Locus SOCI@L 1/2008: 48-63
A INVESTIGAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL EM
PORTUGAL: trajectórias e perspectivas
Francisco Branco
Centro de Estudos de Serviço Social e Sociologia
Faculdade de Ciências Humanas – Universidade Católica Portuguesa
[email protected]
Resumo
Esta comunicação apresenta uma visão geral da investigação em serviço social em Portugal nas duas últimas
décadas, nas suas características mais salientes, desafios e perspectivas de desenvolvimento, considerando quer
a questão da investigação no plano da formação inicial em serviço social, quer no domínio da pós-graduação
académica, quer ainda da pesquisa organizada em centros de investigação.
Abstract
This paper presents an overview of the social work research in Portugal in the last two decades, focusing on the main
features, challenges and perspectives in this domain. The analysis considers the perspectives of the research in social
work education, the features and issues concerning the scientific production in the social work post-graduation
courses in the period 1990-2003 and institutionalisation process and challenges of the social work research within
the scientific policy framework.
I. Introdução
Analisar as trajectórias percorridas pela investigação em Serviço Social em Portugal, bem como
as perspectivas e desafios que se lhe colocam na actualidade, comporta diversos campos e
ópticas de análise.
A investigação em Serviço Social pode ser observada do ponto de vista da formação inicial.
Trata-se de responder, ente outras, à questão de qual tem sido, ao longo do tempo e na
actualidade, o lugar da investigação no ensino e no perfil profissional que presidem à formação
dos Assistentes Sociais.
Palavras Chave
Serviço Social,
investigação em
Serviço Social,
formação inicial,
formação pósgraduada em
Serviço Social,
unidades de
investigação em
Serviço Social,
Portugal
Figura 1: A investigação em Serviço Social como campo de estudo
...
Key Words
Social Work,
Social Work
research, Social
Work education,
Master and PhD
Social Work
research,research
units in Social
Work, Portugal
Locus SOCI@L 1/2008: 48
Outro possível ângulo de análise é o das práticas profissionais dos Assistentes Sociais.
Emergem, entre outras, como questões centrais, quer o grau e modalidades de incorporação
das orientações e dispositivos de pesquisa na intervenção profissional, quer os modelos de
investigação e a sua articulação com as estruturas académicas de pesquisa.
Noutro plano, a investigação em Serviço Social reconduz-nos à pesquisa académica e
institucionalizada em unidades de pesquisa, cuidando de analisar as grandes orientações
e tendências da investigação do ponto de vista da produção de conhecimento e sabres
disciplinares, as dinâmicas de institucionalização e inserção académica da investigação em
Serviço Social, as questões e perspectivas que se suscitam em torno da definição de uma política
de investigação neste campo disciplinar, bem como das políticas de apoio à investigação
científica.
Esta formulação não colhe necessariamente unanimidade uma vez que são diversas as
concepções sobre o lugar e natureza da investigação em Serviço Social. Na verdade, na
concepção da profissão de assistente social como formação de curta duração e de perfil
tecnológico, a investigação não assume relevância na formação inicial em Serviço Social.
Do mesmo modo, uma concepção da investigação em Serviço Social como eminentemente
académica, retira pertinência ao equacionar da actividade investigativa nos contextos da
acção profissional uma vez que o seu locus, por excelência, está sedeado na universidade e
nas unidades de investigação e desenvolvimento cabendo aos profissionais o território de uma
intervenção informada pela pesquisa académica.
Neste artigo procuraremos traçar um mapa da investigação em Serviço Social em Portugal
que integre todas as coordenadas identificadas e procure estabelecer os seus contornos e
traços mais salientes. No entanto, sem prejuízo da relevância das questões da investigação na
formação inicial e na prática profissional, dado designadamente o projecto de formação que
inspirou, no nosso país, a licenciatura em Serviço Social 1 privilegia-se aqui uma abordagem
quer da pesquisa académica em Serviço Social quer do nexo de questões que se jogam em
torno da política de pesquisa de e para o Serviço Social. A análise ensaiada contextualiza-se,
por um lado na trajectória da pós-graduação académica em Portugal, e por outro lado nos
desafios colocados ao desenvolvimento da investigação em Serviço Social no actual contexto
de política científica em Portugal e de reestruturação do campo do ensino-formação em Serviço
Social no nosso país na última década.
Não cuidamos de analisar aqui os impactos que se terão produzido, ou estarão a produzir,
neste projecto de formação em Serviço Social em que se baseou todo o processo tendente ao
reconhecimento da licenciatura em Serviço Social em Portugal em 1989. Na verdade, quer pela
desregulação 2 do campo do ensino em Serviço Social, quer pela reforma de Bolonha 3, pendem
sobre este modelo importantes riscos de desqualificação e/ou de importantes mutações.
II. Formação Inicial e Investigação em Serviço Social em
Portugal
Da investigação como uma dimensão estruturante da formação em Serviço Social à
baixa incorporação da investigação nas práticas profissionais
Desde os anos 60 que, no quadro da formação em Serviço Social, a investigação social se
constitui como uma das áreas de ensino. Na verdade, desde então, o espaço concedido ao
ensino-aprendizagem das metodologias de investigação cresceu claramente de importância
inscrevendo-se ao mesmo tempo num processo de reformulação da formação em Serviço
Social em que o ensino das Ciências Sociais se apresenta como matriz fundamental.
Nos anos 80, a reforma curricular encetada com vista a sustentar o reconhecimento académico
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da formação em Serviço Social levou a consagrar um espaço curricular dedicado à investigação
em Serviço Social no quadro da Licenciatura em Serviço Social (reconhecida pelo Ministério
da Educação em 1989). Ainda que com variantes na sua formatação curricular, a formação
para a investigação, concretizada quer na formação teórica quer no desenho e realização de
projectos de investigação em Serviço Social, desenvolve-se a par do reforço do ensino dos
métodos e técnicas de investigação social.
Este percurso da investigação na formação em Serviço Social saldou-se pelo enriquecimento
do perfil profissional do Assistente Social ao qualificar os novos diplomados para a actividade
de investigação, com resultados encorajadores nas aquisições e integração de conhecimentos e
competências para a investigação, observáveis nos estudantes que concluíram a sua formação
segundo este novo figurino curricular.
Os resultados assinalados ainda que inquestionáveis, mormente quando a análise se processa
de um ponto de vista formativo, não obstam no entanto à necessidade de uma avaliação
e debate sobre os modelos de investigação na formação em Serviço Social. Há pelo menos
dois factores que fundamentam uma interrogação sobre o modo como o ensino e prática da
investigação vem sendo realizado em Portugal.
Um primeiro aspecto prende-se com o reduzido debate académico sobre esta matéria, o
que assume particular relevância numa matéria que consubstancia uma nova dimensão da
formação em Serviço Social.
Um segundo aspecto reporta-se à constatação, que aqui se sustenta mesmo na ausência, de
uma pesquisa sistemática sobre a matéria 4, de que se regista uma fraca incorporação dos
procedimentos e dispositivos de investigação na intervenção em Serviço Social, o que não
pode deixar de ser ponto de questionamento e exigência de reflexão sobre as potencialidades
e limites do(s) modelo(s) de formação para a investigação em Serviço Social que têm sido
praticado(s) na formação inicial em Portugal.
A hipótese defendida, de que se regista uma fraca incorporação dos procedimentos e
dispositivos de investigação na intervenção em Serviço Social, é instigante. Como se explica
então a dissonância assinalada entre maior qualificação académica para a investigação (o
Serviço Social como actividade “research-oriented”) e a persistência de práticas profissionais
pouco sustentadas no estudo e investigação dos fenómenos e problemas sociais em que o
Assistente Social é chamado a intervir?
Uma revisão de literatura do Serviço Social, de expressão portuguesa, permiti-nos identificar
três principais teses explicativas do fraco desenvolvimento da investigação.
A primeira tese centra-se no peso das atribuições sócio-institucionais do Serviço Social, de acordo com a
qual a profissão de assistente social emerge historicamente como uma profissão da intervenção
e não da produção do conhecimento. Este código genético e marca sócio-histórica persiste na
actualidade, ainda que variando em função dos sectores de actividade e das políticas sociais
(Martins, 1999) conduzindo a que as organizações empregadoras de assistentes sociais não
perspectivem a dimensão da investigação como uma componente intrínseca da sua missão e
atribuições profissionais.
Uma segunda tese releva primordialmente a cultura e habitus profissional, pautados pelo predomínio
da acção em detrimento do conhecimento, em boa parte resultado da socialização profissional
gerada pelo processo sócio-histórico de desenvolvimento e exercício profissional, consolidarse-ia em traços identitários como o pragmatismo e a acomodação (Faleiros, 1997)5.
Uma terceira tese enfatiza a insuficiente formação de pesquisadores (Faleiros, 1997, Martins,
1999) resultante das concepções presentes no passado na formação em Serviço Social mas
não supridas no presente, mesmo apesar do claro desenvolvimento curricular registado neste
domínio. Esta deficiência é associada por Martins (1999) à matriz positivista-funcionalista,
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que predominou no passado na formação em Serviço Social e segundo a qual o assistente
social não era formado de modo a dominar o processo de construção do conhecimento nas
Ciências Sociais. Já Faleiros (1997) atribui esta circunstância às limitações e orientação do
ensino neste domínio considerando o autor que ocorre uma transmissão de saberes técnicos
desvinculados da prática dos assistentes sociais.
Estas três ordens de argumentos concorrem sem dúvida para a construção de um quadro
explicativo do fraco desenvolvimento da investigação nas práticas profissionais, articulando
as condições sócio-institucionais (eixo dos factores sistémicos – exógenos) e as competências,
disposições e identidades profissionais (eixo dos factores endógenos – dos actores).
Figura 2: Factores produtores do baixo desenvolvimento da investigação em Serviço Social
Nas argumentações referenciadas, o desenvolvimento da investigação em Serviço Social
dependerá então da reunião, articulada, de um conjunto de condições, principalmente
de natureza sócio-institucional. Assim, sublinha-se a importância do desenvolvimento
académico do Serviço Social, traduzido no reconhecimento universitário da formação, na
criação e desenvolvimento da formação pós-graduada a nível de mestrado e doutoramento e,
associadamente, a melhoria do ensino e formação para a investigação no quadro da formação
base e pós-graduada. Num outro plano preconiza-se a criação de estruturas permanentes de
investigação nos contextos académico e profissional, dimensão a que Faleiros (1997) atribui
uma grande importância ao considerar que a produção de pesquisa está dominantemente
associada aos mestrados, nos quais os investigadores se encontram numa posição isolada,
solitária e não institucional.
Num outro plano ainda, sustenta-se a imprescindibilidade do reconhecimento do Serviço
Social como área de produção de conhecimento pelas agências de apoio e financiamento
da investigação social e a adopção de políticas e dispositivos de difusão e intercâmbio da
pesquisa em Serviço Social (cf. Martins 1999: 61; Faleiros, 1997).
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Conjunto de condições que, a ocorrerem cumulativamente e de forma continuada, operarão a
alteração qualitativa esperada na institucionalização da investigação em (e no) Serviço Social.
No caso português tal equivalerá a dizer que o período de afirmação académica do Serviço
Social é ainda suficientemente recente para produzir resultados significativos. A tese implícita
é portanto a de que estamos em face de uma crise de crescimento.
Esta tese será porventura procedente se a análise se focalizar na formação pós-graduada em
Serviço Social e na produção científica institucionalizada em unidades de investigação (assunto
a que se retornará), mas parece ter um potencial explicativo limitado no plano de análise de
que agora nos ocupamos, o da investigação do Serviço Social vista a partir da formação inicial
e das práticas profissionais. Na verdade, completam-se 20 anos de licenciatura em Serviço
Social em Portugal e, na hipótese de trabalho que se tem sustentado, o novo modelo de
formação – do assistente social como profissional e orientado pela/para a investigação – não
se traduz numa incorporação mais efectiva dos dispositivos de pesquisa e investigação.
Tem-se sustentado6 que se torna necessário convocar outras hipóteses explicativas, com
potencial heurístico, para uma mais profunda compreensão da dissonância entre formação para a
investigação e práticas não suportadas em pesquisa. Nesta hipótese, um vector explicativo relevante
parece residir nos modelos de investigação, a partir dos quais, na formação inicial, se processa
a socialização dos formandos em Serviço Social, a qual, na generalidade dos formatos
curriculares, assenta numa fraca articulação dos processos de investigação com as experiências
de intervenção proporcionadas pelos estágios curriculares, não favorecendo deste modo um
modelo de socialização formativa em que os estudantes experienciem as virtualidades, limites
e tensões da articulação entre conhecimento e acção.
A relação entre conhecimento e acção como questão central da formação para a
investigação em Serviço Social
Na literatura de Serviço Social em língua portuguesa sobre os problemas da investigação
em Serviço Social são pouco (ou menos) exploradas as dimensões epistemológicas próprias
à produção de conhecimento nesta área disciplinar das Ciências Sociais sendo-lhe por
consequência atribuídas um baixo valor heurístico. Faleiros (1997) procede a uma crítica de
alguns modelos de pesquisa, designadamente à pesquisa avaliativa, e à discussão das alternativas
metodológicas destacando sobretudo o papel da construção teórica, do pensamento crítico
e da necessidade de procura de métodos de pesquisa mais adequados à investigação em
Serviço Social ressaltando as possibilidades da investigação qualitativa e particularmente do
método biográfico. Miryan Baptista (2001) desenvolve uma reflexão sobre a investigação na
prática profissional abordando as questões da relação entre característica interventiva da
acção profissional e cientificidade, bem como das particularidades da investigação na prática
profissional do Assistente Social. O ensaio da autora convoca-nos assim para um debate
necessário, central mesmo, sobre as relações entre conhecimento e acção na pesquisa em
Serviço Social.
A este respeito é útil recuperar igualmente a contribuição de Lionel-Groulx (1994) sobre as
teses em presença a este respeito. Segundo o autor podem identificar-se três visões principais
sobre a relação entre conhecimento e acção em Serviço Social: 1) a tese de homologia ou de
identidade, 2) a tese de irredutibilidade ou de oposição e 3) a tese de aliança. E como Groulx
sublinha
A ausência de unanimidade sobre esta matéria não se reduz a uma simples questão técnica, mas
reenvia para a resolução de questões mais amplas relativas ao estatuto e validade dos conhecimentos
engendrados pela investigação e pela prática. Cada uma dessas teses dá uma resposta diferente e
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divergente sobre o sentido e os usos da investigação e da sua relação com a prática (Lionel- Groulx,
1994: 35)
A tese da homologia equipara os processos de intervenção e investigação, fazendo coincidir
os momentos e operações da prática e da investigação e foi sustentada designadamente por
Eaton em 1959 e retomada por Ouellet-Dubé em 1979 (cf. Lionel-Groulx, 1994: 36-38).
A tese da oposição é suscitada a partir do final dos anos 70 pelos trabalhos de Simpson e
também de Tripodi e Epstein em 1978, apoiados em pesquisas junto dos interventores sobre
a utilização dos conhecimentos produzidos pela investigação, sustentando a existência de
visões, culturas e racionalidades irreconciliáveis entre os interventores (centrados na acção) e
os investigadores (centrados no conhecimento) (cf. Lionel-Groulx, 1994: 38-42)
Esta prioridade dada à acção conduz, no interventor, a uma atitude pragmática que se constrói
pela acumulação da sua experiência pessoal e directa [...]. Nestas circunstâncias, este é conduzido a
acentuar a experiência vivida e o carácter indeterminado da acção, a fim de regular os casos concretos
e as práticas que se lhe apresentam (Friedson, 1984, citado por Lionel- Groulx, 1994: 39)
A tese da aliança afirmou-se nos anos 80, procurando superar a óptica bipolar e apelando
antes a uma aliança entre conhecimento e acção, dando lugar, designadamente, a duas novas
orientações: a investição-acção e o modelo do interventor-investigador. Trata-se no entanto de
dois modelos significativamente distintos. Enquanto o modelo da investigação-acção aspira
operar uma ruptura com a concepção tradicional da pesquisa, visando construir modelos da
prática a partir da acção e do processo de intervenção, assentando no estatuto epistémico
da experiência, o modelo do interventor-investigador postula que a prática de intervenção
deve submenter-se à racionalidade científica convencional visando, a partir da prática como
base empírica, uma validação dos conhecimentos e modelos de intervenção, na linha da
actualmente designada “evidence-based practice”.
É na linha desta tese da aliança que temos vindo a sustentar que, na formação inicial em
Serviço Social, importa estimular e apoiar o trabalho de estudo e investigação de problemas
e questões suscitadas no contexto da intervenção em Serviço Social nos diferentes campos de
exercício profissional. Sem prejuízo de outras orientações metodológicas, entendemos dever
ser privilegiadas as estratégias de estudo e investigação que procuram uma articulação fecunda
entre conhecimento e acção, dando por isso primazia a projectos filiados nos modelos de
investigação-acção e modelos designados de “interventor-investigador” (cf. Groulx, 1994),
nos modelos “research-minded practitioner” (cf. Everitt et al, 1992) e às estratégias indutivas
e abdutivas de pesquisa (cf. Blaikie, 2000).
Tal não significa no entanto que sejam necessária ou exclusivamente considerados os
modelos de investigação genericamente designados de investigação-acção. Considera-se antes
que, na actual fase de quase-ausência de debate científico, no qual as questões de ordem
epistemológica sobre a produção de conhecimento em Serviço Social têm estado pouco
presentes, deve privilegiar-se o princípio da abertura e pluralidade metodológica, enfatizando
sobretudo que a selecção das questões de investigação deve ter por base os problemas e
interrogações suscitadas pela intervenção, pelos contextos da acção, e que a escolha das
orientações e estratégias metodológicas deve ser feita na base de uma escolha informada sobre
os pressupostos ontológicos e epistemológicos que lhes estão subjacentes e ponderados os
aspectos de exequibilidade dos respectivos projectos.
Nestes termos pode estabelecer-se um conjunto não unívoco de articulações entre instâncias
curriculares dedicadas à Investigação e à Intervenção – estágio, dando origem a projectos com
diferentes tipos de orientação através de diferentes combinatórias entre a orientação geral da
investigação e os contextos da sua realização, sem prejuízo naturalmente da consideração de
diferentes estratégias metodológicas de investigação.
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III. Formação Pós-Graduada e Investigação em Serviço Social em
Portugal
7
A formação pós-graduada inscreve-se na estratégia de desenvolvimento profissional e académico
do Serviço Social em Portugal, orientada, desde a restauração do regime democrático em
Portugal (Abril de 1974), por dois desígnios centrais: a integração da formação em Serviço
Social no ensino superior público e o reconhecimento do nível universitário desta formação
consubstanciado na atribuição do grau académico de licenciatura aos diplomados em Serviço
Social. Assim, desde designadamente o início dos anos 80 do sec. XX, o Instituto Superior de
Serviço Social de Lisboa desenvolveu um conjunto de esforços tendentes ao início da formação
pós-graduada, ao nível de mestrado e doutoramento, como programas de qualificação de
docentes e formação de investigadores, requisitos essenciais à afirmação académica e
desenvolvimento científico do Serviço Social.
Na sequência dos esforços empreendidos inicia-se, em Fevereiro de 1987, o I Programa de
Mestrado em Serviço Social ao abrigo de um Protocolo de Cooperação Científica com a
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), o qual conheceria várias edições.
Em Junho de 1996, vem a ser criado, em termos semelhantes, o Programa Especial de
Doutoramento em Serviço Social.
Dando seguimento ao processo de reconhecimento da Licenciatura em Serviço Social
(1989), em 1995 são criados os primeiros programas de Mestrado em Serviço Social, da
responsabilidade de instituições de ensino portuguesas: Institutos Superiores de Serviço Social
de Lisboa e do Porto.
Actualmente, existem em Portugal 7 programas de Mestrado e 2 programas de Doutoramento
em Serviço Social8.
Figura 3: Programas de Pós-graduação Académica em Serviço Social em Portugal (2007/2008) 9
Programas de Mestrado em Serviço Social
Programas de Doutoramento em Serviço Social
- Universidade Lusíada (iniciado no ISSSL em 1995)a
- Universidade Católica Portuguesa – Lisboa (2003)
- Instituto Superior de Serviço Social do Porto (1995)
- ISCTE (2004) (em cooperação com o ISSSL)
- Instituto Superior Miguel Torga (2000)
- Universidade Católica Portuguesa - Lisboa (2003)
- Universidade Católica Portuguesa - Braga (2006)
- Universidade Lusófona T. Humanidades (2007)
- Universidade Fernando Pessoa (2007)b
a
Em 2006 registou-se a transmissão dos cursos ministrados no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa para a
Universidade Lusíada
b
Por adequação ao Processo de Bolonha do Mestrado em Trabalho Social (2003)
A criação destes programas de pós-graduação, a nível de Mestrado e de Doutoramento abre
novas perspectivas para a questão dos dispositivos de investigação e difusão do conhecimento
na agenda do Serviço Social em Portugal. Em tese a sua consolidação poderá vir a traduzir-se
num vector relevante do desenvolvimento académico do Serviço Social no nosso país, mas
os resultados não são imanentes. Dito de outro modo, não pode ser ignorado que a oferta
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destes cursos e programas se enquadra na dinâmica do mercado da educação superior em
Portugal, num quadro de significativa desregulação, pelo que a sua existência não se traduz
necessária e automaticamente em inputs de qualidade e crescimento científico da área e pode
criar problemas sérios de sustentação designadamente ao nível do Doutoramento 10.
Apesar do carácter relativamente recente dos programas de 2º e 3º ciclo em Serviço Social em
Portugal, é particularmente pertinente a análise da investigação neste contexto uma vez que a
pesquisa nesta área se tem feito sobretudo neste âmbito, dado o reduzido número e o carácter
recente e embrionário da maioria das unidades de pesquisa dedicadas a esta área de saber.
O material analisado11 permitiu extrair dados significativos, quer quanto ao perfil dos autores
dos trabalhos, quer quanto às temáticas e objectos de investigação, quer ainda quanto ao
grau de socialização do conhecimento produzido.
Do predomínio dos docentes à baixa capilaridade da relação com o mundo
profissional
Os trabalhos produzidos no âmbito dos cursos de mestrado e doutoramento em Serviço
Social, no período em análise, são em 83% (48) da autoria de docentes das unidades de
ensino da área e apenas 26% (17) foram realizados por profissionais sem relação com a
actividade docente. Observa-se no entanto que, designadamente nos cursos de mestrado mais
recentes, se regista uma tendência de inversão predominando mais recentemente os autores
exteriores à docência e investigação académica. Estes resultados, relativamente expectáveis
dada a natureza diversa das carreiras académica e profissional dos Assistentes Sociais, revelam
a dificuldade dos cursos de pós-graduação académica em Portugal atraírem e estabeleceram
uma maior capilaridade com o mundo profissional. Naturalmente que se torna relevante
observar o impacte neste padrão dos cursos que se iniciaram depois de 2003 e particularmente
os cursos realizados após a reforma introduzida pelo Processo de Bolonha, que produziu,
pelo menos numa primeira fase, uma procura acrescida dos cursos de mestrado em Serviço
Social. Note-se no entanto que, à luz da reforma de Bolonha, os cursos de mestrado mudam
significativamente o seu perfil, relativizando-se o peso da investigação científica entendida na
sua formatação mais clássica.
Da preponderância da investigação em Políticas Sociais à baixa densidade da produção
de um saber disciplinar em Serviço Social
A análise dos trabalhos de investigação realizados no âmbito dos programas de pós-graduação
em Serviço Social no universo temporal que medeia desde a sua criação até ao ano de 2003,
revela que os eixos temáticos dos projectos de investigação se podem agrupar em torno de
duas grandes linhas de concentração, a área das Políticas Sociais e a área do Serviço Social
propriamente dita. No universo abrangido, 42 (63,6 %) projectos privilegiam temáticas no
âmbito das políticas sociais, enquanto que 24 (36,4 %) adoptaram como campo de investigação
temáticas relativas ao Serviço Social enquanto disciplina e profissão.
A tabela 1, permite observar que na linha de concentração de Política Social a maioria dos
projectos (21: 31,8 %) se reportam a campos específicos como a políticas de velhice, de
protecção de crianças e jovens e da saúde, designadamente. As problemáticas mais gerais da
política social na actualidade e campos emergentes neste domínio representam 9 projectos
(13,6 %) e 7 (10,6 %) respectivamente. No domínio do Serviço Social a preponderância dos
projectos relativos à história do Serviço Social é claramente expressa através de 11 dos estudos
(16,7 %), representando a pesquisa sobre o Serviço Social em campos específicos de actividade
12,1 % (8) e outros projectos 7,6 % (5).
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Tabela 1: Eixos Temáticos da Pesquisa de Pós-Graduação em Serviço Social em Portugal, 1990-2003
Temas
Sub -Tema
Política de Assistência Social e de
Mínimos Sociais
Política de Assistência Social em Portugal
2
Regimes de Assistência, Acção Social e RMG
2
Políticas Luta contra Pobreza
1
Solidariedades e Políticas Sociais
5
4
Descentralização e Políticas Sociais
1
Parcerias e Políticas Sociais
2
Associativismo, Análise Organizacional e
Participação
2
POLÍTICAS SOCIAIS E SOCIEDADE
Política Social: Solidariedade,
Descentralização e Parcerias
Campos Específicos
Campos Emergentes
Nº
Velhice e Protecção Social / Serviços Sociais
9
5
Protecção & Maus Tratos de Crianças e Jovens
5
Desemprego e Políticas de Emprego e Formação
Profissional
Políticas de Habitação
2
Saúde, Doença e Sociedade
5
Sinistralidade e Protecção Social
1
Apoio social ao retorno de emigrantes
1
Violência sexual
SERVIÇO SOCIAL: HISTÓRIA, CAMPOS DE PRÁTICA E DEBATES
7,6
13,6
2
21
1
Estudos femininos e questões de género
2
Grupos Étnicos, Etnicidade e Género
2
Novas tecnologias informação
1
Suicídio e Adolescência
1
7
42
História e Serviço Social em Portugal
%
Génese, Institucionalização e Formação
Académica
Serviço Social e Contemporaneidade
4
Serviço Social, Profissionalização e
4
31,8
10,6
63,6
2
Representações Sociais
Associativismo Profissional
Serviços Sociais em Campos Específicos Serviço Social Hospitalar
Serviço Social: Outros Campos e
Debates
1
11
2
16,7
Serviço Social na Habitação
1
Serviço Social e Educação
2
Serviço Social Autárquico
1
Serviço Social nas Organizações
1
Trabalho Comunitário
1
Mediação em Serviço Social
8 12,1
2
Poder na Prática Profissional AS
1
Democracia Local e Movimentos Sociais
2
5
24
Fonte: Rodrigues, F e Branco, F (2003). A Formação Pós - Graduada e a Construção do Conhecimento em Serviço Social.
Congresso RNESS
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7,6
36,4
Os resultados observados suscitam diferentes linhas de análise e reflexão sobre a investigação
em Serviço Social no âmbito da pós-graduação em Portugal.
Num primeiro plano, observa-se a preponderância da investigação em Políticas Sociais e
uma baixa densidade da produção de um saber disciplinar em Serviço Social. Sem prejuízo
de outras dimensões de análise a considerar, deve-se sublinhar que esta linha de força é
particularmente crítica para o desenvolvimento científico e afirmação académica do Serviço
Social como disciplina, uma vez que o potencial de pesquisa tem sido disperso e focalizado em
áreas de indiscutível relevância social, mas que não subsidiam, mais directamente, a produção
de conhecimento pertinente para a construção e aprofundamento dos saberes disciplinares.
Naturalmente que os projectos de pesquisa realizados em diferentes domínios das políticas
sociais podem contribuir para afirmar os assistentes sociais como cientistas sociais, num
campo mais amplo que o do próprio Serviço Social, aspecto sem dúvida relevante mas que nas
circunstâncias observadas tem como contraponto um mais frágil investimento em objectos
mais centrados no próprio campo disciplinar. Ora, o processo de desenvolvimento académico
e profissional do Serviço Social, inicial e não suficientemente consolidado, pareceria requerer
uma outra dinâmica de produção de conhecimento e investigação. Trata-se no nosso ponto
de vista, do Serviço Social participar daquilo que Groulx designou um “processo mais largo
de academização disciplinar do serviço social [...] e que pode ser interpretado como uma
estratégia de legitimação intelectual no campo propriamente universitário” (Groulx, 1993,
citado por Kérisit, 2007).
Num segundo plano de análise, regista-se de alguma forma, no que respeita mais especificamente
ao domínio do Serviço Social, uma reduzida presença de projectos mais centrados nos debates
teóricos e metodológicos, ainda que se deva sublinhar que o trabalho até agora realizado de
análise do corpus empírico considerado não permite extrair conclusões muito aprofundadas
sobre esta matéria. De qualquer forma, observa-se um maior número de projectos no âmbito
da investigação da história e/ou formação e também da profissionalização, a par de uma
relativa dispersão dos campos de investigação.
Num terceiro plano, estes resultados suscitam igualmente a importante questão da política
científica do Serviço Social em Portugal e mais especificamente a da definição pelos diferentes
programas de pós-graduação de áreas de concentração da investigação, nas quais o campo
disciplinar específico não pode deixar de ser nuclear, sem prejuízo, como se observou no
período estudado, de o processo de produção de conhecimento ser mais decorrente de
lógicas particularistas e de investigadores isolados do que de uma política de desenvolvimento
científico da área. Naturalmente que uma política de investigação científica em Serviço Social
não se decreta e envolve aspectos complexos e sensíveis, designadamente quanto à conciliação
entre os interesses de investigação dos formandos individualmente considerados e as linhas
de concentração estabelecidas ou a estabelecer pelos diferentes programas, mas não pode no
entanto deixar de estar no centro da agenda do desenvolvimento académico e científico do
Serviço Social em Portugal.
Da presumível relevância social à baixa difusão e socialização do conhecimento
A análise dos eixos temáticos privilegiados pelos projectos de pesquisa no âmbito da pósgraduação em Serviço Social em Portugal evidencia o interesse do campo das políticas sociais,
dos seus campos e problemáticas, bem como da sua dinâmica no contexto actual marcado
por uma vincada reorientação e transformação. Para além do seu interesse específico para
o Serviço Social, a que mais adiante se retornará, importa sublinhar a relevância social dos
campos e problemáticas que concitam o labor investigativo dos pesquisadores e profissionais
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- Unidade orgânica
Universidade Lusíada
- Unidade orgânica
Universidade Lusófona
Centro Lusíada de Investigação
em Serviço Social e Intervenção
Social – CLISSIS (2007)
Centro de Investigação em
Serviço Social no Espaço
Lusófono - CISSEL (2007)
- Serviço Social: Teorias e
Práticas
- Sociedade do conhecimento,
mutações do social e serviço
social
- Desenvolvimento, avaliação,
metodologias e estratégias de
intervenção e serviço social
- Políticas públicas, bem-estar
social e organizações sociais
- Serviço Social, Políticas Sociais
e Ciências
(9 linhas de investigação)
- Serviço Social e Sociedade
- Políticas Sociais e Sociedade
- N.D.
Research Groups / Linhas de
pesquisa
- N.D.
Fonte: informação institucional das unidades de investigação
Legenda: N.D. — informação institucional não disponível
Notas: (1) Não foram consideradas as edições que poderão ter sido já publicadas pelas diferentes unidades
- Unidade orgânica Instituto
Superior de Serviço Social do
Porto
Centro de Investigação em
Ciências do Serviço Social
(2003)
- Associação não lucrativa não
integrada em unidade de ensino
Centro de Investigação em
Serviço Social e Estudos
Interdisciplinares - CISSEI (N.D.)
- Unidade orgânica
Universidade Católica
- Candidata a Unidade I&D
junto FCT (2007-2010)
- Associação não lucrativa não
integrada em unidade de ensino
- Unidade I&D junto FCT (20032006)
Centro Português de História
e Trabalho Social - CPIHTS
(1993)
Centro de Estudos de Serviço
Social e Sociologia – CESSS
(2003)
Natureza e Inserção
Unidades de Investigação
- Sem estatuto I&D
- Candidatura a Unidade I&D
(2007-2010)
- Sem estatuto de I&D
- Candidatura a Unidade I&D
(2007-2010)
- Sem estatuto de I&D
- Estatuto Unidade I&D (20032006)
Integração com Agências
Investigação Científica
Figura 4: Unidades de Investigação em Serviço Social formalmente constituídas em Portugal, 2008
- Sem sítio na internet
- Sítio na internet
- Revista Intervenção Social, do
ISSS-UL
- Sítio na internet
- Sítio na internet
- Revista online (2008)
- Sem sítio na internet
Veículos de divulgação e
difusão científica (1)
- Sítio da internet
de Serviço Social. Como a tabela 1 ilustra, trata-se de um vasto leque de domínios para cujo
estudo os assistentes sociais e docentes pós-graduandos se encontram particularmente bem
situados, pela sua reconhecida proximidade e imersão no campo e que atestam igualmente
o nível de interlocução do Serviço Social com a sociedade, carreando para a sociedade em
geral, e para a comunidade científica em particular, conhecimento sobre um significativo
conjunto de questões sociais com implicações para o que Sposati designou de agenda da
justiça social (Sposati, 2007). Refira-se aliás, que esta mesma preocupação com as questões e
políticas sociais é igualmente observável na trajectória da pesquisa em Serviço Social noutros
países. Como assinala Kérisit , reportando-se Quebeque, “se existe um ponto comum entre
as pesquisas passadas e actuais em serviço social, é a sua vontade de alcançar resultados
susceptíveis de conduzir à acção, de melhorar a situação em que se encontra um indivíduo ou
um grupo vulnerável (Kérisit, 2007: 270).
No entanto, mesmo com prejuízo da análise da qualidade e rigor dos trabalhos produzidos,
admitindo-se uma boa qualidade média, um fortíssimo constrangimento limita profundamente
o impacte social do conhecimento produzido, uma vez que se regista uma reduzida difusão
e socialização deste acumulo de conhecimento sobre a realidade social portuguesa e sobre
as políticas sociais em Portugal. Na verdade a pesquisa empírica realizada revela que apenas
3 teses de doutoramento e 10 dissertações de mestrado foram publicadas até 2003, o que
representa aproximadamente 20% do universo. Acresce ainda que, de um modo geral, as
edições, com apenas uma excepção, foram publicadas por editoras sem peso no mercado
editorial português, o que limitou consideravelmente a sua difusão fora do universo profissional
mais estrito.
IV. A pesquisa em Serviço Social organizada em centros de
investigação: situação e desafios
Na análise da investigação em Serviço Social em Portugal importa igualmente ter em consideração
a situação da pesquisa organizada em centros de investigação, os desafios enfrentados e as
perspectivas que se abrem a esta componente nuclear do seu desenvolvimento.
A informação sistematizada na figura 4, compilada a partir da informação institucional
disponível, permite traçar um retrato geral do universo destas unidades.
Como se pode observar, a constituição destas unidades ocorre, se exceptuarmos o CPIHTS
(fundado em 1993), nos anos mais recentes (2 em 2003 e 2 em 2007).
No que se refere à actividade científica esta é ainda embrionária ou inicial, com excepção
do CPIHTS que apresenta um relevante conjunto de trabalhos na área e designadamente no
domínio da pesquisa histórica em Serviço Social12. No panorama actual merece igualmente
menção a actividade do CESSS, que apesar da sua juventude, apresenta, comparativamente,
um currículo muito positivo sobretudo no âmbito da avaliação de projectos e políticas sociais,
mas também no domínio específico do Serviço Social13.
No plano institucional da política científica não existem actualmente centros de investigação
em Serviço Social reconhecidos como unidades de investigação e desenvolvimento junto
da FCT, ainda que o CPIHTS tenha sido o primeiro centro de Serviço Social em Portugal a
gozar desse estatuto (período 2000/2006) e o CESSS tenha apresentado recentemente a sua
candidatura a unidade de I&D para o período de 2007/2010.
Assim, emergem como traços essenciais da situação actual o carácter tardio da organização
da investigação em Serviço Social em centros de estudos, o carácter embrionário da actividade
Locus SOCI@L 1/2008: 59
da maioria das unidades de pesquisa dedicadas a esta área de saber e a baixa integração
institucional com as agências de suporte à política científica e o “mundo da ciência”.
Num outro plano de análise, a informação institucional disponível e o conhecimento directo
do campo permitem sustentar que a política científica das unidades se encontra ainda numa
fase inicial de definição, ainda que os dados recolhidos possibilitem observar que os centros
de investigação mais recentes, por coincidência os que apresentam uma inserção académica
universitária, definiram já as suas grandes linhas de investigação as quais anunciam um
desígnio, positivo, de concentração da produção de saberes com relevância disciplinar.
O quadro de desenvolvimento das unidades de investigação em Serviço Social em Portugal é
particularmente complexo, se se atentar na dinâmica do mercado de ensino superior de Serviço
Social, nas orientações da política científica no nosso país e nas idiossincrasias da área.
No primeiro plano, como se tem assinalado, observou-se um processo de crescimento quase
exponencial da oferta de formação no primeiro ciclo, dinâmica que se tende agora a transmitir
ao 2º ciclo (mestrado) e 3º ciclo (doutoramento). Daqui decorreu, como era normal, numa
lógica de estruturação das respectivas fileiras, a criação de diferentes unidades de investigação,
correspondendo aliás, num plano ideal, a um importante enriquecimento académico do Serviço
Social e a uma necessidade há muito manifestada. No entanto, no reverso desta dinâmica
revelam-se como pontos críticos, ao menos no horizonte mediato, quer a dispersão da massa
crítica em Serviço Social, quer as dificuldades de sustentabilidade, no seu figurino presente,
dos diversos programas de doutoramento existentes e anunciados.
Ao mesmo tempo, outro forte constrangimento decorre do facto da comunidade científica do
Serviço Social, que hoje se estrutura em torno dos programas de pós-graduação (cf. figura 3 e
respectivas notas), e centros de investigação referenciados, não estar articulada em rede, não
ocorrendo a cooperação e partilha de projectos entre pesquisadores.
Na actual fase, a lógica instalada é de reforço e desenvolvimento endógeno das várias unidades
e programas. Orientação expectável, inteiramente legítima e natural face ao processo de
desenvolvimento académico ocorrido, mas em contra-ciclo com a política de I&D das agências
portuguesas, que postula cada vez mais uma lógica de concentração e fusão dos centros
e unidades de investigação e privilegia as unidades de grande dimensão na sua política de
financiamento plurianual. Acresce ainda como altamente relevante o facto de, em Portugal, o
Serviço Social não constituir um domínio científico reconhecido pelas agências científicas.
Neste contexto, a investigação em Serviço Social, no que se refere aos seus centros de investigação,
encontra-se confrontada com complexos desafios, nomeadamente o da conciliação do
crescimento e afirmação das suas unidades emergentes com a agenda da política científica
pautada pela concentração.
Vários são os cenários que podem ser traçados. Uma hipótese poderá passar pela inscrição
dos centros actualmente existentes em unidades de vocação disciplinar mais ampla no domínio
das Ciências Sociais no quadro das respectivas universidades de pertença, o que permitiria
provavelmente o acesso dos centros de Serviço Social ao financiamento plurianual que se
apresenta crucial para o seu crescimento e consolidação. Como reverso existirá o risco de
diluição da investigação de orientação mais vincadamente disciplinar e maior auto-fechamento
das diferentes unidades. Um outro cenário poderá consistir na cooperação institucional e
programática entre vários centros de investigação, em modalidades mais fortes ou mais fluidas,
que favoreçam a convergência de esforços e a criação de comunidade(s) científica(s) e que
possam eventualmente servir de base para a constituição de formas federativas. Este modelo
teria como principal vantagem o fortalecimento da produção científica disciplinar na área
do Serviço Social e o poder negocial da(s) sua(s) comunidade(s) científica(s). Naturalmente
Locus SOCI@L 1/2008: 60
que o futuro imediato poderá ser determinado pelo prolongamento da dinâmica actual, pela
inércia gerada pela fase nascente e de institucionalização que se regista, ainda que, como se
observou, vários e significativos sejam os riscos e ameaças.
IV. Conclusão: contributos para uma agenda da Investigação em
Serviço Social em Portugal
A análise ensaiada permitiu traçar uma visão geral da investigação em Serviço Social, nas suas
características mais salientes, desafios e perspectivas de desenvolvimento, considerando quer
a questão da investigação no plano da formação inicial em Serviço Social, quer no domínio da
pós-graduação académica, quer ainda da pesquisa organizada em centros de investigação.
Da abordagem realizada podem extrair-se vários pontos relevantes para uma agenda da
investigação em Serviço Social em Portugal.
Assim, parece de particular relevância proceder a um estudo mais aprofundado do lugar,
concepções e práticas da investigação na formação inicial em Serviço Social, tendo em conta
quer o projecto de formação que pautou o processo tendente à obtenção do reconhecimento da
licenciatura em Serviço Social em Portugal, quer os efeitos da desregulação da oferta nesta área,
quer ainda da reforma de Bolonha. Neste domínio parece essencial um debate aprofundado
sobre a inscrição da investigação em Serviço Social nos diferentes paradigmas da investigação
(Denzin e Lincoln, 2003) em especial articulação com os modelos de conceptualização das
relações entre conhecimento e acção (Groulx, 1994).
Noutro plano, é igualmente nuclear o debate teórico sobre as grandes áreas de concentração
da pesquisa e das suas relações conceptuais. Um debate contextualizado na fase actual de
desenvolvimento académico do Serviço Social em Portugal, nos traços identitários da profissão
e do lugar que neles ocupam a pesquisa e, também, na pluralidade possível dos projectos
profissionais do Serviço Social no nosso país (cf. Rodrigues e Branco, 2008).
Outro ponto central da agenda, no contexto actual de institucionalização da investigação
académica em Serviço Social, caracterizada pela instalação e afirmação de diferentes
unidades de pesquisa, respeita à necessidade da adopção de iniciativas que contrabalancem o
isolamento e fragmentação existente entre as diferentes estruturas organizadas de investigação
e favoreçam o debate sobre as estratégias de desenvolvimento da investigação social no quadro
da actual política científica em Portugal, marcada pelo paradigma das grandes unidades de
I&D e uma lógica de concentração e fusão entre centros e unidades. A discussão e adopção
de modalidades de cooperação e articulação entre investigadores e unidades, quer através de
parcerias institucionalizadas, quer de participação em redes e /ou projectos conjuntos, surgem
assim com uma particular acuidade.
Num plano autónomo, mas com estreita implicação para o desenvolvimento da investigação
científica em Portugal, importa debater as perspectivas de sustentabilidade de programas
de doutoramento em Serviço Social, sem o que será altamente crítico o crescimento e
fortalecimento da sua massa crítica.
Numa dimensão mais específica, surge como particularmente relevante a questão da difusão
e socialização da investigação em Serviço Social, para o que se torna necessário a adopção de
estratégias e plataformas ajustadas às tendências observadas neste domínio particular.
Referências
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Locus SOCI@L 1/2008: 61
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l’Université du Laval, pp. 165-186.
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Everitt, Angela, P Hardiker, J Litlewood and A Mullender (1992). Applied Research for Better Practice. Londres:
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Iamamoto, Marilda (2004). Os caminhos da pesquisa no Serviço Social. In IX encontro Nacional de Pesquisadores em
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Kérisit, Michéle (2007). Recherche et Service Social. In Jean-Pierre Deslauriers and Yves Hutubise (eds.), Introduction
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Martins, Alcina (1999). Serviço Social e Investigação.In Serviço Social, Profissão & Identidade: Que Trajectória ?, Lisboa
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Rodrigues, Fernanda e Baranco, Francisco (2008). A Investigação em Serviço Social em Portugal: uma aproximação a partir
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16-19 Agosto (ISBN 978-85-99447-04-8).
Sposati, Aldaíza (2007). Pesquisa e produção de conhecimento no campo do serviço social. Revista Kátalisys, 10
(especial):15-25.
Notas
O projecto de formação que enformou o processo tendente à Licenciatura em Serviço Social concebeu a investigação
como componente constitutiva da formação inicial do Assistente Social, a par da formação teórica, da formação
técnica e da formação experiencial em contexto de trabalho. Trata-se de elementos estruturantes de um perfil que
requer um saber profissional complexo (cf. Branco, 2008: 27).
1
2
Sobre esta matéria veja-se (Branco, 2005: 165-186).
3
Sobre esta matéria veja-se (Martins, 2008)
4
Faleiros (1997), reportando-se ao Brasil, sustenta, o facto de que os Assistentes Sociais brasileiros embora
declarando uma elevada consideração pela investigação, não fazem pesquisa, não lêem e estudam pesquisa e
rejeitam as pesquisas que comportam críticas ou resultados negativos para a sua prática.
5
Caracterizado como a “atitude voltada para a solução de problemas imediatos, sem pensar e reflectir as
consequências teóricas e históricas desta acção imediata” (Faleiros,1997:164).
Locus SOCI@L 1/2008: 62
6
Cf. designadamente, Branco (2004), “Unidade Curricular de Investigação em Serviço Social”, ISSSL (não
publicado).
7
Este ponto do artigo retoma parte do trabalho (Rodrigues e Branco, 2008) dedicado exactamente à análise da
investigação em Serviço Social em Portugal na perspectiva pós-graduação no período 1990-2003.
8
O Instituto Superior de Serviço Social do Porto, em cooperação com Universidade do Porto, tem em
funcionamento desde 2003, um Programa de Doutoramento e Mestrado em Ciências do Serviço Social, orientação
que não se enquadra na tradição e parâmetros correntes dos programas de pós-graduação em Serviço Social a
nível internacional
9
Foram anunciados para 2008/09 o Mestrado em Serviço Social no ISCTE e na Universidade Católica Portuguesa
– Viseu e o Doutoramento em Serviço Social na Universidade Lusíada.
10
A título comparativo note-se que no Brasil existiam em 2004, 16 programas de Mestrado (10 PT) e 8 de
Doutoramento (3 PT), para uma proporção de 1para 10 no número de profissionais. (cf. Iamamoto, 2004).
11
O corpus da investigação realizada abarca o universo temporal de 1990 a 2003 11 (13 anos) e é constituído por
66 trabalhos, sendo 55 dissertações de mestrado e 10 de doutoramento. São abrangidos cursos de Mestrado e/ou
Doutoramento na PUC/SP, ISSSL, ISSSP, ISMT, para além de outras Universidades Europeias (Holanda e Suíça).
12
Para uma visão detalhada da actividade do CPHITS veja-se a comunicação de Alcina Martins neste seminário
(Martins, 2008).
13
Cf. súmula da actividade do CESSS, no sítio da internet do centro http://homepage.mac.com/fbranco/CESSS.
Locus SOCI@L 1/2008: 63
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A investigação em Serviço Social em Portugal: trajectórias e