A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS DE CONTROLE
AMBIENTAL DA ÁGUA: UMA DISCUSSÃO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
Área: ECONOMIA
Categoria: PESQUISA
Denise Rissato
Profa. Assistente da Unioeste/Campus de Foz do Iguaçu e Membro do GEDAI
E-mail: [email protected]
Andréia Polizeli Sambatti
Profa. Assistente da Unioeste/ Campus de Cascavel
E-mail: [email protected]
Resumo
Este trabalho consiste em uma resenha sobre a experiência brasileira na adoção de
instrumentos econômicos (IE) na política ambiental e, em especial, na gestão dos recursos
hídricos. A política ambiental deve reconhecer que todos os processos de ajuste setorial e
de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global,
devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação
com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural
dos povos a que se referirem. No entanto, não foi exatamente isso o que aconteceu no
Brasil. A política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões externas e,
de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, por sua vez, privilegiaram o
crescimento industrial, sem qualquer preocupação com desenvolvimento integrado e
sustentável do país. Em decorrência disso, e do modelo de gestão ambiental baseado no uso
de instrumentos do tipo comando-e-controle, a experiência brasileira, embora considerada
adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado poucos avanços
no controle da qualidade ambiental. Em 1997, foi implantada no Brasil a política nacional
de recursos hídricos e instituída a utilização de mecanismo de controle do tipo
poluidor/pagador. Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que
facilitam a aplicação dessas medidas de controle, a implantação da cobrança pelo uso da
água enfrentou dificuldades no seu decorrer (superposições de jurisdição entre diferentes
níveis governamentais; dificuldades para definir os critérios para a cobrança pelo uso da
água e para a aplicação da receita obtida e a falta de um debate participativo entre as partes
envolvidas) que dificultaram e atrasaram a sua implementação e, mais de uma década
depois de ter sido instituída, muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva.
Palavras-chave: Política Ambiental, Instrumentos Econômicos, Brasil.
A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS ECONOMICOS DE CONTROLE AMBIENTAL
DA ÁGUA: UMA DISCUSSÃO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA
Área: Economia
Categoria: PESQUISA
Resumo
Este trabalho consiste em uma resenha sobre a experiência brasileira na adoção de
instrumentos econômicos (IE) na política ambiental e, em especial, na gestão dos recursos
hídricos. A política ambiental deve reconhecer que todos os processos de ajuste setorial e
de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global,
devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação
com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural
dos povos a que se referirem. No entanto, não foi exatamente isso o que aconteceu no
Brasil. A política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões externas e,
de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, por sua vez, privilegiaram o
crescimento industrial, sem qualquer preocupação com desenvolvimento integrado e
sustentável do país. Em decorrência disso, e do modelo de gestão ambiental baseado no uso
de instrumentos do tipo comando-e-controle, a experiência brasileira, embora considerada
adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado poucos avanços
no controle da qualidade ambiental. Em 1997, foi implantada no Brasil a política nacional
de recursos hídricos e instituída a utilização de mecanismo de controle do tipo
poluidor/pagador. Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que
facilitam a aplicação dessas medidas de controle, a implantação da cobrança pelo uso da
água enfrentou dificuldades no seu decorrer (superposições de jurisdição entre diferentes
níveis governamentais; dificuldades para definir os critérios para a cobrança pelo uso da
água e para a aplicação da receita obtida e a falta de um debate participativo entre as partes
envolvidas) que dificultaram e atrasaram a sua implementação e, mais de uma década
depois de ter sido instituída, muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva.
Palavras-chave: Política Ambiental, Instrumentos Econômicos, Brasil.
1. INTRODUÇÃO
Diante da oferta limitada de recursos econômicos, a sociedade global, cada vez
mais, enfrenta desafios relacionados ao aumento da população mundial e à crescente
industrialização e urbanização do planeta, sobretudo, à medida que se propaga a
consciência de que o padrão histórico de consumo e produção tem causado profundas
alterações sobre o meio ambiente. Essa crescente preocupação com alternativas de
desenvolvimento sustentável e com a necessidade de se utilizar de maneira responsável os
recursos produtivos, especialmente os recursos naturais não-renováveis, tem colocado a
questão ambiental na lista de prioridades de ação do Estado (MARGULIS, 1996, p.1;
MORAES & TUROLLA, 2004, p.1).
Contudo, para Motta (1997, p.1), apesar da questão ambiental encontrar-se
incorporada na agenda dos partidos políticos, nos programas de governo, no cerne das
organizações populares e no planejamento empresarial, o equacionamento dos problemas
ambientais não é trivial e requer uma análise profunda e abrangente para reconhecer os
problemas ambientais existentes e a sua relação direta com o nível e a qualidade do
desenvolvimento econômico para então, num segundo momento, identificar políticas e
instrumentos que podem ser engendrados e motivados no planejamento governamental que,
em conjunto com outras iniciativas da sociedade civil e da área empresarial, possam
reverter tendências ambientais restritivas à melhoria do bem-estar da população e
harmonizá-las num contexto de desenvolvimento sustentável.
Uma política pública ambiental é uma tomada de decisão sobre a gestão dos
recursos naturais, combinando ações e compromissos em que estão envolvidos a
sociedade em geral e os poderes legalmente constituídos. A tomada de decisão na
área ambiental envolve a preservação/conservação de recursos naturais, as
necessidades da sociedade e das atividades econômicas e a antecipação de
eventos e elementos de irracionalidade (MOTA, 2001, p. 68).
Isto posto, entende-se que a política ambiental definida, por Lustosa & Young
(2002, p.569), como o conjunto de metas e instrumentos que visam reduzir os impactos
negativos da ação do homem sobre o meio ambiente, precisa levar em conta tanto seus
efeitos sobre a atividade dos agentes econômicos e, por consequência, sobre as demais
políticas públicas (tais como a política agrícola e industrial e de comércio exterior) quanto
que as políticas econômicas favorecem e induzem a um dado tipo de comportamento
econômico de produção e consumo que, por sua vez, tem impactos importantes sobre o
meio ambiente.
No entanto, apesar da complexidade das questões ambientais e das dificuldades para
o seu equacionamento, Margulis destaca que, a atenção crescente conferida ao assunto,
sobretudo, a partir dos anos 1980, tem melhorado, significativamente, a maneira como a
questão ambiental tem sido tratada pelos governos e pelos agentes econômicos em todo o
mundo e destaca que “a deterioração da qualidade ambiental neste período teria sido muito
pior se os governos não tivessem empregado regras e incentivos mais adequados para
enfrentar os problemas ambientais” (MARGULIS, 1996, p.5).
De acordo Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.1), muitos tipos de instrumentos,
com variável grau de sucesso, têm sido empregados por vários países em decisões relativas
à questão ambiental, uma vez que o controle de problemas particulares requer o uso de
diferentes mecanismos de ação. Em um extremo, encontram-se os tradicionais
regulamentos do tipo comando-e-controle (C&C) que incluem sanções, regras e normas
restritivas. No outro extremo, têm-se abordagens de “laissez-faire”, nas quais há a
necessidade de uma advocacia do consumidor ou de litígios particulares que atuem como
motivadores para melhoria da gestão ambiental. No centro, encontramos abordagens do
tipo “taxação e subsídio”, assim como alguns mecanismos menos comuns que se baseiam
em direitos de propriedade comercializáveis.
Apesar de, na prática, as abordagens orientadas para o controle e a restrição ao uso
de recursos, apoiadas extensivamente em diretrizes regulatórias serem, tradicionalmente,
preferidas para o controle dos impactos ambientais, estes instrumentos não são
suficientemente flexíveis para oferecer uma melhoria ambiental com maior eficiência
econômica tendo em vista que impõem restrições a todos aos agentes degradadores,
independentemente, do seu custo ambiental de controle ou da intensidade da degradação
por ele provocada (MOTTA; RUITENBEEK & HUBER, 1996, p.15).
Motta & Sayago (1998, p.9), por sua vez, acrescentam que os instrumentos
reguladores adotados nas políticas ambientais são, na maioria das vezes, orientados para o
controle de relações tecnológicas, padrões e processos, impondo, de forma pouco flexível, a
todos os usuários os níveis máximos de emissão de poluentes e de uso dos recursos
naturais, penalizando quem os ultrapassa, sem, no entanto, levar em consideração os custos
individuais de cada usuário. Com isso, os agentes econômicos com estruturas de custo
completamente diferentes acabam recebendo o mesmo tratamento.
Em conseqüência disso, segundo Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.1) e Motta &
Sayago (1998, p.9), cada vez mais, os instrumentos econômicos (IEs) são amplamente
considerados como uma alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz para
complementar as estritas abordagens C&C. Isso porque, os IEs são mais flexíveis e
incentivam uma maior redução do nível de uso daqueles usuários que enfrentam custos
menores para realizar estas reduções. Assim, quando são utilizados instrumentos
econômicos, o próprio agente pode definir, a partir de seus próprios custos, até quanto está
disposto a pagar pelo uso dos recursos. Em outras palavras, ao fornecerem incentivos ao
controle da poluição ou de outros danos ambientais, os IEs permitem que o custo social de
controle ambiental seja menor. Além disso, os IEs podem gerar receitas para os cofres
públicos que podem ser utilizadas para financiar as mudanças institucionais e a própria
aplicação dos IEs, que implicam em custos administrativos elevados devido à necessidade
de monitoramento e de fiscalização por parte do poder público.
Aliado a isso, Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.5) destacam que a experiência
tem demonstrado que a utilização dos IEs na gestão ambiental pode trazer vários benefícios
tais como
“a) reduzir os custos resultantes do cumprimento da legislação; b) baixar os
encargos administrativos do setor público; c) melhorar as condições ambientais
em termos de qualidade do ar urbano e qualidade da água urbana; d) baixar as
emissões e efluentes de resíduos tóxicos e não-tóxicos; e) melhorar as condições
de saúde humana, o que, por sua vez, aumenta a produtividade econômica e baixa
os custos dos serviços de saúde; e f) contribuir para a sustentabilidade
institucional através do apoio às instituições do setor público que tenham
eficiência de custos e que cooperem com o setor privado e com as organizações
não-governamentais”.
Diante disso, pretende-se, neste trabalho, fazer uma discussão sobre política de
recursos hídricos no Brasil, no que diz respeito à utilização de instrumentos econômicos na
gestão ambiental desses recursos.
Considerando que o objetivo deste estudo é fazer uma resenha sobre a experiência
brasileira na adoção de instrumentos econômicos (IE) para o controle ambiental dos
recursos hídricos, sem qualquer tratamento analítico adicional, o mesmo trata-se de um
trabalho exploratório baseado em uma revisão de literatura sobre o tema proposto. Para
atender ao objeto de pesquisa proposto foram utilizados dados secundários e informações
obtidas na legislação brasileira, em livros, teses, artigos, textos para discussão e em sites
oficiais e/ou especializados.
O trabalho apresenta além dessa introdução, onde foram apresentados a
contextualização do tema deste trabalho, o seu objetivo, bem como, o método utilizado para
a realização da pesquisa, mais quatro seções: na segunda, realiza-se uma revisão sobre os
objetivos e principais instrumentos da política ambiental; na terceira, apresenta-se uma
descrição da política ambiental brasileira e suas características; na quarta seção faz-se uma
discussão sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos e a utilização dos instrumentos
econômicos na gestão desses recursos no Brasil. Por último, são feitas as considerações
finais sobre o presente trabalho.
2. Política Ambiental: objetivos e ferramentas
O estabelecimento de instrumentos de controle ambiental torna-se uma necessidade
na medida em que o uso, cada vez mais intenso, dos recursos naturais resulta na degradação
e no esgotamento de suas reservas, comprometendo a capacidade de crescimento
econômico e do desenvolvimento humano mundial. Nesse contexto, o Estado tem um papel
ativo na alocação desses recursos naturais que, geralmente, quando são deixados à mercê
das forças do mercado livre, são explorados a taxas que não se sustentam
intertemporalmente (MORAES & TUROLLA, 2004, p.2).
Assim, pode-se dizer que a política ambiental, objeto de estudo tanto do Direito
quanto da Economia, consiste na ação governamental com o intuito de orientar e de intervir
na atividade dos agentes econômicos a fim de tornar mais eficiente a alocação dos recursos
naturais e de minimizar os custos sociais decorrente do seu uso indevido ou abusivo.
Em outras palavras, as atividades econômicas podem gerar externalidades
ambientais negativas1 que causam perdas de bem-estar para os indivíduos afetados e a
política ambiental, conforme Moraes & Turolla (2004, p.2), pode ser entendida como um
conjunto de instrumentos à disposição do Estado para alterar a alocação de recursos, de
forma a reduzir tanto a demanda de recursos naturais quanto o consumo de bens e serviços
escassos sujeitos a externalidades negativas. Segundo Lustosa & Young (2002, p.577),
esses instrumentos se dividem em 03 (três) grupos principais: os instrumentos de comandoe-controle (C&C); os instrumentos econômicos (IE) e os instrumentos de comunicação
(IC).
2.1. Instrumentos de Comando-e-controle
Para Lustosa & Young (2002, p.578), os instrumentos de comando-e-controle
(C&C), também chamados de instrumentos de regulação direta ou reguladores, implicam
no controle direto sobre os locais em que estão sendo emitidos poluentes. Neste caso, um
órgão regulador estabelece uma série de normas, regras, restrições e controles a serem
seguidos pelos agentes poluidores e fixa as penalidades para os casos em que os mesmos
deixarem de cumpri-las.
Segundo Margulis (1996, p.5), os principais instrumentos reguladores (C&C) de
gestão ambiental usados em todo o mundo são as licenças, o zoneamento e os padrões,
conforme QUADRO 1.
1
Segundo Moreas & Turolla (2004), as externalidades são efeitos, favoráveis ou desfavoráveis, que uma
atividade qualquer exerce fora de seu próprio âmbito.
Quadro 1 - Principais Tipos de Instrumentos Reguladores (C&C)
• As licenças são usadas pelos órgãos de controle ambiental para permitir a instalação de
projetos e atividades com certo potencial de impacto ambiental. Os projetos mais
complexos geralmente requerem a preparação de estudos de impacto ambiental (EIA),
que são avaliações mais abrangentes dos efeitos dos projetos propostos.
• O zoneamento é um conjunto de regras de uso da terra empregado principalmente
pelos governos locais a fim de indicar aos agentes econômicos a localização mais
adequada para certas atividades. Essas regras se baseiam na divisão de um município
(ou outra jurisdição) em distritos ou zonas nos quais certos usos da terra são (ou não)
permitidos.
• Os padrões são os instrumentos do tipo C&Cde uso mais freqüente na gestão ambiental
em todo o mundo. Os principais tipos de padrões adotados são: a) padrões de qualidade
ambiental: limites máximos de concentração de poluentes no meio ambiente; b) padrões
de emissão: limites máximos para as concentrações ou quantidades totais a serem
despejados no ambiente por uma fonte de poluição; c) padrões tecnológicos: padrões
que determinam o uso de tecnologias específicas; d) padrões de desempenho: padrões
que especificam, por exemplo, a percentagem de remoção ou eficiência de um
determinado processo; e e) padrões de produto e processo: estabelecendo limites para a
descarga de efluentes por unidade de produção ou por processo.
Fonte: MARGULIS, 1996, p.6.
Margulis (1996, p.5) ressalta que a eficácia dos instrumentos de C&C depende da
capacidade reguladora e policial do Estado e, mais do que isso, de suas ações conjuntas.
Assim, o sucesso da aplicação deste tipo de instrumento de controle ambiental dependerá,
em grande parte, da competência legal que o órgão de controle ambiental tiver para
assegurar a obediência à lei, bem como, do seu poder político para resistir às pressões e às
ações legais movidas pelos agentes econômicos, contestando suas iniciativas.
Destaca-se também que, mesmo nos países em que estas condições são atendidas, os
instrumentos do tipo C&C não estão, fundamentalmente, preocupados com os efeitos
econômicos ou os custos em que as indústrias possam incorrer para restringirem suas
atividades. A adoção de um determinado padrão tecnológico, por exemplo, pode trazer
eficiência e, ao mesmo tempo, inviabilizar a atividade econômica de produtores menores,
gerando distorções distributivas. Além disso, pode também elevar os custos de produção de
empresas situadas em localidades isoladas, onde a poluição não seja um problema,
anulando os incentivos para que as empresas poluidoras se desloquem para áreas menos
densamente povoadas, o que é geralmente desejável do ponto de vista ambiental
(MARGULIS, 1996, p. 5; LUSTOSA & YOUNG, 2002, p.578).
2.2. Instrumentos Econômicos
Os instrumentos econômicos (IEs), também conhecidos como instrumentos de
mercado atuam, justamente, no sentido de alterar o preço de utilização de um recurso,
internalizando as externalidades (custos) que, normalmente, não seriam incorridos pelo
poluidor e afetando, consequentemente, sua demanda (MOTTA; OLIVEIRA &
MARGULIS, 2000, p.6).
Em 1989, a OCDE identificou mais de cem tipos diferentes de “instrumentos
econômicos” (IEs) quando, pela primeira vez, estas políticas ambientais estavam sendo
consideradas em muitos países. Incluíam, por exemplo, impostos sobre embalagem, taxas e
impostos sobre emissões, subsídios à operação ou aos investimentos em controle ou
tecnologias limpas, licenças comercializáveis, esquemas depósito-reembolso, bônus de
desempenho, instrumentos de responsabilização e muitos outros (MOTTA; RUITENBEEK
& HUBER, 1996, p.4-5).
No entanto, de acordo com Margulis (1996, p.8), os principais tipos de IEs usados
na gestão ambiental são: a) as taxas ambientais; b) a criação de um mercado; c) os sistemas
de depósito e reembolso, e; d) subsídios (QUADRO 2).
Quadro 2 - PRINCIPAIS TIPOS DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS APLICADOS
NA GESTÃO AMBIENTAL
(a) As taxas ambientais são preços a serem pagos pela poluição. Os tipos principais são: a)
taxas por emissão, em que os valores são proporcionais à carga ou ao volume (por exemplo:
efluentes líquidos, emissões atmosféricas, ruído e substâncias perigosas); b) taxas ao
usuário, pagamento direto por serviços de tratamento público ou coletivo de efluentes (por
exemplo: rejeitos sólidos domésticos e despejo ou tratamento de esgotos); c) taxas por
produto, acrescentadas ao preço de produtos que causam poluição (por exemplo:
combustíveis com alto teor de enxofre, pesticidas, baterias e CFCs); d) taxas
administrativas, para cobrir os custos do governo com o licenciamento, o controle, o
registro e outros serviços; e e) taxação diferenciada, aplicada a produtos similares com
efeitos ambientais diversos.
(b) A criação de um mercado é uma tentativa de fazer os poluidores comprarem direitos de
poluição, ou venderem esses direitos a outros setores. A licença negociável começa quando
o governo estabelece um nível global de controle, ou, de equivalentemente, uma quantidade
máxima de emissões. Quotas de emissão são então alocadas ou vendidas aos poluidores,
que mais adiante podem passar suas quotas adiante num mercado. A idéia é ir reduzindo
gradualmente o número total de licenças, até que a meta de qualidade ambiental seja
atingida. Aqueles poluidores, cujos custos marginais de controle forem menores que o
preço de uma quota de poluição, devem instalar equipamentos de controle; os outros devem
comprar licenças.
(c) Os sistemas de depósito e reembolso fazem os consumidores pagar um depósito de certo
valor sempre que comprarem produtos potencialmente poluidores. Quando devolvem os
produtos usados a centros autorizados de reciclagem ou reutilização, recebem seu depósito
de volta. Sistemas de depósito e reembolso são comumente usados para a reciclagem de
latas de alumínio, baterias, embalagens de pesticidas e fertilizantes, vidros, carrocerias de
automóveis e outros.
(d) Os subsídios podem ser concessões, incentivos fiscais como a depreciação acelerada e
créditos fiscais, ou créditos subsidiados, todos destinados a incentivar os poluidores a
reduzir suas emissões ou a reduzir seus custos de controle. Os subsídios não estimulam
mudanças de processo no interior das indústrias, além de incidirem sobre a sociedade como
um todo, e não diretamente sobre os poluidores.
Fonte: MARGULIS (1996, p.8).
Mendes & Motta, (1997, p.3), por sua vez, entendem que os instrumentos
econômicos podem ser de dois tipos:
a) Os incentivos que atuam na forma de prêmios são, basicamente, o crédito
subsidiado, as isenções de imposto e outras facilidades contábeis para efeito de redução da
carga fiscal, por isso, implicam em ônus social na medida em que comprometem os
recursos do Tesouro. Estes incentivos requerem prazos favoráveis à maturação dos
investimentos ambientais e sua aplicação é adequada em casos específicos de setores com
impacto econômico significativo e que tenham necessidade de ajustes emergenciais.
b) Os incentivos econômicos na forma de preços são todos os mecanismos de
mercado que orientam os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais
de acordo com sua escassez e seu custo de oportunidade social. Para isso, esses incetivos
atuam na formação dos preços privados destes bens ou, no caso de ausência de mercados,
na determinação de um preço social. O objetivo da atuação sobre os preços é a
internalização dos custos ambientais nos custos privados que os agentes econômicos
incorrem no mercado em atividades de produção e consumo.
Mendes & Motta (1997, p.3) também acrescentam que os incentivos econômicos
que atuam sobre a formação dos preços se dividem em duas categorias:
• Incentivos econômicos que atuam diretamente sobre os preços consistem em
mecanismos de cobrança direta pelo nível de poluição ou uso de um recurso
natural através de um imposto ou de uma simples cobrança proporcional ao uso
do recurso em termos de quantidade e qualidade. Esta cobrança, na sua forma
mais simples, pode ser realizada por um tipo de multa aplicada sobre o excesso
de poluição ou uso acima do padrão ambiental estipulado por lei. O valor desta
multa por não atendimento a padrões ambientais tem seu valor determinado
proporcionalmente a este excesso através de uma fórmula na qual cada unidade
de poluição ou uso tem um preço estipulado. Além disso, uma sofisticação deste
sistema seria a aplicação de uma cobrança sobre o nível permitido por lei, com
valores inferiores para os níveis menores de poluição e uso. Entretanto, neste
caso de níveis legalmente aceitos, a cobrança assemelha-se a um imposto e não
a uma multa por não atendimento a um requisito legal.
• Incentivos econômicos que atuam indiretamente sobre os preços procuram
estabelecer níveis desejados de uso do bem ou serviço ambiental como, por
exemplo, a quantidade total de poluição ou de uso permitida, através da
distribuição de certificados ou direitos de propriedade que são distribuídos entre
os usuários ou produtores. Estes certificados podem ser transacionados em
mercados específicos, com controle da autoridade ambiental através de
operações de emissão e resgate destes títulos. As firmas comprariam e
venderiam estes títulos de acordo com seus custos individuais de controle de
poluição.
Para Margulis (1996, p.7), Motta & Mendes (1997, p.4) e Lustosa & Young (2002,
p. 579-580), as principais vantagens dos IEs em relação aos instrumentos do tipo C&C,
sobretudo, dos incentivos econômicos que atuam sobre os preços são as seguintes:
a) permitem a geração de receitas fiscais e tarifárias, através da cobrança de taxas,
tarifas ou emissão de certificados, para lastrear os incentivos-prêmios ou capacitar os
órgãos ambientais. Dependendo da sua magnitude podem também servir para reduzir a
carga fiscal sobre investimentos e sobre a geração de empregos;
b) levam em conta as diferenças de custo de controle entre os agentes e, portanto,
alocam de forma mais eficiente os recursos econômicos à disposição da sociedade, ao
permitirem que aqueles com custos menores tenham incentivos para expandir as ações de
controle. Portanto, com IEs a sociedade tem custos de controle inferiores àqueles que
seriam incorridos se todos os poluidores ou usuários fossem obrigados a atingir os mesmos
padrões individuais conferindo, aos agentes econômicos, maior flexibilidade para controlar
suas emissões;
c) estimulam o uso e a procura permanente de tecnologias menos intensivas em bens
e serviços ambientais, mediante a redução da despesa fiscal em virtude da redução da carga
poluente ou da taxa de extração desses recursos;
d) asseguram uma fonte adicional de recursos para os governos financiarem
programas ambientais;
e) quando utilizados no início do processo de uso dos bens e serviços ambientais, os
IEs podem anular ou minimizar os efeitos das políticas setoriais que, com base em outros
incentivos, atuam negativamente na base ambiental, e;
f) um sistema de taxação progressiva ou de alocação inicial de certificados pode ser
efetivado segundo critérios distributivos em que a capacidade de pagamento de cada agente
econômico seja considerada.
2.3. Instrumentos de Comunicação
Além dos instrumentos de regulação e dos instrumentos econômicos de mercado, os
órgãos de controle ambiental vêm empregando os instrumentos de comunicação para
obrigar os poluidores a controlarem suas emissões e/ou reduzirem os impactos da poluição
que produzem.
De acordo com Lustosa & Young (2002, p. 579-580), são empregados para
conscientizar e informar os agentes poluidores e as populações atingidas sobre diversos
temas ambientais. Entre os principais instrumentos de comunicação utilizados na execução
da Política Ambiental, estão:
• Educação e informação. Em alguns casos, as falhas do mercado que levaram à
degradação ambiental resultaram de uma carência de informação. Considerando que, na
falta de informações sobre a natureza e a extensão das emissões poluidoras das
empresas, as comunidades locais podem não ter consciência dos riscos potenciais e do
que pode ser feito para reduzi-los, em geral, esses instrumentos, que envolve ações
como campanhas públicas, o uso dos meios de comunicação, seminários, audiências e
debates públicos além da educação formal, podem ser muito eficazes para mobilizar
não apenas as partes diretamente afetadas mas toda a comunidade. Além disso, a
pressão do público pode ser um instrumento poderoso para forçar a mudança. Em
muitos países, os órgãos de controle ambiental divulgam o desempenho de várias
indústrias no que se refere ao controle da poluição. Isto produz a censura pública,
boicotes dos consumidores e a cobertura negativa dos meios de comunicação,
obrigando as diretorias de empresas a adotarem ações efetivas de correção
(MARGULIS, 1996, p. 9; MOTTA; RUITENBEEK & HUBER, 1996, p. 23).
• Negociação direta e acordo voluntário. Em muitos casos de problemas ambientais, o
número de indivíduos envolvidos é pequeno, de modo que os poluidores e as
comunidades afetadas podem negociar uma solução sem a mediação do governo. Os
governos devem assegurar aos indivíduos afetados as informações necessárias acerca
dos efeitos da poluição, e talvez ajudá-los a se organizar, mas afora isso não precisam
participar diretamente das negociações. Um tipo de negociação direta possível entre os
vários grupos interessados são os chamados acordos voluntários, em que os poluidores
podem ser convencidos a mudar sua conduta por persuasão moral. Normalmente, esses
acordos são muito flexíveis, requerendo pouca burocracia e envolvendo diretamente os
grupos de interesse afetados, que podem ajudar a fiscalizar o cumprimento de seus
termos (MARGULIS, 1996, p.9-10).
3. Política Ambiental Brasileira
No Brasil, segundo Moraes & Turolla (2004, p.7), a política ambiental se
desenvolveu nos últimos quarenta anos, como resultado da ação de movimentos sociais
locais e de pressões vindas de fora do país. Do pós-guerra até 1972 – ano da Conferência de
Estocolmo –, não havia propriamente uma política ambiental, mas sim, políticas que
acabaram resultando nela. Os temas predominantes eram: o fomento à exploração dos
recursos naturais, o desbravamento do território, o saneamento rural, a educação sanitária e
os embates entre os interesses econômicos internos e externos.
Lustosa & Young (2002, p. 582), por sua vez, acrescentam que, até a década de
1970, não existia um órgão especializado no controle ambiental brasileiro e que as leis
esparsas existentes tratavam especificamente de alguns recursos naturais. A legislação que
dava base a essa política era formada pelos seguintes códigos: de águas (1934), florestal
(1965) e de caça e pesca (1967). Não havia, no entanto, uma ação coordenada de governo
ou uma entidade gestora da questão. Os autores, ainda, ressaltam que esse atraso no
estabelecimento de normas ambientais e de agências especializadas no controle da poluição
ambiental demonstra que, a matéria, de fato, não configurava entre as prioridades da
política pública brasileira.
A utilização mais ativa de instrumentos de política ambiental pelo Estado brasileiro
começou a ocorrer, a partir dos anos 1970, principalmente, devido ao impacto político da
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em junho de 1972, em
Estocolmo, na Suécia (GRANZIERA, 2009, p.31-32).
Lustosa & Young (2002, p. 582) enfatizam que, somente em 1973, a questão
ambiental passou a contar com uma estrutura pública de regulação independente quando,
seguindo a recomendação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, foi
criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (Decreto n. 73.030), órgão
especializado no trato de assuntos ambientais sob a coordenação do Ministério do Interior,
que, segundo Sousa (2009), passou a se dedicar ao avanço da legislação e aos assuntos que
demandavam negociação em nível nacional, tais como a produção de detergentes
biodegradáveis, a poluição por veículos, a demarcação de áreas críticas de poluição e a
criação de unidades nacionais de conservação.
O sistema de gestão ambiental adotado no Brasil, a partir de então, foi estruturado
com base no modelo norte-americano caracterizando-se por um grande nível de
descentralização, um acentuado viés regulatório baseado nos instrumentos de comando-econtrole e pela regulação direta das empresas que, por sua vez, demandam alta
disponibilidade de recursos humanos e técnicos para sua efetivação (LUSTOSA &
YOUNG, 2002, p. 583).
Embora diversas leis e normas tenham sido criadas ainda na década de 1970, apenas
em 1981, foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), pela Lei
6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) que, de acordo
Sirvinskas (2009, p. 134), pode ser compreendida como o conjunto de instrumentos legais,
técnicos, científicos, políticos e econômicos destinados à promoção do desenvolvimento
sócio-econômico sustentado no Brasil.
Desse modo, Sirvinskas (2009, p. 134) e Granziera (2009, p.71) salientam que a Lei
6.938/81 estabeleceu os objetivos, as diretrizes, as ações e instrumentos da Política
Nacional do Meio Ambiente, com o intuito não apenas de preservar, melhorar e recuperar a
qualidade ambiental, mas, sobretudo de conciliar a proteção do meio ambiente com o
desenvolvimento sócio-econômico, determinando, em seu art. 2º que “A preservação,
melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País,
condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à
proteção da dignidade da vida humana”.
Além disso, vale ressaltar que a Lei 6.938/81 foi recepcionada pela Constituição
Federal de 1988 que trouxe um capítulo sobre o Meio Ambiente e inseriu mudanças
significativas na área ambiental passando, desde então, a ser a principal referência legal
para proteção ao meio ambiente no país.
Nesse sentido, Fiorillo (2009, p.10) destaca que a CF/88, em seu art.225, estruturou
uma composição para a tutela dos valores ambientais, reconhecendo-lhes características
próprias, desvinculadas do instituto da posse e da propriedade e consagrando a concepção
de direitos difusos.
“Art. 225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações”.
Segundo Moraes & Turolla (2004, p. 9), em 1989, a SEMA foi extinta, com a
criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA), pela Lei 7.735 de 22/02/1989. Em 1992, foi criado o Ministério do Meio
Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), pela Lei 8.490/92, que
assumiu a coordenação da PNMA, sendo responsável pela definição de objetivos, metas e
políticas ambientais para o país. Com isso, o SISNAMA passou a compor-se, basicamente,
de duas esferas: uma de formulação de políticas, do qual fazem parte o CONAMA, órgão
superior do sistema, e o MMA, órgão central; e a esfera de execução de políticas, que
destinam-se ao IBAMA, executor da política federal de meio ambiente e de todos os órgãos
setoriais, estaduais e municipais.
Após esta descrição da evolução da política ambiental brasileira, constatou-se que a
estratégia de crescimento baseada na industrialização “por substituição de importações”
aliada ao atraso no estabelecimento de normas ambientais e de agências reguladoras
favoreceram a expansão de setores econômicos com alto potencial poluidor,
principalmente, a partir da consolidação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II
PND), com a instalação dos complexos metalúrgico e químico/petroquímico.
Observa-se que, mesmo com os avanços institucionais, administrativos e legais
ocorridos, a partir da década de 1980, após a implantação da Política Nacional do Meio
Ambiente, o modelo de gestão baseado na ampla utilização dos instrumentos de comando-
e-controle, com destaque para os licenciamentos ambientais, parece ter se mostrado
insuficiente e inadequado para resolver os diversos problemas ambientais existentes.
Na verdade, uma série de problemas tem dificultado a execução das políticas de
gestão ambiental, colocando “em xeque” o sistema baseado nos instrumentos de comandoe-controle. Lustosa & Young (2002, p. 585-589), enumeram várias questões que tem
comprometido a eficácia das políticas ambientais no Brasil, tais como:
a) a ação das agências tende a ser reativa, ou seja, a expansão das suas atividades,
em geral, reflete um agravamento de problemas não resolvidos anteriormente;
b) na prática, o princípio da independência da equipe responsável pela elaboração
dos “estudos de impacto ambiental2” entra em contradição com a permissão dada ao
proponente do projeto para que indique e contrate essa equipe;
c) a carência técnica, financeira e de pessoal somada a falta de apoio político e à
crise fiscal de diversas administrações estaduais tem impedido a ação efetiva das agências
estaduais de controle, exigindo maior atuação das agências municipais. No entanto, essa
multiplicidade de níveis administrativos dá origens a conflitos de competência, com
prejuízos para as comunidades envolvidas;
d) aliada às dificuldades internas dos órgãos administrativos responsáveis pela
gestão ambiental, há a falta de investimento em infra-estrutura e serviços urbanos que são
de outras competências administrativas (saneamento, transporte público, lixo urbano), a
persistência de grandes bolsões de pobreza e os padrões de consumo;
e) a falta de informações sobre a extensão e relevância dos problemas ambientais;
f) na fiscalização, os principais problemas são a falta de recursos humanos e
financeiros;
g) a rigidez do sistema de normas retira a flexibilidade dos gestores, tornando-os
pouco efetivos no sentido de criar estímulos aos agentes sociais para que adotem práticas
ambientalmente corretas.
Tendo em vista que, para fazer frente a esses problemas, a literatura recomenda a
incorporação de instrumentos econômicos aos demais instrumentos de controle e gestão
ambiental, no próximo item será apresentada uma breve resenha da política nacional de
recursos hídricos, com o intuito de descrever a experiência brasileira com a implantação da
cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a partir de 1997.
4. Política Nacional de Recursos Hídricos e o Uso de Instrumentos Econômicos no
Controle Ambiental da Água
A poluição da água apresenta algumas particularidades que facilitam,
consideravelmente, a aplicação de medidas de controle. Uma delas é a capacidade de se
poder quantificar e observar os efeitos de boa parte das principais fontes de poluição, o que
facilita em muito a aplicação do princípio do “poluidor-pagador”. Isto se explica pelo fato
de que a água aproveitável fica restrita aos corpos d’água e, por isso, tanto a identificação
dos usuários quanto o controle do seu uso tornam-se tarefas relativamente fáceis. Aliado a
isso, os danos causados pela poluição das águas também têm uma abrangência mais restrita
e de certa forma mais previsível, especialmente no caso de rios e lagos. Em geral, as mais
2
Os procedimentos de avaliação de impacto ambiental são o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
importantes fontes de poluição das águas são pontuais, favorecendo o monitoramento e o
acompanhamento da qualidade das mesmas. Essas características facilitam a adoção de
instrumentos de mercado, como a cobrança pelo uso dos recursos hídricos,
simultaneamente, com mecanismos de comando-e-controle, na medida em que as
contribuições individuais para a qualidade ambiental podem ser facilmente identificadas
(MENDES & MOTTA, 1997, P. 6-7).
Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p. 45) destacam que apesar da experiência
brasileira na gestão de bacias fluviais ter se iniciado em 1978, com a formação de
comissões para as bacias fluviais com a finalidade de efetuar estudos e sugerir linhas de
ação para racionalizar o uso da água, as mesmas não tinham competência legal e
administrativa para impor sanções e cobranças e a maioria das propostas relevantes não foi
posta em prática. Apenas no final década de 1980, com a promulgação da Constituição
Federal de 1988, as autoridades gerenciadoras de bacias fluviais foram providas de
mandatos normativos e financeiros e, somente em janeiro de 1997, foi aprovada a Lei n.
9.433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, organizando as instituições
em um sistema integrado de gerenciamento e determinando a competência3 para legislar e
proteger as águas (Granziera, 2009, p. 196).
Com isso, o Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos passou a ser
integrado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Agência Nacional das
Águas (ANA), Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos do poder público federal, estadual
e municipal, ou seja, é de competência da União legislar sobre as águas e de competência
comum dos Estados e Municípios além da União promover a melhoria das condições
desses recursos e o combate à poluição (MORAES & TUROLLA, 2004, p. 9).
Para implantar a Política Nacional de Recursos Hídricos, a lei definiu os
instrumentos que podem ser usados, classificando-os em: (1) de planejamento, quando a
com finalidade for organizar o uso dos recursos hídricos; (2) de controle, aplicados com o
intuito de garantir o uso da água em conformidade com as normas aplicáveis, e; (3)
econômicos, para induzir o uso racional (GRANZIERA, 2009, p. 196).
Vale ressaltar o entendimento manifesto do legislador brasileiro de que o emprego
combinado de diferentes tipos de instrumentos de gestão ambiental pode ser uma
alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz. Isto se evidencia quando,
além de indicar três grupos diferentes de ferramentas, explicita no art. 3º da Lei n. 9.433/97
que estes devem ser utilizados de forma a se complementarem. Em outras palavras,
determina que o instrumento econômico (cobrança pelo uso da água) deve ser
compatibilizado e integrado com os demais instrumentos de política de recursos hídricos.
No quadro 3, procurou-se sintetizar os principais instrumentos utilizados na gestão
de recursos hídricos, no Brasil, a partir da aprovação da Lei n. 9.433/97.
3
Segundo a lei n. 9433/97, é competência da União legislar sobre as águas e de competência comum dos
Estados e Municípios além da União promover a melhoria das condições desses recursos e o combate à
poluição.
QUADRO 3 – Instrumentos da Gestão de Recursos Hídricos Adotados no Brasil
•
•
•
•
•
•
Medida de Controle e Gestão
Plano de Recursos Hídricos
Enquadramento dos Corpos
de Águas em Classes,
segundo
os
usos
preponderantes da água
Outorga dos Direitos de Uso
dos Recursos Hídricos
Cobrança pelo Uso de
Recursos Hídricos
A compensação a municípios
Sistema de Informação sobre
Recursos Hídricos
•
•
•
Intrumentos
Planejamento
Comando-e-Controle
Planejamento
•
Comando-e-Controle
•
Econômico
•
•
•
•
Econômico
•
•
•
•
Comunicação
Planejamento
Comando-e-controle
•
•
•
•
Legislação
Lei n. 9433/97 (arts. 6º, 7º e
8º).
Lei n. 9433/97 (arts. 9º e 10);
Res. n. 20/86 do CONAMA.
Art. 21, XIX, CF;
Art. 29 e 30 da Lei n. 9433/97
Arts. 19, 20, 21 e 22 da Lei
n.9.433/97
Art. 24 da Lei n. 9433/97 –
vetado pelo Presidente da
República
Arts. 25, 26 e 27 da Lei n.
9433/97
Fonte: Retirado de SIRVINSKAS (2009, p.312-313) e adaptado pelas autoras.
No que diz respeito, especificamente, à utilização dos instrumentos econômicos,
segundo Granziera (2009, p. 204), a Lei n. 9.433/97 instituiu a cobrança de “preço
público”4 pelo uso da água com o objetivo de5 (1) reconhecer a água como bem econômico
e dar ao usuário uma indicação do seu real valor; (2) incentivar a racionalização do uso da
água; (3) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções
contemplados nos planos de recursos hídricos.
Quanto à destinação dos recursos da cobrança, com base no art. 22, § 1º, da Lei n.
9.433/97, entende-se que serão aplicados (1) no financiamento de estudos, programas,
projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; e (2) no pagamento das
despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do
Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, num limite de 7,5% (sete e
meio por cento). Isto quer dizer que, no mínimo 92,5% dos recursos da cobrança devem ser
destinados, prioritariamente, ao financiamento de estudos, programas, projetos e obras
contidas no Plano de Recurso Hídrico da Bacia Hidrográfica em que foram gerados. Diante
do exposto, Granziera (2009, p. 206) argumenta que
“O fato de a lei estabelecer que os recursos financeiros serão prioritariamente
aplicados na bacia hidrográfica onde foram gerados implica que o repasse dos
mesmos, na bacia hidrográfica de origem, na forma como a lei estabelece,
constitui ato discricionário da autoridade ou seja, poderá ocorrer desde que haja
conveniência e oportunidade no mesmo, porém sem qualquer fixação de limites
mínimos”.
Tendo em vista que, de modo geral, a disposição do poluidor/usuário em pagar
tende a ser proporcional à certeza de que os recursos beneficiarão a bacia hidrográfica em
que foram arrecadados e que a referida lei não assegurava isso, tornou-se necessário
4
5
Preço público trata-se de preço cobrado pela exploração de bem domínio público.
Arts. 19, 20, 21 e 22 da Lei n. 9.433/97.
garantir legalmente o retorno dos recursos à Bacia Hidrográfica onde os mesmos se
originaram, por meio de transferência.
Com esse objetivo, no ano 2000, foi aprovada a Lei n. 9.984/00 que, de acordo com
Moraes & Turolla (2004, p.10), modificou a Lei n. 9.433/97, criou a Agência Nacional das
Águas (ANA) e determinou, em seu art. 21, que as receitas provenientes da cobrança pelo
uso de recursos hídricos de domínio da União serão mantidas a disposição da ANA, na
Conta Única do Tesouro Nacional, enquanto não forem destinadas para as respectivas
programações.
No entanto, ao determinar que a receitas provenientes da cobrança pelo uso dos
recursos hídricos de domínio da União permanecerão à disposição da ANA até a sua
destinação nas respectivas programações, a Lei não garantia que esses recursos seriam
preservados após o exercício financeiro em que foram gerados nem impedia eventuais
contingenciamentos. Aliado a isso, era necessário implantar um mecanismo institucional de
controle para a transferência dos recursos do Tesouro Nacional para uma conta bancária em
nome da Agência de Águas da Bacia Hidrográfica (GRANZIERA, 2009, p. 206-208). A
autora destaca que esses problemas se tornaram evidentes por ocasião da implantação
pioneira da cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul.
Para solucionar essas questões, foi aprovada a Lei n. 10.881/2004, que conferiu a
necessária consistência no fluxo financeiro da cobrança pelo uso de recursos hídricos. O
§1º do art. 4º da referida lei, assegura que a Agência Nacional de Águas fará a transferência
dos recursos provenientes da cobrança pelo uso da água dos rios de domínio da União à
Agência de Águas da bacia hidrográfica em que foram arrecadados.
Todavia, à medida que novas experiências foram sendo concretizadas surgiu um
novo impasse, desta vez, relacionado com os critérios para a implantação da cobrança pelo
uso da água (MOTTA; OLIVEIRA & MARGULIS, 2000, p.12).
Para equacionar as divergências e orientar as decisões administrativas dos órgãos de
controle, no ano de 2005, entrou em vigor a Resolução n. 48/20056 do Conselho Nacional
de Recursos Hídricos (CNRH), que além de estabelecer os critérios gerais para a cobrança
pelo uso dos recursos hídricos acrescenta mais duas justificativas para a cobrança pelo uso
dos recursos hídricos: (1) estimular o investimento em despoluição, proteção e
conservação, bem como, a utilização de tecnologias limpas e poupadoras de recursos
hídricos; (2) induzir e estimular a proteção e conservação, o manejo integrado e a
recuperação dos recursos hídricos, com ênfase para as áreas inundáveis e de recarga de
aquíferos, mananciais e matas ciliares, por meio de compensações e incentivos aos usuários
(GRANZIERA, 2009, p. 204).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A política ambiental ideal seria aquela que incorporasse as diversas dimensões da
vida humana em sociedade, o que inclui as suas dimensões sociais, ambientais, políticas e
econômicas. O seu planejamento deve, portanto, orientar-se no princípio da
sustentabilidade, entendido aqui como o princípio que fornece as bases sólidas para um
estilo de desenvolvimento humano que preserve a qualidade de vida no planeta. Diante
disso, a adoção da perspectiva ambiental significa reconhecer que todos os processos de
6
Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) n. 48, de 21/03/2005.
ajuste setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e
global, devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na
preocupação com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da
identidade cultural dos povos a que se referirem.
No entanto, não foi isso o que aconteceu no caso do Brasil. A política ambiental
brasileira não foi abordada, na prática, sob uma ótica integrada às demais áreas com ela
relacionadas, como a saúde, o saneamento, a urbanização, a energia, os transportes, entre
outras, que embora sejam influenciadas pela política ambiental e, ao mesmo tempo,
influenciem o meio ambiente, sempre foram alvo de políticas setoriais próprias e isoladas.
Ademais, a política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões
externas e, de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, em geral,
privilegiaram o crescimento industrial, sem qualquer preocupação desenvolvimento
integrado e sustentável do país.
Em conseqüência disso, e do modelo de controle ambiental adotado, que baseou-se
no emprego de instrumentos de comando-e-controle, a experiência brasileira, embora
considerada adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado
poucos avanços no controle da qualidade ambiental.
Com os resultados insatisfatórios obtidos até então e considerando as reiteradas
recomendações, da literatura especializada, a cerca da utilização de instrumentos
econômicos no processo de gestão e controle ambiental, foi implantada no Brasil, pela Lei
n. 9.433/97, a cobrança pelo uso da água em bacias hidrográficas por volume e conteúdo
poluente.
Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que facilitam,
consideravelmente, a aplicação de medidas de controle, o processo de implementação da
cobrança pelo uso dos recursos hídricos enfrentou algumas dificuldades no seu decorrer,
tais como: superposições de jurisdição entre diferentes níveis governamentais e os órgãos
estaduais ou locais da região em que se localiza a bacia; dificuldades para definir os
critérios para a cobrança pelo uso da água e para a aplicação da receita obtida e, sobretudo,
a falta de um debate participativo entre as partes envolvidas.
Esse conjunto de fatores, dificultou e atrasou a implementação da cobrança pelo uso
dos recursos hídricos, até mesmos nos estados onde os órgãos ambientais são mais ativos e
a legislação ambiental estadual já estava aprovada ou em vias de sê-lo. Mais de uma década
se passou desde que foi instituída a política nacional de gestão de recursos hídricos e,
muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva.
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SOUSA, Ana Cristina A. de. A Evolução da Política Ambiental no Brasil do Século XX.
Disponível em: http://www.achegas.net/numero/vinteeseis/ana_sousa_26.htm. Acessado
em 28/05/2009.
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a utilização de instrumentos econômicos de controle