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A construção (criativa) de conceitos de emoção:
uma questão de interfaces
V Mostra de
Pesquisa da PósGraduação
Aline Aver Vanin1, Dr. Jorge Campos da Costa1 (orientador)
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Programa de Pós-Graduação em Letras, Faculdade de Letras, PUCRS
Neste trabalho, apresentamos, de maneira geral, a forma pela qual a Linguística Cognitiva
se liberta de uma tradição histórico-filosófica de visão exclusivamente objetiva do mundo para se
fundamentar na noção de um realismo corpóreo, de cunho experiencialista (LAKOFF &
JOHNSON, 1980, 1999). Assim, o dualismo mente-corpo dá lugar às experiências dos
indivíduos no mundo, em que o corpo tem lugar essencial na construção cognitiva de
significados, já que a sua movimentação no mundo faz surgir diferentes sentidos para os objetos
na interação. Através de sua intrincada relação com a mente, numa amálgama delimitada pela
perspectiva adotada, conceitos novos (e muitas vezes criativos) emergem, derivados de uma base
conceitual subjacente. Contudo, observa-se que a conjunção da mente com o corpo vai além das
noções de objetividade e de subjetividade, conforme sugeridas por Lakoff & Johnson (1999). De
fato, por se acreditar que as elaborações que fazemos são baseadas na interação comunicativa,
propõe-se a noção de realismo corpóreo inter-relacional, que abarca as questões de construção
de conceitos no momento da comunicação com base no conhecimento enciclopédico e dos
processos inferenciais e intencionais. A partir disso, pretende-se demonstrar, através de
exemplos relacionados a metáforas conceituais que sugerem a forma como a conceitualização
linguística de determinadas emoções, como raiva, felicidade e tristeza, por exemplo, são parte da
maneira como percebemos o mundo e, também, evidências de que o contexto dinâmico, bem
como os cenários em que o corpo habita, interferem diretamente nessa construção cognitiva.
Contudo, entende-se o ato de conceituar como uma conjunção entre processos corpóreos
e também inferenciais, além de ser dependente dos contextos imediatos apara a sua definição. No
caso das emoções, esses aspectos entrarão em confluência com o fato de, conforme Prinz (2004),
as emoções serem, ao mesmo tempo, produtos da seleção natural, adaptadas conforme o corpo
que temos, e construídas social e interculturalmente. Desse modo, o fato de os conceitos de
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emoções reunirem aspectos variados para a sua construção faz com que direcionemos o nosso
foco para elaborações metafóricas mais convencionais e também para conceitos gerados
imaginativamente, a partir de contextos dinâmicos de comunicação.
Num primeiro momento, discute-se o papel de metáforas conceituais como RAIVA É
UM FLUIDO QUENTE EM UM RECIPIENTE (LAKOFF & KÖVECSES, 1987), visto que se
considera que a construção desses conceitos não é arbitrária; de fato, cada nova forma de se
conceituar uma emoção está estruturada por modelos culturais implícitos da cognição humana.
Assim, enunciados como (a) Tivemos uma discussão acalorada; (b) Parecia que ele ia explodir;
e (c) Ele estava com tanta raiva que tinha fumaça saindo pelos seus ouvidos revelam uma
produtividade inerente à metáfora conceitual.
Dentro
da
perspectiva
da
Semântica
Cognitiva, o escopo da Teoria da Metáfora Conceitual (LAKOFF & JOHNSON, 1980) estendese, juntamente com a noção de espaços mentais (FAUCONNIER, 1994), para uma abordagem
que visa integrar, dinamicamente, conceitos de domínios conceituais diversos a fim de tratar de
interpretações surgidas no decorrer das interações comunicativas. Assim, adotando-se a
perspectiva da Teoria da Integração Conceitual, de Fauconnier & Turner (2002), é possível
mapear-se espaços de input (construídos a partir de grupos de domínios conceituais, experiências
imediatas e do que é dito durante a comunicação) a fim de que novos significados surjam a partir
de uma mescla conceitual. Dessa forma, é possível explicar como novas propriedades de um
conceito emergem, dando conta de aspectos convencionais e criativos da construção do
significado.
Contudo, após análise dessa abordagem, apontam-se algumas lacunas de caráter
descritivo e explanatório: a forma como a interpretação de significados para emoções é vista em
termos de mapeamentos entre domínios conceituais, mas pouco se fala na questão dos tipos de
raciocínio envolvidos durante o processamento desses conceitos. Nota-se pouca atenção dada ao
papel das inferências na derivação de significados e como, na mescla, elas são geradas. Para
resolver a questão, trataremos da construção de uma interface interdisciplinar, nos termos de
Campos (2007), em que a aproximação do escopo da Teoria da Relevância (TR), de Sperber &
Wilson (1995), e da arquitetura de teorias embasadas na Semântica Cognitiva visa a preencher as
falhas teóricas de ambas as abordagens a fim de criar um terceiro objeto (teórico). Parte-se da
ideia de que ambas as perspectivas podem relacionar-se complementarmente para descrever e
explicar os aspectos dinâmicos da emergência do significado. Dessa forma, o entrelaçamento
teórico ocorrerá devido ao fato de a TR ser capaz de dar um tratamento detalhado aos processos
inferenciais ocorridos durante a comunicação, além de explicar a seleção das hipóteses
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interpretativas que devem fazer parte do raciocínio, enquanto a proposta de Fauconnier & Turner
lida com os aspectos dinâmicos da construção do significado, também demonstrando como o
conhecimento enciclopédico é gerado e reelaborado a cada nova interpretação.
Analisando a conceitualização de emoções e a compreensão metafórica delas, e
considerando que elas são, ao mesmo tempo, perceptual e culturalmente construídas, pretende-se
investigar de que forma as perspectivas teóricas propostas na interface auxiliam a explicar a
emergência inferencial de conceitos relacionados a emoções em contextos imediatos e em
diferentes cenários (sociais e culturais, por exemplo). Argumenta-se que tal aproximação
metodológica é capaz de ampliar o potencial explanatório desse tipo de conceitualização,
oferecendo uma importante discussão no debate da compreensão de conceitos relacionados a
emoções.
Referências
CAMPOS, Jorge. The sciences of language: communication, cognition and computation. AUDY,
Jorge Luis Nicolas, MOROSINI, Marília Costa (Orgs.). Innovation and interdisciplinarity in
the university = Inovação e interdisciplinariedade na universidade. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2007.
FAUCONNIER, G. Mental Spaces. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
FAUCONNIER, G.; Turner, M. The way we think: conceptual blending and the mind’s
hidden complexities. New York: Basic Books, 2002.
KÖVECSES, Zoltán. Metaphor: a practical introduction. New York: Oxford University Press,
2002.
LAKOFF, G.; KÖVECSES, Z. (1987), The cognitive model of anger inherent in American
English. In: Holland, Dorothy; Quinn, Naomi. (ed.). Cultural models in language and thought.
Cambridge: Cambridge University Press, p. 195-221.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metaphors We Live By. Chicago: The University of Chicago
Press, 1980.
Lakoff, G.; Johnson, M. Philosophy in the flesh: the embodied mind and its challenge to
western thought. New York: Basic Books, 1999.
PRINZ, Jesse. Which emotions are basic? In: EVANS, D.; CRUSE, P. (eds.). Emotion,
Evolution and Rationality. Oxford University Press, 2004.
SPERBER, Dan; WILSON, Deirdre. Relevance: communication and cognition. 2nd edition.
Cambridge: Harvard University Press, 1995.
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