A representação social
dos Jogos Olímpicos:
um olhar a partir de atletas
olímpicos brasileiros
Nelson Todt
Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil
Luis Henrique Rolim
Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
0 | Abstract
The Olympic Games have special features and their study
comes from their origin in the Greek Antiquity. In ancient
Greece, the Games had an important meaning for their
participants: they were not only a personal representation
but also a tribute to the Greek gods, their cities and families.
The sport people watch today attends not only to the great
“gods” of our century, but also to technology and economical
materialism. The aim of this paper is to identify the social
representation of the Olympic Games through Brazilian Olympic
athletes. Different representations of the Olympic Games have
been observed according to the following categories: (i) the
use of illegal means and fair play concept; (ii) preparation
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and difficulties Olympic athletes have to go through; and (iii)
the importance of participating in the Olympic Games. The
analysis indicates that the social representation of the Olympic
Games is the moment of glory for Olympic Athletes, and even
more, it happens according to the particular experiences of
each athlete and their specific sports disciplines. For this
reason, athletes have a hard understanding of the aspects
related to the Olympic Movement.
1 | Introdução
Os Jogos Olímpicos contemplam diversos significados para
aqueles que acompanham sua história, seja como atleta,
seja como espectador. Isto ocorre principalmente por ser
um evento com uma história de mais de 3000 anos, que
está ligada aos antigos gregos e seus significados
mitológicos. Desde sua recriação na Era Moderna, a partir
dos esforços do Barão Pierre de Coubertin, os Jogos
Olímpicos já alcançaram 25 edições.
A filosofia promovida pelo Movimento Olímpico moderno vem
se constituindo em um norte educacional para todos que
aceitam suas idéias. Porém, alguns valores preconizados
pela filosofia olímpica vêm sofrendo fortes contestações,
devido, principalmente, aos diferentes contextos sócioculturais do mundo moderno e aos casos de corrupção,
doping, política e mercantilismo. Dentro desse sistema
encontram-se os atletas olímpicos, que, muitas vezes,
passam a ser os principais meios de divulgação, tanto das
coisas boas como das ruins.
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Diante dessa realidade surgem as seguintes questões:
1. Como os atletas olímpicos estão vendo os Jogos
Olímpicos? 2. E, então, qual seria a representação dos Jogos
Olímpicos para os atletas olímpicos brasileiros?
Segundo Moscovici (1978), os indivíduos não são apenas
processadores de informações, nem meros ‘portadores’ de
ideologias ou crenças coletivas, são pensadores ativos que
através da interação social produzem e comunicam
incessantemente suas próprias representações e soluções
específicas para as questões que se colocam a si mesmos.
Desta forma, acreditamos que atletas olímpicos poderão ser
capazes de construir representações sobre esse evento.
2 | Revisão teórica
Os Jogos Olímpicos: da Antiguidade à Era Moderna
Os Jogos Olímpicos têm seu primeiro registro de 776 a.C. e,
durante séculos, tiveram uma representação muito forte no
mundo heleno. Neste contexto o esporte era visto como um
meio formativo, pois através dele muitas cidades educavam
seu povo mentalmente, fisicamente e espiritualmente através
de ritos, competições, aulas ou treinamentos (IOC, 2000).
Os espartanos eram os que melhor caracterizavam o espírito
olímpico através da arete, entretanto, em Atenas, existiu
também a idéia educacional e idealizadora do esporte
através do kalocaiagatia. Cabe destacar que a competição
grega era antes de tudo lúdica, o que mais apropriadamente
os gregos chamavam de agonísmata.
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Outro aspecto que demonstrava a preocupação e o respeito
dos gregos antigos com os Jogos Olímpicos era o período
de trégua (ekecheiría) (Durántez, 1975). Neste período os
gregos de todos recantos tinham uma espécie de “salvoconduto” para se dirigir até o Santuário de Olímpia.
A arte e a filosofia na cultura ocidental seguiram através dos
tempos, sem maiores perdas, levando adiante o legado da
Grécia Antiga. Porém, o esporte passou 15 séculos num estado
de letargia, devido à proibição dos Jogos pelo Imperador
romano Teodósio, em 393 d.C. Esse fato se deu em virtude
do catolicismo considerar os Jogos uma atividade pagã.
Em fins do século XIX, o Barão Pierre de Coubertin, recriou os
Jogos Olímpicos. Coubertin buscava revigorar a juventude e
a educação francesa, convencido da necessidade do esporte
para a formação do indivíduo através de um novo modelo
educacional. Assim, a influência do sistema educacional e
esportivo dos ingleses e as recentes descobertas sobre os
Jogos da Antiguidade imbuíram Coubertin de organizar uma
instituição capaz de organizar o esporte baseado em uma
‘doutrina filosófica-religiosa’, mais tarde conhecida como
Olimpismo (Rubio, 2001).
Em 1894, sua idéia foi aprovada no congresso esportivocultural de Paris, diante de uma platéia de aproximadamente
duas mil pessoas, das quais 79 representavam sociedades
esportivas e universidades de treze nações, no congresso
esportivo-cultural de Paris.
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Após a aprovação, Coubertin criou o Comitê Olímpico
Internacional, entidade que trata até hoje de todos os
assuntos relacionados aos Jogos Olímpicos, onde o Movimento Olímpico está incluído. Estabeleceu-se a Carta Olímpica como o documento norteador da prática do Movimento
Olímpico, contendo princípios filosóficos, que em seu conjunto
foram denominados de ‘Olimpismo’.
Ao longo dos mais de 100 anos de Era Moderna, surgiram
diversas discussões sobre a filosofia olímpica e seus
principais conceitos, como por exemplo, o fair play (Tavares,
1999). Na maioria dos casos, esses debates se dão em
virtude de os ideais olímpicos estarem em permanente
conflito com a realidade multicultural internacional e, além
disso, por perpassarem ao longo desses anos por guerras,
corrupção, política, doping e mercantilismo.
Consideramos, desta forma, que os atletas que participam
desse evento podem se tornar agentes importantes na
propagação dos ideais olímpicos assim como de suas
limitações. Porém, para isso ocorrer, devemos identificar qual
a visão desses sobre o evento na qual participam.
3 | Metodologia
A fim de identificar a representação social dos Jogos Olímpicos
para os atletas olímpicos brasileiros, buscamos delimitar nossos
sujeitos de pesquisa a partir do seguinte critério: participação
como atleta nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 e ser atleta
gaúcho de qualquer modalidade olímpica. Desta forma, foram
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feitas entrevistas individuais (semi-estruturadas) com sete
atletas, sendo analisadas em categorias a posteriori conforme
indica a Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1978).
4 | Análise e discussão dos dados
O uso de vantagem ilícita e o conceito de fair play
Existe uma forte representação sobre o uso de doping ou qualquer outro tipo de vantagem ilícita, pois todos os atletas responderam que não usariam nenhum tipo de vantagem ilícita para
se beneficiar e conquistar um bom resultado nos Jogos Olímpicos.
Segundo a atleta 2 “vale assumir a colocação que a gente
conquistou, mas saber que foi uma colocação realmente limpa”.
Assim, pensávamos que a representação sobre o conceito fair
play seria feita da mesma forma, porém alguns atletas mencionaram nunca terem ouvindo essa expressão e outros responderam de formas diversas: “jogar limpo, é participar dentro das
regras (Atleta 7); competir de maneira saudável, tu competir de
maneira que leva na regra (Atleta 1). Além disso, buscaram
relacionar a expressão com os Jogos Olímpicos: “eu acredito
que tem tudo a ver com as Olimpíadas, porque [...] os Jogos Olímpicos é para mostrar a beleza do esporte” (Atleta 5); “Acho que fair
play lá nos Jogos mesmo não é uma coisa que seja regra” (Atleta
1); “deveria ter um fair play, mas não tem 100%” (Atleta 7).
5 | Preparação e dificuldades
no caminho de um atleta olímpico
Uma das representações construídas pelos atletas se refere
à preparação para os Jogos, respeitando as individualidades
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de cada modalidade esportiva. Alguns atletas afirmaram ser
diferente o treinamento, outros disseram ser a continuação
de um trabalho já pré-estabelecido, apenas mudando o
espírito durante a competição. A grande maioria afirmou que
a preparação deve ser diferenciada, pois esta competição é
de grande relevância para os atletas. O atleta 4 enaltece
dizendo que é um “campeonato de 15 dias que passa voando,
mas que a gente passa quatro anos só pensando nele”.
Estas respostas se relacionam com as dificuldades de se
participar dos Jogos Olímpicos, conforme o atleta 3 “a maior
dificuldade é chegar lá [...] tem várias barreiras até tu chegar
lá, fora outras competições tem que alcançar o índice olímpico”.
“Então se torna difícil porque quando chegar ao nível de PréOlímpico todo mundo ta querendo ir [...] fica um nível mais
forte dentro do país” (Atleta 2).
Outra representação diz respeito à dificuldade de apoio e
estrutura esportiva para manter o planejamento dos treinos,
principalmente nos anos em que os Jogos não são realizados.
O atleta 5 reforça um sentimento unânime: “A maior
dificuldade é a falta de apoio [...] é você manter a condição
física e ter um retorno, a gente acaba só investindo e não tem
retorno financeiro no período que a gente ta fora”.
7 | A importância em participar dos Jogos Olímpicos
Uma das representações mais enaltecidas, pois a maior
parte dos atletas afirmou ter realizado um sonho e também,
conforme o atleta 7, a “conquista de um objetivo de quatro
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anos”. Representar o país nesta competição é muito
significativo, sendo mais valoroso repetir uma participação
conforme afirma a atleta 2: “foi um orgulho, porque é o sonho
de todo atleta de estar presente [...] poder representar
novamente meu país num Jogos Olímpicos”.
Sobre o objetivo que os Jogos Olímpicos possuem em nossa
sociedade, observamos uma diversidade de opiniões.
Segundo o atleta 3 é o “único evento capaz de parar guerras
[...] os Jogos Olímpicos conseguem motivar as pessoas para
serem melhores”. Conforme a atleta 2 “é aonde que o país
consegue ser mostrado ao mundo e ver a potência do país, do
investimento que ele usa [...] em relação ao esporte, educação”.
Porém, outros afirmam possuir um papel pequeno no nosso
país, conforme o atleta 1, “os Jogos Olímpicos é a única hora
que os outros esportes dividem a atenção com a sociedade”.
8 | Considerações finais
Os Jogos Olímpicos possuem uma representação destacada
para os atletas entrevistados, pois é um objetivo que se
busca durante a vida esportiva. Além disso, os Jogos são
um momento de glorificação devido à difícil caminhada de
um atleta para participar dele. Neste sentido, a mídia e os
aspectos econômicos servem de estímulo para que os atletas
busquem representar o país neste evento devido à sua
grande repercussão mundial. Isso acarreta, na maioria das
vezes, não se preocupar com os ideais preconizados pelo
Olimpismo, pois são tratados como questões teóricas pouco
desenvolvidas na prática cotidiana desses atletas.
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Cabe ressaltar que apesar disso, nossos atletas possuem uma
prática esportiva baseada nos princípios do fair play, sendo
destacado por alguns como de grande importância para a
realização dos Jogos Olímpicos. Porém, a representação social
dos Jogos Olímpicos se apresenta, muito mais, de acordo com
as experiências de cada atleta e com as especificidades de
cada modalidade esportiva, ficando difícil o entendimento dos
aspectos relacionados ao Movimento Olímpico pelos atletas.
9 | Referências
DURÁNTEZ, C. Olympia y los Juegos Olímpicos Antiguos.
San Blas, España: Comité Olímpico Español, 1975. Tomo I.
INTERNATIONAL OLYMPIC COMMITTEE. The Olympic Games:
Fundamentals and Ceremonies. Lausanne: IOC, 2000
______. Olympic Chapter. Lausanne: IOC, 2003.
MOSCOVICI, S. A Representação Social da Psicanálise.
Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
RUBIO, K. O Imaginário Esportivo: o Atleta
Contemporâneo e o Mito do Herói. 2001. 286 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
TAVARES, O. Referenciais teóricos para o conceito de
‘Olimpismo’. In: TAVARES, O.; DACOSTA, L. Estudos
Olímpicos. Rio de Janeiro: Gama Filho, 1999. p. 15-49.
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