DEBATER A EUROPA
Periódico do CIEDA e do CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20.
N.1 Junho/Dezembro 2009 – Semestral
ISSN 1647-6336
Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
A Política Energética será uma questão de cidadania?
Joaquim Borges Gouveia
Professor Catedrático da Universidade de Aveiro
Resumo
O sector de Energia tem passado nos últimos anos por um processo de reestruturação a nível
mundial sem par e, provavelmente, sem ainda se ter uma visão completa do que o sector irá ser
dentro das próximas décadas. A energia, mais do que nunca, tornou-se um bem económico
decisivo no desenvolvimento económico e social e por isso obriga os organismos internacionais,
nacionais e locais a uma maior atenção a novas formas de negócio, sua utilização eficiente e aos
efeitos provocados pelas emissões de CO2. A política energética, hoje em dia, já não um
problema de âmbito nacional, mas tem de ser sempre equacionada por grandes áreas económicas
e depois também a um nível global. É também um problema de cidadania.
Palavras-chave: política energética, eficiência energética, economia do carbono, energia nos
transportes
ABSTRACT
The Energy sector has undergone in recent years through a unique restructuring process
worldwide and, probably, without even an overview of what the industry will be in the coming
decades. The energy, more than ever, has become an economic good, crucial in the economic
and social development and therefore requires that international, national and local authorities
pay greater attention to new forms of business, its efficient use and effects caused by emissions
CO2. Energy policy today, is no longer a nationwide problem, but must always be
equated/considered by major economic areas and then also on a global level. It is also a problem
of citizenship.
Keywords: energy policy, energy efficiency, carbon economy, transports energy
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A energia e a cidadania
As questões energéticas estão intimamente relacionadas com as questões ambientais e, desde
logo, obriga a uma concertação ao nível político entre os responsáveis destas duas áreas
temáticas. Será portanto uma primeira linha de orientação estratégica a seguir pelo nosso país.
Esta concertação terá que ser realizada quer ao nível político, ao nível de gestão quer
principalmente ao nível da implementação das acções operacionais no terreno.
Está-se a construir um puzzle de políticas e medidas de grande envergadura: objectivos
vinculativos para 2020 que permitam uma redução de 20% das emissões de gases de efeito estufa
e que garantam 20% de fontes de energia renováveis no cabaz energético europeu da EU e um
plano para uma redução de 20% na utilização global da energia primária até 2020. A fixação do
preço do carbono através do regime de comércio de licenças de carbono e da tributação da
energia, a criação de um mercado interno de energia e o estabelecimento de uma política
europeia de energia supra-nacional, são objectivos que estão no horizonte político da EU.
Por isso neste momento é necessário acelerar o desenvolvimento e a introdução das tecnologias
com baixo teor de carbono e uma máxima relação custo/benefício. Aqui tem cada vez mais
importância a concertação com as políticas ambientais e de transportes e em especial da
mobilidade urbana, cujo Livro Verde da Mobilidade Urbana (2007) traduz uma estratégia em
conformidade com os objectivos atrás definidos para a política energética.
Uma outra questão tem a ver com uma clara política de preços dos diferentes vectores
energéticos e respectivas infra-estruturas de abastecimento, bem como a sua implementação no
todo do território europeu. A competitividade das regiões, das cidades e das empresas é muito
afectada pela sua capacidade de definir que os produtos energéticos mais adequados para as suas
necessidades, de acordo com as diferentes características dos consumidores. Por exemplo, uma
cidade cujos transportes são fundamentalmente baseados na gasolina e no diesel, é com certeza
menos competitiva do que outra que disponha de um sistema de transporte integrado com uma
forte componente do transporte eléctrico.
A penalização ambiental por efeito do CO2 poderá vir a ser bem maior no futuro, em que haja
taxas ambientais a pagar pela quantidade de CO2 indevidamente produzida. Por outro lado,
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numa cidade onde não haja distribuição de gás natural, o custo de aquecimento por metro
quadrado é bem maior, penalizando os consumidores desta mesma cidade.
Outra linha de política energética deverá ser a de garantir idênticas condições de acesso às mais
diversas formas de energia em todo o território europeu e, em particular, no do Eixo Atlântico,
contribuindo mais rapidamente um descongestionamento do litoral que, do ponto do ponto de
vista energético, é um caos. A política de localização nas cidades e regiões dos diversos
consumidores energéticos e na definição de linhas de política energética de âmbito local ainda
não está sequer na agenda de decisão dos políticos com responsabilidade nestas matérias de
promoção de um desenvolvimento económico sustentável.
Outros documentos têm vindo a definir novas orientações para a política energética europeia
salientando-se os documentos sobre o plano estratégico para as tecnologias energéticas (2007) e
o livro verde para a mobilidade urbana (2007), resultantes da necessidade de conseguir mais
rapidamente o cumprimento das metas dos três vintes em 2020 (2007).
Esta nova orientação da política energética europeia dando maior importância à gestão pela
procura de energia e respectiva adequação ao tipo de consumo, só será possível pela
sensibilização dos actores locais com o objectivo de tornar os consumos mais regrados, com
menor impacto na emissão de CO2 e consequente impacto nas alterações climáticas.
Assim, uma aposta estratégica será a promoção da utilização racional de energia onde, embora já
algo se tenha realizado, muito mais terá de ser feito, pois os indicadores energéticos, como
intensidade energética ou o consumo específico de energia, indicam-nos que, no território do
Eixo Atlântico, são bem menos eficientes aos das regiões europeias como os de países como a
Dinamarca, Holanda e Áustria, onde a utilização eficiente de energia tem programas já
aprovados pelos seus governos regionais.
Uma estratégia clara na introdução de uma política de utilização racional de energia passa pela
sensibilização dos consumidores, especialmente os mais novos, enquanto alunos do ensino do
ensino básico e secundário, com actividades de sensibilização do tipo escola/sociedade, criando
nos jovens um verdadeiro espírito de missão para a poupança energética, para a utilização das
energias renováveis e para as melhorias práticas na defesa ambiental de acordo com o
desenvolvimento sustentável.
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A energia e transportes nas cidades
A Comissão Europeia lançou, em Fevereiro de 2009, uma ambiciosa iniciativa designada por
“COVENANT OF MAYORS” (www.eumayors.eu), juntando as autarquias mais pioneiras da
Europa, que consiste no compromisso de alcançar os objectivos da política da União Europeia
em termos de redução das emissões de CO2 através duma eficiência energética avançada e da
produção e uso de energias mais limpas, renováveis e alternativas. Com o lema “Atingir os 2020-20 em 2020” o objectivo essencial desta iniciativa é que em 2020 se atinjam as seguintes
metas:
1. Redução de 20% nas Emissões de CO2;
2. Aumento de 20% na Eficiência Energética;
3. Aumento 20% na incorporação de Fontes Renováveis na produção de energia.
Até hoje aderiram ao “Pacto dos Autarcas” mais de 1000 cidades europeias e não só, de 36
países, sendo que esse número aumenta todos os dias. Em Portugal já são 14 e de Espanha 323
cidades. Em Portugal aderiram 14 cidades entre as quais Aveiro, Vila Nova de Gaia e Porto.
Os signatários do Pacto dos Autarcas contribuem para os objectivos desta política através dum
compromisso formal de tentar atingir esta meta através da implementação dos seus Planos de
Acção de Energia Sustentável /Sustainable Energy Action Plan.
Uma estratégia clara na introdução de uma política de utilização racional de energia passa pela
sensibilização dos consumidores, especialmente os mais novos, enquanto alunos do ensino do
ensino básico e secundário, com actividades de sensibilização do tipo escola/sociedade, criando
nos jovens um verdadeiro espírito de missão para a poupança energética, para a utilização das
energias renováveis e para as melhorias práticas na defesa ambiental de acordo com o
desenvolvimento sustentável.
A política de transportes está estreitamente ligada à política energética, com base em objectivos
comuns: redução das emissões de CO2 e diminuição da dependência da UE face à importação de
combustíveis fósseis.
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Os transportes representam cerca de 71% de todo o consumo de petróleo na UE. Os transportes
rodoviários utilizam 60% de todo o petróleo, representando os transportes aéreos cerca de 9% do
consumo geral de petróleo. Os transportes ferroviários utilizam aproximadamente 75% de
electricidade e 25% de combustíveis fósseis.
O custo elevado dos combustíveis fósseis e a necessidade de diminuir a nossa dependência
estratégica conduzem hoje a uma enorme pressão à optimização do potencial de cada modo de
transporte. Estes desafios reforçam a prioridade ambiental de controlar a utilização da energia.
Uma política energética europeia que vise garantir a competitividade, a segurança do
aprovisionamento
e a
protecção
do
ambiente deve
centrar-se,
nomeadamente,
no
aprofundamento de políticas de transportes que reduzam o consumo de energia mediante uma
melhoria da eficiência dos combustíveis, no que diz respeito aos veículos, e gradualmente na
substituição do petróleo por outros biocombustíveis, sejam eles o gás natural, a electricidade, o
hidrogénio ou outros.
São necessários esforços e investimentos importantes em Investigação e Desenvolvimento
Tecnológico, IDT, neste domínio, incluindo a combinação de programas de investigação sobre
energia e transportes, a investigação sobre veículos mais inteligentes e menos poluentes e a
utilização de tecnologias da informação e das comunicações (TIC) com vista a uma maior
eficiência dos combustíveis e à criação de parcerias entre os sectores público e privado.
Foram já lançadas algumas iniciativas no domínio dos biocombustíveis (incluindo os
biocombustíveis de segunda geração) e do hidrogénio para os transportes, que devem ser objecto
de seguimento.
A eficiência energética e os combustíveis alternativos são dos domínios mais promissores e
prementes para uma maior inovação. A jusante das fases de investigação e demonstração, a UE
incentivará a inovação respeitadora do ambiente criando condições para a introdução no
mercado:
- de novas tecnologias bem desenvolvidas através da fixação de normas e de regulamentação, por
exemplo sucessivas normas EURO para veículos rodoviários, pneumáticos melhorados;
- da promoção de veículos ecológicos com base em concursos públicos, por exemplo, para
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autocarros;
- de instrumentos fiscais, por exemplo, gasolina sem chumbo;
- de auxílios estatais que normalmente têm conduzido a objectivos acordados entre as partes, por
exemplo, o objectivo de 5,75% de biocombustíveis até 2010, o acordo voluntário com a indústria
automóvel para reduzir as emissões de CO2 para 140g/km até 2008 e para 120 g/km até 2012,
em consonância com a estratégia da UE relativa a emissões de CO2;
- de objectivos internacionais de redução das emissões de gases com efeito de estufa;
- da sensibilização dos utilizadores, por exemplo, rotulagem energética, campanhas dirigidas ao
comportamento dos consumidores e utilizadores;
- de acções coordenadas em políticas noutros domínios para a utilização de sinergias, por
exemplo, política agro-industrial sobre biocombustíveis;
- de incentivos ao investimento na infra-estrutura de distribuição de combustíveis alternativos;
- de melhorar o factor de carga, permitindo e incentivando o transbordo para transportes
ferroviários e marítimos de longo curso, optimizando o itinerário e o estabelecimento de
horários, pois contribuem para aumentar a mobilidade e simultaneamente diminuir o impacto
ambiental por unidade de carga transportada.
Conclusão
A energia é hoje em dia um tema que conjuntamente com o ambiente e as alterações climáticas ,
não pode deixar de fazer parte das preocupações do dia a dia das acções de governação em
particular nas cidades onde vivemos.
Mas por outro lado, como consumidores teremos de reforçar os nossos conhecimentos nestes
domínios do conhecimento a as acções de melhoria da utilização da energia têm de partir dos
consumidores cada vez mais conscientes que se trata de um problema de cidadania e portanto
impossível de delegar nos outros.
As decisões sobre os consumos de energia são tomadas por cada um dos consumidores de
energia, que são em primeiro lugar cidadãos, e que por isso têm de se preocupar com os efeitos
provocados pela energia e m particular com as alterações climáticas.
A União Europeia consciente do grave problema energético que teremos de enfrentar nos
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próximos anos, lançou o programa do Covenant of Mayors que se refere neste texto e no qual se
chama a atenção para os consumos nos transportes, dado que é o maior dos problemas com que
os cidadãos se confrontam: a sua mobilidade, quer seja na questão do seu próprio trabalho, nas
questões das compras e com as escolas dos filhos, mas também nos momentos de lazer. É neste
sentido que a reflexão pedida a cada um de nós como consumidor de energia, é cada vez mais
uma questão de cidadania e de estabelecimento de um pacto com a sustentabilidade energética e
ambiental do planeta.
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