é muito rara essa experiência em que estamos, de poder ter alguém aqui que fale desse dispositivo com tanta abertura para que a gente possa... ANA COSTA: Se situar em relação a isso... MARIETA RODRIGUES: Se situar... QUINET: Estamos aqui pensando juntos, não é... LÚCIA MEES: Estava me lembrando de uma interpretação de um psicanalista francês, a qual acho muito justa: que Lacan, diferentemente dos que vieram depois dele, não teve o privilégio de fazer uma análise até o fim, então, o passe para ele era uma questão enquanto analisante, pois ele precisava formular o que não experimentou. Isto vale tanto para Freud quanto para Lacan: os dois não tiveram o privilégio de usufruir daquilo que vieram a proporcionar para o futuro... ANA COSTA: Mas tem movimentos assim, tem movimentos que são assim... QUINET: É verdade, é uma questão mesmo. Interessante JAIME BETTS: Um ponto que eu achei interessante foi o esclarecimento que tu fizestes sobre a tradução, porque a tradução traz conseqüências, e uma das consequências, me parece ser essa leitura que tu tens de ver outras instituições e colegas de outros países, particularmente a Argentina, onde dá-se menos atenção à passagem, o passe, eu entendo que são múltiplas as passagens... QUINET: Também acho... JAIME BETTS: ... e mais atenção ao passe enquanto dispositivo institucionalizado e isso me parece muito problemático e com consequências que a gente vê e ouve, como a própria Ângela mencionou. Muito complicado. Agora, estou completamente de acordo que centrar nessa questão das passagens e da aporia que isso representa é complicado. Como cuidar disso, como trabalhar isso? CRISTINA POLI: Lendo o seu livro e também o escutando agora fiquei pensando que todos esse dispositivos, seja a própria escola como dispositivo, seja o passe, seja o cartel, são dispositivos que Lacan propõe para dar uma sustentação, um tipo de laço que a instituição analítica tenta sustentar, que seja diferente do laço da Psicologia das Massas. Então nesse ponto fiquei pensando nisso que você diz, que é imprescindível a noção de passe como dispositivo dentro da Escola. Fiquei com vontade de ouvir de você sobre outro ainda - o que daria outra palestra - mas que é o dispositivo do cartel, que é algo que tem uma formalização muito estrita na proposição do Lacan e que não é por acaso que ele proponha desse jeito QUINET: Posso falar rapidamente o que Jaime me colocou, acho que o Lacan, é uma coisa que eu vejo assim, não sei se é uma preocupação, mas parece instituir algo que vá contra o discurso do mestre, contra o poder propriamente falando, e o cartel me parece que é um deles justamente, porque lá onde se espera o lugar do líder na constituição desse pequeno grupo que é o cartel, há uma nomeação de um mais um e que a função dele, que poderia ser de liderar o trabalho, o que Lacan propõe é o contrário, ele vai provocar a elaboração e ao mesmo tempo, depois de um tempo, se dissolver... CRISTINA POLI: O mais um estando incluído no cartel... QUINET : Estando incluído no cartel e também estando lá, digamos, trabalhando algum tema que lhe seja próprio, ou seja, uma função muito mais de histérico do que de amo, no sentido de provocar a elaboração. Então são dispositivos anti-poder e tentam incluir a dissolução no instituído, isso é interessante no cartel, faz-se durante um tempo, depois faz-se uma tarefa, depois tchau! É uma proposta, é muito difícil disso não acontecer, de se fazer patota, a gente está sempre fazendo patota, não adianta, mas fazer patota com os amigos e fazer com inimigo também, com quem não se gosta muito, mas de poder circular, é um negócio bem bacana que você lembrou como dois pilares importantes da escola, que é o cartel, como forma de estudo, diferente de seminário, que você vai lá e expõe. Eu acho também que a forma como ele propõe o seminário dentro da escola é diferente da que ele propõe do sujeito ensinar por sua própria conta e risco, ou seja, que vai arriscar lá o que ele está pensando, elocubrando, sem ter partido do saber instituído, que não é dar aula, mas é você ir por sua conta e risco