1 TÍTULO: IDENTIFICAÇÃO DE EPISÓDIOS DE ZONA DE CONVERGÊNCIA DO ATLÂNTICO SUL (ZCAS) A PARTIR DE DADOS DE SUPERFÍCIE Autores: Taíza de Pinho Barroso Lucas 1 Magda Luzimar de Abreu 2 Ricardo Alexandrino Garcia 3 RESUMO O trabalho pretende identificar a atuação de ZCAS na RMBH a partir de dados de superfície, particularmente o padrão de precipitação a ela associada. Os critérios utilizados foram: ocorrência de chuva diária em 14 postos pluviométricos da ANA na região metropolitana e na estação climatológica de Belo Horizonte, 5°Disme/INMET, e pelo menos três dias seguidos de chuvas. A técnica dos quantis para a direção média dos ventos e a análise hierárquica de Cluster, feita para discriminar os casos de três dias consecutivos de chuva, mostraram-se relevantes na identificação de 35 episódios de precipitação persistente na RMBH de 1976 a 1998. Alguns desses casos foram verificados com o trabalho de Sanches e Silva Dias (1996) e com os episódios monitorados pela Revista Climanalise a partir de dezembro de 1995. ABSTRACT This paper proposes a method to identify the SACZ in the RMBH from surface data, particularly the precipitation pattern associated to the phenomenon. Events which presented daily rain occurrence in all the 14 stations by ANA including the metropolitan region of Belo Horizonte and in the climatic station at the 5°Disme/INMET, and at the same time, at least 3 days of precipitation were selected. The technique of “quantis” and the hierarchic analysis of Cluster, made to discriminate the cases of three consecutive days of rain, resulted in the identification of 35 persistent precipitation episodes from 1976 to 1998. Some of these cases had been compared with Sanches and Silva Dias (1996) and with the episodes monitored by Climanalise Review, starting December 1995. Palavras-chave: ZCAS - Precipitação – RMBH 1. INTRODUÇÃO O Objetivo desse trabalho é identificar a atuação de eventos de ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul) sobre a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), a partir de dados de superfície. Apesar da grande complexidade meteorológica deste fenômeno, espera-se encontrar variáveis que definam aspectos da climatologia local relacionados à atuação da ZCAS, particularmente o padrão de precipitação a ela associada. A ZCAS é um dos principais fenômenos atmosféricos típicos de verão que acarreta altos totais pluviométricos em grande parte do território brasileiro. Sua principal característica é uma larga 1 [email protected], (31) 34824294. [email protected], (31) 34996233. 3 [email protected], (31) 34995430. Correspondência: Profa. Magda Luzimar de Abreu - Departamento de Geografia - IGC/UFMG. Av. Antônio Carlos 6627 – Pampulha – Belo Horizonte – MG. CEP:31270-901 2 2 faixa de nebulosidade que se estende desde o sul da Região Amazônica até o Atlântico Sul – Central. Abreu (1998), ao descrever este fenômeno dentro do contexto geográfico, afirma que ela é formada pela associação entre a Frente Polar Atlântica (FPA) e a convecção tropical, principalmente proveniente da região amazônica. A orientação noroeste – sudeste da ZCAS é determinada pela contribuição da FPA, que sobre o continente, apresenta esta mesma direção preferencial. Lucas e Abreu (2004) identificaram que precipitações diárias em Belo Horizonte de 1970 a 2000 ocorrem concentradas nos meses de novembro, dezembro e janeiro, totalizando 47% da precipitação anual. Neste trimestre ocorrem 53% de toda precipitação anual associada a ventos de N/NW/W e SW, sugerindo a possível influência de ZCAS. 2. METODOLOGIA Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizadas duas bases de dados climatológicos diários: a série histórica de Belo Horizonte, originada do 5° Distrito de Meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (precipitação diária e dados de temperatura, média, máxima e mínima, umidade relativa do ar, direção preferencial do vento e sua velocidade, sendo todas essas variáveis obtidas nos três horários sinóticos, 12h, 18h e 24h) e dados de precipitação da região metropolitana, obtidos da Agência Nacional das Águas – ANA, totalizando 15 estações. Os dados compreendem um período de 30 anos (de 1970 a 2000), porém como as séries são temporalmente heterogêneas foram analisados somente 23 anos, de 1976 a 1998. Segundo Quadro (1994), a ZCAS é caracterizada pela estacionaridade da banda de nebulosidade por pelo menos 4 dias consecutivos com direção de NW – SE e precipitação associada, porém não foi encontrada na literatura uma referência sobre a média de precipitação acumulada durante o fenômeno ZCAS. Por se tratar de um fenômeno de larga escala e objetivando eliminar a possibilidade de chuva local, adotou-se o seguinte critério na tentativa de identificação do número possível de episódios de ZCAS na RMBH, através dos dados convencionais de superfície: - totais pluviométricos acima de 1 mm em todas as 15 estações meteorológicas, - por pelo menos três dias ininterruptos de chuvas. Utilizou-se a freqüência absoluta para representar os meses de ocorrência dos eventos de precipitação e os dias seguidos de chuvas, categorizando em número de dias seguidos de chuvas. Para cada caso selecionado, foram calculadas as precipitações médias acumuladas (média espacial da 15 estações, seguida pela média por categoria de chuvas), as médias das temperaturas máxima e mínima, a média da umidade relativa do ar, da velocidade e a direção preferencial média do vento (média qualitativa para cada caso estudado), assim como, os valores máximos e mínimos e o desvio padrão dessas variáveis. 3 Devido ao alto valor do desvio padrão para as variáveis, precipitação média acumulada e direção preferencial média do vento, foi utilizada a técnica dos quantis (medidas de tendência, na qual o conjunto de dados é subdividido em quatro subconjuntos, cada um com 25% das observações). A grande dispersão dos dados de vento na categoria de 3 dias consecutivos de chuvas motivou a utilização do método de análise hierárquica de cluster para identificar quais desses casos poderiam ter maior relação com possíveis eventos de ZCAS. Finalmente fez-se uma verificação dos casos selecionados a partir de dezembro de 1992, comparando-os com os eventos de ZCAS encontrados por Sanches e Silva Dias (1996) e os monitorados pela Revista Climanalise. 3. RESULTADOS Foram identificados 51 casos de precipitação persistente. O gráfico 1 mostra que o trimestre mais chuvoso é novembro, dezembro e janeiro, sendo que 43,1% de todos os eventos ocorrem em janeiro. Somando-se a dezembro e novembro estes eventos totalizam 80% das ocorrências de todo o período chuvoso (outubro a março). O gráfico 2 mostra a freqüência absoluta do número de casos em cada categoria do número de dias seguidos de chuvas. Nota-se que 3 dias consecutivos de chuvas concentram 58,8% dos eventos. Casos de quatro dias consecutivos de chuva representam 17,6%, de cinco dias 7,8%, de seis dias 9,8%, de sete dias 3,9% e de 11 dias 2% dos casos (1 caso ao longo dos 23 anos em análise). 50 40 30 22 20 9 10 5 4 10 1 0 Jan Fev Mar Out Nov Dez Meses Freq. Absoluta Porcentagem 60 50 40 30 30 20 10 0 3 9 4 4 5 2 1 5 6 7 11 N° de dias de chuva Freq. Absoluta Porcentagem Gráfico 1 - Meses de ocorrência de casos de chuvas Gráfico 2 - N° de dias seguidos de chuvas Fonte de Dados: 5°Disme/INMET e ANA O gráfico 3 mostra que chuvas persistentes por vários dias seguidos só ocorrem nos meses de verão na RMBH. Ressalta-se o padrão climatológico do número de dias seguidos de chuvas em relação ao meses do ano. Casos de três dias seguidos de chuvas ocorrem em todos os meses da estação chuvosa, de outubro a março e os de quatro dias também ocorre em todos os meses da estação chuvosa, exceto em outubro. Eventos acima de quatro dias de precipitação persistente só ocorrem nos meses de dezembro e janeiro. 4 Gráfico 3 – Relação entre casos seguidos de precipitação e meses do ano. Legenda: 1 – jan, 2 – fev, etc. Fonte de Dados: 5°Disme/INMET e ANA. O gráfico 4 mostra que na categoria de três dias os ventos variam desde o quadrante NE/SE até W/N. O quadrante NE/SE caracteriza a atuação do Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (ASAS), que é o sistema atmosférico de larga–escala que normalmente atua na RMBH durante todo o ano. A banda de nebulosidade característica de ZCAS tem direção de NW/SE e outros estudos, como Moreira (2002), Lucas e Abreu (2004), mostram que grande parte da precipitação extrema na região de Belo Horizonte está associada a ventos do quadrante N/NW, então se infere que ventos predominantes de NE/SE não estejam associados a eventos de ZCAS. A maior contribuição de possíveis eventos de ZCAS observados por esta técnica estão relacionados aos casos de 4, 6, 7 e 11 dias ininterruptos de chuvas, quando os ventos predominam de NW. Gráfico 4 - Técnica dos quantis para o n° dias seguidos de chuva e direção média do vento° Fonte de Dados: 5°Disme/INMET e ANA Os resultados mencionados sugerem que os impactos de ZCAS, como a precipitação a ela associada, parecem atingir à RMBH durante os meses de novembro, dezembro e janeiro. Os casos de precipitação persistentes por mais de quatro dias só ocorrem nos meses de dezembro e janeiro, como mostra o gráfico 3. Lucas e Abreu (2004) identificaram que 53% da precipitação associada a ventos do quadrante W/N ocorrem nesse trimestre e o gráfico 4 mostra que os casos com quatro dias e mais de chuvas, exceto de cinco dias, ocorrem associados com ventos desse quadrante. Por 5 outro lado, Quadro (1994) destaca que a posição média do eixo da ZCAS é muito importante para o regime de chuvas das regiões afetadas. Nos primeiros meses da estação chuvosa ela ancora mais ao norte e nos meses seguintes mais ao sul. O comportamento da precipitação na RMBH sugere então que a ZCAS é mais atuante no inicio e no meio da estação chuvosa desta localidade e conseqüentemente, na região central de Minas Gerais. Devido a grande dispersão dos dados de direção preferencial média do vento nos casos de três dias consecutivos de chuva, buscou-se identificar os casos de três dias mais consistentes entre si através da análise hierarquizada de cluster (não mostrado). Esses casos de três dias foram divididos em dois clusters, sendo que o cluster 1 mostrou maior número de casos e maior desvio padrão na variável quantidade de precipitação acumulada e grande diferença entre o valor máximo e mínimo na variável direção preferencial média do vento. O cluster 2 apresentou menor desvio padrão na quantidade de precipitação média acumulada e principalmente agrupou os casos com ventos do quadrante W/N, tendo como valor máximo 360° (direção norte) e valor mínimo 270° (direção oeste). Os 16 casos do cluster 1 foram eliminados da analise, resultando em 35 casos de precipitação persistente na RMBH com pelo menos três dias consecutivos, com a direção preferencial média do vento com no mínimo 270° de direção e 36mm acumulados de precipitação. Na tentativa de verificar se os casos de precipitação por vários dias seguidos foram episódios de ZCAS utilizou-se os casos estudados por Sanches e Silva Dias (1996) e os eventos monitorados pela Revista Climanalise a partir de dezembro de 1995. Sanches e Silva Dias identificaram 12 eventos de ZCAS nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro entre os anos de 1992 a 1995, no mesmo período de estudo foram identificados quatro casos de precipitação persistente na RMBH, sendo três verificados como ZCAS. A partir de dezembro de 1995 a dezembro de 1998, foram encontrados sete casos de chuvas persistentes e somente dois foram verificados como episódios de ZCAS, segundo a Revista Climanalise. O gráfico 5, totaliza todos os casos de chuvas persistentes encontrados de 1992 a 1998 e mostra que de sete casos de precipitação persistente por 3 dias consecutivos na RMBH somente 2 foram episódios de ZCAS. Dos dois casos de quatro dias encontrados, ambos foram episódios de ZCAS. Os casos de cinco dias, apenas 2 não estão associados a ZCAS. Por último, o caso de seis dias de chuvas ininterruptas foi identificado como episódio de ZCAS pela Revista Climanalise. 4. COMENTÁRIOS FINAIS Através da análise estatística e análise de cluster definiu-se como critérios na tentativa de identificação do fenômeno ZCAS a partir de dados locais de superfície: precipitação nos 15 postos 6 de coleta, acima de três dias consecutivos, e nestes casos, com ventos acima de 270° de direção e com um mínimo de 36mm de precipitação acumulada. 8 6 4 2 0 3 Categoria do n° de dias de chuvas 4 5 6 Eventos de ZCAS (Climanalise - Sanches e Silva Dias) Casos de chuvas encontrados neste trabalho Gráfico 5 – Eventos de ZCAS, segundo Sanches e Silva Dias (1996) e Climanálise (1995 a 1998) e casos de chuvas persistentes na RMBH. Fonte de Dados: 5° Disme/INMET e ANA O presente trabalho indicou que há uma possível relação entre o número de dias seguidos de chuvas e eventos de ZCAS. Exceto na categoria de cinco dias de chuvas, quanto maior o número de dias seguidos de precipitação maior a relação com eventos de ZCAS. Os critérios e análises estatísticas devem ser aprimorados na tentativa de identificar a ocorrência de ZCAS através de dados de superfície. Porém, os casos de chuvas persistentes sugeridos como ocorrência de ZCAS, segundo os critérios deste trabalho que não foram verificados em Sanches e Silva Dias (1996) e na Revista Climanalise podem não ter acarretado acúmulo de precipitação por pelo menos três dias consecutivos de chuvas. Outro aspecto é que alguns eventos destacados tanto pelos primeiros autores como pelo monitoramento da revista podem não ter atuado na região central de Minas Gerais, o que dificulta a verificação da atuação de ZCAS pela precipitação regional. AGRADECIMENTOS: Ao INMET e a ANA pelos dados. À CAPES pelo financiamento da bolsa de mestrado da primeira autora. 5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABREU, Magda Luzimar de. Climatologia da estação chuvosa de Minas Gerais: de Nimer (1977) à Zona de Convergência do Atlântico Sul. Revista Geonomos, Vol. 06, n° 2, p.17-22, dez de 1998. CLIMANALISE. São José dos Campos: CPTEC-INPE, Vol. 9 – 13, n°. 1,2,3,11,12, jan, fev, mar, nov e dez., 1994 – 1998. LUCAS, Taíza de P. B. & ABREU, Magda L. de. Caracterização climática dos padrões de ventos associados a eventos extremos de precipitação. In: Caderno de Geografia. Vol. 14, n°23, p. 135152, dez. 2004. QUADRO, Mário F. L. Estudo de Episódios de Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) sobre a América do Sul. 1994. 94f. Dissertação (Mestrado em Meteorologia) – INPE, São José dos Campos, 1994. SANCHES, Marcos Barbosa & SILVA DIAS, Maria Assunção Faus da. Analise Sinótica de Verão: A Influência da Zona de Convergência do Atlântico Sul. In: IX CONGRESSO BRASILEIRO DE METEOROLOGIA, 1996, Campos do Jordão. Anais Eletrônicos.