UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
LICENCIATURA PLENA EM LETRAS
HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGESA
A DUALIDADE DA CONSCIÊNCIA EM AUGUSTO DOS ANJOS: UMA ABORDAGEM
SEMIÓTICA
THIAGO DA SILVA ALMEIDA
JOÃO PESSOA
MARÇO DE 2013
THIAGO DA SILVA ALMEIDA
A DUALIDADE DA CONSCIÊNCIA EM AUGUSTO DOS ANJOS: UMA ABORDAGEM
SEMIÓTICA
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em
Letras da Universidade Federal da Paraíba como
requisito para obtenção do grau de Licenciado em
Letras, habilitação em Língua Portuguesa.
Orientadora:
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista
JOÃO PESSOA
MARÇO DE 2013
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal da Paraíba.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Almeida, Thiago da Silva.
A dualidade da consciência em Augusto dos Anjos: uma abordagem
semiótica. / Thiago da Silva Almeida. - João Pessoa, 2013.
31f.
Monografia (Graduação em Letras) – Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista
1. Teoria Semiótica. 2. Discurso. 3. Anjos, Augusto dos - Sonetos. I.
Título.
BSE-CCHLA
CDU 81’22
A DUALIDADE DA CONSCIÊNCIA EM AUGUSTO DOS ANJOS: UMA ABORDAGEM
SEMIÓTICA
Trabalho apresentado ao Curso de Licenciatura em Letras da Universidade Federal da Paraíba
como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Letras, habilitação em Língua
Portuguesa.
Data de aprovação: ____/____/____
Banca examinadora
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista, DLCV, UFPB
Orientadora
Prof.º Dr. Hermano de França Rodrigues, DLCV, UFPB
Examinador
Prof.ª Dr.ª Carmen Sevilha Gonçalves dos Santos, CE, UFPB
Examinador
AGRADECIMENTOS
A Deus, Pai de infinita bondade, que me proporcionou o dom da inteligência.
Aos meus pais, José Soares de Almeida Filho e Vera Lúcia Pinheiro da Silva Almeida, por
terem me apoiado quando optei abandonar o trabalho para estudar.
À minha irmã, Talisse Silva de Almeida, por ter sempre acreditado em mim.
À minha namorada Daniella Íris de Oliveira Silva, que esteve sempre comigo em diversas
decisões, me apoiando e aconselhando.
Ao meu amigo Flaviano Batista do Nascimento, que me impulsionou a estudar poesia. Seu
exemplo de superação é, para mim, um motivo de inspiração para estudar ainda mais.
AGRADECIMENTO ESPECIAL
À minha orientadora Prof.ª Maria de Fátima Barbosa de Mesquita Batista, pela
oportunidade de estar na Iniciação Científica, pela exigência, pelo comprometimento e por ter
compartilhado do seu saber para a realização deste trabalho.
Será preciso uma inteligência profunda para compreender que com as relações de vida dos
homens, com as suas ligações sociais, com a sua existência social, mudam também as suas
representações, intuições e conceitos, numa palavra, [muda] também a sua consciência?
Karl Marx
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 08
2
TEORIA SEMIÓTICA............................................................................................ 10
2.1 Origem............................................................................................................... 10
2.2 Conceito............................................................................................................. 11
2.3 Níveis de abordagem......................................................................................... 11
2.3.1
Nível fundamental............................................................................ 11
2.3.2
Nível narrativo.............................................. ................................... 12
2.3.3
Nível discursivo............................................................................... 15
3
ANÁLISE SEMIOTICA DO SONETO
IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA...................................................... 19
4
ANÁLISE SEMIOTICA DO SONETO O MORCEGO......................................... 23
5
CONCLUSÕES....................................................................................................... 27
6
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 29
7
ANEXOS................................................................................................................. 31
7.1.
7.2.
Anexo 1........................................................................................................ 31
Anexo 2........................................................................................................ 32
8
1. INTRODUÇÃO
O presente Trabalho de Conclusão de Curso teve por objetivo analisar, do ponto de
vista da semiótica de linha francesa ou greimasiana, dois sonetos do poeta paraibano Augusto
dos Anjos, enfatizando os aspectos da constituição da consciência que se encontra subjacente
à temática central dos poemas, utilizados como corpus. Para tanto, recorreu-se a
considerações do filósofo alemão Martin Heidegger sobre os aspectos da consciência.
O percurso metodológico utilizado para o desenvolvimento das análises foi composto
de leituras teóricas sobre a semiótica do discurso, tendo como principais expoentes:
GREIMAS, COURTÉS, PAIS e FONTANILLE, entre outros. A importância do referencial
teórico escolhido reside no fato de que se trata de uma teoria que se preocupa com o estudo da
significação, prevista e manifestada em discurso e, portanto, que considera a posição do
sujeito em relação à enunciação e ao enunciado que produz.
Inicialmente, descreveu-se toda a teoria semiótica escolhida com base nos estudos dos
autores antes citados, descrevendo as três estruturas ou percursos que a significação faz desde
o momento que sai da mente do enunciador até sua expressão em discurso. Em seguida,
analisaram-se os dois sonetos, do ponto de vista semiótico, a fim de obter a ideologia
subjacente aos discursos. Na discursivização, houve a necessidade de colocar alguns
momentos dos escritos filosóficos de Martin Heidegger sobre a consciência que, para o
filósofo alemão, pode ser “boa” ou “má”, tentando responder ao questionamento que os dois
textos levantam sobre o tema. Diante disto, trabalha-se com a hipótese de que, como o poeta
Augusto aborda o tema do pessimismo na maior parte de suas poesias, a consciência teria um
aspecto negativo na percepção do eu-lírico. Incluíram-se, antes das análises, alguns elementos
sobre a vida do autor e a publicação dos textos em análise, com o intuito de elucidar alguns
fatos que ajudem as análises.
O corpus se constituiu dos sonetos O morcego e Idealização da Humanidade Futura,
extraídos da obra Eu, o único livro escrito e publicado por Augusto dos Anjos. A escolha dos
textos reflete os propósitos estabelecidos neste trabalho: cada um caracteriza, ou melhor,
figurativiza a consciência distintamente e, nesta ocasião, a importância de trabalhá-los reside
na possibilidade de estabelecer determinadas relações que possam, eventualmente, convergir
para alguma semelhança.
Como no corpus em estudo há toda uma preocupação com a constituição do ser, a
relevância desta pesquisa se funda na possibilidade de estudar este ente que se instaura
também pelas suas ações no discurso. Logo, a linha de pesquisa semiótica escolhida aborda
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aspectos da constituição do sujeito enquanto ser investidos de valores modais. Tal estudo se
torna ainda oportuno pela necessidade de aplicação de uma teoria a um dado corpus,
procedimento muito importante para o estudioso em Letras.
Vejamos, agora, o lugar da amostragem escolhida para análise no âmbito da obra do
autor, cuja poética é bastante complexa, devido ao uso de termos e expressões que estão na
base da biologia, da metafísica e da química. Esse vocabulário científico reveste sua poesia de
um tom pessimista, angustiante e voltada para a deterioração da condição humana como
argumenta Órris Soares (1963,44): “O Eu é um livro de sofrimento, de verdade e de protesto,
sofre as dores que dilaceram o homem e aquelas do cosmos”.
À maneira de Euclides da Cunha, na prosa, de “Os Sertões”, o autor fundiu o saber
científico com o saber poético, criando uma obra de grande singularidade. Tal característica
causou embate com os padrões poéticos vigentes da época, o que impossibilitou o autor de
filiar-se a uma escola literária. É possível, entretanto, encontrar em sua obra características
simbolistas, com influências em Cruz e Sousa, Antero de Quental, Cesário Verde e outros; do
formalismo parnasiano, do pessimismo romântico, da filosofia alemã com Schopenhauer, do
selecionismo de Darwin e do negativismo de Haëckel. Por fim, foi um poeta de um livro à
semelhança de Charles Baudelaire com as suas Flores do Mal.
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2. TEORIA SEMIÓTICA
2.1.Origem
Os estudos semióticos tiveram origem na Antiguidade com Platão (427-347), passando
pelo seu discípulo Aristóteles (384-322) e outros.
Platão concebeu o signo de forma triádica com os seguintes componentes: onoma
(nome), eidos (noção ou ideia) e pragma (a coisa referente). Uma das principais indagações
do filósofo era se a relação entre o nome, às ideias e às coisas se dava de forma natural ou
arbitrariamente. Uma de suas conclusões foi que as palavras não refletem aquilo que as coisas
realmente são. Enquanto Aristóteles entendeu o signo no domínio da lógica e da retórica,
considerando como uma “premissa que leva a uma conclusão” (apud. BATISTA, 2001: 133).
Ainda na Antiguidade, no século II da era cristã, Galeno, médico e filósofo romano,
nomeou o estudo dos signos de Semêiósis e concebeu-a como a interpretação dos sintomas
médicos.
No final da Idade Antiga e influenciando grandemente o pensamento medieval, Santo
Agostinho (354 – 430) ampliou o estudo dos signos aos elementos não-verbais, criando uma
pan-semiótica, isto é, um mundo semioticamente construído. Propôs a distinção entre signos
naturais e signos convencionais, da qual os primeiros “são aqueles produzidos sem a intenção
de uso como signo, mas nem por isso conduzem à cognição de outra coisa” (Winfried, 1995:
32). Enquanto os segundos
Na Idade Moderna, especificamente em 1960, John Locke, filósofo inglês, postula em
seu Essay on a human understand
uma “doutrina dos signos”, nomeando o estudo em
questão de Semiotikê, que é aplicado aos signos verbais, não-verbais e sincréticos.
No fim do século XIX, Charles Sanders Peirce retoma a relação triádica do signo,
vendo-o como constituído de:
representamen, o elemento perceptível ao receptor, ou o significante da teoria
saussureana; o objeto que é o referente, a coisa material ou mental que o
representamen reprensenta e o interpretante, que é a significação do signo, melhor,
dizendo, o efeito do signo na mente do intérprete. (BATISTA, 1999: 15).
A seguir, Saussure (CLG, 1967: 80) concebe um signo como dois elementos: o
significante, que é a imagem acústica e o significado que é o conceito. Ele chamou
significação a junção do significado com o significante.
11
Hjelmslev (1961:63) interpretou o pensamento saussuriano e considerou o significante
como expressão e o significado como conteúdo. Ambos, conteúdo e expressão, possuem, no
dizer do autor, uma substância, que é paradigmática e uma forma que é sintagmática, criando
uma nova dicotomia dentro da linguística. Ele considerou que a língua não é um sistema de
signos, mas de figuras. O estudo da figura pode ser aplicado não só aos elementos verbais,
como aos não-verbais.
A partir dos estudos hjelmslevianos, Greimas e os semioticistas da Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais de Paris, elaboraram a teoria que hoje se chama Semiótica de
Linha Francesa e que se opõe à Semiótica Americana iniciada por Peirce (1978) e à Russa,
que é uma proposta de Lotman (1971). Como, neste trabalho, escolhemos a teoria de Linha
Francesa, a ela dedicaremos maior empenho nos itens seguintes.
2.2.Conceito
A teoria semiótica de linha francesa ou greimasiana é a ciência que se ocupa com o
estudo da significação. Esta se define como a relação de dependência entre o plano do
conteúdo e o plano da expressão no interior do texto. Segundo BATISTA (2009:1), “a
significação é concebida como função semiótica e definida no interior dos signos verbais, não
verbais e complexos ou sincréticos”.
Greimas entendeu a significação como um percurso gerativo que dá investimento
semântico às ações dos sujeitos e, para tanto, trabalha com três níveis de análise. Estes vão do
mais superficial ao mais profundo e que são denominados: Estrutura Fundamental, Estruturas
Narrativas e Estruturas Discursivas. Os dois primeiros níveis dispõem de dois componentes:
um sintático e outro semântico, que são categorizadas em sintaxe narrativa, semântica
narrativa, sintaxe discursiva e semântica discursiva.
2.3. Níveis de abordagem
2.3.1. Nível fundamental
A estrutura profunda ou nível fundamental elenca as categorias semânticas subjacentes
à construção textual que estão dispostas em oposição, mas que compartilhem um traço
semântico comum. Nesse sentido, é lúcido contrapor, por exemplo, os lexemas /vida/ vs
/morte/, pois ambos estão inseridos dentro de um mesmo campo semântico.
É preciso
12
apontar, ainda, que, dependendo das intenções que o texto pretende, tais categorias sofrem o
processo de timização, categorizado a partir de dois componentes: euforia e disforia. A
primeira diz respeito aos elementos tomados de força ou importância positiva para um dado
sujeito e a segunda de caráter negativo para este sujeito ou outros envolvidos na narrativa.
A organização fundamental é representada, espacialmente, através de um octógono
semiótico onde são definidas as relações de contrariedade, de contraditoriedade e de
implicação do texto. Vejam-se o octógono seguinte, a fim de que estas relações sejam
compreendidas:
: relação entre contrários
: relação entre contraditórios
: relação de implicação
: tensões dialéticas
As categorias sêmicas da dêixis positiva superior deixam antever que /vida/ é o
contrário de /morte/. Aplicando-se a partícula de negação a cada um deles obtém-se os
contraditórios /não-morte/ e /não-vida/. E, por fim, a implicação consiste na correlação
sistematizada dessas categorias, na qual /vida/ implica /não-morte/ e /morte/ implica /nãovida/.
Essas considerações estão enraizadas em A.J. Greimas (1975:127) e compõem o Jogo
das Restrições Semióticas nas quais o autor conceitua as estruturas profundas como sendo
aquelas que “definem a maneira de ser fundamental de um indivíduo ou de uma sociedade e
que determinam as condições de existência dos objetos semióticos”.
2.3.2. Nível narrativo
As estruturas narrativas ou nível intermediário, segundo Batista (2001:150), são
também chamadas pelo nome singular de “narrativização”, e compreende uma sintaxe e uma
13
semântica narrativa. A sintaxe narrativa compreende “o desempenho de um Sujeito que
realiza um percurso em busca de seu Objeto de valor, sendo instigado por um Destinador que
é o idealizador da narrativa e ajudado por um Adjuvante ou prejudicado por um Oponente.”
(id. ibidem).
Entende-se que o sujeito é o actante sintático cuja existência semiótica é pressuposta
pela presença ou existência de outro actante, que é seu objeto de valor.
O destinador é o actante narrativo que exerce um fazer sobre o sujeito, modificando-o,
isto é, é ele que, qualificando o sujeito para a ação e com ele estabelecendo um contrato, é
responsável transmissão e circulação dos valores modais. Ou, ainda, nos termos de
COURTÉS (1979:32), o destinador “exerce um fazer visando provocar o fazer do sujeito”. A
partir dessa definição, infere-se que o destinador tem a função de manipulador do sujeito,
exercendo um fazer persuasivo. O destinador pode, inclusive, manifestar-se a partir de um
ente que se encontra no próprio sujeito e, neste caso, manifestando-se uma auto-destinação.
O destinatário é o actante narrativo que recebe a competência para fazer, ou seja, nele
são investidas todas as qualificações propiciadas pelo destinador. A princípio existe uma
equivalência entre sujeito e destinatário, porém a existência desta categoria é pressuposta pela
presença do destinador, e não do objeto. O destinatário exerce o papel de manipulado e,
consequentemente, opera um fazer interpretativo, podendo aceitar ou recusar a relação
contratual e ainda ser sancionado positivamente ou negativamente pelo destinador.
O adjuvante é o actante narrativo que tem o papel de ajudar, auxiliar o sujeito,
facilitando sua busca. De modo contrário, o oponente, também denominado oponente-traidor
por Greimas, tanto pode ser ele mesmo um incômodo como gerar obstáculos para o sujeito,
impedindo-o de realizar seu objetivo.
Opondo-se ao sujeito, tem-se o antissujeito que é o actante sintático que disputa com
o sujeito o mesmo objeto de valor ou cujo objeto-valor se opõe ao do sujeito. Este actante, da
mesma forma que o seu oposto, permite acionar mais dois outros actantes: o antidestinador,
que é seu destinador e o antidestinatário, que estabelece uma relação contratual com o
antidestinador.
O sujeito e o objeto se apresentam numa relação transitiva, que pode ser de natureza
conjuntiva ou disjuntiva. Estas, por sua vez, estão inseridas num esquema categórico cujo no
eixo possui a categoria da junção enquanto nível superordenado. A partir disso, diferenciamse os enunciados conjuntivos (sujeito tem posse do objeto) dos enunciados disjuntivos (sujeito
não obtém o valor desejado), que também são generalizados sob um eixo categorial
denominado enunciado de estado que vão assinalar se o sujeito está conjunto (representado
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graficamente pelo esquema S∩O) ou disjunto (representado graficamente pelo esquema S∪O)
de seu objeto de valor.
Há ainda os enunciados ditos de fazer que dizem respeito às transformações ocorridas
na narrativa e operadas pelo sujeito do fazer. Este fazer transformador é o resultado das ações
que o sujeito executa e que o põe em conjunção ou em disjunção com o objeto almejado.
Conclui-se, então, que os enunciados de fazer são enunciados que regem um enunciado de
estado (Cf. Courtés, 1979:19), que graficamente se representa: F  [S∩O  (S∪O)] que se
lê: fazer transformador em que o sujeito conjunto com se objeto de valor passa a sujeito
disjunto do seu objeto de valor.
A semântica do nível narrativo é o estudo das modalizações que estão na construção
dos valores disseminados na narrativa. Nas palavras de BATISTA (2009:3) a semântica
narrativa “determina a modalidade assumida pelo sujeito no seu percurso em busca do valor”.
Significa que, para realizar algo, o sujeito precisa querer ou dever fazer algo Estas modalidades
mostram também a importância que tem o objeto para esse sujeito.
Segundo Fontanille (2012:169):
As modalidades são predicados que atuam sobre outros predicados e, portanto, eles
são predicados que modificam o estatuto de outros predicados. Ademais, eles
asseguram uma mediação entre os actantes e seu predicado de base no interior de
uma cena predicativa.
São, portanto, cinco os tipos de predicados modais: querer, dever, saber, poder e crer.
Estes, como citado acima, regem os dois outros predicados de base que são o ser e o fazer. Da
combinação dos predicados modais com os predicados de base resulta na formação de
predicados complexos:
querer
dever
fazer
crer
saber
Ser
querer-ser
dever-ser
fazer-ser
crer-fazer
saber-ser
fazer
querer-fazer
dever-fazer
fazer-fazer
crer-fazer
saber-fazer
poder
poder-ser
poder-fazer
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Pelo exposto, vê-se que existem dois tipos de modalização: uma do ser e outra do
fazer. A primeira diz respeito ao predicado do ser que é chamada modalização do ser ou
modalização veridictória, pois permite verificar se a relação do sujeito com o objeto ou até
mesmo com os outros actantes é dita verdadeira, falsa, secreta ou mentirosa. Esta incide nos
enunciados conjuntivos e nos enunciados disjuntivos, modificando, assim, as relações do
sujeito com o objeto de valor. A outra modalização está vinculada ao predicado do fazer e
incide sobre a ação do sujeito que transforma o mundo.
A competência é a fase em que são atribuídos valores modais ao sujeito da ação. Neste
sentido, a competência do o sujeito realizador é constituída de um poder e/ou um saber. Esta
fase pressupõe a o seguinte, a performance, que é a fase em que ocorre a transformação
essencial da narrativa mediada por um fazer. É aqui que o sujeito entra em conjunto ou
disjunto do seu objeto de valor. Se a desempenho se realizou, então se tem a última fase do
percurso, a sanção, que compreende as punições e recompensas destinadas aos atores
envolvidos na narrativa.
O percurso narrativo do sujeito é composto de uma estrutura complexa compreendida
de quatro fases conhecidas como manipulação, competência, performance e sanção. Cada um
dos actantes explanados acima é passível de se manifestar nestes estágios e sua ausência é
inteiramente justificável.
No estudo das modalidades, Pais (1993) classifica os discursos em manipulatórios, o
do fazer-fazer, sedutor, o do fazer-crer e ainda persuasivo, quando entram as modalidades do
fazer-querer e fazer-dever.
Segundo Fiorin (2011:30), a fase da manipulação caracteriza-se pela persuasão entre
sujeitos em que um leva o outro a querer ou dever fazer alguma coisa. É aqui que se
estabelecem as relações entre sujeito-manipulador e sujeito-manipulado, mediadas pelos
seguintes tipos de manipulação:
a) tentação: constroi-se uma visão positiva do destinador e este recompensando o
destinatário;
b) intimidação: o destinador passa uma visão negativa dele ao destinatário que pode
ser sancionado negativamente;
c) sedução: forma-se uma imagem positiva do destinador e do destinatário;
d) provocação: destinador constroi uma imagem negativa do destinatário.
2.3.3. Nível discursivo
16
A discursivização tem a característica de ser o patamar mais superficial em relação aos
outros níveis de significação, pois as relações são manifestadas na superfície do texto. Aqui, o
sujeito do discurso adquire voz e, por meio do discurso-enunciado, escolhe os temas, as
figuras, os atores, o tempo e o espaço discursivos. Portanto, o discurso é a unidade máxima
onde se manifestam, no plano do conteúdo, categorias temporais, espaciais, argumentativas,
temáticas e figurativas.
O nível discursivo, Courtés (1979) pensou como constituído de dois componentes:
sintaxe discursiva e semântica discursiva. Cabe à sintaxe do nível discursivo analisar as
relações intersubjetivas entre enunciador e enunciatário, os efeitos de realidade ou referente e
os efeitos de proximidade e distanciamento produzidos pela enunciação. Esta é a instância que
instaura as categorias de pessoa, de tempo e espaço discursivos, fazendo da narrativa um
acontecimento real como se os sujeitos nela envolvidos fossem de carne e osso.
Nas relações intersubjetivas, ocorridas entre enunciador e enunciatário, o enunciador
executa um fazer persuasivo, levando-o ao enunciatário, que executa um fazer interpretativo,
do que está sendo dito. Neste fazer persuasivo, o enunciador utiliza dois procedimentos para
tentar manipular o enunciatário: os efeitos de realidade e os de proximidade e distanciamento.
No entender de BARROS (1999:61), os procedimentos de referência à realidade são: a)
actorialização, que é a constituição das pessoas do discurso; b) a espacialização, a constituição
do espaço e c) a temporalização, constituição do tempo.
A actorialização é o processo em que se dá a escolha do ator, que é uma entidade
discursiva que cumpre papéis actanciais. Quando assume tais papéis, o ator se encontra na
superfície narrativa, e quando assume um papel temático, encontra-se na superfície discursiva.
O papel temático é a função social desempenhada pelo ator. A espacialização se refere ao
lugar propriamente dito e a percepção que os Sujeitos têm desse espaço. Deve-se levar em
consideração o contexto sociocultural e o espaço discursivo que o emissor e o receptor vivem.
A temporalização diz respeito à percepção que os Sujeitos têm em relação ao tempo
cronológico, englobando o tempo histórico, o momento de duração do discurso e o próprio
tempo textual produzido pelo discurso.
No interior do enunciado, para FIORIN (2011:56), são manifestadas duas categorias
principais de sujeitos: o eu e o tu que, ao se relacionarem, totalizam quatro instâncias:
a)
eu pressuposto, enunciador;
b)
tu pressuposto, enunciatário
c)
eu projetado, narrador.
d)
tu projetado, narratário.
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Sobre a produção da subjetividade na enunciação, assim se expressa Benveniste (1989:
84-85): “(...) a emergência dos índices de pessoa (a relação eu-tu) que não se produz senão na
e pela enunciação: o termo eu denotando o indivíduo que profere a enunciação, e o termo tu, o
indivíduo que aí está presente como alocutário”.
A enunciação também cria efeitos de proximidade e de distanciamento, que estão
vinculados às operações de debreagem. Segundo Greimas & Courtés (2011: 112) existem
dois tipos de debreagem: a enunciva que se manifesta em terceira pessoa e projeta um
discurso de caráter objetivo e enunciativa, em primeira pessoa, a partir da qual se projeta um
discurso mais subjetivo.
Batista (1999: 55), com base em Rastier (1974:93-94) classificou os sujeitos em
enunciador/enunciatário-ator quando o discurso acontece em primeira pessoa, e enunciadornarrador/enunciatário-narratário, quando o discurso acontece em terceira pessoa.
A semântica do nível discursivo compreende os percursos temáticos e figurativos do
enunciado, também chamados de procedimentos de tematização e figurativização.
A tematização ocorre a partir do momento em que os valores narrativos assumidos
pelo sujeito são formulados abstratamente e organizados em percursos que são constituídos de
traços semânticos. Os temas são de natureza abstrata e estabelecem uma interpretação de
todos os fatos que ocorrem no mundo.
A figurativização é o procedimento semântico através do qual os percursos temáticos
são revestidos pelas figuras, que são conteúdos concretos do mundo natural e, como os temas,
selecionam componentes do léxico da língua. A figura, por ter caráter concreto, cria a ilusão
de realidade.
Segundo BATISTA (2001: 3-4) “A figurativização consiste em transformar em figuras
de superfície as figuras do plano do conteúdo, utilizando-se a nomenclatura proposta por
Hjelmslev (...). A tematização inicia-se pela identificação dos traços semânticos pertinentes ao
discurso e neles reiterados, podendo-se colocá-las em sequência pela ordem em que aparecem
no texto”.
A figurativização recai sobre a recorrência de figuras de expressão – que diferem da
noção de significante saussuriana – que vão se relacionar a outras figuras por isotopia
semântica, resultando num conteúdo semântico o qual engendrará a(s) significação (ões) dos
valores assumidos pelo sujeito da narrativa.
A tematização é o procedimento pelo qual o sujeito da narrativa dissemina, sob a
forma de temas, os valores inerentes a si mesmo quanto os que foram obtidos. A tematização
pode ainda incidir na figura do sujeito a partir do seu papel temático, que é a sua função social
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no discurso. Quando um determinado agente, seja ele humano ou antropomorfizado,
desempenhando um papel actancial no discurso e, ao mesmo tempo, possuindo uma dada
função social, este indivíduo é reconhecido, em semântica discursiva, como um Ator.
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3. ANÁLISE SEMIÓTICA DO SONETO IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE
FUTURA
3.1.Estruturas narrativas
Na análise da sintaxe narrativa deste soneto, há a presença de três sujeitos semióticos,
S1 e S2 discursivizado pelo eu e S3, pela humanidade, figurativizada pelos homens ou pela
multidão.
S1 tem por objeto de valor encontrar a luz na multidão. Luz significa sabedoria,
pureza, caráter, racionalidade. Porém, esses atributos ele deseja encontrar na humanidade. S1
age destinado pela sua própria consciência que estava perturbada (Rugia nos meus centros
cerebrais / A multidão dos séculos futuros) que o impulsionava a agir,
Foi esta perturbação que impulsionou S1 ir em busca de seu objeto de valor, porém ele
termina disjunto pois afirma ter encontrado moléculas de lama e a mosca alegre da
putrefação, ou seja, tratava-se de uma humanidade desonesta, impura e sobretudo desumana
e, portanto, sem luz. Não se manifesta o adjuvante, porém o oponente de S1 está
manifestado pela própria humanidade.
S2, figurativizado pelo eu, tem como valor buscar o saber/o conhecimento sobre a
humanidade nos livros (Não sei que livro, em letras garrafais / Meus olhos liam). Portanto, o
livro foi o destinador do seu saber. E ele atinge o poder-saber sobre o homem e descobre que
a humanidade possuía ímpetos impuros, fazia ações escusas, sua consciência era constituída
de moléculas de lama, etc. O sujeito, portanto, termina conjunto com seu objeto de valor,
podendo-lhe ser atribuído o esquema narrativo seguinte: S∩O.
S1 e S2 são figurativizados pelo mesmo ator – o eu que se encontra em conflito dentro
de si mesmo, o que se configura como subjetividade semiótica. O eu quer a luz e, ao mesmo
tempo, quer obter um saber sobre o homem. Ele não encontra a luz no saber sobre o homem,
somente a putrefação.
S3, a Humanidade, possui como objeto de valor a irracionalidade, ou seja, S1 não
respeita mais as diferenças e por isso cabe-lhe o estatuto de um sujeito desumano. Aquilo que
o impulsionou a atingir esse valor foi o seu destinador, identificado como a herança dotada de
ímpetos impuros. Foi ela que transmitiu esses valores negativos que fizeram de S3 um sujeito
insensato, inconsequente. S3 termina seu percurso conjunto com seu objeto de valor. Todas as
impurezas herdadas fazem parte dessa essência sancionada negativamente.
Na componente semântica do nível narrativo, S1 se instaura por um quererachar/possuir a luz para si e para a humanidade. Ele fica disjunto e, portanto, não atinge o
20
poder-ser/fazer. O S2 se instaura por um querer-saber: penetrar na consciência da multidão, a
fim de buscar o conhecimento. Na organização modal de sua competência, S2 obtém um
saber sobre os homens, aprendido dos livros que leu. Ele atingiu o seu objeto de valor e,
portanto, o poder-saber e o poder-fazer/penetrar na consciência dos homens e descobri toda a
negatividade que lá existe.
S3 se instaura na narrativa por um querer-ser-desumano, devido à herança que
recebeu dos antepassados, o que alterou seu estado racional, tornando-o um sujeito insensato.
Como S3 age conforme seus próprios ímpetos e ainda impuros. Portanto, o saber que ele lhe
foi herdado é o de ser individualista, egoísta, egocêntrico, e todos esses atributos é o que vai
constituir sua competência modalizada segundo um saber-ser-isso.
3.2.Estruturas discursivas
Na componente sintática do nível discursivo do soneto, é evidente o discurso em
primeira pessoa, identificada por um eu enunciador. Este sente uma perturbação exercida por
uma multidão que é reconhecida como a própria humanidade.
Pode-se observar uma relação do individual para o coletivo, ou seja, um sujeito uno
em relação a toda uma genealogia. Sendo que a constituição da consciência desta humanidade
se deu por uma ação corruptível sofrida por ela, tal corrupção teve sua origem na relação com
as diferenças raciais. O homem, concebido na sua pluralidade, mesmo vivendo em sociedade
e uma vez se relacionando com o outro pelas diferenças, tende a não respeitar essas diferenças
por estar pensando em si mesmo, resultando na irracionalidade étnica proposta no soneto.
Vivendo de maneira individual, esse homem abdica da coletividade, resultando num indivíduo
com menos consciência de si. Aqui a humanidade é idealizada, ou seja, uma ironia presente
no título do soneto que funciona mais como uma crítica à raça humana, pois o enunciador
quer mostrar que o homem é egoísta e insensato por natureza, daí a ideia de algo que foi
herdado. E ainda, um ser que, por querer devorar outros homens, não evolui (protozoários,
seres primitivos) e por essa razão possui esse comportamento animalesco (rugia). Por essa
razão, o homem que vive de tal maneira, constitui-se ou constitui sua consciência de forma
degradante.
A partir disso, verificam-se algumas considerações que o filósofo Heidegger (1997:
79) aponta: “A vivência da consciência” surge após o ato realizado ou omitido. A citação
exprime bem o propósito do verbo tornara, pois a formação de uma consciência degradante
aconteceu depois de realizada algum tipo de ação, seja ela instigada por parte do próprio
21
homem ou por algum fator externo. Neste caso, não se pode afirmar, segundo o filósofo, se
essa consciência é caracterizada como “boa” ou como “má”, pois a primeira, censura e a
segunda, adverte. Já o eu lírico demonstra-se um ser consciente e sua função é fazer o
julgamento final, uma constatação e, por essa razão sua consciência se enquadra na “má”
consciência, justamente por esse aspecto de criticar, de reprovar, de censurar. Para ele, a
consciência deveria ser a luz que os céus inflama, isto é, uma consciência nem boa nem má,
mas uma consciência limpa ou pura.
As relações intersubjetivas mostram uma debreagem actancial marcada por um
enunciador debreado no espaço do aqui e no tempo do agora ou presente. Relata os fatos em
terceira pessoa, mas depois, no primeiro terceto, se impõe no discurso em primeira pessoa,
mas mesmo assim continua debreado. O eu, instância do enunciador, fala a respeito de um ele,
que não participa do processo comunicativo, pois se trata de uma não-pessoa.
Na debreagem temporal, o tempo discursivo é construído pela predominância de
verbos no pretérito imperfeito ou do infectum: rugia, tornara, liam, realizavam, meti, achei
que mostram um processo inconcluso ou contínuo. Denotam um recuo no tempo atentando
para as origens de um povo, mas continua em processo na atualidade. A ação de tornar é
anterior à ação de rugir; esta por sua vez, é concomitante à ação de ler e realizar e posterior à
ação de meter e achar. Pode-se, através dessas relações temporais, recuperar os diferentes
momentos em que as ações se sucederam.
Na debreagem espacial, a percepção que o enunciador tem do espaço – no húmus dos
monturos, na consciência – é de que se trata um lugar de decomposição, de caos, onde a
sociedade se desenvolve e se torna corrupta.
Tem-se aqui A multidão enquanto ator discursivo debreado do tempo e do espaço do
enunciador, pois como o tempo verbal se situa no momento passado e, ao mesmo tempo, se
configura sob um aspecto inacabado, significa dizer que tal ação era recorrente na mente do
enunciador que, por sua vez, se encontra em outro tempo. Mas este ator se encontra ainda
embreado com seu próprio tempo pelo fato de sua instauração ocorrer em plena relação com o
passado. O enunciador já projeta uma visão negativa sobre essa humanidade, identificando
um comportamento animalesco da humanidade reforçada pelo verbo rugir.
Na Semântica discursiva, a recorrência de termos como multidão, homens,
etnicamente, genealogias, animais, escolhidos pelo sujeito da enunciação permitem organizar
o tema humanidade. Os lexemas impuro, húmus, monturos, obscuros, protozoários, lama,
mosca, putrefação revestem o tema da corrupção, pois permitem constatar que a humanidade
22
foi corrompida etnicamente e, onde havia um estado inicial de racionalidade, passa-se para
um estado final de irracionalidade.
A figura protozoário remete para seres humanos que se comportavam primitivamente
e que não conseguiram evoluir. A figura da mosca indica o aspecto de materialidade se
contraposta à figura da luz que sugere a espiritualidade.
3.3.Estrutura fundamental
No texto, há uma estrutura fundamental que põe o lexema humanidade enquanto eixo
semântico e os lexemas /racional/ vs /irracional/ na relação entre os contrários, pois são
categorias aferidas a partir de um momento /anterior/ e /posterior/ de transformação na
essência humana. A categoria /racional/ implica, pela negação, a categoria /não-irracional/
que, na tensão dialética resulta em /sabedoria/, ou seja, negando-se o estado de irracionalidade
étnica obtém-se o objeto de valor de S1 que é encontrar a luz que os céus inflama. Do mesmo
modo, a categoria /irracional/ implica a categoria /não-racional/ que, na tensão dialética
obtém-se /ignorância/, que é justamente o que S2 encontrou: moléculas de lama e a mosca da
putrefação. Por fim, a tensão dialética entre não-racional e não-irracional resulta em
/animalidade/.
23
4. ANÁLISE SEMIÓTICA DO SONETO O MORCEGO
4.1. Estruturas narrativas
Neste soneto, que descreve também aspectos da consciência, há a presença de três
sujeitos semióticos que se encontram figurativizados pelo eu discursivo. São diferentes vozes
que se encontram dentro do próprio eu.
O S1 tem como objeto de valor é a tranquilidade (para relaxar e dormir). Tal Objetovalor representa o afastamento de toda a visão desagradável que lhe prejudica o sossego e,
portanto, tem como oponente o morcego, que é a sua própria consciência. Esta lhe provoca
dor que lhe fere o mais profundo de alma, atingindo o físico, conforme aponta o verso:
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho
Existe uma auto-destinação, uma vez que o valor partiu da necessidade do próprio
sujeito. O fato de ele querer um objeto de valor que se contrapõe ao da consciência faz dela o
antissujeito de S1. Ele utiliza vários recursos para tentar livrar-se de sua inquietação: pegar de
um pau, fechar o ferrolho, concentrar-se, e até pensar em levantar outra parede para
esconder-se. São todas estas figuras que representam o movimento mental, o esforço para
afastar a intranquilidade (o morcego), configurando-se como adjuvante nesta narrativa. Por
mais que S1 tente fugir desse sentimento que o atormenta, ele não consegue e, apesar das
tentativas para livrar-se da dor mortal que lhe provoca a consciência, termina seu programa
narrativo privado ou disjunto do seu objeto de valor, sancionado, então, negativamente.
E olho o teto. E vejo-o, ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!”
S2 é figurativizado pela consciência e tem como objeto de valor tirar a tranquilidade
do S1, feri-lo, deixá-lo abalado, provocar-lhe dor mental e física (situada na garganta). O S1 é
o antissujeito do S2 porque ambos têm valores opostos. A própria consciência é o destinador
da ação, configurando-se com uma auto-destinação. Seu adjuvante é o mal que foi cometido
pelo sujeito da consciência (S1). O oponente são as atitudes tomadas pelo S1 para afugentar a
dor da consciência.
S3 é figurativizado pelo enunciatário textual, não identificado como ator e constituído
por mais de uma pessoa, o que é confirmado pelo uso da segunda pessoa do plural (vede). O
S3 nada mais é do que o outro eu, o alter-ego, na opinião de Eward Lopes (apud. BATISTA,
24
2012:3). Ele tem por objeto de valor escutar o outro, ouvi-lo, descarregar o seu sofrimento. Se
o S1, ao comunicar-se com o S3, quis chamar-lhe a atenção, o S3 é, então o sujeito sobre o
qual recai o apelo.
Na semântica do nível narrativo, S1 se instaura por um querer-ter tranquilidade, que
se encontra na ordem do ser. Na medida em que ele tenta afastar a consciência/morcego de si,
ele executa um fazer constituído das várias ações já apresentadas. Esse fazer do sujeito
significa não apenas o afastamento dessa visão desagradável que o atormenta, mas a obtenção
da possibilidade de momentos de tranquilidade para si. S1 não atinge o poder-fazer porque
não consegue alterar a relação conflituosa com a sua própria consciência e, portanto, acaba
disjunto do seu objeto de valor, como ele mesmo afirma:
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto.
S2 se instaura por um dever-fazer, isto é, julgar ação do outro, apontando-lhe o erro. E o S3,
também na instância do dever, precisa escutar o desabafo do S1.
4.2. Estruturas discursivas
Na sintaxe discursiva, há a presença de um enunciador que constrói a consciência
humana a partir dos atributos e ações de um morcego.
Não há evidências, neste soneto, de que se trata de uma voz masculina ou feminina,
mas de um eu discursivo que fala consigo mesmo e repudia sua própria consciência. Na
verdade, tem-se um único ator para discursivizar três sujeitos semióticos, com valores
distintos: a tranquilidade, a negação dessa tranquilidade e a neutralidade entre essas duas
ações. Todos os enunciados são parte de um fluxo de consciência que revela as ações dentro
de um mesmo sujeito que ora é, ou possui as qualidades, ora movimenta-se no texto em busca
de criar ações que destroem a sua consciência negativa, ora consegue se desculpar para si
mesmo. Na sua caracterização, fica evidente o aspecto de inquietude e perturbação (a culpa)
por ter cometido alguma violação grave que ocasionou um abalo em sua estrutura psíquica e
física. A consciência fala sempre com relação a um determinado ato realizado ou desejado,
aponta Heidegger (1997: 78). É perceptível que a consciência é caracteriza como algo que
incomoda e, por essa razão, o indivíduo é levado a construir barreiras para afastá-la de si, pois
ela está relacionada ao ato de punição. Se esse sujeito sente-se angustiado por ter cometido
25
alguma transgressão, é inegável o sentimento de culpa por ele assumido. A respeito disso,
Heidegger (1997: 79) afirma A consciência é primordialmente “má”. Com isso se diz que
toda a experiência da consciência faz, em primeiro lugar, a experiência de “culpa”.
Neste soneto, as relações são construídas na individualidade, o que justifica todo o seu
caráter introspectivo. Portanto, na fala consigo mesmo, manifesta-se um conflito interior
onde o único obstáculo desse sujeito é ele próprio. Este conflito interior é o que se chama
subjetividade semiótica.
As relações intersubjetivas mostram uma embreagem actancial marcada por um
enunciador embreado no espaço do aqui e no tempo do agora ou presente, e se expressa em
primeira pessoa. O enunciador instaura um tu implícito, que é o seu enunciatário por meio do
pronome vós conduzido pela forma verbal vede. Ao institui-lo, o enunciador convida-o a
compartilhar da imagem desagradável que ele presencia e, assim, desabafa e justifica-se
perante si mesmo: “E agora vede:”.
A coerência do discurso em primeira pessoa é reforçada pela presença de elementos
que estão na zona identitária do eu, conforme se encontra em Rastier, (2010: 23). Os
determinantes em destaque nos sintagmas “meu quarto”, minha rede, “este morcego”, são
elementos dêiticos que situam seus respectivos determinados em torno do enunciador,
contribuindo para tornar o discurso real pela proximidade que se estabelece.
Na embreagem temporal, o tempo discursivo é construído pela predominância de
verbos no presente do indicativo e na primeira pessoa: recolho, morde, ergo, olho, faço, vejo,
pego, concentra, o que torna o discurso tanto real quanto atualizado, como se os fatos
estivessem ocorrendo em concomitância com o tempo do leitor e no momento do agora.
Na embreagem espacial, a percepção que o enunciador tem do espaço – seu quarto, na
rede – é de que se trata de um lugar de repouso, onde a mente deveria estar em descanso,
porém é nesse momento que a consciência vem desfazer o estado de calmaria, tornando o
espaço um local de perturbação do espírito.
A ilusão de veracidade da qual se obtém, comparando a consciência humana a um
morcego, é criada a partir dos atributos e ações que mostram o modo ser deste animal. O eu
discursivo, ao afirmar que a consciência sempre retorna no estado de repouso da mente,
retoma toda uma simbologia sobre a qual o morcego foi considerado símbolo de imortalidade.
Além disso, o enunciador faz a alusão à figura do vampiro – Morde-me a goela – para
designar o quão atormentado este sujeito estava a ponto de perder seus princípios vitais. Outro
artifício que o enunciador utiliza para tornar o discurso real é descrever ações de proximidade
com seu oponente: “Morde-me a goela”, “Chego a tocá-lo”, “Que ventre produziu tão feio
26
parto”. Cada uma dessas ações mostra o quão próximo o enunciador está do morcego que é a
sua própria consciência e este conflito nunca acabará, porque se estabelece dentro dele
mesmo, não tendo com ele se desvencilhar dele mesmo.
4.3. Estrutura fundamental
Pensando nesse sujeito discursivo que é múltiplo e, portanto, encontra-se num conflito
consigo mesmo e com sua consciência, partimos do termo base tranquilidade para estabelecer
os demais termos do octógono semiótico. O contrário de tranquilidade é perturbação. A
tranquilidade implica em não-perturbação e a perturbação implica em não-tranquilidade. Nãotranquilidade e não-perturbação são os contraditórios de tranquilidade e perturbação,
respectivamente. A /consciência/ é o resultado da tensão dialética estabelecida entre
/tranquilidade/ e /perturbação/. Quando se encontra, na tensão, tranquilidade e nãoperturbação, tem-se a /neutralidade/ do sujeito. Entre /perturbação/ e /não-tranquilidade/
resulta no /repouso/ do sujeito e, por fim, reunindo a /não-perturbação/ com a /nãotranquilidade/ surge o estado de /inconsciência/.
27
5. CONCLUSÕES
As análises dos textos mostraram algumas semelhanças no que diz respeito à
narrativização dos sujeitos: ambos marcaram a presença de três sujeitos semióticos.
No primeiro texto analisado, configurou-se a presença de um ator para discursivizar
dois sujeitos semióticos, cada um instaurando-se por uma modalidade complexa diferente: O
primeiro sujeito se instaurou por um querer-achar/possuir, mas termina disjunto com o objeto
de valor; já o segundo sujeito se instaurou por um querer-saber, terminando conjunto com o
objeto de valor. O terceiro sujeito semiótico, figurativizado pela humanidade, se instaurou por
um querer-ser desumano, terminando conjunto com o objeto de valor que é a irracionalidade.
No segundo texto, houve a presença de um ator discursivizando três sujeitos
semióticos, cada um modalizado distintamente: S1, sujeito do querer-ter/possuir, acaba em
estado de disjunção; S2 se instaura por um dever-fazer/ouvir, visto que possui a função de
amparar o sujeito na narrativa, terminado conjunto do objeto de valor e S3 se instaurando por
um dever-fazer, terminam em estado conjuntivo com o objeto de valor.
Ambos os textos manifestaram o aspecto da subjetividade semiótica, isto é, vários
sujeitos discursivizados por um mesmo ator discursivo, resultando daí uma relação
conflituosa no interior deles próprios, isto é, intrassubjetiva.
Retomando os aspectos da consciência, as pesquisas indicaram que, nos textos
analisados, ela é vista tanto de forma negativa como positiva e, portanto, nem sempre
corrobora com a hipótese segundo a qual o pensamento, na poesia de Augusto dos Anjos,
tendia para um viés pessimista. Considerando o conceito de consciência proposto por
Heidegger, verificou-se que ela ora é punitiva, levando o sujeito a um estado de culpa, ora é
reflexiva, levando o sujeito a repensar seus atos. No primeiro texto analisado, os dois sujeitos,
demostrando-se conscientes de seus atos, julgam negativamente a humanidade por tudo o que
ela tem feito e, portanto, nestes dois sujeitos, “a consciência possui uma função crítica” nas
palavras do filósofo alemão. No segundo texto analisado, a consciência dos sujeitos “fala
sempre com relação a um determinado ato realizado ou desejado” e, neste caso, tem-se uma
“boa” consciência porque adverte o sujeito, levando-o a conscientização de suas atitudes e
instruindo-o a não realizar atos errados.
Um aspecto que demarca bem a diferença entre os textos analisados é a questão tempo
e do espaço discursivo. No soneto Idealização da Humanidade Futura têm-se ações que
mostram o quão egoísta se torna o homem a ponto de não querer mudar, além de apontar um
aspecto de objetividade em relação aos acontecimentos. A voz discursiva se encontra num
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espaço desconhecido, porém como há marcas de subjetividade no soneto, é possível um
espaço marcado pelo próprio íntimo do sujeito. Já no soneto O Morcego, tem-se um tempo
quando o sujeito expõe todo o seu desconforto consigo mesmo, tornando o ambiente
estritamente subjetivo. O espaço, aqui, é marcado: o próprio quarto do sujeito, que também
está relacionado à sua própria intimidade.
A pesquisa foi além daquilo que foi proposto, pelo fato de se ter descoberto, nos textos
analisados, como se processam aspectos referentes à subjetividade semiótica e, além de
ampliar o universo das análises, constituiu-se de uma fonte científica para próximos estudos
nesta linha semiótica.
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6. REFERÊNCIAS
ANDRADE, Maria Margarida de. Redação científica: elaboração do TCC passo a passo. São
Paulo: Factash, 2007.
ANJOS, Augusto. Eu: poesias completas. 29ª ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1963.
BATISTA, M. F. B. M. A enunciação: do fazer persuasivo ao interpretativo. In: XIX Jornada
Nacional de Estudos Linguísticos, 2002, Fortaleza. Programa & Resumos - XIX Jornada
Nacional de Estudos Linguísticos. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2002. v. 1. p. 72-72.
BATISTA, M.F.B.M. O discurso Semiótico. In: ALVES, Eliane F.et al. Linguagem em foco.
João Pessoa: Editora Universitária/Ideia, 2001.
BATISTA, M. F. B. M. O percurso gerativo da significação. Revista do GELNE (UFC),
Fortaleza, v. 3, 2001.
BATISTA, M. F. B. M. O Romanceiro Tradicional no Nordeste do Brasil: uma abordagem
semiótica. (tese de doutorado). São Paulo, 1999.
BATISTA, M. F. B. M. Semiótica e cultura: valores em circulação na literatura popular.
Manaus: Anais da 61ª Reunião Anual da SBPC, 2009.
COURTÉS, Joseph. Introdução à semiótica narrativa e discursiva. Coimbra: Livraria
Almedina, 1979.
FONTANILLE, Jacques. Semiótica do discurso. Tradução de Jean Cristtus Portela. São
Paulo: Contexto, 2012.
GREIMAS, A.J. Sobre o sentido: ensaios semióticos. Tradução de Ana Cristina Cruz Cezar [e
outros]. Petrópolis: Vozes, 1975.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Márcia de Sá Cavalcante. 5ª ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 1997.
30
HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. 2ªed. São Paulo:
Perspectiva.
LOTMAN, Iúri et al. Ensaios de semiótica soviética (trad. Victória Navas e Salvato Teles de
Menezes). Lisboa: Horizonte, 1981). In: MACHADO, Irene (Org). Semiótica e semiosfera.
São Paulo: Annablume/Fapesp, 2007.
PAIS, Cidmar Teodoro. Texto, discurso e universo de discurso. In: Revista Brasileira de
linguística, Plêiade, v.8, n.1, ano 8, São Paulo: 1995.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Trad. José Teixeira Coelho Neto. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix.
SOARES, Órris. Elogio de Augusto dos Anjos. In: ANJOS, Augusto dos, Eu: poesias
completas. Rio de Janeiro: São José, 1963.
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7. ANEXOS
7.1. Anexo 1
Idealização da Humanidade Futura
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de ímpeto impuros
Tornara etnicamente irracionais! –
Não sei que livro, em letras garrafais,
Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!
Como quem esmigalha protozoários
Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...
E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,
Somente achei moléculas de lama
E a mosca alegre da putrefação!
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7.2. Anexo 2
O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede”
– Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
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A dualidade da consciência em Augusto dos Anjos