Igualdade de Gênero
Uma questão política
“Um novo mundo a partir de uma perspectiva igualitária entre o gênero feminino e o masculino deve ter como
respaldo um grupo constituído por nós mesmas/os, capaz de avaliar nossa compreensão do mundo e ajudar-nos
a dar novos passos no claro-escuro de nossa história.”
Ivone Gebara
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Alessandra Miranda
Estamos nos aproximando da celebração do Dia Internacional da Mulher. Muitos dos grupos, coletivos
de mulheres e movimentos sociais retoma esta data na perspectiva do ato político, que foi de fato o que levou
mais de 130 mulheres a darem a vida para que direitos humanos fundamentais fossem garantidos. Aprofundar
sobre as mulheres e sua historicidade, nos dá boas condições para refletir e aprofundar com os elementos do
passado e do presente, com as condições sociais que permeiam as histórias e contradições vigentes nos
processos de compreensão de identidades de gênero.
Não distante disso as identidades de gênero, nos possibilita compreender as dinâmicas que são
assumidas nas relações entre os sujeitos. Este texto tem a intencionalidade de apresentar um pouco deste
panorama e suas várias abordagens da participação das mulheres em eventos de lutas revolucionárias na
conquista de direitos.
O debate: Identidades de gênero
Apartir dos anos 60 o debate de temáticas como identidade, gênero, raça e sexualidade, começam a
ganham notoriedade e se intensificam.
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Alice Kessler-Harris, escreve um artigo intitulado: Que é história de
gênero hoje? Nele ela apresenta que a história de gênero, possibilita o entendimento da concepção de poder e
da formação da subjetividade e da identidade, a formação de classes sociais e até mesmo na idéia da formação
da nação.
Isso em função das relações de poderes que constituídas a partir de discursos e posturas
hierarquizantes no modo de gerir a casa, o trabalho, o Estado e a sociedade são compreendidos e assumidos
com posturas únicas e indissolúveis. Por isso importante a percepção da elaboração das identidades de gêneros
como construções de um modo de ser e fazer parte.
Nesta mesma década os grupos feministas apresentam juntamente com o surgimento da pílula
anticoncepcional, novas tecnologias reprodutivas e prevenção a AIDS. O que gerou um impacto ao discurso
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Assessora da Cáritas Brasileira e Comissão Nacional de Assessores da Pastoral da Juventude.
Alice Kessler-Harris. Especialista em história da América e exploração comparativa e interdisciplinar de mulheres e
gênero.
Seu livro mais recente, uma mulher difícil: foi publicado em junho de 2012.
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dominante, vozes silenciadas viam a tona. E isso já era algo que divergia ao modo de organizar as relações entre
homens e mulheres.
Sendo assim, aprofundar sobre gênero enquanto sujeitos isolados de cada sexo não colaboram quando
a abordagem devem ser as relações de poder. Foco fundamental para o estudo e ação ligada à igualdade de
gênero.
A presença da mulher nessa história
Com a presença da mulher nos espaços de debate e pautas em torno da questão de suas próprias vidas,
recupera-se a presença da mulher na história. Assumimos o termo “recuperar” em função do reconhecimento
de tantas outras mulheres que historicamente contribuíram para a efetivação dessa presença, colaborando para
novos olhares, novas metáforas, fazendo perguntas e principalmente desconfiando das categorias já dadas como
únicas e carregadas unicamente de poder. Podemos constatar então que as abordagens das categorias de
gênero tem um eixo altamente político e que, sendo assim não tem como falar de gênero sem falar de política.
Algo importante nessa percepção é perceber que as “Histórias das mulheres” não são apenas delas, é da
família, da mídia, da criança e está diretamente ligada à história dos homens e das relações de poder
estabelecidas ao longo dos tempos.
A fim de tentar entender as relações de poder entre os gêneros, cabe buscar a compreensão do que são
os lugares/espaços públicos e privados de participação das mulheres. Que lugares/espaços são esses, se o lugar
das mulheres nos espaços públicos foi ao longo do tempo sempre problemático? Se concebermos a idéia de
cidadania como atributos as pessoas livres e como sujeitos de direitos sociais, as mulheres, os escravos, as
crianças e os servos relegados à margem dos assuntos e da vida publica, não seriam sujeitos de cidadania?
Olhando o comportamento do senso comum, teríamos o discurso de que as mulheres em espaços
públicos devem ser temidas, pois são mais instintivas e menos racionais. Dessa maneira colocava-se em ameaça
o mundo racional masculino necessário na geração de renda, permeado pelo modelo selvagem capitalista de
ser. Deste modo, estava excluída a possibilidade de homens e mulheres ocuparem os mesmos espaços. Quem
nunca escutou: “Lugar de homem é na rua garantindo o dinheiro e de mulher é em casa cuidado da casa e dos
filhos”?
Nos papeis construídos socialmente por homens e mulheres fica evidente a dualidade entre
racionalidade e irracionalidade, força e fraqueza, ativo e passivo. Diante da dualização das forças de
participação, as mulheres ficaram e ficam a margem do processo, pois estão diretamente ligadas ao irracional e
ao passional, o que não “combina” com o poder, nem política. Márcia Tibucio, filosofa, defende que a ausência
de mulheres “notáveis” nos vários espaços e lugares que constituem a história, em geral está diretamente ligada
a essa feminilidade enquanto uma construção patriarcal. Porém podemos olhar para o conjunto de mulheres
que já superaram a “exclusão” dos espaços públicos, porém a relação de gênero dentro destes próprios espaços
e em outros lugares sociais ainda são de submissão.
Resistência de mulheres
Vozes e lutas, muitas vezes isoladas deram inicio as resistências de mulheres, conclamando assim as
matriarcas das lutas, deste o antigo testamento, Ruth, Sara, Débora, Ester, Miriam e outras que na memória da
história do Povo de Deus, apresentam modos de organização e participação social daquele tempo.
No momento contemporâneo, outras mulheres feministas sucedem essas lutadoras da resistência e
engrossam as lutas daquelas que já agiam por igualdade entre os gêneros. Embora todos os discursos não se
traduzam da mesma forma, todas apontam para o horizonte da garantia dos direitos sociais, civis e políticos das
mesmas.
As conquistas em torno das mobilizações e lutas renderam um elemento que o direito ao voto, no Brasil
em 1933 foi à primeira eleição em que as mulheres puderam votar. No ano seguinte se ouvia a primeira voz de
mulher no Congresso Nacional, 3Carlota Pereira de Queiroz foi eleita para as eleições da Assembléia
Constituinte. Junto a este acontecimento, a consolidação do capitalismo aumentou, tem-se mais mulheres
trabalhando nas fábricas, em condições desumanas de trabalho, o que reforçou as mobilizações das mesmas por
condições dignas de trabalho e segurança, o que significou e significa muito na a consciência coletiva das
mulheres, na busca do direito e da cidadania. Junto ao movimento das reinvidicações de mulheres em todo o
mundo por melhores condições de trabalho, 4Simone de Beauvoir publicou O segundo sexo, obra na qual
apresentava e denunciava as origens culturais e sociais de desigualdade entre homens e mulheres. Beauvoir
analisou as questões relativas de como a mulher aprendia a sua condição e os condicionamentos que a tornou
alienada, marcando a frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”.
Realidade das Mulheres Brasileiras
Na conjuntura política do país, o governo brasileiro em 2003, criou a Secretaria de Política para as
Mulheres, que tem como principal objetivo combater as desigualdades de gênero. Para isso foi elaborado o
Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. Segundo dados da Secretaria Nacional para Mulheres do governo
Federal em 2011, as mulheres, em sua totalidade, apresentam uma média de escolaridade maior do que a dos
homens, o que não lhes assegura salário equivalente. Os homens recebem, em média, R$ 1.417,00 e as
mulheres, R$ 997,00; que equivale a 70,4% do rendimento masculino. A parcela de famílias chefiadas por
mulheres vem crescendo: passou de 35,2% em 2009 para 37,4% em 2011. Porém as mulheres ainda continuam
em sua grande maioria pela responsabilização total pelas tarefas domésticas, o que resulta na jornada dupla (às
vezes até tripla) de trabalho. Estes dados nos colocam no lugar de perceber a concepção de que o espaço
domestico é por excelência feminino (lugar privado), reafirmando o que anteriormente já era destacado na
construção dessas identidades.
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Carlota Pereira de Queirós, foi uma médica, escritora e pedagoga. Foi a primeira mulher brasileira a votar e ser
eleita deputada federal. Ela participou dos trabalhos na Assembléia Nacional Constituinte, entre 1934 e 1935.
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Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir, mais conhecida como Simone de Beauvoir nasceu em 09
de Janeiro de 1908 em Paris, foi escritora, filosofa existencialista e feminista francesa. Escreveu romances, monografias
sobre filosofia, política, sociedade, ensaios, biografias e uma autobiografia.
Quando o assunto é violência contra as mulheres, os dados da Organização Mundial de Saúde - OMS
mostram que o Brasil encontra- se entre os 10 países com maior número de homicídios de mulheres (dados de
2007 a 2011). Nesse contexto a Lei nº
11.340/2006 (conhecida por Lei Maria da Penha) representa um grande avanço no
sentido de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Porém com passos a serem dados na
efetivação concreta da justiça pelo fim da violência contra as mulheres. Sabemos que são questões fortemente
enraizadas na sociedade de tradição patriarcal que concebe qualquer forma de violência contra as mulheres,
inclusive as simbólicas. Sendo assim, um dos desafios é trabalhar na perspectiva de geração de consciência para
observarmos e agirmos sobre as estruturas que historicamente colocam a mulher em lugar de propriedade e
submissão a figura masculina.
O Fórum Econômico Mundial de 2012, que monitora as disparidades de gênero. Apresenta o dado de
que a 82ª posição que o Brasil ocupava caiu para a 62ª posição na melhoria de acesso de mulheres às políticas
públicas desenvolvidas no âmbito da participação econômica, acesso à educação e empoderamento político.
Mudanças nas relações são mudanças políticas
Nos mais diversos âmbitos de debates ou de assuntos que sem dúvida merecem atenção sobre as
realidades vivenciadas pelas mulheres, é fundamental a mudança de compreensão das relações, que são no seu
mais completo significado mudanças políticas. O significado da palavra política já nos reporta a isso, os
interesses não são apenas meus interesses, mas do conjunto da sociedade. Não podemos crer em opção política
sem a preocupação com as formas de relações de poder que estabelecemos. A maneira com que mulheres e
homens relacionam entre si, apresentam um modo de fazer, o que acaba sendo concreto e não abstrato nos
espaços onde as relações se dão na sua totalidade: família, amigos, trabalho, escola, universidade, vizinhos...
Somos convocados/as a pensar a nossa ação cristã a partir de novas chaves e começar pela chave do
simbólico pode ser um ótimo caminho. O que nos permite dar importância a memória? Memória de matriarcas
que nos antecederam, com suas sabedorias, simplicidades, ousadias e belezas. Estas memórias devem nos
ajudar para que nos grupos e espaços onde consolidamos nossas relações, possamos exercitar o que a memória
nos provoca o tempo inteiro: olhar, resignificar e agir para a continuidade de luta pela conscientização, que
segundo Paulo Freire deve passar pela ação.
Que possamos ser comunidades de mulheres e homens, construindo sentidos que tenham valor para
criar coisas novas e que seja desejo de gosto bom para todas e todos, com empoderamento e participação no
poder-serviço.
Oxalá possamos todos/as nós, olharmos para este dia da memória que celebramos em 8 de março e
encontrar outros significados nas rosas que são tão comuns de nós mulheres recebermos neste dia. Mas que ao
olhar para nós, os homens possam dizer: você é sinal de resistência, e de muita coragem, estou com você nas
suas lutas diárias da vida, percebo suas potencialidades que fizeram de você mulher e que luto com você pelas
pela sociedade do Bem Viver. E que nós mulheres possamos dizer para nós mesmas e para as outras mulheres
que são conosco: Com nossas cabeças levantadas, vamos participar. De nós pode renascer o novo, é nisso que
devemos acreditar, vamos encontrar a beleza a reciprocidade e gratuidade em tudo e com tudo. Que assim seja!
Para gerar conversa:
Como anda a relação com você mesmo?
O que em você gera aproximação e o que gera afastamento das outras pessoas?
Como me percebo nas relações que estabeleço na perspectiva da superação da desigualdade de gênero?
O que posso fazer para as minhas relações de gênero sejam um ato político?
Bibliografia:
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: Fatos e mitos. Trad. Sérgio Milliet. São Paulo:
Difusão Européia do livro, 1970.
BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Trad. de
Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: Pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007.
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