A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS DE CONTROLE AMBIENTAL DA ÁGUA: UMA DISCUSSÃO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA Área: ECONOMIA Categoria: PESQUISA Denise Rissato Profa. Assistente da Unioeste/Campus de Foz do Iguaçu e Membro do GEDAI E-mail: [email protected] Andréia Polizeli Sambatti Profa. Assistente da Unioeste/ Campus de Cascavel E-mail: [email protected] Resumo Este trabalho consiste em uma resenha sobre a experiência brasileira na adoção de instrumentos econômicos (IE) na política ambiental e, em especial, na gestão dos recursos hídricos. A política ambiental deve reconhecer que todos os processos de ajuste setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global, devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural dos povos a que se referirem. No entanto, não foi exatamente isso o que aconteceu no Brasil. A política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões externas e, de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, por sua vez, privilegiaram o crescimento industrial, sem qualquer preocupação com desenvolvimento integrado e sustentável do país. Em decorrência disso, e do modelo de gestão ambiental baseado no uso de instrumentos do tipo comando-e-controle, a experiência brasileira, embora considerada adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado poucos avanços no controle da qualidade ambiental. Em 1997, foi implantada no Brasil a política nacional de recursos hídricos e instituída a utilização de mecanismo de controle do tipo poluidor/pagador. Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que facilitam a aplicação dessas medidas de controle, a implantação da cobrança pelo uso da água enfrentou dificuldades no seu decorrer (superposições de jurisdição entre diferentes níveis governamentais; dificuldades para definir os critérios para a cobrança pelo uso da água e para a aplicação da receita obtida e a falta de um debate participativo entre as partes envolvidas) que dificultaram e atrasaram a sua implementação e, mais de uma década depois de ter sido instituída, muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva. Palavras-chave: Política Ambiental, Instrumentos Econômicos, Brasil. A UTILIZAÇÃO DE INSTRUMENTOS ECONOMICOS DE CONTROLE AMBIENTAL DA ÁGUA: UMA DISCUSSÃO DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA Área: Economia Categoria: PESQUISA Resumo Este trabalho consiste em uma resenha sobre a experiência brasileira na adoção de instrumentos econômicos (IE) na política ambiental e, em especial, na gestão dos recursos hídricos. A política ambiental deve reconhecer que todos os processos de ajuste setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global, devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural dos povos a que se referirem. No entanto, não foi exatamente isso o que aconteceu no Brasil. A política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões externas e, de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, por sua vez, privilegiaram o crescimento industrial, sem qualquer preocupação com desenvolvimento integrado e sustentável do país. Em decorrência disso, e do modelo de gestão ambiental baseado no uso de instrumentos do tipo comando-e-controle, a experiência brasileira, embora considerada adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado poucos avanços no controle da qualidade ambiental. Em 1997, foi implantada no Brasil a política nacional de recursos hídricos e instituída a utilização de mecanismo de controle do tipo poluidor/pagador. Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que facilitam a aplicação dessas medidas de controle, a implantação da cobrança pelo uso da água enfrentou dificuldades no seu decorrer (superposições de jurisdição entre diferentes níveis governamentais; dificuldades para definir os critérios para a cobrança pelo uso da água e para a aplicação da receita obtida e a falta de um debate participativo entre as partes envolvidas) que dificultaram e atrasaram a sua implementação e, mais de uma década depois de ter sido instituída, muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva. Palavras-chave: Política Ambiental, Instrumentos Econômicos, Brasil. 1. INTRODUÇÃO Diante da oferta limitada de recursos econômicos, a sociedade global, cada vez mais, enfrenta desafios relacionados ao aumento da população mundial e à crescente industrialização e urbanização do planeta, sobretudo, à medida que se propaga a consciência de que o padrão histórico de consumo e produção tem causado profundas alterações sobre o meio ambiente. Essa crescente preocupação com alternativas de desenvolvimento sustentável e com a necessidade de se utilizar de maneira responsável os recursos produtivos, especialmente os recursos naturais não-renováveis, tem colocado a questão ambiental na lista de prioridades de ação do Estado (MARGULIS, 1996, p.1; MORAES & TUROLLA, 2004, p.1). Contudo, para Motta (1997, p.1), apesar da questão ambiental encontrar-se incorporada na agenda dos partidos políticos, nos programas de governo, no cerne das organizações populares e no planejamento empresarial, o equacionamento dos problemas ambientais não é trivial e requer uma análise profunda e abrangente para reconhecer os problemas ambientais existentes e a sua relação direta com o nível e a qualidade do desenvolvimento econômico para então, num segundo momento, identificar políticas e instrumentos que podem ser engendrados e motivados no planejamento governamental que, em conjunto com outras iniciativas da sociedade civil e da área empresarial, possam reverter tendências ambientais restritivas à melhoria do bem-estar da população e harmonizá-las num contexto de desenvolvimento sustentável. Uma política pública ambiental é uma tomada de decisão sobre a gestão dos recursos naturais, combinando ações e compromissos em que estão envolvidos a sociedade em geral e os poderes legalmente constituídos. A tomada de decisão na área ambiental envolve a preservação/conservação de recursos naturais, as necessidades da sociedade e das atividades econômicas e a antecipação de eventos e elementos de irracionalidade (MOTA, 2001, p. 68). Isto posto, entende-se que a política ambiental definida, por Lustosa & Young (2002, p.569), como o conjunto de metas e instrumentos que visam reduzir os impactos negativos da ação do homem sobre o meio ambiente, precisa levar em conta tanto seus efeitos sobre a atividade dos agentes econômicos e, por consequência, sobre as demais políticas públicas (tais como a política agrícola e industrial e de comércio exterior) quanto que as políticas econômicas favorecem e induzem a um dado tipo de comportamento econômico de produção e consumo que, por sua vez, tem impactos importantes sobre o meio ambiente. No entanto, apesar da complexidade das questões ambientais e das dificuldades para o seu equacionamento, Margulis destaca que, a atenção crescente conferida ao assunto, sobretudo, a partir dos anos 1980, tem melhorado, significativamente, a maneira como a questão ambiental tem sido tratada pelos governos e pelos agentes econômicos em todo o mundo e destaca que “a deterioração da qualidade ambiental neste período teria sido muito pior se os governos não tivessem empregado regras e incentivos mais adequados para enfrentar os problemas ambientais” (MARGULIS, 1996, p.5). De acordo Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.1), muitos tipos de instrumentos, com variável grau de sucesso, têm sido empregados por vários países em decisões relativas à questão ambiental, uma vez que o controle de problemas particulares requer o uso de diferentes mecanismos de ação. Em um extremo, encontram-se os tradicionais regulamentos do tipo comando-e-controle (C&C) que incluem sanções, regras e normas restritivas. No outro extremo, têm-se abordagens de “laissez-faire”, nas quais há a necessidade de uma advocacia do consumidor ou de litígios particulares que atuem como motivadores para melhoria da gestão ambiental. No centro, encontramos abordagens do tipo “taxação e subsídio”, assim como alguns mecanismos menos comuns que se baseiam em direitos de propriedade comercializáveis. Apesar de, na prática, as abordagens orientadas para o controle e a restrição ao uso de recursos, apoiadas extensivamente em diretrizes regulatórias serem, tradicionalmente, preferidas para o controle dos impactos ambientais, estes instrumentos não são suficientemente flexíveis para oferecer uma melhoria ambiental com maior eficiência econômica tendo em vista que impõem restrições a todos aos agentes degradadores, independentemente, do seu custo ambiental de controle ou da intensidade da degradação por ele provocada (MOTTA; RUITENBEEK & HUBER, 1996, p.15). Motta & Sayago (1998, p.9), por sua vez, acrescentam que os instrumentos reguladores adotados nas políticas ambientais são, na maioria das vezes, orientados para o controle de relações tecnológicas, padrões e processos, impondo, de forma pouco flexível, a todos os usuários os níveis máximos de emissão de poluentes e de uso dos recursos naturais, penalizando quem os ultrapassa, sem, no entanto, levar em consideração os custos individuais de cada usuário. Com isso, os agentes econômicos com estruturas de custo completamente diferentes acabam recebendo o mesmo tratamento. Em conseqüência disso, segundo Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.1) e Motta & Sayago (1998, p.9), cada vez mais, os instrumentos econômicos (IEs) são amplamente considerados como uma alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz para complementar as estritas abordagens C&C. Isso porque, os IEs são mais flexíveis e incentivam uma maior redução do nível de uso daqueles usuários que enfrentam custos menores para realizar estas reduções. Assim, quando são utilizados instrumentos econômicos, o próprio agente pode definir, a partir de seus próprios custos, até quanto está disposto a pagar pelo uso dos recursos. Em outras palavras, ao fornecerem incentivos ao controle da poluição ou de outros danos ambientais, os IEs permitem que o custo social de controle ambiental seja menor. Além disso, os IEs podem gerar receitas para os cofres públicos que podem ser utilizadas para financiar as mudanças institucionais e a própria aplicação dos IEs, que implicam em custos administrativos elevados devido à necessidade de monitoramento e de fiscalização por parte do poder público. Aliado a isso, Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p.5) destacam que a experiência tem demonstrado que a utilização dos IEs na gestão ambiental pode trazer vários benefícios tais como “a) reduzir os custos resultantes do cumprimento da legislação; b) baixar os encargos administrativos do setor público; c) melhorar as condições ambientais em termos de qualidade do ar urbano e qualidade da água urbana; d) baixar as emissões e efluentes de resíduos tóxicos e não-tóxicos; e) melhorar as condições de saúde humana, o que, por sua vez, aumenta a produtividade econômica e baixa os custos dos serviços de saúde; e f) contribuir para a sustentabilidade institucional através do apoio às instituições do setor público que tenham eficiência de custos e que cooperem com o setor privado e com as organizações não-governamentais”. Diante disso, pretende-se, neste trabalho, fazer uma discussão sobre política de recursos hídricos no Brasil, no que diz respeito à utilização de instrumentos econômicos na gestão ambiental desses recursos. Considerando que o objetivo deste estudo é fazer uma resenha sobre a experiência brasileira na adoção de instrumentos econômicos (IE) para o controle ambiental dos recursos hídricos, sem qualquer tratamento analítico adicional, o mesmo trata-se de um trabalho exploratório baseado em uma revisão de literatura sobre o tema proposto. Para atender ao objeto de pesquisa proposto foram utilizados dados secundários e informações obtidas na legislação brasileira, em livros, teses, artigos, textos para discussão e em sites oficiais e/ou especializados. O trabalho apresenta além dessa introdução, onde foram apresentados a contextualização do tema deste trabalho, o seu objetivo, bem como, o método utilizado para a realização da pesquisa, mais quatro seções: na segunda, realiza-se uma revisão sobre os objetivos e principais instrumentos da política ambiental; na terceira, apresenta-se uma descrição da política ambiental brasileira e suas características; na quarta seção faz-se uma discussão sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos e a utilização dos instrumentos econômicos na gestão desses recursos no Brasil. Por último, são feitas as considerações finais sobre o presente trabalho. 2. Política Ambiental: objetivos e ferramentas O estabelecimento de instrumentos de controle ambiental torna-se uma necessidade na medida em que o uso, cada vez mais intenso, dos recursos naturais resulta na degradação e no esgotamento de suas reservas, comprometendo a capacidade de crescimento econômico e do desenvolvimento humano mundial. Nesse contexto, o Estado tem um papel ativo na alocação desses recursos naturais que, geralmente, quando são deixados à mercê das forças do mercado livre, são explorados a taxas que não se sustentam intertemporalmente (MORAES & TUROLLA, 2004, p.2). Assim, pode-se dizer que a política ambiental, objeto de estudo tanto do Direito quanto da Economia, consiste na ação governamental com o intuito de orientar e de intervir na atividade dos agentes econômicos a fim de tornar mais eficiente a alocação dos recursos naturais e de minimizar os custos sociais decorrente do seu uso indevido ou abusivo. Em outras palavras, as atividades econômicas podem gerar externalidades ambientais negativas1 que causam perdas de bem-estar para os indivíduos afetados e a política ambiental, conforme Moraes & Turolla (2004, p.2), pode ser entendida como um conjunto de instrumentos à disposição do Estado para alterar a alocação de recursos, de forma a reduzir tanto a demanda de recursos naturais quanto o consumo de bens e serviços escassos sujeitos a externalidades negativas. Segundo Lustosa & Young (2002, p.577), esses instrumentos se dividem em 03 (três) grupos principais: os instrumentos de comandoe-controle (C&C); os instrumentos econômicos (IE) e os instrumentos de comunicação (IC). 2.1. Instrumentos de Comando-e-controle Para Lustosa & Young (2002, p.578), os instrumentos de comando-e-controle (C&C), também chamados de instrumentos de regulação direta ou reguladores, implicam no controle direto sobre os locais em que estão sendo emitidos poluentes. Neste caso, um órgão regulador estabelece uma série de normas, regras, restrições e controles a serem seguidos pelos agentes poluidores e fixa as penalidades para os casos em que os mesmos deixarem de cumpri-las. Segundo Margulis (1996, p.5), os principais instrumentos reguladores (C&C) de gestão ambiental usados em todo o mundo são as licenças, o zoneamento e os padrões, conforme QUADRO 1. 1 Segundo Moreas & Turolla (2004), as externalidades são efeitos, favoráveis ou desfavoráveis, que uma atividade qualquer exerce fora de seu próprio âmbito. Quadro 1 - Principais Tipos de Instrumentos Reguladores (C&C) • As licenças são usadas pelos órgãos de controle ambiental para permitir a instalação de projetos e atividades com certo potencial de impacto ambiental. Os projetos mais complexos geralmente requerem a preparação de estudos de impacto ambiental (EIA), que são avaliações mais abrangentes dos efeitos dos projetos propostos. • O zoneamento é um conjunto de regras de uso da terra empregado principalmente pelos governos locais a fim de indicar aos agentes econômicos a localização mais adequada para certas atividades. Essas regras se baseiam na divisão de um município (ou outra jurisdição) em distritos ou zonas nos quais certos usos da terra são (ou não) permitidos. • Os padrões são os instrumentos do tipo C&Cde uso mais freqüente na gestão ambiental em todo o mundo. Os principais tipos de padrões adotados são: a) padrões de qualidade ambiental: limites máximos de concentração de poluentes no meio ambiente; b) padrões de emissão: limites máximos para as concentrações ou quantidades totais a serem despejados no ambiente por uma fonte de poluição; c) padrões tecnológicos: padrões que determinam o uso de tecnologias específicas; d) padrões de desempenho: padrões que especificam, por exemplo, a percentagem de remoção ou eficiência de um determinado processo; e e) padrões de produto e processo: estabelecendo limites para a descarga de efluentes por unidade de produção ou por processo. Fonte: MARGULIS, 1996, p.6. Margulis (1996, p.5) ressalta que a eficácia dos instrumentos de C&C depende da capacidade reguladora e policial do Estado e, mais do que isso, de suas ações conjuntas. Assim, o sucesso da aplicação deste tipo de instrumento de controle ambiental dependerá, em grande parte, da competência legal que o órgão de controle ambiental tiver para assegurar a obediência à lei, bem como, do seu poder político para resistir às pressões e às ações legais movidas pelos agentes econômicos, contestando suas iniciativas. Destaca-se também que, mesmo nos países em que estas condições são atendidas, os instrumentos do tipo C&C não estão, fundamentalmente, preocupados com os efeitos econômicos ou os custos em que as indústrias possam incorrer para restringirem suas atividades. A adoção de um determinado padrão tecnológico, por exemplo, pode trazer eficiência e, ao mesmo tempo, inviabilizar a atividade econômica de produtores menores, gerando distorções distributivas. Além disso, pode também elevar os custos de produção de empresas situadas em localidades isoladas, onde a poluição não seja um problema, anulando os incentivos para que as empresas poluidoras se desloquem para áreas menos densamente povoadas, o que é geralmente desejável do ponto de vista ambiental (MARGULIS, 1996, p. 5; LUSTOSA & YOUNG, 2002, p.578). 2.2. Instrumentos Econômicos Os instrumentos econômicos (IEs), também conhecidos como instrumentos de mercado atuam, justamente, no sentido de alterar o preço de utilização de um recurso, internalizando as externalidades (custos) que, normalmente, não seriam incorridos pelo poluidor e afetando, consequentemente, sua demanda (MOTTA; OLIVEIRA & MARGULIS, 2000, p.6). Em 1989, a OCDE identificou mais de cem tipos diferentes de “instrumentos econômicos” (IEs) quando, pela primeira vez, estas políticas ambientais estavam sendo consideradas em muitos países. Incluíam, por exemplo, impostos sobre embalagem, taxas e impostos sobre emissões, subsídios à operação ou aos investimentos em controle ou tecnologias limpas, licenças comercializáveis, esquemas depósito-reembolso, bônus de desempenho, instrumentos de responsabilização e muitos outros (MOTTA; RUITENBEEK & HUBER, 1996, p.4-5). No entanto, de acordo com Margulis (1996, p.8), os principais tipos de IEs usados na gestão ambiental são: a) as taxas ambientais; b) a criação de um mercado; c) os sistemas de depósito e reembolso, e; d) subsídios (QUADRO 2). Quadro 2 - PRINCIPAIS TIPOS DE INSTRUMENTOS ECONÔMICOS APLICADOS NA GESTÃO AMBIENTAL (a) As taxas ambientais são preços a serem pagos pela poluição. Os tipos principais são: a) taxas por emissão, em que os valores são proporcionais à carga ou ao volume (por exemplo: efluentes líquidos, emissões atmosféricas, ruído e substâncias perigosas); b) taxas ao usuário, pagamento direto por serviços de tratamento público ou coletivo de efluentes (por exemplo: rejeitos sólidos domésticos e despejo ou tratamento de esgotos); c) taxas por produto, acrescentadas ao preço de produtos que causam poluição (por exemplo: combustíveis com alto teor de enxofre, pesticidas, baterias e CFCs); d) taxas administrativas, para cobrir os custos do governo com o licenciamento, o controle, o registro e outros serviços; e e) taxação diferenciada, aplicada a produtos similares com efeitos ambientais diversos. (b) A criação de um mercado é uma tentativa de fazer os poluidores comprarem direitos de poluição, ou venderem esses direitos a outros setores. A licença negociável começa quando o governo estabelece um nível global de controle, ou, de equivalentemente, uma quantidade máxima de emissões. Quotas de emissão são então alocadas ou vendidas aos poluidores, que mais adiante podem passar suas quotas adiante num mercado. A idéia é ir reduzindo gradualmente o número total de licenças, até que a meta de qualidade ambiental seja atingida. Aqueles poluidores, cujos custos marginais de controle forem menores que o preço de uma quota de poluição, devem instalar equipamentos de controle; os outros devem comprar licenças. (c) Os sistemas de depósito e reembolso fazem os consumidores pagar um depósito de certo valor sempre que comprarem produtos potencialmente poluidores. Quando devolvem os produtos usados a centros autorizados de reciclagem ou reutilização, recebem seu depósito de volta. Sistemas de depósito e reembolso são comumente usados para a reciclagem de latas de alumínio, baterias, embalagens de pesticidas e fertilizantes, vidros, carrocerias de automóveis e outros. (d) Os subsídios podem ser concessões, incentivos fiscais como a depreciação acelerada e créditos fiscais, ou créditos subsidiados, todos destinados a incentivar os poluidores a reduzir suas emissões ou a reduzir seus custos de controle. Os subsídios não estimulam mudanças de processo no interior das indústrias, além de incidirem sobre a sociedade como um todo, e não diretamente sobre os poluidores. Fonte: MARGULIS (1996, p.8). Mendes & Motta, (1997, p.3), por sua vez, entendem que os instrumentos econômicos podem ser de dois tipos: a) Os incentivos que atuam na forma de prêmios são, basicamente, o crédito subsidiado, as isenções de imposto e outras facilidades contábeis para efeito de redução da carga fiscal, por isso, implicam em ônus social na medida em que comprometem os recursos do Tesouro. Estes incentivos requerem prazos favoráveis à maturação dos investimentos ambientais e sua aplicação é adequada em casos específicos de setores com impacto econômico significativo e que tenham necessidade de ajustes emergenciais. b) Os incentivos econômicos na forma de preços são todos os mecanismos de mercado que orientam os agentes econômicos a valorizarem os bens e serviços ambientais de acordo com sua escassez e seu custo de oportunidade social. Para isso, esses incetivos atuam na formação dos preços privados destes bens ou, no caso de ausência de mercados, na determinação de um preço social. O objetivo da atuação sobre os preços é a internalização dos custos ambientais nos custos privados que os agentes econômicos incorrem no mercado em atividades de produção e consumo. Mendes & Motta (1997, p.3) também acrescentam que os incentivos econômicos que atuam sobre a formação dos preços se dividem em duas categorias: • Incentivos econômicos que atuam diretamente sobre os preços consistem em mecanismos de cobrança direta pelo nível de poluição ou uso de um recurso natural através de um imposto ou de uma simples cobrança proporcional ao uso do recurso em termos de quantidade e qualidade. Esta cobrança, na sua forma mais simples, pode ser realizada por um tipo de multa aplicada sobre o excesso de poluição ou uso acima do padrão ambiental estipulado por lei. O valor desta multa por não atendimento a padrões ambientais tem seu valor determinado proporcionalmente a este excesso através de uma fórmula na qual cada unidade de poluição ou uso tem um preço estipulado. Além disso, uma sofisticação deste sistema seria a aplicação de uma cobrança sobre o nível permitido por lei, com valores inferiores para os níveis menores de poluição e uso. Entretanto, neste caso de níveis legalmente aceitos, a cobrança assemelha-se a um imposto e não a uma multa por não atendimento a um requisito legal. • Incentivos econômicos que atuam indiretamente sobre os preços procuram estabelecer níveis desejados de uso do bem ou serviço ambiental como, por exemplo, a quantidade total de poluição ou de uso permitida, através da distribuição de certificados ou direitos de propriedade que são distribuídos entre os usuários ou produtores. Estes certificados podem ser transacionados em mercados específicos, com controle da autoridade ambiental através de operações de emissão e resgate destes títulos. As firmas comprariam e venderiam estes títulos de acordo com seus custos individuais de controle de poluição. Para Margulis (1996, p.7), Motta & Mendes (1997, p.4) e Lustosa & Young (2002, p. 579-580), as principais vantagens dos IEs em relação aos instrumentos do tipo C&C, sobretudo, dos incentivos econômicos que atuam sobre os preços são as seguintes: a) permitem a geração de receitas fiscais e tarifárias, através da cobrança de taxas, tarifas ou emissão de certificados, para lastrear os incentivos-prêmios ou capacitar os órgãos ambientais. Dependendo da sua magnitude podem também servir para reduzir a carga fiscal sobre investimentos e sobre a geração de empregos; b) levam em conta as diferenças de custo de controle entre os agentes e, portanto, alocam de forma mais eficiente os recursos econômicos à disposição da sociedade, ao permitirem que aqueles com custos menores tenham incentivos para expandir as ações de controle. Portanto, com IEs a sociedade tem custos de controle inferiores àqueles que seriam incorridos se todos os poluidores ou usuários fossem obrigados a atingir os mesmos padrões individuais conferindo, aos agentes econômicos, maior flexibilidade para controlar suas emissões; c) estimulam o uso e a procura permanente de tecnologias menos intensivas em bens e serviços ambientais, mediante a redução da despesa fiscal em virtude da redução da carga poluente ou da taxa de extração desses recursos; d) asseguram uma fonte adicional de recursos para os governos financiarem programas ambientais; e) quando utilizados no início do processo de uso dos bens e serviços ambientais, os IEs podem anular ou minimizar os efeitos das políticas setoriais que, com base em outros incentivos, atuam negativamente na base ambiental, e; f) um sistema de taxação progressiva ou de alocação inicial de certificados pode ser efetivado segundo critérios distributivos em que a capacidade de pagamento de cada agente econômico seja considerada. 2.3. Instrumentos de Comunicação Além dos instrumentos de regulação e dos instrumentos econômicos de mercado, os órgãos de controle ambiental vêm empregando os instrumentos de comunicação para obrigar os poluidores a controlarem suas emissões e/ou reduzirem os impactos da poluição que produzem. De acordo com Lustosa & Young (2002, p. 579-580), são empregados para conscientizar e informar os agentes poluidores e as populações atingidas sobre diversos temas ambientais. Entre os principais instrumentos de comunicação utilizados na execução da Política Ambiental, estão: • Educação e informação. Em alguns casos, as falhas do mercado que levaram à degradação ambiental resultaram de uma carência de informação. Considerando que, na falta de informações sobre a natureza e a extensão das emissões poluidoras das empresas, as comunidades locais podem não ter consciência dos riscos potenciais e do que pode ser feito para reduzi-los, em geral, esses instrumentos, que envolve ações como campanhas públicas, o uso dos meios de comunicação, seminários, audiências e debates públicos além da educação formal, podem ser muito eficazes para mobilizar não apenas as partes diretamente afetadas mas toda a comunidade. Além disso, a pressão do público pode ser um instrumento poderoso para forçar a mudança. Em muitos países, os órgãos de controle ambiental divulgam o desempenho de várias indústrias no que se refere ao controle da poluição. Isto produz a censura pública, boicotes dos consumidores e a cobertura negativa dos meios de comunicação, obrigando as diretorias de empresas a adotarem ações efetivas de correção (MARGULIS, 1996, p. 9; MOTTA; RUITENBEEK & HUBER, 1996, p. 23). • Negociação direta e acordo voluntário. Em muitos casos de problemas ambientais, o número de indivíduos envolvidos é pequeno, de modo que os poluidores e as comunidades afetadas podem negociar uma solução sem a mediação do governo. Os governos devem assegurar aos indivíduos afetados as informações necessárias acerca dos efeitos da poluição, e talvez ajudá-los a se organizar, mas afora isso não precisam participar diretamente das negociações. Um tipo de negociação direta possível entre os vários grupos interessados são os chamados acordos voluntários, em que os poluidores podem ser convencidos a mudar sua conduta por persuasão moral. Normalmente, esses acordos são muito flexíveis, requerendo pouca burocracia e envolvendo diretamente os grupos de interesse afetados, que podem ajudar a fiscalizar o cumprimento de seus termos (MARGULIS, 1996, p.9-10). 3. Política Ambiental Brasileira No Brasil, segundo Moraes & Turolla (2004, p.7), a política ambiental se desenvolveu nos últimos quarenta anos, como resultado da ação de movimentos sociais locais e de pressões vindas de fora do país. Do pós-guerra até 1972 – ano da Conferência de Estocolmo –, não havia propriamente uma política ambiental, mas sim, políticas que acabaram resultando nela. Os temas predominantes eram: o fomento à exploração dos recursos naturais, o desbravamento do território, o saneamento rural, a educação sanitária e os embates entre os interesses econômicos internos e externos. Lustosa & Young (2002, p. 582), por sua vez, acrescentam que, até a década de 1970, não existia um órgão especializado no controle ambiental brasileiro e que as leis esparsas existentes tratavam especificamente de alguns recursos naturais. A legislação que dava base a essa política era formada pelos seguintes códigos: de águas (1934), florestal (1965) e de caça e pesca (1967). Não havia, no entanto, uma ação coordenada de governo ou uma entidade gestora da questão. Os autores, ainda, ressaltam que esse atraso no estabelecimento de normas ambientais e de agências especializadas no controle da poluição ambiental demonstra que, a matéria, de fato, não configurava entre as prioridades da política pública brasileira. A utilização mais ativa de instrumentos de política ambiental pelo Estado brasileiro começou a ocorrer, a partir dos anos 1970, principalmente, devido ao impacto político da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, realizada em junho de 1972, em Estocolmo, na Suécia (GRANZIERA, 2009, p.31-32). Lustosa & Young (2002, p. 582) enfatizam que, somente em 1973, a questão ambiental passou a contar com uma estrutura pública de regulação independente quando, seguindo a recomendação da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (Decreto n. 73.030), órgão especializado no trato de assuntos ambientais sob a coordenação do Ministério do Interior, que, segundo Sousa (2009), passou a se dedicar ao avanço da legislação e aos assuntos que demandavam negociação em nível nacional, tais como a produção de detergentes biodegradáveis, a poluição por veículos, a demarcação de áreas críticas de poluição e a criação de unidades nacionais de conservação. O sistema de gestão ambiental adotado no Brasil, a partir de então, foi estruturado com base no modelo norte-americano caracterizando-se por um grande nível de descentralização, um acentuado viés regulatório baseado nos instrumentos de comando-econtrole e pela regulação direta das empresas que, por sua vez, demandam alta disponibilidade de recursos humanos e técnicos para sua efetivação (LUSTOSA & YOUNG, 2002, p. 583). Embora diversas leis e normas tenham sido criadas ainda na década de 1970, apenas em 1981, foi criado o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), pela Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA) que, de acordo Sirvinskas (2009, p. 134), pode ser compreendida como o conjunto de instrumentos legais, técnicos, científicos, políticos e econômicos destinados à promoção do desenvolvimento sócio-econômico sustentado no Brasil. Desse modo, Sirvinskas (2009, p. 134) e Granziera (2009, p.71) salientam que a Lei 6.938/81 estabeleceu os objetivos, as diretrizes, as ações e instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, com o intuito não apenas de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental, mas, sobretudo de conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento sócio-econômico, determinando, em seu art. 2º que “A preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. Além disso, vale ressaltar que a Lei 6.938/81 foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 que trouxe um capítulo sobre o Meio Ambiente e inseriu mudanças significativas na área ambiental passando, desde então, a ser a principal referência legal para proteção ao meio ambiente no país. Nesse sentido, Fiorillo (2009, p.10) destaca que a CF/88, em seu art.225, estruturou uma composição para a tutela dos valores ambientais, reconhecendo-lhes características próprias, desvinculadas do instituto da posse e da propriedade e consagrando a concepção de direitos difusos. “Art. 225. Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Segundo Moraes & Turolla (2004, p. 9), em 1989, a SEMA foi extinta, com a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), pela Lei 7.735 de 22/02/1989. Em 1992, foi criado o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), pela Lei 8.490/92, que assumiu a coordenação da PNMA, sendo responsável pela definição de objetivos, metas e políticas ambientais para o país. Com isso, o SISNAMA passou a compor-se, basicamente, de duas esferas: uma de formulação de políticas, do qual fazem parte o CONAMA, órgão superior do sistema, e o MMA, órgão central; e a esfera de execução de políticas, que destinam-se ao IBAMA, executor da política federal de meio ambiente e de todos os órgãos setoriais, estaduais e municipais. Após esta descrição da evolução da política ambiental brasileira, constatou-se que a estratégia de crescimento baseada na industrialização “por substituição de importações” aliada ao atraso no estabelecimento de normas ambientais e de agências reguladoras favoreceram a expansão de setores econômicos com alto potencial poluidor, principalmente, a partir da consolidação do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), com a instalação dos complexos metalúrgico e químico/petroquímico. Observa-se que, mesmo com os avanços institucionais, administrativos e legais ocorridos, a partir da década de 1980, após a implantação da Política Nacional do Meio Ambiente, o modelo de gestão baseado na ampla utilização dos instrumentos de comando- e-controle, com destaque para os licenciamentos ambientais, parece ter se mostrado insuficiente e inadequado para resolver os diversos problemas ambientais existentes. Na verdade, uma série de problemas tem dificultado a execução das políticas de gestão ambiental, colocando “em xeque” o sistema baseado nos instrumentos de comandoe-controle. Lustosa & Young (2002, p. 585-589), enumeram várias questões que tem comprometido a eficácia das políticas ambientais no Brasil, tais como: a) a ação das agências tende a ser reativa, ou seja, a expansão das suas atividades, em geral, reflete um agravamento de problemas não resolvidos anteriormente; b) na prática, o princípio da independência da equipe responsável pela elaboração dos “estudos de impacto ambiental2” entra em contradição com a permissão dada ao proponente do projeto para que indique e contrate essa equipe; c) a carência técnica, financeira e de pessoal somada a falta de apoio político e à crise fiscal de diversas administrações estaduais tem impedido a ação efetiva das agências estaduais de controle, exigindo maior atuação das agências municipais. No entanto, essa multiplicidade de níveis administrativos dá origens a conflitos de competência, com prejuízos para as comunidades envolvidas; d) aliada às dificuldades internas dos órgãos administrativos responsáveis pela gestão ambiental, há a falta de investimento em infra-estrutura e serviços urbanos que são de outras competências administrativas (saneamento, transporte público, lixo urbano), a persistência de grandes bolsões de pobreza e os padrões de consumo; e) a falta de informações sobre a extensão e relevância dos problemas ambientais; f) na fiscalização, os principais problemas são a falta de recursos humanos e financeiros; g) a rigidez do sistema de normas retira a flexibilidade dos gestores, tornando-os pouco efetivos no sentido de criar estímulos aos agentes sociais para que adotem práticas ambientalmente corretas. Tendo em vista que, para fazer frente a esses problemas, a literatura recomenda a incorporação de instrumentos econômicos aos demais instrumentos de controle e gestão ambiental, no próximo item será apresentada uma breve resenha da política nacional de recursos hídricos, com o intuito de descrever a experiência brasileira com a implantação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, a partir de 1997. 4. Política Nacional de Recursos Hídricos e o Uso de Instrumentos Econômicos no Controle Ambiental da Água A poluição da água apresenta algumas particularidades que facilitam, consideravelmente, a aplicação de medidas de controle. Uma delas é a capacidade de se poder quantificar e observar os efeitos de boa parte das principais fontes de poluição, o que facilita em muito a aplicação do princípio do “poluidor-pagador”. Isto se explica pelo fato de que a água aproveitável fica restrita aos corpos d’água e, por isso, tanto a identificação dos usuários quanto o controle do seu uso tornam-se tarefas relativamente fáceis. Aliado a isso, os danos causados pela poluição das águas também têm uma abrangência mais restrita e de certa forma mais previsível, especialmente no caso de rios e lagos. Em geral, as mais 2 Os procedimentos de avaliação de impacto ambiental são o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). importantes fontes de poluição das águas são pontuais, favorecendo o monitoramento e o acompanhamento da qualidade das mesmas. Essas características facilitam a adoção de instrumentos de mercado, como a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, simultaneamente, com mecanismos de comando-e-controle, na medida em que as contribuições individuais para a qualidade ambiental podem ser facilmente identificadas (MENDES & MOTTA, 1997, P. 6-7). Motta; Ruitenbeek & Huber (1996, p. 45) destacam que apesar da experiência brasileira na gestão de bacias fluviais ter se iniciado em 1978, com a formação de comissões para as bacias fluviais com a finalidade de efetuar estudos e sugerir linhas de ação para racionalizar o uso da água, as mesmas não tinham competência legal e administrativa para impor sanções e cobranças e a maioria das propostas relevantes não foi posta em prática. Apenas no final década de 1980, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, as autoridades gerenciadoras de bacias fluviais foram providas de mandatos normativos e financeiros e, somente em janeiro de 1997, foi aprovada a Lei n. 9.433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, organizando as instituições em um sistema integrado de gerenciamento e determinando a competência3 para legislar e proteger as águas (Granziera, 2009, p. 196). Com isso, o Sistema de Gerenciamento dos Recursos Hídricos passou a ser integrado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), Agência Nacional das Águas (ANA), Comitês de Bacias Hidrográficas, órgãos do poder público federal, estadual e municipal, ou seja, é de competência da União legislar sobre as águas e de competência comum dos Estados e Municípios além da União promover a melhoria das condições desses recursos e o combate à poluição (MORAES & TUROLLA, 2004, p. 9). Para implantar a Política Nacional de Recursos Hídricos, a lei definiu os instrumentos que podem ser usados, classificando-os em: (1) de planejamento, quando a com finalidade for organizar o uso dos recursos hídricos; (2) de controle, aplicados com o intuito de garantir o uso da água em conformidade com as normas aplicáveis, e; (3) econômicos, para induzir o uso racional (GRANZIERA, 2009, p. 196). Vale ressaltar o entendimento manifesto do legislador brasileiro de que o emprego combinado de diferentes tipos de instrumentos de gestão ambiental pode ser uma alternativa economicamente eficiente e ambientalmente eficaz. Isto se evidencia quando, além de indicar três grupos diferentes de ferramentas, explicita no art. 3º da Lei n. 9.433/97 que estes devem ser utilizados de forma a se complementarem. Em outras palavras, determina que o instrumento econômico (cobrança pelo uso da água) deve ser compatibilizado e integrado com os demais instrumentos de política de recursos hídricos. No quadro 3, procurou-se sintetizar os principais instrumentos utilizados na gestão de recursos hídricos, no Brasil, a partir da aprovação da Lei n. 9.433/97. 3 Segundo a lei n. 9433/97, é competência da União legislar sobre as águas e de competência comum dos Estados e Municípios além da União promover a melhoria das condições desses recursos e o combate à poluição. QUADRO 3 – Instrumentos da Gestão de Recursos Hídricos Adotados no Brasil • • • • • • Medida de Controle e Gestão Plano de Recursos Hídricos Enquadramento dos Corpos de Águas em Classes, segundo os usos preponderantes da água Outorga dos Direitos de Uso dos Recursos Hídricos Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos A compensação a municípios Sistema de Informação sobre Recursos Hídricos • • • Intrumentos Planejamento Comando-e-Controle Planejamento • Comando-e-Controle • Econômico • • • • Econômico • • • • Comunicação Planejamento Comando-e-controle • • • • Legislação Lei n. 9433/97 (arts. 6º, 7º e 8º). Lei n. 9433/97 (arts. 9º e 10); Res. n. 20/86 do CONAMA. Art. 21, XIX, CF; Art. 29 e 30 da Lei n. 9433/97 Arts. 19, 20, 21 e 22 da Lei n.9.433/97 Art. 24 da Lei n. 9433/97 – vetado pelo Presidente da República Arts. 25, 26 e 27 da Lei n. 9433/97 Fonte: Retirado de SIRVINSKAS (2009, p.312-313) e adaptado pelas autoras. No que diz respeito, especificamente, à utilização dos instrumentos econômicos, segundo Granziera (2009, p. 204), a Lei n. 9.433/97 instituiu a cobrança de “preço público”4 pelo uso da água com o objetivo de5 (1) reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação do seu real valor; (2) incentivar a racionalização do uso da água; (3) obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos. Quanto à destinação dos recursos da cobrança, com base no art. 22, § 1º, da Lei n. 9.433/97, entende-se que serão aplicados (1) no financiamento de estudos, programas, projetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos; e (2) no pagamento das despesas de implantação e custeio administrativo dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, num limite de 7,5% (sete e meio por cento). Isto quer dizer que, no mínimo 92,5% dos recursos da cobrança devem ser destinados, prioritariamente, ao financiamento de estudos, programas, projetos e obras contidas no Plano de Recurso Hídrico da Bacia Hidrográfica em que foram gerados. Diante do exposto, Granziera (2009, p. 206) argumenta que “O fato de a lei estabelecer que os recursos financeiros serão prioritariamente aplicados na bacia hidrográfica onde foram gerados implica que o repasse dos mesmos, na bacia hidrográfica de origem, na forma como a lei estabelece, constitui ato discricionário da autoridade ou seja, poderá ocorrer desde que haja conveniência e oportunidade no mesmo, porém sem qualquer fixação de limites mínimos”. Tendo em vista que, de modo geral, a disposição do poluidor/usuário em pagar tende a ser proporcional à certeza de que os recursos beneficiarão a bacia hidrográfica em que foram arrecadados e que a referida lei não assegurava isso, tornou-se necessário 4 5 Preço público trata-se de preço cobrado pela exploração de bem domínio público. Arts. 19, 20, 21 e 22 da Lei n. 9.433/97. garantir legalmente o retorno dos recursos à Bacia Hidrográfica onde os mesmos se originaram, por meio de transferência. Com esse objetivo, no ano 2000, foi aprovada a Lei n. 9.984/00 que, de acordo com Moraes & Turolla (2004, p.10), modificou a Lei n. 9.433/97, criou a Agência Nacional das Águas (ANA) e determinou, em seu art. 21, que as receitas provenientes da cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União serão mantidas a disposição da ANA, na Conta Única do Tesouro Nacional, enquanto não forem destinadas para as respectivas programações. No entanto, ao determinar que a receitas provenientes da cobrança pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União permanecerão à disposição da ANA até a sua destinação nas respectivas programações, a Lei não garantia que esses recursos seriam preservados após o exercício financeiro em que foram gerados nem impedia eventuais contingenciamentos. Aliado a isso, era necessário implantar um mecanismo institucional de controle para a transferência dos recursos do Tesouro Nacional para uma conta bancária em nome da Agência de Águas da Bacia Hidrográfica (GRANZIERA, 2009, p. 206-208). A autora destaca que esses problemas se tornaram evidentes por ocasião da implantação pioneira da cobrança pelo uso da água na bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. Para solucionar essas questões, foi aprovada a Lei n. 10.881/2004, que conferiu a necessária consistência no fluxo financeiro da cobrança pelo uso de recursos hídricos. O §1º do art. 4º da referida lei, assegura que a Agência Nacional de Águas fará a transferência dos recursos provenientes da cobrança pelo uso da água dos rios de domínio da União à Agência de Águas da bacia hidrográfica em que foram arrecadados. Todavia, à medida que novas experiências foram sendo concretizadas surgiu um novo impasse, desta vez, relacionado com os critérios para a implantação da cobrança pelo uso da água (MOTTA; OLIVEIRA & MARGULIS, 2000, p.12). Para equacionar as divergências e orientar as decisões administrativas dos órgãos de controle, no ano de 2005, entrou em vigor a Resolução n. 48/20056 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), que além de estabelecer os critérios gerais para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos acrescenta mais duas justificativas para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos: (1) estimular o investimento em despoluição, proteção e conservação, bem como, a utilização de tecnologias limpas e poupadoras de recursos hídricos; (2) induzir e estimular a proteção e conservação, o manejo integrado e a recuperação dos recursos hídricos, com ênfase para as áreas inundáveis e de recarga de aquíferos, mananciais e matas ciliares, por meio de compensações e incentivos aos usuários (GRANZIERA, 2009, p. 204). CONSIDERAÇÕES FINAIS A política ambiental ideal seria aquela que incorporasse as diversas dimensões da vida humana em sociedade, o que inclui as suas dimensões sociais, ambientais, políticas e econômicas. O seu planejamento deve, portanto, orientar-se no princípio da sustentabilidade, entendido aqui como o princípio que fornece as bases sólidas para um estilo de desenvolvimento humano que preserve a qualidade de vida no planeta. Diante disso, a adoção da perspectiva ambiental significa reconhecer que todos os processos de 6 Resolução do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) n. 48, de 21/03/2005. ajuste setorial e de crescimento estão condicionados pelo entorno biofísico local, nacional e global, devendo, por isso, ser combinada com outras perspectivas críticas baseadas na preocupação com os direitos humanos, com os valores da autonomia nacional e da identidade cultural dos povos a que se referirem. No entanto, não foi isso o que aconteceu no caso do Brasil. A política ambiental brasileira não foi abordada, na prática, sob uma ótica integrada às demais áreas com ela relacionadas, como a saúde, o saneamento, a urbanização, a energia, os transportes, entre outras, que embora sejam influenciadas pela política ambiental e, ao mesmo tempo, influenciem o meio ambiente, sempre foram alvo de políticas setoriais próprias e isoladas. Ademais, a política ambiental brasileira se desenvolveu, motivada pelas pressões externas e, de forma tardia em relação às demais políticas setoriais que, em geral, privilegiaram o crescimento industrial, sem qualquer preocupação desenvolvimento integrado e sustentável do país. Em conseqüência disso, e do modelo de controle ambiental adotado, que baseou-se no emprego de instrumentos de comando-e-controle, a experiência brasileira, embora considerada adiantada em relação à outros países em desenvolvimento, tem apresentado poucos avanços no controle da qualidade ambiental. Com os resultados insatisfatórios obtidos até então e considerando as reiteradas recomendações, da literatura especializada, a cerca da utilização de instrumentos econômicos no processo de gestão e controle ambiental, foi implantada no Brasil, pela Lei n. 9.433/97, a cobrança pelo uso da água em bacias hidrográficas por volume e conteúdo poluente. Apesar da poluição da água apresentar algumas particularidades que facilitam, consideravelmente, a aplicação de medidas de controle, o processo de implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos enfrentou algumas dificuldades no seu decorrer, tais como: superposições de jurisdição entre diferentes níveis governamentais e os órgãos estaduais ou locais da região em que se localiza a bacia; dificuldades para definir os critérios para a cobrança pelo uso da água e para a aplicação da receita obtida e, sobretudo, a falta de um debate participativo entre as partes envolvidas. Esse conjunto de fatores, dificultou e atrasou a implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, até mesmos nos estados onde os órgãos ambientais são mais ativos e a legislação ambiental estadual já estava aprovada ou em vias de sê-lo. Mais de uma década se passou desde que foi instituída a política nacional de gestão de recursos hídricos e, muitos problemas ainda comprometem a sua aplicação efetiva. BIBLIOGRAFIA FIORILLO, Celso Antonio P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed. ver. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. GRANZIERA, Maria Luiza M. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009. LUSTOSA, Maria Cecília J.; YOUNG, Carlos Eduardo F. Política Ambiental. In: KUPFER, David; HASENCLEVER, Lia. Economia Industrial: Fundamentos Teóricos e Práticos no Brasil. 1. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2002. Cap. 24, p. 569-590. MARGULIS, Sérgio. Regulamentação Ambiental: instrumentos e implementação. Texto para Discussão nº 437. Rio de Janeiro: IPEA, 1996. 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