UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO – “Prof. José de Souza Herdy” UNIGRANRIO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DAYSE CARIAS BERSOT MEMÓRIAS DO CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA – OPAS/OMS: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA VETERINÁRIA DAS AMÉRICAS Duque de Caxias 2014 DAYSE CARIAS BERSOT MEMÓRIAS DO CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA – OPAS/OMS: Uma contribuição para a história da Saúde Pública Veterinária das Américas Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas da Universidade do Grande Rio - “Prof. José de Souza Herdy”, como requisito para obtenção do título de mestre em Letras e Ciências Humanas. Área de concentração: Representação Historicidade, Memória e Discurso. da Orientadora: Profª. Drª. Jacqueline de C. P. Lima Duque de Caxias 2014 AGRADECIMENTOS A Deus por ter me dado saúde e forças para seguir cotidianamente em busca de mais conhecimento e formação, apesar de todas as dificuldades que surgiram ao longo desta jornada. À coordenação, ao corpo docente e à secretaria acadêmica do Programa de PósGraduação do Mestrado em Letras e Ciências Humanas da UNIGRANRIO, em especial à Daniele Mourão por todo o apoio e ajuda no dia a dia acadêmico e também a atual secretária Denise. Às Professoras Doutoras: Andréa Cristina de Barros Queiroz, Ângela Maria Roberti Martins e Cícera Henrique da Silva. Muito obrigada por todas as contribuições, palavras de incentivo, pela partilha de seus conhecimentos, pela disponibilidade e generosidade demonstradas a todo o momento. À minha orientadora Professora. Drª. Jacqueline de Cassia Pinheiro. Muito obrigada pelos ensinamentos, orientações, carinho, atenção, disponibilidade e disposição para encarar este desafio junto comigo. Aos colegas da turma do Mestrado em Letras e Ciências Humanas/2012, em especial aos companheiros de linha de pesquisa: Ana Paula C. L. do Nascimento, Carlos Borges e Flora de Jesus. Muito obrigada pelos ombros solidários, pelas conversas ricas e cheias de interdisciplinaridade e pelos braços e abraços nos momentos em que mais precisei. Companheiros, vocês são mais que simples colegas de classe são verdadeiros irmãos. Ao Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT), da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ), especialmente aos Professores Doutores: Maria Cristina Soares Guimarães e Nilton Bahlis dos Santos pela oportunidade de cursar duas disciplinas que contribuíram sobremaneira nas discussões sobre saúde e suas interfaces. A todos os profissionais e funcionários e ex-funcionário do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa – OPAS/OMS, em especial ao Dr. Vicente Astudillo (In Memoria) por ser um grande incentivador, ao Dr. Albino Belloto pelas conversas esclarecedoras, ao Dr. Alfredo Boechat por acreditar neste trabalho, ao Dr. Ottorino Cosivi por me permitir cursar o mestrado e assim desenvolver essa dissertação, aos Doutores Enrique Perez, Genaro Garcia, Jorge Torroba, Raymond Dugas e Antonio Mendes por me apoiarem incondicionalmente, aos funcionários da área de Gestão do Conhecimento. Um especial e afetuoso muito obrigada à queridíssima colega de profissão Astrid Rocha Pimentel, a Carla Perdiz por acreditar que eu conseguiria realizar este trabalho, a Rosana Silva uma secretária exemplar e também ao funcionário Francisco Eduardo do Nascimento Neto pelas palavras de apoio. A Biblioteca Nacional e seus funcionários, por manter preservado um acervo maravilhosamente rico e acessível aos pesquisadores que vão em busca da história, acontecimentos e registros impressos do nosso país. Aos queridos amigos, colegas de estudo e de trabalho que me acompanharam durante minha formação acadêmica, instituições e empresas onde atuei profissionalmente, em especial aos que até hoje fazem parte de minha da vida: Carlos Xavier, Caroline Cristina de O. Bastos, Claudia dos Anjos, Denise Maria da S. Batista, Érica Netto, Geórgia Claudia, Gizele Rocha, Leonardo Melo, Lucia Bertulini, Lucia Cano, Maria Gilvaneide, Mônica Garcia, Nilza Martins, Rosane Abdala, Sheila Borges, Vania Guerra e Vera Pinho, muito obrigada pelas palavras de incentivo e motivação. Às minhas queridas mãe (Sonia Carias Bersot), irmã (Denise Carias Bersot) e tia (Rosimeri Pinto Carias - In Memorian), mulheres guerreiras, fontes de inspiração e orgulho. E, finalmente, agradeço e dedico este trabalho aos seres de luz mais importantes da minha vida; meu amado esposo Alberto Mendia, que esteve e está a meu lado em todos os momentos, fáceis e difíceis; alegres ou tristes, me apoiando incondicionalmente em tudo. E a minha filha Brisa, que passou por um turbilhão de emoções bem juntinho a mim durante a qualificação (dentro de mim) e no momento de minha defesa. Aconchegada em meus braços, minha pequena com apenas 3 meses de vida me transmitia toda a força e segurança necessárias para concluir este trabalho. Amado esposo, este momento é intensamente sublime. Chegamos ao final dessa trajetória com o mais alto prêmio de nossas vidas: Nossa Filha. "La memoria" ... Todo está guardado en la memoria, sueño de la vida y de la historia. ... La memoria despierta para herir a los pueblos dormidos que no la dejan vivir libre como el viento. Los desaparecidos que se buscan con el color de sus nacimientos, el hambre y la abundancia que se juntan, el mal trato con su mal recuerdo. Todo está clavado en la memoria, espina de la vida y de la historia. Dos mil comerían por un año con lo que cuesta un minuto militar Cuántos dejarían de ser esclavos por el precio de una bomba al mar. ... La memoria pincha hasta sangrar, a los pueblos que la amarran y no la dejan andar libre como el viento. Todos los muertos de la A.M.I.A. y los de la Embajada de Israel, el poder secreto de las armas, la justicia que mira y no ve. Todo está escondido en la memoria, refugio de la vida y de la historia. ... La memoria estalla hasta vencer a los pueblos que la aplastan y que no la dejan ser libre como el viento. La bala a Chico Méndez en Brasil, 150.000 guatemaltecos, los mineros que enfrentan al fusil, represión estudiantil en México. Todo está cargado en la memoria, arma de la vida y de la historia. América con almas destruidas, los chicos que mata el escuadrón, suplicio de Mugica por las villas, dignidad de Rodolfo Walsh. ... La memoria apunta hasta matar a los pueblos que la callan y no la dejan volar libre como el viento. León Gieco (Letra e Música) RESUMO BERSOT, D. C. Memórias do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa – OPAS/OMS: uma contribuição para a história da Saúde Pública Veterinária das Américas. 2014. 111 p. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Letras e Ciências Humanas. Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”. Duque de Caxias, 2014. Esta dissertação apresenta a história e memórias do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa – PANAFTOSA - OPAS/OMS, um organismo internacional pertencente à Organização PanAmericana da Saúde e Organização Mundial da Saúde, que fica localizado na cidade de Duque de Caxias/RJ e que funciona nas instalações de uma antiga fazenda no bairro de São Bento. A instituição possui um acervo documental que retrata a história, as memórias de indivíduos que por lá passaram, a evolução e as descobertas científicas de uma época que foram de suma importância para as áreas de Saúde Pública e Saúde Pública Veterinária não só do Brasil como para os países que conformam a Região das Américas, além de ser uma instituição de referência internacional no que diz respeito à pesquisa e ações sobre as doenças de origem animal que podem acometer a sociedade. A proposta deste estudo consiste então em realizar reflexões sobre as relações entre história e memória, além de apresentar a trajetória histórica da instituição, com vistas a trazer à luz do conhecimento público um pouco da história de Panaftosa. Esta pesquisa tem um caráter qualitativo, de cunho bibliográfico e documental e esta inserida na linha de pesquisa Representação da Historicidade, Memória e Discurso, do programa interdisciplinar do Mestrado em Letras e Ciências Humanas. Para o desenvolvimento deste trabalho utilizamos como fontes, uma parte dos documentos históricos pertencentes à instituição. A documentação encontrada nos arquivos do Centro PanAmericano de Febre Aftosa nos auxiliou na escrita desta dissertação e posteriormente foi à base para a descrição da trajetória histórica de Panaftosa. Como os documentos encontrados possuem caráter administrativo e em sua maioria são fechados ao acesso público, optamos por realizar uma pesquisa no acervo histórico da Biblioteca Nacional em busca de registros sobre o surgimento e acontecimentos relacionados à Panaftosa. Realizadas as buscas encontramos algum material jornalístico, publicado pela imprensa da então capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, que trazia em suas matérias relatos sobre a instituição. Diante do material encontrado realizamos breve análise com a intenção de verificar o que os jornais da época falavam sobre a instituição desde a criação no ano de 1950 até o ano de 1962 (último registro encontrado que trazia notícia sobre Panaftosa). Palavras-chave: 1- História; 2- Memória; 3- Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. ABSTRACT Bersot, D. C. Memories of the Pan American Foot and Mouth Disease Center - PAHO / WHO: a contribution to the history of the Veterinary Public Health of the Americas. 2014. 111 p. Thesis (Master) – Pos Graduate Program in Letters and Humanities Science. University of Grande Rio "Prof. José de Souza Herdy ". Duque de Caxias, 2014. This dissertation presents the history and memories of the Pan American Center for foot-andmouth disease PANAFTOSA – PAHO/WHO, an international body of the Pan American Health Organization and World Health Organization, which is located in the city of Duque de Caxias – Rio de Janeiro and it works on the premises of an old farm in the neighborhood of São Bento. The institution has a collection of documents depicting the history, the memories of individuals who by their passed, the evolution and the scientific discoveries of an era that were of paramount importance to the areas of public health and Veterinary Public Health not only of Brazil as to the countries that make up the region of the Americas, in addition to being an institution of international reference with respect to research and action on the diseases of animal origin that may affect society. The proposal of this study consists in boost reflections on relations between history and memory, in addition to presenting the historical trajectory of the institution, with a view to bringing the light of public knowledge a little of the history of PANAFTOSA - PAHO/WHO. This research has a qualitative character, of bibliographic and documentary stamp and this inserted into the search line representation of Historicity, memory and Speech, interdisciplinary master's degree program in arts and Humanities. For the development of this work we use as sources, a part of the historical documents belonging to the institution. The documentation found in the archives of the Pan American Center for foot-and-mouth disease in assisted in the writing of this dissertation and later was the basis for the description of the historical trajectory of Panaftosa - PAHO/WHO. As the documents found are administrative character and mostly are closed to public access, we chose to perform a search in the historical collection of the national library in search of records about the emergence and Panaftosa related events. Carried out the searches found some journalistic material, published by the press of the then national capital, the city of Rio de Janeiro, which featured in their reports about the institution matters. Before the material found brief analysis performed with the intention of checking what the newspapers of the time were talking about the institution since its creation in 1950 until 1962 (last record found carrying news about Panaftosa). Keywords: 1- History; 2-Memory; 3- Pan-American Foot and Mouth Disease Center; 4Health; 5- Health Institutions. RESUMEN BERSOT, D. C. Memorias del Centro Panamericano de Fiebre Aftosa – OPS/OMS: una contribución para la historia de la Salud Pública Veterinaria de las Américas. 2014. 111 p. Disertación (Maestría) – Programa de Pos-Graduación en Letras y Ciencias Humanas. Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”. Duque de Caxias, 2014. La presente disertación pretende dar a conocer la historia y memorias del Centro Panamericano de Fiebre Aftosa – PANAFTOSA - OPS/OMS, un organismo internacional perteneciente a la Organización Panamericana de la Salud y a la Organización Mundial de la Salud, que está ubicado en la ciudad de Duque de Caxias, estado de Rio de Janeiro y que funciona en las instalaciones de una antigua hacienda de la zona de São Bento. La institución posee un acervo documental que retrata la historia, las memorias de individuos que por allí pasaron, la evolución y los descubrimientos científicos que fueron de suma importancia para las áreas de Salud Pública y de Salud Pública Veterinaria de Brasil y de los países de la Región de las Américas. Panaftosa es un centro de referencia internacional en el ámbito de las investigaciones y acciones necesarias para combatir enfermedades de origen animal que afectan a la sociedad. El objetivo de este estudio consiste en realizar reflexiones sobre las relaciones entre historia y memoria, además de presentar la trayectoria histórica de la Panaftosa. Esta investigación tiene un carácter cualitativo, de sello bibliográfico y documental y esta insertada en la representación de la línea de búsqueda de historicidad, memoria y discurso, de la Maestría interdisciplinar de Artes y Humanidades. Para el desarrollo de este trabajo se utilizan como fuentes, una parte de los documentos históricos pertenecientes a la institución. La documentación encontrada en los archivos del Centro Panamericano de Fiebre Aftosa nos ayudó en la redacción de esta disertación y más adelante, fue la base para la descripción de la trayectoria histórica de Panaftosa. Los documentos encontrados son de carácter administrativo, y en su mayoría están cerrados al acceso público. Frente a este escenario, hemos decidido realizar una búsqueda en la colección histórica de la Biblioteca Nacional de Brasil, con el propósito de identificar registros sobre la creación, desarrollo y eventos relacionados con la institución. Llevado a cabo las búsquedas, encontramos algún material periodístico, publicado por la prensa de la capital nacional de entonces, la ciudad de Rio de Janeiro, que publicó informes sobre el Centro. Con el material encontrado realizamos un análisis con la intención de identificar lo que los periódicos de la época hablaban de Panaftosa, desde su creación en el año de 1950 hasta 1962 (último expediente encontrado con noticias acerca de Panaftosa). Palavras-chave: 1- Historia; 2- Memoria; 3- Centro Panamericano de Fiebre Aftosa. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 Foto da Primeira Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, realizada na cidade de Alma-Ata (Cazaquistão), no período p. 27 de 6-12 de setembro de 1978 e intitulada: “Saúde para Todos” e “Todos pela Equidade”. Alma-Ata, 1978. Figura 2 Imagem da Reunião da Liga das Nações. 1920. Genebra, Suiça. p. 37 © Copy Right - Nações Unidas. Compendio e Planejamento da Aliança para o Progresso. Carta de p. 41 Punta del Este. 1961. © OEA. Figura 3 Figura 4 Frederick Lowe Soper. Figura 5 Foto do Edifício Principal do Centro Pan-Americano de Febre p. 50 Aftosa, 1951. Figura 6 Laboratório de Referência de Panaftosa, 1951. p. 51 Figura 7 Planta de situação de Panaftosa. Rio de Janeiro, 1951. p. 53 Figura 8 Centro Panamericano de Fiebre Aftosa. Galeria dos Diretores. p. 55 Figura 9 Jornal A Noite de 20 de setembro de 1952, que traz em sua segunda p. 70 página uma notícia sobre Panaftosa. Figura 10 Fotografia do Edifício que pertencia ao jornal A Noite. p. 71 Figura 11 Edição do jornal Diário Carioca de 02 de maio de 1943. p. 72 Figura 12 Primeira página do jornal Diário da Noite em 11 de julho de 1932. p. 73 Figura 13 Primeira página do Diário de Notícias com nota do falecimento de p. 76 Orlando Dantas. Exemplar do jornal Diário de Notícias em 1º de maio de 1951. p. 77 Figura 14 Figura 15 p. 44 Figura 17 Primeira publicação sobre Panaftosa realizada no caderno de política p. 80 do jornal Gazeta de Notícias. Em 05 de abril de 1952. Edição do Jornal do Brasil de 27 de maio de 1951, que noticia por p. 83 primeira vez o trabalho desenvolvido pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. Jornal Ultima Hora de 07 de novembro de 1951. p. 86 Figura 18 Jornal Ultima Hora de 07 de novembro de 1959. Figura 19 Figura 20 Manchete do Jornal Ultima Hora publicada no dia 24 de agosto de p. 86 1954. Noticia publicada em 28 de novembro de 1955. p. 89 Figura 21 Notícia publicada em 11 de novembro de 1957. p. 90 Figura 22 Notícia do jornal Diário Carioca de 28 de agosto de 1951. p. 93 Figura 23 Notícia do jornal Diário Carioca de 12 de abril de 1957. p. 94 Figura 24 Manchete do jornal Diário de Noticias de 17 de agosto de 1951. p. 96 Figura 25 Noticia publicada no Jornal do Brasil em 15 de novembro de 1951. p. 98 Figura 16 p. 86 Figura 26 Nota publicada no Jornal do Brasil em 11 de novembro de 1953. p. 99 Figura 27 Nota publicada no Jornal do Brasil em 11 de abril de 1957. p. 99 Figura 28 Notícia publicada no Jornal Ultima Hora de 19 de junho de 1951. p. 101 Figura 29 Notícia publicada na segunda página do Jornal Ultima Hora de 10 de p. 101 junho de 1960. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... ABSTRACT.............................................................................................................. RESUMEN................................................................................................................ LISTA DE ILUSTRAÇÕES.................................................................................... INTRODUÇÃO........................................................................................................ 15 CAPÍTULO 1. SAÚDE: seus conceitos e valores.................................................... 24 1.1 BREVE HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA..................................................... 24 1.2 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES EM PROL DA SAÚDE............................. 36 1.3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS)........................................... 38 1.4 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS) .......................... 43 1.5 FEBRE AFTOSA: panorama histórico da doença.............................................. 46 CAPÍTULO 2. CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA…………... 50 2.1 REGIÃO.............................................................................................................. 50 2.2 O CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA COMO LUGAR DE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO............................................................ 59 CAPÍTULO 3. A DISCUSSÃO DA IMPRENSA................................................. 65 3.1 CARACTERÍSTICAS DA IMPRENSA: UM BREVE HISTÓRICO............. 69 3.1.1 JORNAL A NOITE......................................................................................... 69 3.1.2 JORNAL DIÁRIO CARIOCA....................................................................... 71 3.1.3 JORNAL DIÁRIO DA NOITE...................................................................... 73 3.1.4 JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS............................................................... 74 3.1.5 JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS.............................................................. 77 3.1.6 JORNAL DO BRASIL.................................................................................. 80 3.1.7 JORNAL ÚLTIMA HORA........................................................................... 84 3.2 NOTÍCIAS SOBRE PANAFTOSA .............................................................. 87 3.2.1 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL A NOITE... 89 3.2.2 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DIÁRIO CARIOCA ............................................................................................................................... 3.2.3 NOTÍCIA PUBLICADA NO JORNAL DIÁRIO DA NOITE................. 90 94 3.2.4 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS .......................................................................................................................................... 95 3.2.5 NOTÍCIA PUBLICADA NO JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS..................... 97 3.2.6 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DO BRASIL......... 97 3.2.7 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL ÚLTIMA HORA... 99 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 102 REFERÊNCIAS................................................................................................................ 105 INTRODUÇÃO As organizações ocupam um espaço significativo na atualidade, influenciando e interferindo em vários aspectos da vida dos indivíduos. Elas desenvolvem suas atividades em um ambiente complexo, permeado por ações e interações contínuas que produzem novas ações e reações, obrigando que aquelas se (re) inventem para atingir seus objetivos globais/regionais/locais e para que possam acompanhar os processos de mudança. A complexificação da sociedade tem modificado a forma como as organizações se relacionam e se comunicam com os atores sociais, demandando mais transparência e uma postura de relacionamento diferenciado. Para Freitas (2000), é perceptível a perda de confiança dos cidadãos na credibilidade das empresas, do Estado e de outras instituições consagradas, o que evidencia a necessidade de promover uma comunicação que favoreça a criação do senso de pertencimento dos sujeitos, pois estes: [...] se encontram numa situação de fragilidade de identidade, de enfraquecimento de vínculos sociais diversos, de busca de sentido, de desorientação quanto ao presente e ao futuro e de carência de referenciais” (FREITAS, 2000, p. 57). O senso de pertencimento e de proximidade pode ser conquistado através do desenvolvimento das ações de comunicação permanentes, com enfoque na busca, recuperação e na valorização da Memória Institucional. Para Nassar (2007), “em um mundo em que é rapidamente banalizado pela massificação, pela utilização cotidiana, pelo excesso de exposição, uma diferenciação que nasce pela história de uma organização, é um atributo que poucos têm” (NASSAR, 2007, p. 186). Tal interesse surge a partir de reflexões feitas pela equipe do Centro de Gestão do Conhecimento e Informação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, pois atendemos diariamente a demandas, tanto de pesquisadores e técnicos da instituição, como de vários centros de pesquisa de instituições nacionais e internacionais que buscam, através da biblioteca da instituição, por algum material existente e disponibilizado sobre o Centro. Dessa forma, por integrar o grupo de gestão do conhecimento e informação da instituição foi possível alargar nossa experiência, vivenciar novos desafios em atividades que nos proporcionaram uma maior aproximação com atividades e projetos, que a cada dia, 15 sinalizavam para a necessidade de se resguardar as memórias e histórias existentes em Panaftosa. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa tem como missão cooperar com os países das Américas na organização, desenvolvimento e fortalecimento dos programas nacionais, regionais e internacionais de prevenção, controle e erradicação da Febre Aftosa, na prevenção, controle e eliminação das zoonoses, além de atuar fortemente nos temas, pesquisas e ações ligadas a inocuidade dos alimentos das populações, fatores estes, que causam total impacto na saúde humana e na produção de alimento de origem animal (proteína animal bovina, suína, equina, caprina, ovina, aves e peixes) para consumo. Neste sentido, podemos destacar algumas atividades desenvolvidas por Panaftosa, que certificam e validam a instituição como referência internacional em pesquisas e trabalhos desenvolvidos nas áreas de Saúde Pública e Saúde Pública Veterinária, onde podemos destacar o trabalho realizado com a cooperação técnica internacional; a manutenção e operação descentralizada de bases de dados informacionais, que apoiam as pesquisas fornecendo dados e informações atualizadas sobre as doenças e surtos ocorridos nos países; a criação, implementação e certificação de bibliotecas virtuais temáticas, que disponibilizam conteúdo científico de qualidade para pesquisadores; a realização de trabalhos e atividades em equipes multidisciplinares (das áreas de saúde, veterinária, educação, informação e comunicação); a elaboração e distribuição de boletins especializados em inocuidade de alimentos, febre aftosa e zoonoses. Tais boletins são distribuídos mensalmente para mais de três mil especialistas pertencentes a instituições diversas como: a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), além dos Ministérios de Saúde e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil, e Secretarias de Estado e Município dos países das Américas. Com o passar dos anos e o desenvolvimento das atividades realizadas pela instituição, o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, vem sofrendo um processo paulatino (nos últimos sete anos) de reestruturação e reposicionamento. Ações essas que resultaram de orientações políticas internacionais, como também, de um conjunto de evidências que apontavam para o 16 “controle” da febre aftosa no continente, o que sinalizava uma necessária mudança no foco temático da instituição e direcionava para a incorporação de novas atividades que não estivessem voltadas exclusivamente a febre aftosa. Particularmente na área de gestão do conhecimento e informação, deu-se início a um processo de busca e organização da memória de Panaftosa. Memória essa, que reafirma por meio de seus documentos, informações e publicações a importância das atividades realizadas por uma instituição de mais de meio século de existência, que foi a precursora no campo da pesquisa e combate a doença que causava inúmeros transtornos a saúde animal dos países da região das Américas. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa foi criado no ano de 1951, a partir de um acordo bilateral entre o governo brasileiro e a Organização dos Estados Americanos (OEA) com o propósito de ser o primeiro e único centro especializado em Febre Aftosa das Américas. Localizado numa cidade da Baixada Fluminense, essa instituição ligada à saúde tem como responsabilidade atender às demandas e necessidades técnico-científicas de todos os países que conformam as Américas do Sul e do Norte. Panaftosa, ao longo de mais de seis décadas de existência colaborou, desenvolveu e ainda segue atuante no desenvolvimento de ações, tecnologias e ciência para as atividades da área de Saúde Pública Veterinária que afetam diretamente a saúde, o meio ambiente, a economia e o desenvolvimento humano. Como um dos marcos históricos mais importantes do Centro, no que diz respeito especificamente ao caso da febre aftosa, podemos destacar a criação, pelo laboratório de referência da instituição, da primeira vacina com adjuvante oleoso para o controle do vírus aftoso. Tal descoberta foi um marco no combate à doença no ano de 1961. Essa tecnologia foi propagada para diversos países das Américas. Além disso, como consequência da descoberta, Panaftosa pôde receber, em suas dependências, diversos profissionais e pesquisadores, oriundos de vários países, que vieram para a instituição em busca de novos conhecimentos, cursos, treinamentos e desenvolvimento de novas técnicas de laboratório, controle e produção de vacinas, tudo isso com o foco na erradicação da febre aftosa em seus países. 17 Neste sentido, como não perceber como desafio a busca pela valorização dessa organização, cuja importância social é pouco visibilizada atualmente? A conquista do senso de pertencimento e a valorização da memória nas Instituições, tão claramente explicitado por Nassar, é uma contracultura da sociedade dos nossos dias. O desconhecimento, por parte da população local (que vive no entorno da instituição) nos causou estranheza e produziu inquietações, fazendo surgir em nós um alerta para o cuidado fundamental que se deve dedicar à memória institucional como extensão necessária para que se possa preservar para as futuras gerações toda a história construída ao longo de mais de 60 anos de existência da instituição. Trabalhar com a memória institucional foi escolhido não só para relembrar os êxitos ocorridos no passado, mas principalmente, para servir como fonte de orientação para as ações vindouras. Memória das competências profissionais, memórias dos surtos de febre aftosa, memória das vitórias conseguidas, e até mesmo a memória dos equívocos cometidos. Trata-se, portanto, da importância de lançar as bases de um amplo programa de recuperação, com vistas à preservação e promoção da história e memória da Saúde Pública Veterinária, que está contida nos registros de informação científica e tecnológica, em seus mais variados formatos, tipologias e conteúdos, que contam a história da instituição e dos desafios superados com relação às doenças de origem animal, com especial ênfase para a febre aftosa, que causou inúmeras perdas, durante décadas no continente sul-americano. Hoje, os mecanismos de coordenação regional e mundial para o alerta antecipado e resposta rápida aos graves riscos para a saúde da população associados às zoonoses, às doenças transmitidas pela ingestão de alimentos contaminados e às doenças de origem animal que têm forte impacto sobre a segurança alimentar, estão sendo fortalecidos no âmbito do Regulamento Sanitário Internacional, em estreita colaboração com a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). A convergência da saúde humana e da saúde animal marca a necessidade crescente de que a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) exerça a liderança na esfera das zoonoses, da inocuidade dos alimentos e da segurança alimentar. 18 Tendo em vista todos os esforços realizados por Panaftosa em prol da saúde das populações e verificando na instituição um movimento que surge apontando para um novo olhar institucional, que foi iniciado a partir do ato de lembrar o que foi construído e desenvolvido no passado, usando todo o conhecimento gerado durante o período anterior, para fortalecer as ações presentes e futuras da instituição. Tal ação foi pensada com o intuito de proporcionar a segurança necessária, para que haja uma repetição das ações de sucesso ocorridas e/ou para que se possa apontar para novos caminhos e novas descobertas. Nesse momento foi percebida a importância da valorização da Memória em Ciência e Tecnologia existente em Panaftosa como forma de preservação dos conhecimentos gerados na instituição. Nesse sentido, percebemos a memória como um lugar múltiplo, pois a memória pode estar guardada na prática, no saber fazer, no fazer diário e no fazer melhor; ou pode estar registrada em documentos, públicos e privados. A memória seria então o conhecimento descrito de como fazer as coisas ou a forma de se abordar os problemas e questões ocorridos (JACKSON, 2007). Mistura de conhecimento tácito e conhecimento codificado, a memória só se torna história quando apropriada pelo historiador. O processo de coleta, organização e disponibilização da informação codificada é, assim, essencial para sua utilização nas mais variadas áreas do conhecimento, proporcionando a pesquisadores, tomadores de decisão e à sociedade em geral a possibilidade de refletir sobre o passado, aprender no presente e se preparar para o futuro, em um movimento contínuo de produção de novos conhecimentos. Sendo assim, a memória de uma organização ou instituição pode ser definida como um sistema capaz de armazenar as coisas percebidas, experimentadas ou vividas para além da duração da ocorrência atual, e permitir recuperá-las posteriormente (LEHNER; MAIER, 2000). Mostrar a história dos caminhos de Panaftosa tem um papel fundamental para o entendimento da ciência, trazendo a público e lembrando o que se construiu e produziu nas universidades e nos organismos de pesquisa, como Panaftosa - OPAS/OMS, organismos estes que possibilitam à sociedade uma maior participação através do acesso a seu conhecimento técnico-científico. A educação científica, principalmente para os jovens, abre a possibilidade também de um futuro mais promissor, preparando gerações para novos desafios. Neste sentido, a memória atua como fonte auxiliar no processo de aprendizagem. 19 A importância da memória, como agente de educação científica e como fonte de informação para o desenvolvimento da ciência, é muito clara no campo da saúde, especialmente no que diz respeito às epidemias. Aqui, as ações de saúde podem tanto ser preventivas (como o exemplo do surgimento das vacinas) como curativas (medicamentos). Mas o fato é que o agente de disseminação da doença (vírus) persiste na natureza, e tem sempre a possibilidade de se reinstalar na sociedade. Olhar para o passado é, então, fundamental para tomar decisões no presente e se prevenir melhor para o futuro. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, por sua essência pesquisadora, contou e ainda conta com uma equipe de pesquisadores que produziu e ainda produz um farto material acadêmico-científico. O período entre as décadas de 70 até final da década de 90 compreende os anos de efervescência na produção de trabalhos científicos publicados nas mais renomadas revistas especializadas em saúde humana e animal, além das contribuições em publicações acadêmicas, eventos científicos, trabalhos de cooperação em instituições e universidades (CENTRO PANAMERICANO DE FIEBRE AFTOSA, 2014). Fazendo um recorte histórico, nos mais de vinte anos de intensa produção científica da instituição, podemos destacar, dentre os diversos profissionais que se debruçaram na escrita de trabalhos acadêmicos de Panaftosa, alguns dos técnicos como: Dr. Albino Alonso, Dr. Roberto Goic, Dr. Hans Bahnemann, Dra. Ingrid Bergman, Dr. Raul Casas, Dr. Vicente Astudillo e etc. Estes, dentre tantos outros atuaram na instituição registrando cientificamente o que foi desenvolvido e realizado (CENTRO PANAMERICANO DE FIEBRE AFTOSA, 2014, p. 46). Dentre os registros encontrados no acervo da instituição (Conferência Nacional de Febre Aftosa, 1950), verificamos não apenas as descobertas científicas realizadas pelos pesquisadores de Panaftosa, mas também as ações e mobilizações no combate aos surtos das doenças de origem animal, que assolavam os rebanhos dos países das Américas, e que no caso de Panaftosa, a febre aftosa foi a doença que mais impactou a produção animal bovina, principal fonte de proteína da mesa dos cidadãos na década 1950 (período em que a instituição chegava ao Brasil). 20 Percebemos que de certa forma, esses documentos nos permitiram visualizar que a atuação da Instituição uniu pesquisa e ação, que o desenvolvimento de técnicas laboratoriais em conjunto com o ato empírico de controle da febre aftosa nos rebanhos gerou para a instituição produtos e conhecimentos inovadores para a época. Todavia, apesar de encontrarmos estes feitos registrados na documentação pertencente aos arquivos institucionais, não observamos nenhum registro escrito com a intenção primordial de apresentar as memórias e a história da Instituição para a sociedade. Foi neste momento que surgiu o desejo em registrar e apresentar a instituição, seus feitos e descobertas através desta dissertação. Partindo-se do pressuposto que a preservação da Memória Institucional é um meio eficaz de garantia para as gerações futuras de informação estratégica, fundamental importante para a gestão e planejamento organizacional, além de atuar como suporte para as tomadas de decisões no âmbito institucional, e que possibilitam também a inovação e a produção de novos conhecimentos, com fins de consolidação de uma identidade. Foi com base nestas reflexões, que a ideia deste trabalho foi construída, visando apresentar a trajetória histórica do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, assim como a história das instituições que fizeram parte de sua criação. Neste sentido, a escrita de um projeto sobre a História e Memória de uma instituição necessita de um trabalho sistemático de busca, recuperação e leitura do material encontrado na organização; além de inúmeras leituras e reflexões dos pesquisadores que se debruçaram sobre essas áreas do conhecimento como é caso de Pierre Norra, Jacques Le Goff, Nestor Canclini, Ecléa Bossi e tantos outros autores. Portanto, esta pesquisa tem um caráter qualitativo, de cunho bibliográfico e documental. Utilizamos uma parte dos documentos disponíveis e pertencentes à Instituição para auxiliar na escrita da história do Centro Pan-Americano de Febre-Aftosa. Além disso, optamos por realizar uma breve análise do material jornalístico publicado pela imprensa do Rio de Janeiro, para verificar o que os jornais da época falavam sobre o Centro PanAmericano de Febre Aftosa nos primeiros dez anos de sua existência (desde sua criação nos anos da década de 1950 até o ano de 1962). Dessa forma, acreditamos que podemos atrelar uma visão micro (da própria instituição) a uma visão macro da sociedade brasileira em seu 21 caráter científico, político e social que envolva informações sobre a instituição e a comunidade científica que a conformava. Buscamos na literatura, fontes que apresentassem pesquisas e reflexões sobre história, memória, saúde e instituições de saúde para a fundamentação teórica. Como resultado do levantamento bibliográfico, encontramos os autores descritos abaixo que apresentaram em suas publicações, conhecimentos fundamentais para a estrutura e desenvolvimento deste trabalho de pesquisa. Para estruturar esta pesquisa optamos por apresentar no primeiro capítulo desta dissertação os trabalhos desenvolvidos sobre saúde e instituições de saúde e saúde pública dos pesquisadores: Dr. Moacyr Scliar, Dr. Marcos Cueto e Drª Nísia Trindade Lima. Objetivamos explicitar o papel das organizações em prol da Saúde, especificamente à contribuição da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Já no segundo capítulo, fizemos um levantamento dos pesquisadores estudados durante a disciplina de Conceitos de Memória, ministrada pela Professora Doutora Angela Roberti, onde o foco dos trabalhos estivesse voltado para as escritas sobre memória, história e patrimônio. Nesse momento, os textos e publicações dos autores: Pierre Nora, Jacques Le Goff, Néstor Canclini e Ecleia Bosi, nos foram apresentados e verificamos que os mesmos se enquadram perfeitamente na construção deste trabalho. Foi então, que chegamos à conclusão, que para este capítulo iriamos abordar os aspectos históricos do período que antecedeu à criação de Panaftosa, momento em que também apresentaremos o que foi desenvolvido e registrado pela instituição, através dos trabalhos desenvolvidos pelos pesquisadores que atuaram no Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e que estão arquivados, fazendo parte do acervo histórico/documental para a área de saúde pública veterinária e mais especificamente para os avanços que foram realizados sobre a doença que originou o surgimento da instituição, a febre aftosa. Como último capítulo, apresentaremos o que a imprensa (como mencionado anteriormente) noticiou sobre o surgimento do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, além das discussões levantadas no período entre os anos 1950 até 1962, que marcaram a criação e as ações realizadas em Panaftosa. Após pesquisa nos arquivos da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, com a intenção de encontrar material jornalístico que discorresse sobre a 22 instituição, sua implantação, suas atividades e ações que ocorriam no continente americano e mais especificamente no Brasil com relação à febre aftosa, constatamos que a maior incidência de notícias sobre a instituição e seus feitos correspondia ao período já exposto neste trabalho (1950-1962). A análise tomou como base as notícias publicadas nos seguintes jornais: A Noite (fundado em 18 de julho de 1911 por Irineu Marinho, um dos primeiros jornais populares do Rio de Janeiro), Diário Carioca (fundado em 17 de julho de 1928 por José Eduardo de Macedo Soares, um dos mais influentes jornais do País e o responsável pela modernização técnica da imprensa brasileira, o Diário da Noite do Rio de Janeiro (fundado em 1929 por Assis Chateaubriand), o Diário de Notícias (fundado em 1930 por Orlando Ribeiro Dantas e que circulou até meados da década de 1970), Gazeta de Notícias (periódico publicado no Rio de Janeiro, do último quartel de Agosto de 1875 até 1952), o Jornal do Brasil (fundado no Rio de Janeiro em 9 de abril de 1891, por Rodolfo de Sousa Dantas e Joaquim Nabuco) e também o Jornal Ultima Hora, (um jornal carioca fundado pelo jornalista Samuel Wainer, em 12 de junho de 1951), cujo fundador dizia que seu jornal era de oposição à classe dirigente e a favor de um governo de Vargas (Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, 2012). Pensando em uma devolução para a instituição e para a comunidade científica, intencionamos com a escrita desta dissertação, contribuir com uma fonte que reflita a história e memória institucional, além de posteriormente à conclusão deste trabalho escrito, realizar, numa próxima etapa, a organização do material histórico encontrado que futuramente, poderá ser disponibilizado ao público em geral e, principalmente, à população mais interessada neste tema. Acreditamos ser fundamental pensar sistematicamente em uma forma baseada nos princípios arquivísticos e biblioteconômicos como garantia de que o caráter histórico, probatório e de patrimônio documental seja garantido às gerações futuras e, que, de fato se consolide como material que represente a identidade institucional como representado nas falas de Nora e Le Goff. 23 CAPÍTULO 1. SAÚDE: SEUS CONCEITOS E VALORES. Ao pensarmos sobre o conceito de saúde e sua terminologia, mais de uma reflexão deverá ser levada em consideração, pois para a construção e descrição da palavra, existe a necessidade de um conjunto de termos que são necessários e formam a sua definição, porque para falar sobre saúde devemos realizar uma análise de todo o contexto social, a situação socioeconômica, as dimensões políticas e também a cultura da população em questão. Analisando a expressão “saúde”, isoladamente, percebemos que ela não possui o mesmo significado para todas as pessoas em todos os lugares. Como salienta Scliar (2007, p.30) ao dizer que: “a saúde irá depender da época, do lugar, da classe social, dos valores individuais, das concepções científicas, religiosas e filosóficas. O mesmo, aliás, pode ser dito para as doenças. Aquilo que é considerado doença pode variar muito”. 1.1 BREVE HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA Durante muitos períodos na história prevaleceu uma tendência em se associar saúde à ausência da doença. Na Idade Média, a manifestação de sinais que denotavam alguma enfermidade, estava diretamente ligada a algum desequilíbrio ou descontentamento do Divino para com os povos. O surgimento de alguma doença era a representação materializada fisicamente de alguma desobediência do homem para com o poder supremo celestial (como descrito nos mandamentos bíblicos). As enfermidades eram denominadas como um sinal do pecado, manifestadas visivelmente nos corpos das pessoas, como o caso da lepra (hanseníase), tantas vezes descrita como uma maldição nos textos do Antigo Testamento. Todo indivíduo acometido por essa doença, estava fadado ao isolamento e à morte, pois o leproso era “amaldiçoado” duas vezes. As marcas visivelmente expressadas na pele representavam um sinal do descontentamento de Deus, e somente Ele teria o poder supremo da cura, como descreve o trecho bíblico em Eclesiastes (Cap. 38, versículos 1–9): "De Deus vem toda a cura". A concepção fisiológica, iniciada por Hipócrates, explica as origens das doenças a partir de um desequilíbrio entre as forças da natureza que estão dentro e fora do corpo humano. Os gregos associavam ao estado de “estar com saúde” a um conjunto de divindades, onde havia uma divindade específica para a medicina, chamada de Asclepius, ou Aesculapius 24 (que é mencionada como figura histórica na Ilíada) e também duas outras deusas, Higieia, específica da Saúde, e Panacea, a deusa da Cura. Higieia era uma das manifestações de Athena, a deusa da razão, e o seu culto, como o nome sugere, representando uma valorização das práticas de higiene. No que diz respeito ao tema saúde, os gregos acreditavam na ideia de que tudo pode ser curado (uma crença que pode ser encarada como mágica ou religiosa) e que essa cura era obtida com a utilização de plantas e métodos naturais, e não apenas por procedimentos ritualísticos. Já o Oriente, possui uma concepção bem diferente da concepção Ocidental no que diz respeito à saúde e as doenças. Os orientais tratam a saúde como um conjunto de forças vitais que existem no corpo, e que estando em equilíbrio e harmonia, a saúde estará presente. Quando ocorre o contrário, e este corpo está em desarmonia ou desequilíbrio, a consequência será a manifestação da doença ou doenças. Ainda hoje, medidas terapêuticas como a ioga e a acupuntura seguem sendo utilizadas como maneiras de restaurar o fluxo normal de energia no corpo. Le Goff (1991b) aponta que: a doença pertence não só à história superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também à história profunda dos saberes e das práticas ligadas às estruturas sociais, às instituições, às representações, às mentalidades. Neste sentido, a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1948) propõe em sua Carta Magna de 7 de abril de 1948, um conceito de Saúde que diz: "Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de afecção ou doença". Para a OMS, a saúde estava ligada a diversos fatores, para além do conceito de bem estar. A economia, a educação, o meio ambiente, a cultura, entre outros aspectos eram considerados como fatores preponderantes nas discussões e ações em prol da saúde dos indivíduos. Na Carta Magna, tal conceito, implicaria o reconhecimento do direito à saúde e também a obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. Este conceito reflete uma aspiração nascida dos movimentos sociais no pós–guerra, período do fim do colonialismo e ascensão do socialismo, onde a saúde deveria expressar o direito a uma vida plena e sem privações para toda a sociedade (ORGANIZACION PANAMERICANA DE LA SALUD, 1992). Como o conceito apresentado pela OMS era muito amplo, acabou dando margem para inúmeras críticas e discussões por parte da ciência. A academia questionava se a saúde seria algo que estaria somente no campo das ideias e observava também se a proposta estaria de certa forma inatingível à população, pois a saúde definida pela Organização Mundial da Saúde como um estado de completo bem-estar faz com que a saúde seja algo ideal, 25 inatingível, e assim a definição não pode ser usada como meta pelos serviços de saúde, porque foi pensada ideologicamente e não como uma ação de intervenção a ser aplicada nos centros e ambientes de promoção da saúde. Outras críticas surgiram também no campo da política, pois o conceito apresentado abriria brechas que permitiriam abusos por parte do Estado, que teria o poder de intervir diretamente na vida das pessoas, com o pretexto de estar promovendo a saúde e o bem estar de todos. Com o passar dos anos surgiram diferentes conceitos de “SAÚDE” para o trabalho em políticas públicas. Christopher Boorse1 apresentou como definição que a saúde seria “um estado de ausência de doença”, classificando objetivamente os seres humanos como saudáveis ou doentes. O pesquisador relacionava o fato de ter ou não saúde, usando como base o grau de eficiência das funções biológicas de cada individuo sem a necessidade de se fazer algum juízo de valor (BOORSE, 1977). Pouco tempo após a afirmação de Boorse, surge a primeira Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde* (Figura1 - página 26), coordenada pela OMS e realizada na cidade Alma-Ata (atual Cazaquistão), em setembro de 1978, local onde foram ampliadas as discussões em torno dos cuidados primários com a saúde. A Conferência foi assistida por mais de 700 participantes de todos os continentes e teve como produto final a criação da Declaração de Alma-Ata (1978), uma carta dirigida a todos os países do mundo reafirmando em seu conteúdo que a saúde é um direito do homem e que está sob a responsabilidade política dos governos. 1 Filósofo da medicina, Professor da Universidade de Delaware (EUA), criador nos anos 70 da Teoria Bioestatística da Saúde (TBS), que consistia na formulação básica “saúde = ausência de doença”. 26 Figura 1. Foto da *Primeira Conferência Internacional de Assistência Primária à Saúde, realizada na cidade de Alma-Ata (Cazaquistão), no período de 6-12 de setembro de 1978 e intitulada: “Saúde para Todos” e “Todos pela Equidade”. Alma-Ata, 1978. Fonte: Google Imagens, 2012. Entre os pontos debatidos em plenária, foram apresentadas as enormes desigualdades existentes com relação à situação de saúde entre os países na época considerados desenvolvidos e subdesenvolvidos. Todas essas constatações foram transformadas em um plano estratégico baseado em cinco campos de ação: construção de políticas públicas saudáveis, criação de ambientes favoráveis à saúde, desenvolvimento de habilidades individuais, reforço à ação comunitária e reorientação dos serviços de saúde (INTERNATIONAL CONFERENCE ON PRIMARY HEALTH CARE, 1978). Observando mais especificamente a situação brasileira, percebemos que historicamente, as questões e discussões sobre saúde vêm tomando novos ares a partir dos últimos 50 anos. Tais transformações foram marcadas por alguns acontecimentos como a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília, entre os dias dezessete (17) e vinte e um (21) de março do ano de 1986 (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1997). Reunindo cerca de 5.000 pessoas entre elas parlamentares, representantes de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores, órgãos de classe dos profissionais de saúde, partidos políticos, instituições públicas envolvidas com a área da saúde e entidades representativas da sociedade civil e presidida pelo médico Antônio Sérgio da Silva Arouca, na época presidente da Fiocruz, a VIII Conferência teve como principal conquista, a elaboração de um projeto de Reforma Sanitária que defendia a criação de um sistema único de saúde (SUS), que centralizasse as políticas governamentais para o setor, de maneira desvinculada a Previdência Social e que esta iniciativa regionalizasse o gerenciamento da prestação de 27 serviços, privilegiando o setor público e universalizando o atendimento. Por outro lado afirmava-se um conceito ampliado de saúde, como resultante de condicionantes sociais, políticas e econômicas. Após o término da Conferência foi criada uma Comissão Nacional de Reforma Sanitária, que tinha como objetivo principal analisar as dificuldades identificadas no funcionamento da rede nacional de serviços de saúde, sugerindo opções para uma nova estrutura organizacional do sistema, além de também examinar os instrumentos de articulação entre os setores do governo que atuam na área de saúde, propondo seu aperfeiçoamento; apontando mecanismos de planejamento plurianual no setor saúde e ajustando-os às necessidades dos segmentos da população a ser atendida. Neste contexto, a saúde surge atrelada às discussões em torno da super-estrutura2, mas que depende da infraestrutura3 (progresso material) da sociedade na qual está inserida, onde para se alterar as condições de saúde, dever-se-ia primeiramente haver uma transformação na estrutura econômica das nações. No cenário brasileiro, esta fase foi bem marcada durante o governo populista de Getúlio Vargas, mais precisamente no período do segundo governo, que ocorreu entre os anos de 1951 até sua trágica e polêmica morte, na manhã do dia vinte e quatro (24) de agosto de 1954, quando os meios de comunicação noticiaram que Vargas atentara contra sua própria vida disparando um tiro contra o coração. O presidente deixa uma carta-testamento, que denunciava sua derrota perante “grupos nacionais e internacionais” que demonstravam total desprezo por sua luta em favor do “povo e, principalmente, os humildes”. Depois desse trágico acontecimento, a população brasileira entrou em grande comoção e Getúlio Vargas passou a ser celebrado como um herói nacional. A imagem do presidente Vargas ficou marcada na memória dos cidadãos brasileiros como um mártir, que por amor a pátria ceifou sua vida por causa de forças superiores contrárias à sua luta popular. Com isso, naquela época, todo grupo político, jornal e/ou instituição que se posicionasse contra Getúlio 2 Pautados na sociologia marxista, os conceitos de superestrutura e infraestrutura podem ser definidos como: superestrutura compreende as esferas politicas, jurídicas e religiosas, ou seja, as instituições responsáveis pela produção ideológica (formação das ideias e conceitos) da sociedade. 3 Já a infraestrutura, estaria composta pelos meios materiais de produção (meios de produção e força-detrabalho). Segundo a sociologia marxista, a superestrutura é determinada pela infraestrutura, ou seja, a maneira na qual a economia de uma sociedade é organizada irá influenciar nas ideologias presentes na sociedade. Marx chama de superestrutura (instituições jurídicas e políticas, representações mentais, etc.); segundo o autor, as relações jurídicas não podem ser entendidas em si mesmas: encontram suas raízes nas condições de existência material de uma sociedade. Deste modo, a análise da religião como “ópio do povo” segue esta mesma linha, ou seja, as instituições políticas são instrumentos a serviço da reprodução da estrutura de classes, seja ela qual for. 28 Vargas e seus feitos, sofreu intenso repúdio das massas populares. Tal reação impediu a consolidação de um possível golpe de estado (JAGUARIBE, 1983). Foi diante desse cenário que o vice-presidente Café Filho assumiu a vaga presidencial em meio às inúmeras crises, resultantes de manifestações da classe trabalhadora e também de diversas medidas político sociais, que foram tomadas no sentido de um avanço rumo às discussões em torno das questões organizacionais, que pouco se preocupava em responder aos problemas estruturais que afetavam diretamente a vida dos trabalhadores (RONCALLI, 2003). As discussões sobre progresso surgiram com base no sonho do Pós-Guerra, bem evidenciado no discurso de posse de Harry Truman em 1949 (Point Four Program), onde o mesmo dizia para a população dos Estados Unidos e dos outros países do mundo que para resolver os problemas das “áreas subdesenvolvidas” existentes, deveria se atuar em questões fundamentais como a miséria. Truman afirmava que a chave para o desenvolvimento e o progresso das nações seria o aumento da produção de alimentos, pois com alimentação inadequada as populações mais pobres estariam vitimadas a doenças, causando problemas e impactando a saúde e a economia dos países. A segunda questão de destaque era o investimento em ciência e tecnologia, pois o presidente considerava que o poder de uma nação estaria atrelado ao conhecimento e ao domínio das modernas tecnologias. O discurso desenvolvimentista concebido pelo presidente Americano e apoiado por especialistas e políticos da época, tratavam como “problemas” do mundo “subdesenvolvido” o “atraso” e a “pobreza”, e que os países da África, Ásia e América Latina, deveriam sofre intervenções com o propósito de melhorar o cenário mundial e não afetar aos países do primeiro mundo. Esse discurso criou um aparato muito eficiente na produção de conhecimento, com o propósito do exercício de poder dos países desenvolvidos sobre os países pertencentes ao conglomerado intitulado como “Terceiro Mundo4”. Entre os anos de 1945 e 1955, esse aparato produziu novas organizações do conhecimento, poder, práticas, teorias e estratégias que garantissem o controle dos países 4 Hoje conhecida como países em desenvolvimento, a expressão Terceiro Mundo foi definida pelo demógrafo francês Alfred Sauvy, num período onde existia uma tensão ocasionada pela Guerra Fria. Essa expressão funcionou como proposta de defesa para os interesses particulares dos países mais pobres, em busca do que veio a ser a política de não alinhamento, defendida pela Conferência de Bandung (realizada perto da capital da Indonésia em abril de 1955, onde se reuniram 29 países da Ásia e da África). Em especial, nas décadas de 1950 e 1960, essa política correspondeu tanto a uma crítica da bipolaridade entre EUA e URSS, quanto a uma alternativa para a superação da mesma. 29 subdesenvolvidos, colocando uma divisão bem demarcada entre Primeiro e Terceiro Mundos, centro e periferia, hemisférios norte e sul. Especificamente no caso brasileiro, podemos dizer que a busca pelo progresso e desenvolvimento proporcionou uma experiência histórica singular no cenário nacional, onde a criação de um pensamento exercido por um bloco econômico mundial dominante estaria promovendo ações, analisando as características e inter-relações dos três eixos que o definem e que resultam em pensamentos e ações, práticas concretas mediante, as quais o Terceiro Mundo4 foi concebido. Exemplo concreto disso foi a implementação dos programas de desenvolvimentos rural, saúde e nutrição ocorrida entre os anos de 1960 a 1980. Um aspecto importante deste período foi a mudança no modelo econômico da época e, consequentemente, a alteração do foco de atuação da assistência, pois com o declínio na agricultura, principalmente no cultivo de café e a mudança do modelo agroexportador para um modelo industrial embrionário e atrasado, fazia crescer naquele momento, a necessidade de saneamento nos espaços de circulação de mercadorias. Durante o segundo governo de Getúlio Vargas foi implementado no país um modelo econômico baseado no intervencionismo estatal. Tal modelo objetivava desenvolver um capitalismo industrial nacional onde a paixão e os debates acalorados que cercaram a mítica figura de Vargas ocorriam devido ao fato de que existiram vários Getúlios: o político da Primeira República, o líder da Revolução de 1930 e chefe do governo provisório, o presidente constitucional de 1934, o ditador do Estado Novo de 1937 e o presidente eleito democraticamente em 1951, como bem destacou o historiado Jorge Ferreira no artigo: Os conceitos e seus lugares: Trabalhismo, Nacional-Estatismo e Populismo (FERREIRA, 2012). Vargas conduziu seu governo com momentos onde parecia mais ditador e outras ocasiões como democrata; foi reformador social e enquadrou sindicatos; censurou a Imprensa e patrocinou o cinema, o teatro, as artes plásticas e a literatura; perseguiu comunistas e fundou a Petrobrás. Só é possível analisar e compreender o mito pelo todo, pois foi o seu grupo político que, ao assumir o poder em 1930, criou o moderno Estado brasileiro, com uma burocracia técnica, impessoal, baseada no mérito. O Estado passa a ser interventor, regulador e planejador. O nacional-estatismo teve como forma particular no Brasil o trabalhismo. Se, no segundo governo, o projeto trabalhista foi mais consistente, durante o Estado Novo, foi 30 renomeado de populismo, detratando-o com a pecha de demagogia, corrupção e irresponsabilidade administrativa. Essa tese passa a ganhar corpo e forma após o Golpe Militar de1964. Foi, contudo, o livro O populismo na política brasileira, de Francisco Weffort, que deu o estofo acadêmico ao conceito. Em meados dos anos 1980, surgem as primeiras versões alternativas com análises que apontavam para interações entre o projeto getulista e as demandas dos trabalhadores antes de 1930. A consciência de classe foi interpretada como uma complexa interação dos trabalhadores com o Estado e os empresários. Os sindicalistas não seriam pelegos à espera de líderes populistas, mas buscavam formas de manterem e ampliarem os seus direitos trabalhistas e, principalmente, próximos dos operários, que, diferentemente das interpretações tradicionais, tinham consciência de classe. Através desse processo, Getúlio Vargas apresentava para a população que estava em oposição às oligarquias da época, mantendo assim o povo sob seu controle. Tanto a imagem pessoal de Vargas como a de seu governo foram tachadas como paternalistas, consolidando a indústria dentro de um esquema intervencionista. Diante do contexto em que envolvia a temática saúde, observamos que historicamente a saúde pública foi marcada pelo centralismo, pelo verticalismo e pelo autoritarismo corporativo, enquanto que as instituições de previdência social tinham no clientelismo, no populismo e no paternalismo uma fórmula que deixou resquícios na estrutura social vivida na atualidade (LUZ, 1991, p. 80). O período entre os anos 1945 a 1964 foi marcado pela crise do regime populista de Getúlio e pela tentativa de implantação de um projeto de desenvolvimento econômico industrial. As condições de saúde da maioria da população pioravam; surgiram propostas por parte do movimento social, no início dos anos 60, reivindicando reformas de base imediatas (entre elas uma reforma sanitária), mas a reação política do setor conservador levou ao golpe civil militar de 1964 (LUZ, 1991, p. 81). Em consequência do fim da II Guerra Mundial, o Brasil passou por significativas mudanças e acontecimentos como a derrubada do primeiro governo de Getúlio Vargas; a consolidação e promulgação da constituição em 1945. Com a queda de Vargas, o General Eurico Gaspar Dutra assume a presidência, permanecendo por cinco anos, até a reeleição de Vargas em 1950. 31 Durante sua campanha eleitoral, Getúlio Vargas, traçou como estratégia para sua reeleição, uma campanha pautada em um nacionalismo um tanto que fanático. Ele recebia das mãos de Dutra um governo alinhado às diretrizes dos Estados Unidos da América, onde criou o Plano SALTE (focado nas áreas de Saúde, Alimentação, Transportes e Energia), que por falta de recursos para investimentos, poucas ações do referido plano se tonaram realidade. Mesmo com a visita que fez aos Estados Unidos em 1950, onde tratou de questões diplomáticas, políticas e econômicas, o período em que Dutra esteve no comando do país sofria pressão, de dentro e de fora, pois havia uma necessidade de abertura no mercado, buscando na iniciativa estrangeira o capital que faltava no país. Já presidente da República, através das vias democráticas, em 1950, Vargas pretendia ter um ministério de coalizão, na defesa por suas ideias de um país que vivesse e exercesse a plena democracia. Trouxe para formar o seu governo dois grupos de opiniões bem definidos e divergentes: de um lado, os nacionalistas apoiando as ideias de Getúlio Vargas, mas com ramificações que compunham grupos de esquerda, como os socialistas e comunistas, estes últimos tratados como foras da lei, e do outro lado estavam os autointitulados “democratas”, que defendiam uma abertura ampla do país ao capital e mercado externo, com o propósito de uma aceleração do desenvolvimento nacional. Vargas nunca dispensou o capital vindo do exterior para a realização de seus projetos, mas lutou vorazmente para que as inversões estrangeiras chegassem como empréstimos e não como a instalação de empresas internacionais no Brasil. Esse posicionamento do presidente fez com que o relacionamento com as outras nações ficasse estremecido. Em contra partida, Getúlio Vargas investiu fortemente na indústria nacional, promessa política feita quando ainda era candidato à presidência. Prova disso foi a construção, com capital 100 % nacional, da Companhia Siderúrgica Nacional (inaugurada no governo Dutra, mas idealizada por Vargas). Outras empresas, pensadas na era Vargas e que seguem até hoje são a Petrobrás e a Eletrobrás, ambas estatais, que não possuíam interferência ou participação de ações estrangeiras. Uma amostra do que estava por vir foi o episódio criado com a guerra da Coréia, entre os anos de 1950 e 1953, um desdobramento (quente) da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, envolvendo também a China comunista e a Organização das Nações Unidas (ONU). Após a Segunda Guerra Mundial, a Coréia foi dividida em dois territórios, 32 tendo como divisa o paralelo 38, ficando a parte setentrional com a União Soviética, que organizou ali um governo comunista; a parte meridional permaneceu com as demais potências aliadas e, quando estas se retiraram, os Estados Unidos consolidaram nela um governo capitalista sob sua influência. Em 25 de junho de 1950, a Coréia do Norte, num ato de provocação, atravessou o paralelo 38, levando o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, a enviar tropas àquele país, ad-referendum do Congresso Americano, ou seja, sem declaração formal de guerra. O conflito se expandiu com a entrada da China a favor dos norte-coreanos, levando a ONU a tomar partido, declarando a China como "potência agressora". Esta era a situação quando os Estados Unidos apelaram aos países Pan-americanos, entre eles o Brasil, para que enviassem tropas na defesa das liberdades ameaçadas. Naquele momento, Getúlio Vargas não foi seduzido pelo apelo Norte Americano, pois via que os Estados Unidos (EUA) não foram atacados por uma potência estrangeira e não havia como falar na aplicação do tratado Pan-americano. Em represália ao posicionamento do presidente brasileiro, os Estados Unidos ameaçaram suspender as negociações, quase concluídas, para um empréstimo de 500 milhões de dólares ao Brasil. O Ministro da Fazenda e o de Relações Exteriores estavam a favor dos EUA com relação ao envio de tropas. Contudo, Getúlio posicionado firmemente contra essa ação, decidiu enviar o general Góis Monteiro, com a missão de convencer o governo americano a separar as coisas que não tinham nenhuma relação em comum, pois o presidente Vargas entendia que guerra é guerra, e empréstimo é empréstimo. Em seu segundo mandato, Vargas designou para o Ministério de Relações Exteriores, João Neves da Fontoura (PSD, Rio Grande do Sul); com a pasta da Agricultura João Cleofas de Oliveira (UDN, Pernambuco) ficou como responsável; já o Ministério de Educação e Saúde estava sob a guarda de Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, ex-diretor do jornal "A Tarde", da Bahia. Durante o período do segundo mandato presidencial de Vargas, a saúde estava totalmente influenciada pelo modelo americano, dedicado à construção de grandes hospitais, a incorporação da tecnologia (com a compra de equipamentos), que representassem os avanços na área. Já no que diz respeito ao atendimento médico, ele estava concentrado em uma determinada região (sempre representada por uma grande unidade hospitalar). Esse formato 33 de gestão deixava em segundo plano a rede de postos de saúde, consultórios e ambulatórios, cujos custos eram bem menores. Segundo registros da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (1992), havia uma tendência na construção de hospitais cada vez maiores em quantidade e extensão que representariam a força e o poder do governo. (RONCALLI, 2003) Com o final da Segunda Guerra Mundial, até meados da década de 1950 percebe-se com clareza que a saúde brasileira estava pautada num contexto internacionalista, onde os especialistas tinham como premissa a erradicação das doenças, e que essa seria a condição fundamental para o desenvolvimento do país. O discurso do General George Marshall (1948), então secretário de Estado dos Estados Unidos, marca bem esse período, onde a certeza da vitória no combate à fome e à pobreza estariam dentro do projeto de recuperação econômica dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial e o desenvolvimento viria das experiências internacionais desenvolvidas em ciência e tecnologia (na medicina). Essas ações passaram a ser compreendidas como fundamentais para o acesso dos países pobres (como o caso do Brasil), ao Primeiro Mundo, evitando-se ao mesmo tempo, que esses países se tornassem suscetíveis ao populismo e ao socialismo. Aramis, ao relacionar saúde e desenvolvimento econômico afirma que: “a saúde de uma população depende de numerosos fatores, mas o principal, sem o qual nada é possível, é que essa população produza o suficiente para dispor de boa alimentação, habitação condigna, vestuário e, consequentemente, que possa ela distrair recursos suficientes para manter uma adequada organização médico-sanitária”. (1957, p.79). Neste sentido, pensamos que para se compreender melhor a história da saúde, seus vários conceitos e as diferentes instituições que surgiram com o propósito de atender as necessidades que andam juntos com os conceitos “de”, “para” e “sobre” a saúde, percebemos a urgência em materializar com a escrita um lugar que vem ao longo de mais de seis décadas contribuindo cientificamente com as ações de pesquisa, política e educação em torno das áreas ligadas a Saúde Pública Veterinária dos países do continente Americano. Pensamos então, que este trabalho trará à luz do conhecimento público o trabalho desenvolvido pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. Um conhecimento construído e registrado em publicações, experimentos e descobertas científicas, que estão arquivados no Centro de Gestão do Conhecimento (biblioteca) e na administração da instituição, e que devido aos esforços de cientistas e anônimos, se tornaram modelos para laboratórios e centros 34 de referência no mundo que trabalharam e ainda trabalham em prol da Saúde Pública Veterinária dos países das Américas e que foram realizados no seio desta instituição é o que iremos apresentar neste estudo. Apresentaremos um pouco da origem e da trajetória de uma instituição que impactou sobremaneira as discussões nacionais e internacionais em torno de temas como: febre aftosa, zoonoses e doenças de origem animal que impactam e afetam a saúde humana e a economia dos países. 35 1.2 O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES EM PROL DA SAÚDE Com o surgimento da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra no século XVIII e a consolidação do comércio internacional, culminou numa grande migração de pessoas oriundas das zonas rurais para os grandes centros urbanos. Tal acontecimento propiciou um crescimento desordenado das áreas centrais das cidades (mola propulsora para exclusão social), fatores esses que facilitaram a propagação de doenças antes regionalizadas. Os impactos causados pela Revolução Industrial na saúde do trabalhador chegaram juntamente com a exploração da classe operária, os baixos salários e a carga horária de trabalho excessiva resultaram em um aumento considerável da exposição dos trabalhadores aos fatores de riscos ligados à saúde. Devido às más condições de trabalho, a taxa de mortalidade superava a de natalidade, confirmando a precariedade da saúde do trabalhador em razão dos excessos cometidos por parte dos patrões, que era negligenciada pelos governos da época. Como não havia fiscalização do sistema produtivo por parte dos governos, os trabalhadores seguiam sobrevivendo sem nenhuma garantia legal que lhes proporcionassem uma melhor condição de vida. Neste momento é que instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) foram criadas. Fundada logo após a Segunda Guerra Mundial, em 24 de outubro de 1945, a ONU se propõe a manter a paz e a segurança internacionais; desenvolver relações amistosas entre as nações; realizar a cooperação internacional para resolver os problemas mundiais de caráter econômico, social, cultural e humanitário, promovendo o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais; ser um centro destinado a harmonizar a ação dos povos para a consecução desses objetivos comuns (NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2013). Tais propósitos e princípios básicos foram aceitos por todos os 51 Países-Membros que se comprometeram a somar esforços, com o objetivo de manter a paz e a segurança internacional, promover relações de amizade entre as nações, trabalhar rumo ao progresso social, melhorar a qualidade de vida e lutar em prol dos direitos humanos. Todas essas ações são destinadas a diversas áreas da sociedade, como a saúde, o desenvolvimento, entre outros temas, com o propósito de tentar cumprir com o objetivo fundamental da ONU que é a coordenação de esforços para um mundo mais seguro para as gerações futuras. Diante dessas circunstâncias e da necessidade em se ter uma instituição voltada para as ações específicas de saúde no mundo, que a partir da primeira Associação Internacional das 36 Nações visando ao incremento da saúde pública de seus povos, nasceu nas Américas, o Departamento Sanitário Internacional (International Sanitary Bureau). A mais antiga agência internacional de saúde do mundo foi criada em 1902 e posteriormente passou a ser chamada de Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Na Europa, em 1907 surgia o Office International d’Hygiene Publique, convertido a Health Organization of the League of Nations em 1919, após o surgimento da Liga das Nações5 (Fig.2). Posteriormente a criação da OPAS, surge a Organização Mundial da Saúde (OMS, 1948), autoridade mundial responsável pelo direcionamento e coordenação das ações em saúde dentro do sistema das Nações Unidas. Figura 2. Reunião da Liga das Nações, em 1920, em Genebra (Suíça). © Nações Unidas. 5 Liga das Nações era uma organização internacional criada em 1919 e autodissolvida em 1946, que tinha como objetivo reunir todas as nações do mundo, através da mediação e arbitragem entre as mesmas em uma organização, manter a paz e a ordem no mundo inteiro, evitando assim conflitos desastrosos como o da Grande Guerra que devastara a Europa. 37 1.3 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) Fundada em 7 abril de 1948, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi criada com o objetivo de desenvolver o nível de saúde de todos os povos ao redor do mundo. Atualmente, a OMS é composta por 193 Estados-membros que incluem territórios que não necessariamente são membros da Organização das Nações Unidas. Na OMS existe também um espaço reservado aos membros associados e membros observadores, mas são os Estados-membros que decidem quais países serão incluídos através de assembleias, que são realizadas anualmente no mês de maio. A organização é dirigida por um Diretor Geral com mandato de cinco anos que é assessorado por uma Direção Executiva composta de 34 membros. O financiamento da OMS também é proveniente dos Estados-membros e de doadores e parceiros variados, que, por sua vez, colaboram com mais investimentos do que os Estadosmembros. Está sob responsabilidade da Organização Mundial de Saúde liderar questões e parcerias para o desenvolvimento da saúde, o apoio à pesquisa científica, o estabelecimento de normas para a área de saúde, a prestação de suporte técnico e monitoramento da situação de saúde no mundo. Além disso, patrocina programas de prevenção de doenças, supervisiona a implementação do Regulamento Sanitário Internacional, realiza campanhas de saúde, promove pesquisas sobre doenças de variadas categorias em diversos países e publica periódicos científicos para o desenvolvimento e crescimento da área. Neste sentido, a ideia da criação de uma instituição que se dedicasse permanentemente a saúde internacional vem desde 1902, com a criação da Repartição Sanitária Internacional das Repúblicas Americanas (International Sanitary Office of the American Republics), denominada em 1923, como Repartição Sanitária Pan-Americana, e que a partir de 1959 foi incorporada como um programa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 1992; CUETO, 2004ª). Interessados em promover a descentralização, e facilitar as ações em saúde, em 1950, a OMS dividiu o globo em seis regiões constituídas por: Américas, Sudeste Asiático, Europa, Mediterrâneo Oriental, Pacífico Ocidental e África, ficando a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) como responsável pelas atividades na região das Américas. Retomando a trajetória histórica da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), originada em 1943, como descreve a resolução da XII Conferência Sanitária Pan-Americana 38 ocorrida em Caracas (Venezuela), apresentou uma peculiaridade, que apesar da formalização da nomenclatura, a entidade manteve o seu órgão executivo nomeado como Repartição Sanitária Pan-Americana. A então Repartição Sanitária Pan-Americana interagiu através de acordos e convênios firmados em 1923 com a União Pan-americana (de 1890), assumindo a condução das Reuniões Interamericanas dos Ministros da Saúde. No ano de 1924 foi acolhida pelo Código Sanitário Pan-Americano e reconhecida como "agência sanitária central”, coordenadora dos países que atuavam como membros da União Pan-Americana, responsável por promover, organizar, administrar e divulgar informações sobre progressos da medicina preventiva e todas as atividades desenvolvidas em favor da Saúde Pública para a Região das Américas. Com o surgimento da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 1948, o papel da Organização Pan-Americana da Saúde foi revisto, passando seu status à entidade autônoma dentro das relações intergovernamentais, não estando mais submetida à nova estrutura da OEA. A relação entre ambas às organizações era estritamente diplomática. Foram necessários acordos entre a OPAS e a OMS, para que uma possível integração garantisse alguma autonomia a OPAS, no que dizia respeito às colocações e ações em nível de saúde pública. Essa realização deu-se nos anos de 1950, quando a OPAS passou a ser considerada pela OEA como uma "Organização Interamericana Especializada", mantendo este status até os dias de hoje. O reconhecimento da Organização Pan-Americana da Saúde, por parte da OMS como organismo regional dotado de autonomia perante as Nações Unidas ocorreu com a criação de um acordo datado de 1949, que colocava a OPAS como o escritório da OMS a nível Regional para as Américas (CUETO, 2004). Entre as décadas de 1940 e 1950, os países das Américas e Caribe iniciaram o processo de adesão. E posteriormente com a criação de representações da OPAS nos países, dividindo a região das Américas em seis zonas, onde cada país recebeu um escritório composto por um corpo técnico e um representante formal que respondesse às demandas e necessidades locais. Com relação aos recursos financeiros para a manutenção das ações na OPAS, a mesma obtinha fundos através de fontes regulares, advindas dos países membros das região das Américas, de projetos específicos criados por instituições que fomentavam bolsas de estudos 39 como era o caso da Fundação Rockefeller (1920-1950) e da Fundação Kellogg (após os anos 1940), fundos oriundos da Organização Mundial da Saúde, da UNICEF (entidade da ONU para o apoio as Crianças), das Nações Unidas (ONU) e da FAO (Entidade da ONU para Alimentação e Agricultura), existiam também os convênios e acordos técnicos específicos com alguns países da região, como era o caso com os Estados Unidos. Como forma de preservação de sua história e meio de divulgação científica, a Organização Pan-Americana da Saúde, em 1922 criou com o nome de “Boletin Panamericano de Sanidad” o que um ano depois se tornaria o “Boletín de la Oficina Sanitária Panamericana”. A publicação trazia em seu conteúdo as resoluções das Conferências Sanitárias, fomentando debates nos diversos temas que sempre envolveram a saúde pública como o combate às epidemias originadas nos portos, o combate aos vetores causadores de doenças como a malária, a promoção e informação sobre as vacinas e suas campanhas, a maciça rede de imunização e educação para as populações, as campanhas para a redução da mortalidade infantil e materna sempre foram temas que causavam preocupações e consequentemente motivaram inúmeras ações em todo o território das Américas (PAIVA, 2006). A inclusão de estruturas para a promoção da saúde pública nos países em nível Ministerial, das Secretarias de Governo e a criação de Centros especializados para atender às demandas específicas em saúde das regiões, atravessaram toda a trajetória da OPAS, que procurou como instituição, promover a saúde através da adoção de medidas de saúde coletiva como maneira da sociedade poder usufruir de uma vida mais saudável e equitativa, com acesso a alimentos sem risco e a uma vida com menos doenças. No ano de 1961, após a criação da Aliança para o Progresso6, a Organização PanAmericana da Saúde, exerceu função estratégica na região. Dentre as demandas estava a necessidade do bem-estar social, com o objetivo final do estabelecimento da paz na região das Américas. Tais necessidades e anseios estão expressos na Carta de Punta del Este (Fig.3): “Respeitando a dignidade do homem e a liberdade política, alcançaremos o progresso econômico. Assim podemos dizer que há quase 200 anos se iniciou neste Hemisfério, a longa luta pela liberdade, fonte de inspiração para os povos do mundo. 6 A Aliança para o Progresso foi um programa de ajuda externa norte-americana, direcionado para a América Latina, idealizado nos primórdios da administração Kennedy e implantado nos anos subsequentes, onde o presidente americano propôs um plano de ajuda e cooperação pelo período de dez anos, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento econômico, social e político. A aliança foi formalmente acordada, na Conferência Pan-Americana, de onde surgiu a “Carta de Punta del Este". 40 Alentados pela esperança que emana das revoluções ocorridas nestas jovens nações, muitos homens hoje se batem pela liberdade, em terras de antiga tradição. É chegado o momento de imprimir novo sentido a esta vocação revolucionária. Encontra-se a América nos umbrais de uma nova era histórica. Homens e mulheres de todo o Continente procuram conquistar a vida mais plena que as técnicas modernas põem ao seu alcance. É dever inadiável satisfazer essas justas aspirações, demonstrando aos pobres e desamparados deste e dos demais continentes que o poder criador do homem livre é a força que move o seu progresso e o das futuras gerações” (ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS. 1967). Figura 3. Compendio e Planejamento da Aliança para o Progresso. Carta de Punta del Este. 1961. Fonte: Google Imagens. © OEA A Carta de Punta del Este traz propostas de melhoras nos setores de saúde e educação iniciados pelos Estados Unidos. Este documento foi assinado pelos países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA). A Carta surge naquele momento como um marco simbólico e também políticoinstitucional, que apresenta propostas de mudanças no entendimento do papel das políticas públicas de saúde e dos profissionais deste campo, no desenvolvimento social e econômico das nações latino-americanas (BOLETÍN DE LA OFICINA SANITÁRIA PANAMERICANA. 1961). A OPAS também foi reconhecida pela OMS como organismo regional dotado de autonomia, diante dos organismos da Organização das Nações Unidas para realização de 41 ações relacionadas à saúde junto aos países das Américas. A Organização Pan-Americana da Saúde tem sede em Washington e possui escritórios (chamados Representação) em diversos países das Américas, além de possuir dois centros especializados no Brasil: o Centro LatinoAmericano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (BIREME) e o Centro PanAmericano de Febre Aftosa, internacionalmente conhecido como Panaftosa. Conta, ainda, com uma extensa rede de bibliotecas acadêmicas, centros de documentação e bibliotecas locais especializadas nos mais variados temas ligados à saúde humana e animal. 42 1.4 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS) A Organização Pan-Americana da Saúde tem por missão “orientar os esforços estratégicos de colaboração entre os Estados-Membros e outros parceiros, no sentido de promover a equidade na saúde, combater doenças, melhorar a qualidade de vida e elevar a expectativa de vida dos povos das Américas” (OPAS, 2007). Nísia Trindade Lima (2002), pesquisadora da Fiocruz, declarou que a OPAS não é só o mais antigo organismo de cooperação na área de saúde, mas também uma das primeiras instituições de cooperação internacional. Para Lima, “... as relações entre o Brasil e a OPAS no período entre os anos 1947 a 1958, devem ser compreendidas levando-se em consideração dois fatores fundamentais: de um lado, a decisão dos Estados Unidos em estabelecer acordos bilaterais entre o Instituto de Assuntos Interamericanos, criado em 1942 e subordinado ao departamento de estado, e os governos latino-americanos, e, de outro, a criação da Organização Mundial da Saúde, em 1946. Ambos os fatos, relacionados ao período em que ocorria a Segunda Guerra Mundial, e que sinalizavam a importância estratégica da Saúde na nova ordem mundial e continental que se configurava” (LIMA, 2002, p. 63-64). Em seu trabalho de pesquisa, Nísia divide a história da OPAS em momentos distintos. No primeiro momento, entre os anos 1902 a 1947, a atuação da Organização Pan-Americana da Saúde se dava principalmente por meio das “Conferências Sanitárias Pan-Americanas”, que difundiam as ideias científicas e as ações de saúde desenvolvidas pela organização, principalmente através da publicação oficial, o Boletim da Oficina Sanitária Pan-americana e conseguindo implementar o Código Sanitário Pan-Americano em 1924, que regulamentava as ações pertinentes ao controle das doenças transmissíveis (LIMA, 2002). O segundo momento marcante sinalizado pela autora foi a implantação do programa de descentralização e transformação da OPAS em organismo regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), instituído no ano de 1946. Entretanto, foi somente em 1948 que a OPAS foi incorporada definitivamente à OMS, momento em que os países Latino-americanos fizeram consideráveis contribuições financeiras, aumentando o orçamento da OPAS, que passou da importância de US$ 100 mil dólares, para a surpreendente quantia de US$ 1,3 milhão (um milhão e trezentos mil dólares), acordos estes realizados entre a OMS e OPAS no momento da 1ª. Assembleia Mundial de Saúde. 43 Entre os anos de 1947 a 1958, momento em que a OPAS era dirigida por Frederick Soper7 (ver Fig. 4), e concomitantemente ocorria a Segunda Guerra Mundial, foi o período onde foram realizados os acordos bilaterais entre o Instituto de Assuntos Interamericanos, criado em 1942 e subordinado ao Departamento de Estado Americano, e os governos latinoamericanos, que permitiram o entendimento da saúde como uma forma estratégica de atuação para o controle de doenças. Figura 4. Frederick Lowe Soper. * Fonte: Google Imagens, 2013. 7 Frederick Lowe Soper (1893-1977) - Médico norte-americano, como membro da Fundação Rockefeller foi figura atuante na saúde pública brasileira, que também se destacou na OPAS, a partir do pós-guerra. *Foto do Dr. Frederick Soper no ano de 1928 quando já fazia parte do staff da Fundação Rockefeller. 44 Fred Soper, (como era comumente chamado e conhecido no meio científico e acadêmico), estabeleceu forte interação com sanitaristas brasileiros, principalmente com Clementino Fraga, Belisário Pena e João de Barros Barreto, e “pode-se afirmar que suas atividades, segundo o modelo de ampla cobertura territorial e vigilância sanitária estrita, apresentavam afinidades com a centralização da administração pública que ocorria no Brasil do Governo Vargas” (LIMA, 2002). Na década de 1960, a OPAS, começou a difundir o modelo de medicina preventiva na América Latina. A proposta pretendia reformular o ensino médico, introduzindo a "mentalidade preventivista" e a implantação da medicina comunitária. Para isso, a OPAS procurou apoiar a criação dos departamentos de Medicina Preventiva em território nacional. Com o desenvolvimento urbano e industrial do Brasil no final da década de 60 houve, como consequência, um impacto significativo nos serviços públicos, nas condições de saúde, habitação e trabalho. Esse quadro suscitou os debates sobre as políticas de saúde nas décadas de 1960 e 1970, intensificando os estudos sobre pobreza urbana e suas relações com temáticas sanitárias (LIMA, 2002, p.80). No período entre os anos de 1958 até o ano de 1982, marcado pela Guerra Fria, e pelo esfriamento das relações entre Estados Unidos e Cuba, a OPAS seria, segundo Macedo (1977), a única instituição a ter apoiado e utilizado a experiência de Cuba, nas áreas de desenvolvimento tecnológico em saúde e de ações assistenciais, como o Programa Médico de Família (LIMA, 2002, p.80). O trabalho de cooperação técnica desenvolvido pela Organização Pan-Americana da Saúde realizado através da parceria estabelecida com o governo brasileiro e articulado a partir de 1947, cujo objetivo era a criação de um Centro Pan-Americano especializado na enfermidade (febre aftosa), foi responsável pelo desenvolvimento científico de conhecimentos e técnicas de controle da doença que assolava os rebanhos naquele período. Preocupados em atender às necessidades ligadas à Saúde Pública Veterinária e controlar os surtos da doença, esse Centro foi nomeado como instituição responsável pela criação da Zona V de representação regional no desenvolvimento e produção laboratorial (julho de 1951), com apoio técnico do laboratório de produção da vacina de febre amarela na Fundação Oswaldo Cruz. 45 1.5 FEBRE AFTOSA: panorama histórico da doença. A febre aftosa sempre foi conhecida como uma doença de origem animal causadora de inúmeros prejuízos na esfera econômica e política, afetando diretamente as relações comerciais em nível internacional entre os países (as barreiras comerciais estão previstas no Acordo Sanitário e Fitossanitário, Acordo SPS, da Rodada do Uruguai do GATT), onde prescreveu a harmonização de medidas seguindo padrões internacionais na busca do provimento de segurança animal, vegetal e do ser humano (WORLD TRADE ORGANIZATION, 1994). O registro da primeira ocorrência de febre aftosa no Brasil tem como data o ano de 1895, após sua descrição na Argentina e Uruguai. Tal data coincide com a importação sistemática de reprodutores bovinos de raças europeias para o estabelecimento da indústria frigorífica em território nacional. As importações ocorreram desde a colonização, mas a chegada da doença surgiu após o surto que acometeu os rebanhos da Península Ibérica no final do século XIX (GOIC, 1971; ASTUDILLO, 1992). No que diz respeito à produção alimentícia de origem animal (bovinos, suínos, ovinos e caprinos), a febre aftosa sempre foi considerada por pesquisadores da área de Saúde Pública Veterinária nacional e internacional, como um elemento nocivo causador de enormes perdas na criação pecuária. O renomado professor da Escola Nacional de Medicina Veterinária de Alfort, na França, Doutor Panisset já considerava, no ano de 1933, que a febre aftosa era “uma doença grave do gado”, e que além de ser uma enfermidade que acomete diversas espécies animais, também estava, naquela época, incluída entre as doenças de origem animal que afetavam diretamente a saúde do homem. Durante o ano de 1884 foram registrados 205 casos de febre aftosa8, que afetaram aos humanos na epidemia ocorrida na cidade de Dover, no Reino Unido. A Alemanha, também registrou ocorrências que acometeram os seres humanos durante o período de sete anos, onde houve grandes surtos de epizootias. Foram relatados naquele período 600 casos de transmissão da doença, do animal para o homem. Todas essas notificações provocaram grande comoção entre os especialistas e pesquisadores da área de Saúde Animal, fazendo com que os mesmos manifestassem os perigos da febre aftosa para a saúde das pessoas que estivessem em 8 Discussões científicas sobre os casos de febre aftosa que acometeram humanos são controversas no que diz respeito ao contágio. Atualmente, estudos comprovam que a doença não causa danos à saúde humana. 46 contato com os animais infectados. Dr. Lucien Panisset (1933, p.66), registrou em uma de suas publicações que: “... as observações de transmissão de febre aftosa ao homem são inumeráveis. A contaminação está ligada, quer á ingestão de material virulento, notadamente o leite proveniente de animais atingidos, quer à inoculação. São conhecidas também algumas experiências no curso das quais muitas pessoas após ingerirem voluntariamente, muitos dias seguidos, leite proveniente de vacas afetadas de febre aftosa, apresentaram os sinais de uma estomatite e uma erupção nas mãos e nos dedos. Foram relatadas também observações que parecem demonstrativas da inoculação nas mãos, no decurso da mungidura, seguidas do aparecimento de lesões bucais e digitais. Muitas vezes a inoculação no animal de produtos provenientes do homem foi positiva”. Pode-se constatar então, que a febre aftosa tem significativa importância como doença transmissível, seu valor como causadora de danos à economia de todos os países acometidos por ela é verdadeiramente impactante. Entre os anos de 1914 a 1915, no surto ocorrido nos Estados Unidos, foram abatidos 75.240 cabeças de gado bovino, 85.092 suínos, 9.767 carneiros e 123 cabras, e somente no estado da Califórnia, foi registrado no surto do ano de 1924 uma perda de 58.791 bovinos, 21.195 porcos, 28.382 carneiros e 1.391 cabras. Falando em números e perdas econômicas, o Governo Britânico indenizou no ano de 1923, mais de dois milhões de libras esterlinas aos criadores de gados pelas perdas com o surto de aftosa, além de inúmeras perdas que ocorreram nos anos subsequentes (CONFERÊNCIA NACIONAL DE FEBRE AFTOSA, 1950). Já na América do Sul, o Uruguai, segundo informações do Laboratório de Biologia Animal da Divisão da Ganadeira sofreu a perda de 70.000 cabeças de gado bovino em 988 estabelecimentos agrícolas, mas que os donos dos estabelecimentos contestavam estes números dizendo que o déficit foi entre 150.000 a 180.000. Além da perda animal, 100.000 litros de leite foram perdidos durante os seis meses do surto da doença. Somando-se todas as perdas, a Divisão de Ganadeira estimou que a perda total durante os meses do surto foi de mais de dez milhões de pesos argentinos (URUGUAI, 1944). No Brasil, a doença apresentava as mesmas características dos países vizinhos, sendo o Estado do Rio Grande do Sul o que registrou o maior número de casos comprovados, demonstrando estatisticamente inúmeros prejuízos causados pelo surto de febre aftosa ocorrido no ano de 1944, onde o então Secretário da Agricultura do Estado, Dr. Ataliba Paz, declarou no jornal da época “Fôlha da Tarde” (5 de setembro de 1944) que: 47 “Cálculos aproximados, feitos pelo Sr. Balbino Mascarenhas, presidente do Instituto de Carnes e pelos veterinários do Serviço de Defesa Sanitária do Estado e divulgados pelo “Correio do Povo”, estimam os prejuízos em 72 milhões de cruzeiros, pelo menos, assim discriminados: 15 milhões de cruzeiros de terneiros perdidos; 23 milhões de cruzeiros decorrentes da baixa de peso do gado abatido e mais 32 milhões de cruzeiros relativos a 80 mil animais que morreram (a 400 cruzeiros, preço médio). Não estão incluídos nas cifras acima o material, o custo do trabalho extraordinário com o tratamento dos doentes e aquisição de medicamentos e bem assim os prejuízos causados...”. Fôlha da Tarde (5 de setembro de 1944) Falando um pouco mais sobre a doença, suas consequências e os animais que são acometidos pela enfermidade, a febre aftosa ataca naturalmente aos bovinos, búfalos, camelos, cavalos, cabras, carneiros, porcos, veados, bisões e ratos. A febre aftosa é uma doença infecciosa, que após um período febril de curta duração, manifesta-se por uma erupção em formato de aftas nas regiões da boca, pés ou patas e mamas. A febre perturba as funções digestivas e suprime a secreção láctea. As erupções que surgem nas mamas atrapalham e chegam até a interromper a ordenha das fêmeas. Com o surgimento das aftas na boca, os animais deixam de comer e beber água. Nesse período o animal já enfraquecido deixa de andar, pelas inúmeras causas já relatadas, além de também apresentar problemas ósseos, que nesse estágio, atingem as unhas, causando também a queda dos cascos das patas. A Organização Mundial de Sanidade Animal (2013) trata a febre aftosa como uma enfermidade viral, altamente contagiosa e com grande potencial para causar graves perdas econômicas, por afetar toda a cadeia animal que possui com característica comum o casco fendido, portanto, esta doença, afeta sobremaneira a produção alimentar de origem animal, na qual a carne e todos os derivados lácteos compreendem a base da pirâmide alimentar da população mundial (ORGANIZACION MUNDIAL DE SANIDAD ANIMAL, 2013). Historicamente, a febre aftosa sempre recebeu atenção das autoridades sanitárias veterinárias brasileiras, quer seja por parte do Ministério da Agricultura, quer dos principais Estados interessados na pecuária. O projeto inicial de combate à febre aftosa no Brasil, mesmo sem ter grande êxito, ocorreu no ano de 1919, quando o Ministério da Agricultura lançou no artigo nº 206 do Código Sanitário Animal as primeiras medidas de combate à doença. Percebe-se então, que em todas as iniciativas ocorridas nas esferas Federal e Estadual, foram determinadas medidas para a profilaxia e controle da doença, mas que infelizmente, a escassez de verbas e o numero insuficiente de veterinários disponibilizados pelo Ministério da 48 Agricultura do Brasil acarretaram o insucesso na realização das atividades ligadas à Sanidade Animal e a falta de estrutura para o início de uma campanha nacional contra a febre aftosa. Foi então, que em decorrência da Primeira Conferência Nacional de Febre Aftosa no ano de 1950, um evento realizado a partir do projeto de Lei nº 188, de 1947, que estabeleceu uma conferência nacional para a febre aftosa, onde o Congresso Nacional decreta em seu Artigo 1º que por intermédio do Ministério da Agricultura, reunirá uma Conferência Nacional de Febre Aftosa, constituída de técnicos especializados em pesquisas das doenças produzidas por vírus, a qual estudará e relatará a situação da febre no Brasil e os meios de erradicá-la. 49 CAPÍTULO 2: CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA 2.1 - REGIÃO Como forma de concretizar o acordo de cooperação internacional entre o Governo do Brasil e a Organização das Nações Unidas, representada pela Repartição Sanitária PanAmericana, foram assinados dois acordos em vinte e sete (27) de agosto do ano de 1951, no Itamarati, pelo então Ministro das relações Exteriores, João Neves Fontoura, e também o representante da Repartição Internacional do Trabalho (RIT) senhor Arthur Frederick Rouse. O primeiro referia-se à criação, nos arredores do Distrito Federal (situado na época na cidade do Rio de Janeiro), de um Centro Pan-Americano de Febre Aftosa 9 (Fig.5 e Fig.6) destinado a proporcionar diagnóstico, auxílio técnico e consultivo sobre a profilaxia da febre aftosa. O segundo acordo, tratava do estabelecimento, no Rio de Janeiro, então capital do país, de um escritório regional da Repartição Sanitária Pan-Americana, para atuar como centro de produção, coordenação e desenvolvimento das funções determinadas pelo Código Sanitário Pan-Americano (HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA, 2013). Figura 5. Foto do Edifício Principal do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, 1951. Fonte: Acervo Iconográfico de Panaftosa. 9 Edifício principal do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, 1951. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Panaftosa) é o único organismo internacional de caráter técnico-científico, criado na história da área de Saúde Pública Veterinária das Américas, em escala continental, a atuar na luta contra uma doença animal, como o caso da febre aftosa (BLOOD; TORRES, 1951). 50 Figura 6. Laboratório de Referência do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, 1951. Fonte: Acervo Iconográfico de Panaftosa. O Ministro de Relações Exteriores, João Fontoura, proferiu as seguintes palavras durante o discurso de assinatura dos acordos, que foram publicadas no Jornal do Brasil de 15 de novembro de 1951: ... Os acordos que vimos firmar não constituem um ato isolado, um episódio sem antecedentes e destinado a ficar sem continuidade. Pelo contrario, representam o marco novo de uma política cuidadosamente concebida e executada cujas primórdias remontam as instruções fornecidas aos Delegados do Brasil a IX Reunião do Conselho Económico e Social, a cujos esforços e enérgica atividade se deve em grande parte a adoção do programa ampliado de assistência técnica das Nações Unidas... Nunca, talvez, idéia mais nobre e inteligente se tenha convertido em realidade na história das assembleias de nações. O gesto foi tão ousado, o voo foi tão alto que alguns não conseguiram nele ver mais do que sombra de intervenções disfarçadas, o fantasma de imperialismos ameaçadores (HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA, 2013). Fontoura continuou seu pronunciamento dizendo que: Para nós, porém, essa modalidade nova de cooperação entre grandes e pequenos, entre superdesenvolvidos e subdesenvolvidos, representa uma alta bandeira a seguir: é a brecha na muralha dos egoísmos nacionais, herança triste do mercantilismo, quando os progressos da técnica eram tratados como segredos de Estado e como tais sonegados avaramente pelo receio mórbido da competição (HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA, 2013). Das muitas ofertas de locais para a implantação da sede de Panaftosa, as autoridades do Comitê Coordenador de Assistência Técnica da OEA, baseados em informações previamente enviadas pelos países do continente americano interessados em receber a 51 instituição decidiu no dia 10 de maio de 1951, que o Centro seria instalado no Brasil. Tal decisão foi tomada com base nas análises dos custos para o funcionamento e manutenção da instituição, chegando à equipe técnica responsável pela avaliação à conclusão que nosso país oferecia além de custos mais reduzidos, um compromisso em investir em mão de obra local e na adaptação de todo o espaço físico para que o Centro começasse a desenvolver suas atividades. Todas essas premissas foram detalhadas através de um convênio entre o país receptor e a Repartição Sanitária Pan-Americana (órgão responsável pelo desenvolvimento de todas as atividades ligadas a sanidade animal na região das Américas). Foi assim, que iniciaram as buscas por um local específico, com espaço rural adequado para abrigar animais (gado bovino, suíno, equino, caprino e ovino), prédios para o funcionamento de laboratórios, biotério, locais com arquitetura funcional adequada para o desenvolvimento de atividades administrativas, além de espaço para abrigar a diretoria da instituição. Depois de serem realizadas inúmeras inspeções de lugares que apresentaram características que atendiam as necessidades arquitetônicas e geográficas para o funcionamento da instituição, que a equipe formada por representantes da Assistência Técnica da Repartição Sanitária Pan-Americana e dos Ministérios da Agricultura e Pecuária e de Relações Exteriores do Brasil, chegaram à conclusão que o melhor local para o funcionamento do primeiro Centro Pan-Americano especializado em uma doença de origem animal deveria ser instalado próximo à capital do país (na época era a cidade do Rio de Janeiro), mas um importante fator deveria ser também considerado, que este local apresentasse as características rurais necessárias para o confinamento animal e desenvolvimento técnico científico dos estudos ligados à doença que acometia os rebanhos. Naquele momento, o Ministério da Agricultura e Pecuária encontrou na cidade de Duque de Caxias, um espaço onde funcionava inicialmente uma antiga fazenda e que posteriormente também ocupou um laboratório nacional de fitopatologia. Esse local apresentava todas as características necessárias para que Panaftosa iniciasse suas atividades. Esse espaço fica situado geograficamente no bairro de São Bento, município de Duque de Caxias, cidade localizada na região da Baixada Fluminense do estado do Rio de Janeiro, e que em distância fica a aproximadamente trinta e cinco quilômetros da capital da cidade do Rio de Janeiro (CENTRO PANAMERICANO DE FIEBRE AFTOSA, 1976). 52 Uma questão a ser destacada é que historicamente, entre os anos de fundação do Centro (1951) e a presente data, as lideranças políticas locais e a prefeitura do Município de Duque de Caxias nunca demonstraram interesse pelo trabalho desenvolvido pela instituição. Constatamos esse fato, quando fomos à busca de registros no Instituto Histórico de Duque de Caxias (local onde também está localizada a câmara de Vereadores da cidade). Pesquisamos no acervo do instituto por documentos ou publicações que apresentassem registros de algum trabalho ou parceria entre o município e Panaftosa. Para nossa surpresa, não encontramos nenhum vestígio documental que comprovasse a existência ou a intenção de algum trabalho de cooperação ou parceria entre o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e a Prefeitura de Duque de Caxias. O espaço físico destinado e oferecido inicialmente para a instalação do Centro PanAmericano de Febre Aftosa10 (Fig.7) compreendia um terreno com aproximadamente 450.000m², onde 10.850m² correspondiam à área coberta e que já contava com algumas edificações, posteriormente adaptadas para abrigar: laboratórios para os serviços de diagnóstico, investigação e referência em febre aftosa, áreas de programas e serviços para a formação de pessoas, área de vigilância epidemiológica, estatística, computação, biblioteca, auditório e um setor para a administração e direção da instituição. Figura 7. Planta de situação de Panaftosa. Rio de Janeiro, 1951. Fonte: Acervo Documental do Centro PanAmericano de Febre Aftosa. 10 Planta de situação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa - Rio de Janeiro, 1951. Arquiteto responsável – Angelo A. Murgel (Ministério da Agricultura. Divisão de Obras). 53 O governo brasileiro, como descrito no Convênio realizado entre os Ministérios de Agricultura e Pecuária, Relações Exteriores e a Repartição Sanitária Pan-Americana, prometeu construir edifícios adicionais permanentes no entorno dos que já existiam, além de criar também estábulos adequados para manter completamente isoladas duzentas cabeças de gado destinado aos estudos de laboratório. Foi prevista também a instalação de um refeitório para os profissionais que iriam atuar em Panaftosa, como também implantação de ambientes onde as pessoas que fossem entrar e/ou sair dos prédios, pudessem trocar completamente de vestuário, para evitar qualquer tipo de contaminação ou risco à saúde das pessoas e animais que estivessem dentro ou fora das instalações da instituição. Além da área geográfica e dos espaços físicos para as instalações de Panaftosa, o Brasil, país hóspede da instituição forneceria diversos serviços para o funcionamento das atividades como: funcionários nacionais, água, gás e eletricidade. Já o custo com equipamentos e todo o material científico, bem como o salário do pessoal do quadro internacional, que incluía dez técnicos e três administradores, seria mantido com fundos internacionais. Durante dezessete anos, até o final dos anos 60, Panaftosa atuou como um programa de cooperação técnica da OEA, administrado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Com o intuito de garantir e manter as atividades desenvolvidas no Centro, o Conselho Interamericano Econômico e Social (CIES) decidiu buscar uma fonte regular de recursos econômicos, solicitando à OEA e à OPAS, que consultassem aos governos do Hemisfério sobre a possibilidade de conseguir um financiamento permanente e estável para que as atividades de Panaftosa seguissem em desenvolvimento. Nesse sentido, foi formado um Grupo de Trabalho Misto de ambos os organismos (OEA e OPAS) que preparou um informe, formulando propostas ao Comitê Interamericano de Aliança para o Progresso (CIAP) recomendando consultas de alto nível aos governos dos países das Américas, que foram levadas pelo Excelentíssimo Senhor Vice-presidente do Peru, Dr. Edgardo Seoane e pelo Doutor Carlos Antonio Palácios Garcia11 (Fig. 8), então Diretor de Panaftosa, com o intuito de conseguir a estabilidade da manutenção das atividades do Centro. 11 Ver Galeria de Diretores de Panaftosa (página 55). 54 Figura 8. Centro Panamericano de Fiebre http://www.paho.org/panaftosa/. Fonte: Site institucional. Aftosa. Galeria dos Diretores. 55 Com base nessas gestões, no ano de 1968, a instituição passou a atuar com fundos Regulares na execução dos trabalhos de Cooperação Técnica da Organização Pan-Americana da Saúde, financiado por um sistema de cotas advindo dos Países Membros da OEA, seguindo os critérios e aprovação da Resolução XIX sancionada na XII Reunião do Conselho Diretivo da OPAS. Nessa mesma resolução foi autorizado ao Diretor de Panaftosa, Dr. Carlos Antonio Palácios García, a convocar anualmente, a partir de 1968, todos os representantes dos Ministérios da Agricultura dos países americanos para uma reunião com o propósito de revisar o Programa de Controle da Febre Aftosa na Região das Américas e recomendar o pressuposto para o Centro, além de examinar assuntos de interesse mútuo. Tal reunião foi nomeada como Reunião Interamericana, em Nível Ministerial, sobre o Controle da Febre Aftosa e outras Zoonoses (RICAZ). Ocorreram doze reuniões, que contaram com a presença dos senhores Ministros da Agricultura e/ou pessoas nomeados por eles (delegados), além dos Diretores de Saúde Animal dos países das Américas e também participaram observadores de organismos internacionais. No ano de1979, a décima segunda reunião (XII RICAZ) aprovou a XII Resolução, passando a nomear a reunião como: Reunião Interamericana de Saúde Animal a Nível Ministerial (RIMSA), tal nome se deu pelo resultado do maior alcance e evolução no que diz respeito à sanidade animal e a importância que a continuidade dessas reuniões adquiriu no campo da saúde pública veterinária nos últimos anos. Durante essas reuniões foram alcançados grande êxitos, como o intercâmbio de conhecimentos e experiências acumuladas pelos países das Américas referentes aos temas ligados às doenças zoonóticas e a febre aftosa, tema que mobilizou o surgimento do Centro. Panaftosa surge, então, com a responsabilidade de atuar junto aos países colaborando para a redução da incidência das doenças de origem animal, reduzindo os fatores que impactam diretamente a produção, a relações comerciais e afetam diretamente a economia dos países. Diante da necessidade de analisar, avaliar e intercambiar informações sobre os principais aspectos técnicos de controle e erradicação da febre aftosa, por recomendação do XXIX Seminário organizado pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (CPFA), realizado na cidade do Rio de Janeiro em dezembro de 1971, com a participação dos Diretores dos Programas de Controle da Febre Aftosa na América do Sul que foi justificada a necessidade 56 da implementação de um mecanismo de cooperação inter-regional que atuasse com o propósito de estudar, coordenar e avaliar as atividades desenvolvidas em nível continental para o controle e erradicação da febre aftosa, para o qual se criou Comissão Sul-Americana para a Luta contra a Febre Aftosa (COSALFA). Essa Comissão solicitou à OPAS, a realização de seminários que antecedessem as reuniões ordinárias e as conclusões e recomendações que seriam adotadas pela Comissão. Os temas escolhidos para os eventos estavam inseridos nas áreas de epidemiologia, administração planejamento, comunicação, educação sanitária e os programas de imunização contra a febre aftosa. A Comissão Sul-Americana para a Luta contra a Febre Aftosa (COSALFA) foi criada no ano de 1972, na ocasião da V Reunião Interamericana, em Nível Ministerial, para o Controle da Febre Aftosa e de outras Zoonoses (RICAZ V), tendo Panaftosa como Secretaria Ex Ofício da Comissão. Foram realizadas até o ano de 2013, um total de 39 reuniões ordinárias realizadas e 4 extraordinárias. A COSALFA tem como propósito avaliar as ações e propor recomendações para os programas nacionais de controle e erradicação da Febre Aftosa nos países sul-americanos, garantindo a integração regional nas ações de intervenção. Essas reuniões foram e são regidas por um estatuto que estabelece como membros principais, os diretores de sanidade animal e dos programas de controle de febre aftosa dos seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Ao longo dos últimos sessenta anos, PANAFTOSA – OPAS/OMS desenvolveu estudos e técnicas sobre febre aftosa, e a partir de 1996, depois da recomendação do Grupo Assessor Externo da OPAS/OMS, foram transferidas do Instituto Pan-Americano de Proteção a Inocuidade de Alimentos e Zoonoses (INPPAZ) as atividades ligadas ao campo das zoonoses animais, como a brucelose, a encefalite equina, a equinococose/hidatidose, a raiva, a tuberculose bovina entre outras. Por decisão do Conselho diretivo da OPAS/OMS, no ano de 2005 foram encerradas as atividades ligadas à inocuidade de alimentos no INNPAZ e seu grupo técnico regional foi incorporado às instalações de PANAFTOSA, mas naquele momento, trabalhava de maneira descentralizada, estando dependente da Unidade de Saúde Pública Veterinária (SPV) localizada na sede da OPAS, em Washington, D. C. 57 No decorrer de 2008, a Unidade de Saúde Pública foi incorporada à direção do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa aonde vem, até o presente momento, desenvolvendo um importante trabalho nas três áreas, que hoje compreendem as atividades desenvolvidas pela instituição, sendo elas: a febre aftosa e as enfermidades vesiculares, as zoonoses e a inocuidade dos alimentos. Diante deste pequeno histórico, percebe-se que a instituição guarda em seu acervo histórico um patrimônio de conhecimento e informação de extrema importância e relevância para as ações ligadas a saúde humana e da saúde animal, não só para o Brasil como para todo o continente americano. 58 2.2 O CENTRO PAN-AMERICANO DE FEBRE AFTOSA COMO LUGAR DE MEMÓRIA E PATRIMÔNIO HISTÓRICO Considerando que as noções de tempo e identidade atuam juntas para o reconhecimento de algo como o patrimônio, ou como descreve Pierre Nora (1993), quando diz que lugar de memória é mais do que simplesmente reconstruir o passado supostamente conservado, preservado ou retido, a preocupação fundamental com relação à memória e seus lugares é a de garantir o presente e projetá-lo para as gerações futuras, sendo fundamental ressaltar que o patrimônio é uma construção cultural, portanto, um conjunto de escolhas e também um espaço repleto de conflitos. Podemos dizer que o patrimônio é muito mais reivindicado do que simplesmente herdado, e que ele é também muito menos comunitário que conflitivo. (NORA, 1993, p. 83), Para o autor, “Quando falamos de escolhas nos referimos também ao caráter sempre eletivo daquilo que vai representar um grupo, uma sociedade, ou a própria humanidade no seu sentido mais amplo. Ao falarmos de conflitos nos remetemos à memória, à sua própria natureza ambivalente, que carrega a lembrança e o esquecimento como faces de um mesmo processo.” Pierre Nora (1993, p. 21), também destaca que: Da mesma forma que devemos à distância panorâmica o grande plano e ao estranhamento definitivo uma hiperveracidade artificial do passado, a mudança do modo de percepção reconduz obstinadamente o historiador aos objetos tradicionais dos quais ele havia se desviado, os usuais de nossa memória nacional. Vejam-na novamente na soleira da casa natal, a velha morada nua, irreconhecível. Com os mesmos móveis de família, mas sob uma nova luz. Diante da mesma oficina, mas para uma outra obra. Na mesma peça, mas para um outro papel. A historiografia inevitavelmente ingressada em sua era epistemológica fecha definitivamente a era da identidade, a memória inelutavelmente tragada pela história, não existe mais um homem-memória, em si mesmo, mas um lugar de memória. Para Jacques Le Goff (1998, p. 10), o patrimônio é apresentado como sendo um lugar de resistência ao desencanto do mundo para com o seu passado. Para o autor, a dimensão do patrimônio que se inscreve num universo onde está o sagrado, e o poder personificado na figura Papal, que foi instituído na Alta Idade Média, são o exemplo fundamental, pois os mesmos eram chamados de Patrimonium Sancti Petri (Patrimônio de São Pedro), revelando consciente ou inconscientemente, uma origem sagrada do mesmo. Fazendo uma retrospectiva histórica, foi a partir do século XVIII que o patrimônio passou a ser uma preocupação do Estado, estando este veiculado a uma ideia de nação, forjada 59 pelos símbolos de um passado comum. Esse período foi denominado por Le Goff (1998) como a primeira fase de afirmação do patrimônio, à qual se sucedeu uma segunda no período entre guerras, no qual se percebe a presença do uso do termo patrimônio por instituições e associações internacionais. Foi na terceira fase, ocorrida entre os anos 60 e 80 do século XX, a mais densa no que se refere à expansão patrimonial, período no qual "se passa de um patrimônio histórico a um patrimônio social; de um patrimônio herdado a um patrimônio reivindicado; de um patrimônio visível, material, a um invisível, imaterial" (LE GOFF, 1998, p. 11). As Cartas Patrimoniais são bons exemplos de fontes que constatam um movimento em direção a noções de patrimônio que ultrapassam a ideia de monumento histórico, indicando e proporcionando reflexão dentro de uma dimensão mais social, além de suas múltiplas expressões no universo das diversidades culturais. A autora Ecleia Bosi relata que confrontar lembranças pessoais com as lembranças vivenciadas por grupos é, segundo ela, uma forma de transcender as lembranças pontuais e fazer com que a memória seja geradora de futuro. Todo grupo representa mais do que um conjunto de oportunidades a partir das quais se concretizam as ações individuais. Ele é a matriz na qual a individualidade se estrutura e meio onde as ações são desenvolvidas. Bosi diz que: Pela memória, o passado não só vem à tona das águas presentes, misturando-se com as percepções imediatas, como também empurra, “descola” estas últimas, ocupando o espaço todo da consciência. “A memória aparece como força subjetiva ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e penetrante, oculta e invasora. (BOSI, 2003, p. 36). A conformação desse patrimônio se dá pela junção das memórias coletivas, que operam através da liberdade de escolha dos acontecimentos no espaço e no tempo em que ocorrem, e não arbitrariamente. Tais memórias se relacionam por meio de índices comuns, como apresentado por Bosi (2003, p. 31): “... é tarefa do cientista social, procurar esses vínculos de afinidades eletivas entre fenômenos distanciados no tempo”. Quando refletimos sobre as relações entre memória e preservação de patrimônio, o autor argentino Néstor Canclini (1995), nos instiga a pensar sobre o sentido que a ideia de urbanidade, a tele participação e todas as interferências advindas da inserção das novas tecnologias na vida das pessoas. Ao se fazer uma análise da memória num contexto histórico, deixando de lado a perspectiva da linearidade, onde a cultura de massa e também midiática surgiriam como substituta da herança do passado e das interações públicas. Percebe-se, no 60 caso das novas tecnologias, que elas podem servir como ferramentas e meios de preservação da memória. Nesse sentido, Canclini (2006) destaca a presença dos monumentos e a sua relação ambivalente com as transformações locais, colocando os monumentos não mais como cenários que legitimam o culto ao tradicional; para o autor, nos dias de hoje, os monumentos estão mais abertos à dinâmica urbana, e atuando, na verdade, como instrumentos que facilitam o trabalho com a memória, fazendo com que ela interaja com as mudanças ocorridas no cotidiano das pessoas. Para o autor, a pós-modernidade e seus avanços tecnológicos são entendidos não como uma etapa ou tendência que viria substituir o mundo moderno, mas como uma maneira de problematizar os equívocos estabelecidos e as contradições existentes. Ele identifica, na modernidade, dois processos diferenciados, porém, complementares, de desarticulação cultural: o descolecionamento e a desterritorialização. O primeiro consiste na recusa pósmoderna da produção de bens culturais colecionáveis, o que seria um sintoma mais claro da desconstituição das classificações que distinguiam o culto ao popular e ambos do massivo, e que nesse sentido, diminui, cada vez mais, a possibilidade de ser culto por conhecer apenas as chamadas “grandes obras”; estabelecendo ao mesmo tempo, que a condição para ser popular não reside mais no conhecimento dos bens produzidos por uma comunidade, grupo ou organização fechada. Canclini (2006) utiliza as ideias disseminadas por Walter Benjamim, para reafirmar que o intelectual pós-moderno forma-se tendo como base sua biblioteca privada, onde livros se misturam com recortes de jornais, e que informações fragmentárias são encontradas no “chão regado de papéis disseminados". Ele ressalta que foi a partir do surgimento dos dispositivos tecnológicos, como a fotocopiadora, o videocassete e o vídeo game, que a sentido para as coleções acaba se perdendo e, com elas, as referências semânticas e históricas que ancoravam seu sentido também são desconsideradas. As ferramentas tecnológicas criadas para auxiliar a execução de trabalhos ou simplesmente para possibilitar momentos de distração e lazer são grandes exemplos, utilizados por Canclini, como forma de materializar uma articulação entre presente e passado e também a preservação desse passado, como é o caso da máquina fotocopiadora, que garante, segundo ele, a possibilidade do manejo mais livre e fragmentário de textos e do saber. Outro 61 bem material mencionado pelo autor é o videocassete, que permite a articulação entre elementos tradicionalmente opostos dentro da esfera das produções audiovisuais, conseguindo estabelecer relações com uma série de temas que originalmente estariam em oposição como é o caso do tradicional e do moderno, o nacional e o estrangeiro, o lazer e o trabalho, as notícias e a distração, a política e a ficção. (2006, p. 307). Neste sentido, quando trabalhamos com “lugares de memória” como descreve Pierre Nora (1993, p. 21) devemos observar que estes lugares carregam em si características que ora são pertencentes à História e ora apresentam a memória como marca e que estas duas áreas trabalham simultaneamente os materiais, simbólicos e funcionais, nisso diferindo somente quanto ao grau: “os três aspectos coexistem sempre” (NORA, 1993, p. 22). Neles a separação entre história e memória não seria rígida: ainda segundo o autor, os lugares de memória seriam constituídos em “um jogo da memória e da história, uma interação dos dois fatores que leva à sua sobre determinação recíproca” – jogo que supõe um componente político: “vontade de memória”, “intenção de memória” (NORA, 1993, p. 22). Portanto, um lugar de memória não seria meramente um lugar “digno de lembrança”. Não sendo possível detectar ou rastrear os investimentos humanos que, ao longo do tempo, buscaram estabilizar significados para esses “lugares” (entendidos como lugares da memória da nação), ou concluindo-se que deles estaria ausente uma vontade ou intenção de memória, não seriam propriamente lugares de memória, mas “lugares de história.” (NORA, 1993, p. 22). Percebemos então, através das reflexões postuladas por Pierre Nora, que “lugares de memória” e “lugares de história” poderiam ser objeto da investigação e pesquisas não só por compreender os processos de produção social de memórias (configuradores desses lugares), mas também analisar o papel desses lugares na construção do conhecimento e na consolidação de narrativas e discursos que apresentem um caráter histórico. Observando estes lugares, vemos que são formados por um grupo ou coletividade, e estes grupos tem a necessidade de interagir entre si sofrendo forte interferência da sociedade. Com isso, há o estabelecimento de um jogo com o intuito de construir identidades sociais, num movimento constante de fluxos e interações, e é através desse jogo que a mídia ocupa um papel fundamental. Se compreendermos, a partir do que foi desenvolvido aqui, que a memória tem uma dimensão fundamental na constituição das identidades que envolvem as práticas 62 narrativas e o gerenciamento do real através das práticas discursivas, perceberemos então que a mídia tem, por definição, um lugar central neste processo. Pierre Nora descreve com propriedade o papel dos meios de comunicação de massa na produção e preservação dos acontecimentos históricos contemporâneos. Imprensa, rádio, imagens não agem apenas como meios pelos quais os acontecimentos seriam relativamente independentes, mas como a própria condição de sua existência. A publicidade dá forma à sua própria produção (NORA, 1988, p. 181). Podemos tomar como ponto de partida para esta dissertação uma afirmação já consensual, de que existe uma estreita relação entre a memória e a construção de identidades, reflexão esta, que tem sido explorada por diversos autores. Neste sentido, sabemos que o que é guardado ou armazenado é o que se quer lembrar, pois o que não é mais visto tende a cair no esquecimento. Néstor Canclini (1998) aponta para essa necessidade, de se criar mitos e monumentos de preservação do passado como marcos fundamentais para a construção de identidades, incluindo nesse processo os documentos escritos. Como disse Pierre Nora (1984), podemos perceber museus, institutos históricos, casas de cultura, monumentos, entre outros espaços, como lugares de memória, cuja função é exatamente manter ativo o pertencimento a determinado vínculo ligado à identidade de um grupo, povo ou nação. Canclini também afirma que “ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter um país, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que é compartilhado pelos que habitam esse lugar se tornasse idêntico ou intercambiável. Nesses territórios a identidade é posta em cena, celebrada nas festas e dramatizada também nos rituais cotidianos” (CANCLINI, 1998, p.190, grifos do autor). Todas as discussões apresentadas até o presente momento nos fizerem perceber que o jornalismo e a imprensa contribuíram e apresentaram um papel relevante no que diz respeito ao registro e até mesmo à preservação da história e memória da humanidade, pois graças aos registros escritos e imagens publicadas em jornais, revistas e folhetins; e que posteriormente foram preservados em arquivos dos próprios jornais (enquanto entidades/instituições), bibliotecas e arquivos nacionais é que hoje nos é possível acessar a todo esse material até mesmo através da internet. Isto permite a sociedade contemporânea ter conhecimento de muito do que ocorreu no mundo em temas como saúde, política, desenvolvimento social, 63 educação entre outros assuntos e aspectos que conformam e representam uma nação, grupo ou instituição. Sendo assim, iremos apresentar neste trabalho um pouco do que a mídia impressa registrou, apresentou e informou sobre o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa desde sua implantação no Brasil até o ultimo registro jornalístico que mencionou ou descreveu algum fato relacionado à instituição ou a doença pela qual a instituição foi criada. Faremos isso com a intensão de observar o quanto à mídia impressa noticiou e deu destaque para o trabalho realizado por Panaftosa. 64 CAPÍTULO 3. A DISCUSSÃO DA IMPRENSA Na década de 50, a imprensa do Rio de Janeiro (sendo 1951 o ano de implantação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa na então capital do país) apresentava características que denotavam a falta de apoio ao então presidente, Getúlio Vargas. A recusa, por parte dos jornais impressos em apoiar a volta de Vargas deu-se principalmente pelo fato da imprensa ter sofrido repressão durante os anos do Estado Novo, período no qual se criou uma imagem negativa de Vargas entre os intelectuais e jornalistas. Estes últimos conservaram em suas memórias as palavras escritas na Constituição Federal de 10 de novembro 1937, que justificavam a postura de repulsa por parte das mídias a Vargas, pois o mesmo havia retirado da imprensa a liberdade de expressão do pensamento impondo a censura a todos os meios de comunicação do país na dita Constituição. Tal fato está expressado no trecho do artigo 122 da Constituição Federal Brasileira de 10 de novembro de 1937, que tratava especificamente dos direitos e garantias individuais considerando a imprensa como um serviço de utilidade pública, alterando assim a natureza de sua relação com o Estado e impondo a obrigação dos impressos em inserir comunicados e notadas que vinham encaminhadas diretamente do governo: "Dos Direitos e Garantias Individuais: 15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei; A lei pode prescrever: a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação; A imprensa reger-se à por lei especial, de acordo com os seguintes princípios: a) a imprensa exerce uma função de caráter público; b) nenhum jornal pode recusar a inserção de comunicados do Governo, nas dimensões taxadas em lei; c) é assegurado a todo cidadão o direito de fazer inserir gratuitamente nos jornais que o informarem ou injuriarem, resposta, defesa ou retificação; d) é proibido o anonimato; e) a responsabilidade se tornará efetiva por pena de prisão contra o diretor responsável e pena pecuniária aplicada à empresa". (BRASIL, 1937) Atrelado ao sonho de progresso para o Brasil, o jornalismo impresso de 50 trazia consigo a marca de um jornalismo empresarial. A influência norte-americana se consolidou no jornalismo nacional transformando-o em o jornalismo informativo (LINS DA SILVA, 1991, p. 155). Um dos mais significativos exemplos das transformações da linguagem jornalística, ocorridos sob a influência norte-americana, foi o surgimento do lead12 na 12 O Lead tem como característica ocupar o primeiro parágrafo da notícia com o resumo conciso das informações mais novas e principais do texto, buscando esclarecer as seguintes questões relativas ao fato: Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Por quê? 65 imprensa nacional, através da iniciativa de Pompeu de Souza13, Danton Jobim e Luís Paulistano, efetivada no jornal Diário Carioca, em meados dos anos 1950. Naquela época, o Brasil passava por profundas transformações econômicas e políticas advindas do pós Segunda Guerra Mundial, dando início a um intenso processo de industrialização no país. Consequentemente foram iniciadas as mudanças nos jornais, primeiro na estrutura administrativa para a organização do mesmo, como empresa comercial, momento crucial para a consolidação da indústria cultural e em um segundo momento, foram introduzidas inovações tecnológicas e técnicas, que modificaram as estruturas gráficas e editoriais para uma nova formatação do jornal, alterando assim a aparência e o conteúdo editorial do mesmo. A década de 50 foi considerada como um momento divisor de águas na história do jornalismo e da imprensa. No entanto, em meio às mudanças permaneciam traços do partidarismo político nas notícias e meios de comunicação. Os anos subsequentes foram os que abriram as portas para a modernidade, período em que se buscava também a construção do novo nas áreas da cultura, artes plásticas, poesia, bem como no teatro e na música. Acompanhando o desenvolvimento industrial do país, a imprensa brasileira começava a eliminar a resistência ao abandono de suas raízes e influências europeias no modo de fazer jornalismo deixando de lado um perfil mais opinativo e reflexivo, passando a ser mais informativo. No entanto, percebemos, através de nossa análise, que não havia uma hegemonia para o padrão informativo nem antes nem depois de 1950. Observamos também que naquele período existiam contradições entre a lógica da empresa jornalística e a lógica da política. As duas se adequavam uma à outra, às vezes de uma maneira perfeita, às vezes precariamente. Isso não se deve, de forma alguma, a uma suposta mentalidade arcaica dos produtores de notícia. Pelo contrário: se esse arcaísmo existia, não era a regra. As ideias "modernas" já vinham há algum tempo, influenciando os profissionais de jornalismo na forma como eles se viam e entendiam a sua profissão e as notícias. As descontinuidades nos modos de produção (dominantes e dominados) podem ter diversas explicações. Uma delas, naturalmente, diz respeito às relações dos centros de menor 13 Jornalistas que se envolveram na reformulação interna do Jornal Diário Carioca, para apresentação de um conteúdo jornalístico mais dinâmico e objetivo utilizando como inovação o lead. 66 desenvolvimento com as grandes capitais que apresentavam um maior desenvolvimento. Assim, como havia um atraso para que as práticas jornalísticas americanas chegassem às capitais como um todo, o Rio de Janeiro, então capital do país, desempenhava para as outras cidades o papel de modelo ou matriz onde as mudanças eram irradiadas do centro para as periferias. Observamos também que no Brasil daquele período, a maior parte dos jornais que analisamos possuía um equilíbrio econômico precário e, por isso, dependia de favores, subsídios e subvenções para assegurar a sua existência. Aos poucos, ao longo exatamente dos anos 1950, com o desenvolvimento industrial do país, a publicidade ia ganhando força, assim como o sistema financeiro (privado) dando maior sustentabilidade à indústria jornalística. Mas uma questão também observada é que ainda falta muito para o campo jornalístico adquirir autonomia em relação à política nacional (RIBEIRO, 2000). Para a realidade da época, a reforma que os jornais vinham passando, afinados aos padrões norte-americanos, ainda que apenas retoricamente, significava inseri-los formalmente na "modernidade" dos novos tempos. Diante do contexto vivido entre os anos 1950-60, significava conferir ao campo jornalístico um capital simbólico sem precedentes, significava fazer do seu discurso uma "fala autorizada" e transformar a imprensa em um ator social reconhecido pela sociedade. Partindo do cenário histórico já apresentado, caminhamos empenhados em identificar quais seriam os jornais de época que teriam veiculado notícias e matérias sobre o processo de chegada do primeiro Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, destinado a atender as necessidades e demandas oriundas dos países do continente americano sobre a doença febre aftosa. Foi a partir dessa reflexão, que iniciamos nossas pesquisas na Hemeroteca da Biblioteca Nacional em busca dos jornais que noticiaram a chegada e/ou os acontecimentos que tivessem relação com a instituição - Panaftosa. Nossas buscas foram orientadas inicialmente pelo ano de 1950 (ano de conclusão das negociações para a vinda da instituição para o Brasil), e posteriormente fomos pesquisando ano a ano para identificar nos arquivos da hemeroteca, quais foram os jornais nacionais que apresentavam notícias ou matérias sobre a instituição. Percebemos que o período compreendido entre as décadas de 50 e o início de 60 foi o período onde foram geradas tais notícias e que em sua maioria trazia relação com o governo brasileiro. 67 Como dito anteriormente o país vinha passando por mudanças na área industrial, tais transformações também estavam refletidas no jornalismo e na produção impressa, o que ocorria principalmente na capital do país. Concomitantemente a esse período, chegava à capital nacional o primeiro organismo internacional que tinha como missão fundamental apoiar aos países que conformavam a Região das Américas nas ações e intervenções contra a febre aftosa, uma doença de origem animal que estava causando grandes prejuízos nas relações de produção, econômicas e internacionais entre as nações. Quando recorremos ao acervo da hemeroteca conseguimos identificar um total de 7 jornais, que apresentavam tais notícias e/ou matérias que faziam menção ao Centro PanAmericano de Febre Aftosa foram eles: A Noite, Diário Carioca, Diário da Noite, Diário de Notícias, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil e Última Hora. Apresentaremos abaixo um pouco dos perfis e características apresentadas pelos 7 jornais, que publicaram notícias relacionadas à Panaftosa. 68 3.1. CARACTERÍSTICAS DA IMPRENSA: UM BREVE HISTÓRICO 3.1.1 JORNAL A NOITE O primeiro jornal identificado em nossa pesquisa foi o vespertino A Noite (Fig.9). Fundado em 18 de julho de 1911 por Irineu Marinho, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), no período em que o jornalista deixou o jornal Gazeta de Notícias, onde era secretário-geral e acompanhado por treze antigos funcionários, Irineu Marinho instalou o novo periódico (Fig.10) num sobrado localizado no nº 14 do Largo da Carioca e a impressão do mesmo era realizada em outro endereço, na Rua do Carmo. Como característica marcante, o jornal A Noite tratava principalmente da política nacional e de questões ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, dando maior destaque para o noticiário policial. Tal jornal tornou-se um dos primeiros a valorizar os fatos ocorridos na vida cotidiana e, desta forma, atendeu aos gostos do grande público, da chamada massa urbana, que ia se formando nas grandes cidades do país. Uma curiosidade desse periódico é que o A Noite foi considerado um dos primeiros jornais populares do Rio de Janeiro lançado a preços baixos, com tiragens de circulação diária e em grande numero. Já na década de 1950, o periódico começou a apresentar problemas administrativos e como consequência desses problemas, em 27 de dezembro de 1957 interrompeu sua circulação, ressurgindo, por iniciativa de seus funcionários, dois anos depois. Nesta retomada identificamos somente uma edição, pelo que parece isso sucedeu por alguma razão jurídica. Verificamos nos registros da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, que boa parte dessa edição foi utilizada como fonte para reproduzir a transcrição de uma ata da sociedade anônima que trabalhou na quinta fase de reformulação do A Noite. Em 26 de dezembro de 1959 ele foi relançado em edição de quatro páginas, neste momento, o jornal surgia como propriedade da Empresa Jornalística Castellar (nome que homenageava um antigo funcionário já falecido) e se apresentava de maneira distanciada de governo e oposição, apresentando compromisso jornalístico em noticiar apenas matérias da comunidade social. Tal ressurgimento durou apenas uma edição, porque na verdade, o jornal só voltaria a circular com periodicidade quase um ano depois, em 20 de dezembro de 1960. 69 Este período transcorreu até a data de 31 de agosto de 1964, onde encontramos no acervo da Biblioteca Nacional o registro da última edição do periódico. Figura 9. Jornal A Noite de 20 de setembro de 1952 que traz em sua segunda página uma notícia sobre Panaftosa. “A ONU e suas atividades no Brasil”. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional (BN). 70 Figura 10. Fotografia do Edifício que pertencia ao jornal A Noite. Fotografia de Peter Von Fuss. Fonte: Acervo Milton Mendonça Teixeira. Retirado do Site Sampa Histórica. 3.1.2 JORNAL DIÁRIO CARIOCA O segundo periódico encontrado foi o Diário Carioca (Fig.11). Tal publicação foi um dos que mais nos chamou atenção por ter sido um pioneiro na adesão das técnicas redacionais americanas, que ainda nos dias de hoje estão vigentes no jornalismo. Apesar de não mais existir, é importante levar em conta suas contribuições para os jornais da atualidade. Fundado em 17 de julho de 1928 por José Eduardo de Macedo Soares14, o Diário Carioca foi um dos mais influentes jornais do país e o responsável pela modernização das técnicas da imprensa brasileira. Considerado um jornal de elite, ele conseguiu reunir em sua redação alguns dos jornalistas mais influentes que o Brasil produziu. 14 Natural de São Gonçalo (RJ) e descendente de influente família latifundiária na hoje denominada Região dos Lagos, Macedo Soares foi ex-oficial da Armada, ex-deputado, civilista, autor de uma biografia de Saldanha Marinho louvada por décadas na Marinha, lançara antes O Imparcial, jornal em que escreveu Rui Barbosa, o civilista-mór. (Fonte: www.hemerotecadigital.bn.br). 71 O Diário Carioca tinha como marca registrada em suas notícias o senso de humor e o requinte estilístico. Em matérias sobre política, o periódico as apresentava de maneira destemida, sem rodeios, de maneira direta e objetiva, mas sem perder uma linguagem pomposa e rebuscada, que eram características do seu fundador, que naquele momento também exercia a função de principal editor. Durante seus 37 anos de existência, a publicação apresentava-se como opositora aos desmandos administrativos dos governos do Brasil, chegando ao nível de provocar crises institucionais e até mesmo contribuir, através de suas denúncias, para a queda de ministros do governo (COSTA, 2011). Tudo isso acontecia em nome de valores como a liberdade, a probidade e legalidade; características que marcavam a personalidade de Macedo Soares, considerado pela categoria da época como o “Príncipe dos Jornalistas”. Encontramos como registro de sua última publicação o ano de 1965. Uma especulação da época levanta a discussão que as atividades do jornal foram encerradas devido ao posicionamento de Macedo Soares com relação ao regime militar, contudo não conseguimos confirmar tal especulação, pois não encontramos registros de que este tenha sido o motivo real para o encerramento das atividades do jornal. Figura 11. Edição do jornal Diário Carioca de 02 de maio de 1943. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 72 3.1.3 JORNAL DIÁRIO DA NOITE Fundado em 1929 por Assis Chateaubriand15, o Diário da Noite (Fig.12) era conhecido por ser um jornal muito ativo e ter um conjunto de grandes jornalistas. Localizado no número 7 da Praça Mauá, o periódico dividia o mesmo prédio com os estúdios da famosa Rádio Nacional. Um dado numérico curioso é que originalmente carioca, a publicação conseguiu chegar ao patamar de tiragem impressa de 200 mil exemplares dia. O ano de 1960 foi marcado como data de sua decadência, quando sua tiragem já havia baixado para 10 mil exemplares por dia. O Diário Carioca encerrou suas atividades em 1964, graças ao afastamento de Chateaubriand da direção, por motivo de doença. Figura 12. Primeira página do jornal Diário da Noite em 11 de julho de 1932. Fonte: Site do Jornal Novo Milênio: www.novomilenio.inf.br. 15 Assis Chateaubriand, considerado magnata das comunicações no Brasil no período entre o final dos anos 30 e início dos anos 60, foi dono dos Diários Associados, o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, além de emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica. 73 3.1.4 JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS Nascido em 12 de junho de 1930, na então capital do país, a cidade do Rio de Janeiro, o Diário de Notícias, pelas mãos do jornalista cearense Orlando Ribeiro Dantas (fundador e proprietário do jornal), um dos mais famosos e prestigiados jornalista do país. Tal periódico nasceu empenhado na campanha presidencial de Getúlio Vargas, a quem apoiou na revolução de l930 e que também se alinhou ao movimento por uma assembleia constituinte. Durante o Estado Novo, período ditatorial entre 1937 e 1945, manteve-se independente, rejeitando os favores do Departamento de Imprensa e Propaganda, que outros jornais recebiam do governo. Frequentavam a redação do jornal, personagens que participariam ativamente da política nas décadas seguintes, militando na União Democrática Nacional (UDN) como: Otávio Mangabeira, Adauto Lúcio Cardoso e Eduardo Gomes, entre outros. O quadro de colaboradores era politicamente mais diversificado: Mário de Andrade, Augusto Frederico Schmidt, Álvaro Moreira, Alceu Amoroso Lima, Luís da Câmara Cascudo, Afonso Arinos de Melo Franco, Josué de Castro, Sérgio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos entre outros. O Diário de Notícias circulou na mídia até meados da década de 1970. Antes de firmar-se com este nome, a publicação já existiu como um Diário Popular, lançado em 2 de agosto de 1870 e que está arquivado na Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional16. Esse diário está preservado até o ano de 1872 e o mesmo tinha o objetivo de ser informativo e com “índole inofensiva” em relação às disputas políticas que ocorriam na corte. Nascido com o papel fundamental de apoiar a campanha presidencial de Getúlio Vargas, o jornal de Orlando Dantas passou a combater, alinhando-se com o movimento por uma assembleia constituinte que desembocaria na insurreição paulista de 1932. Já no início da década de 50, o Diário de Notícias tinha um discurso próprio que o levou a confrontar-se com jornal O Globo. O aspecto mais notável desse confronto foi um debate acalorado sobre histórias em quadrinhos. Elas representavam generosa fonte de renda para várias editoras: a empresa de Roberto Marinho editava o Gibi, o Globo Juvenil e outras publicações com tiras importadas dos Estados Unidos. Orlando Dantas contestava o valor educativo dessas histórias 16 A coleção do jornal está disponível no acervo da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional do Brasil. Disponível em:<http://hemerotecadigital.bn.br/artigos/di%C3%A1rio-de-not%C3%ADcias>. Consultada em 13/04/2014. 74 em que se lançaram alguns dos heróis ainda hoje exaltados pela indústria cultural como o Super-Homem, o Capitão América e o Capitão Marvel. Em 1º de fevereiro de 1953, Orlando vem a falecer (Fig.13), contudo, o fato não afetou de imediato a linha do jornal, que faria forte oposição ao governo de Juscelino Kubitschek e à construção de Brasília. Prova disso é que na quarta página do jornal trazia a seguinte frase: “Liberdade de Imprensa”, palavras escritas por Orlando quando ainda estava vivo. Tal sinal demonstrava o compromisso por parte do periódico em dar continuidade ao trabalho iniciado por seu fundador e sua linha de pensamento. A primeira página do mesmo exemplar apresentava uma tarja de luto, simbolizando a morte de Orlando. Naquela época, o Diário (Fig.14) era considerado uma empresa de sucesso por apresentar-se como o jornal de maior circulação na capital do país. Com seu público cativo constituído pela classe média nacional que era conformada essencialmente por militares, professores, burocratas e pessoal do comércio, o Diário Carioca seguia com sua ideologia de ser um jornal com espírito combativo e enrijecido pelo desejo comum de servir ao país acima de quaisquer conveniências pessoais (HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA, 2013). No ano de 1957, João Portela Ribeiro Dantas, filho de Orlando assume o jornal dando um passo empresarial arriscado: comprou o acervo de O Mundo, jornal dirigido por Geraldo Rocha e ligado a Juan Domingo Perón, presidente da Argentina deposto em 1955 e exilado em Madri: máquinas gráficas, uma revista em cores, Mundo Ilustrado, e um prédio de sete andares, na Rua do Riachuelo, 114. Tal mudança foi sacramentada no dia 5 de novembro, e noticiada na edição que tinha como manchete principal o seguinte título: “Pretendem os russos ir à Lua”. No ano seguinte, o risco assumido foi ideológico e político: o Diário de Notícias promoveu um estudo sobre “a Revolução Brasileira”, por uma equipe coordenada por José Artur Rios. O documento, publicado em 15 de junho, teve grande repercussão e propunha, entre outras coisas, a reforma agrária, a nacionalização das indústrias de base e das empresas de rádio e televisão, além de propor também um programa de educação em massa com a ideia fundamental da extinção do analfabetismo no país. O Diário teve seu fim na década de 70, fase em que o jornal atravessava dificuldades financeiras e problemas com a previdência social e bancos oficiais. Sua sobrevida é atribuída a um capricho do então ocupante da Presidência da República, General Emílio Garrastazu Médici, que não queria que a publicação deixasse de circular, durante seu governo, jornal que ele se habituara a ler durante sua mocidade. 75 Vendido formalmente ao grupo TAA, do empresário pernambucano Fernando Rodrigues, representado pelo deputado Ricardo Fiúza e indicado pelo Ministro da Fazenda, Delfim Netto, o jornal esteve sob intervenção do governo de 1970 a l973, com alguma descontinuidade na circulação. Os novos proprietários assumiram seu controle em 1973, mas não ficaram por muito tempo, tendo sua ultima edição registrada na data de 10 de novembro de 1976, sob o número 14.747 que está arquivada no acervo da Hemeroteca da Biblioteca. Figura 13. Primeira página do Diário de Notícias com nota do falecimento de Orlando Dantas. Rio de Janeiro, 1º de fevereiro de 1953. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 76 Figura 14. Exemplar do jornal Diário de Notícias em 1º de maio de 1951. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 3.1.5 JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS Fundada por Manuel Carneiro, Ferreira de Araújo e Elísio Mendes, a Gazeta de Notícias (Fig.15) foi um periódico publicado no Rio de Janeiro, no período do último quartel do século XIX até o ano de 1956. Considerado inovador para seu tempo, o jornal abriu espaço para a literatura (publicando folhetins) e para o debate de grandes temas ocorridos no cenário nacional. Nascida com as marcas de antimonarquista e abolicionista, foi nas páginas do jornal, que José do Patrocínio (sob o pseudônimo de Prudhome) iniciou sua campanha pela Abolição (1879), onde articulava através das palavras, os movimentos contra a escravidão. Outras personalidades como Machado de Assis, Capistrano de Abreu, Olavo Bilac, Euclides da Cunha, João do Rio, além dos portugueses Eça de Queiróz e Ramalho Ortigão, também escreveram no jornal. 77 Voltada para o seu tempo, a Gazeta de Notícias apresentava em seus textos as atualidades, a arte e a literatura ao alcance da população. Como salientou Sodré (1966): “Barato, popular, liberal, vendido a quarenta réis o exemplas”. Em 1872, a Gazeta de Notícias trazia em seu conteúdo, informações que eram consideradas (na época) como direcionadas para os pouco letrados do país. Verificamos ao revisar os jornais que o conteúdo das publicações abarcavam os seguintes estilos: romances-folhetins, pequenas crônicas, colunas de variedades, uma seção de piadas, entre outras matérias que faziam do jornal, um canal mais atrativo para as classes sociais menos abastadas (SODRÉ, 1966, p. 257). O periódico foi dirigido por Ferreira de Araújo até a sua morte em 1900, quando Henrique Chaves tomou as rédeas da redação; nesse período de troca de liderança a Gazeta possuía características peculiares, que a tornaram um marco para o jornalismo nacional. Foi o jornalista Ferreira de Araújo que iniciou no Brasil, a fase do jornal barato, mas que apresentava uma ampla gama informacional. A Gazeta de Notícias, no seu tempo, era um jornal moderno, de espírito adiantado, o primeiro órgão da nossa imprensa que divulgou uma caricatura diária, a entrevista e a reportagem fotográfica (JORGE, 1977, p. 16). Entre os jornais cariocas da época imperial a Gazeta estava em primeiro grau de importância, sobrevivendo assim até a Era Vargas. Simpatizante do movimento integralista no país, a publicação dispensou farta cobertura acerca do Plano Cohen, que foi criado com o objetivo de justificar um golpe de estado que tiraria Getúlio Vargas da presidência. Tal plano foi escrito pelo então capitão do exército, o integralista Olímpio Mourão Filho, depois de um pedido do líder da Ação Integralista Brasileira (AIB), Plínio Salgado, com o objetivo principal de acusar o presidente Vargas de tentar tomar o poder de um dos dois candidatos às eleições presidenciais de 1938, José Américo Almeida e Armando de Sales Oliveira. Com isso, a população ficaria assustada e se aproveitando desta fragilidade seria possível tomar o poder e realizar uma revolução comunista no Brasil (CPDOC/FGV, 2014). No ano de 1949 a crise no jornal tornou-se aguda demais culminando então na venda do mesmo. Os novos donos contaram com jornalistas como Fioravanti de Piero e, no ano seguinte, com José Bogéa de Nogueira da Cruz. Com o retorno de Vargas ao poder, o jornal apoiou abertamente as ações do governante. 78 Entre os anos de 1951-1954, conseguimos identificar que o projeto de desenvolvimento autônomo abraçado por Vargas encontrou apoio, influenciou e se difundiu através do jornal. Naquele momento o periódico vinha apresentando mudanças na sua linha editorial. A partir deste momento percebemos uma maior preocupação no rigor da estrutura formal, principalmente no que dizia respeito à divisão das colunas específicas do jornal. O leque de leitores vinha se expandindo, a propaganda havia voltado a ocupar as páginas da Gazeta, assim como o crescente uso de charges (marcadas pelo humor político). Em muitos números do jornal observamos que o cotidiano carioca era francamente noticiado, muitas vezes marcado por um tom mais apelativo. Da página número dois do periódico em diante encontramos assuntos de âmbito nacional como as coberturas das decisões políticas e econômicas, e acontecimentos que estavam ocorrendo no país, além de matérias direcionadas aos assuntos da Câmara dos Deputados e do Senado. Outro marco predominante presente na escrita da Gazeta é que diversas colunas apresentavam notícias sobre o cotidiano político do então presidente do país. Um exemplo importante a ser considerado foi a cobertura da criação da Petrobras entre os anos de 1951 e 1953. Os artigos traziam consigo a discussão sobre a valorização da exploração nacional em detrimento da presença estrangeira junto à atividade. Com relação ao término das atividades do jornal, não foi encontrado registro documental que narre o encerramento do mesmo. Contudo, encontramos no acervo da Hemeroteca da BN, o registro do ano de 1956 como sendo a ultima edição (número 300) impressa do jornal Gazeta de Notícias. 79 Figura 15. Primeira publicação sobre Panaftosa realizada no caderno de política do jornal Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 05/04/1952. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 3.1.6 JORNAL DO BRASIL O Jornal do Brasil (JB), fundado por Rodolfo de Souza Dantas em 9 de abril de 1891 (menos de dois anos após a proclamação da República), nasceu com a intenção de defender a monarquia recentemente deposta. Um periódico considerado de nível elevado, contava com a colaboração de José Veríssimo, Joaquim Nabuco, Aristides Spínola, Ulisses Viana, o Barão do Rio Branco, o jovem historiador Oliveira Lima, entre outros. O JB surgia naquele momento como uma inovação no que dizia respeito a sua estrutura empresarial, parque gráfico e distribuição (realizada em carroças), além da participação de correspondentes estrangeiros, como por exemplo Eça de Queirós. O primeiro número impresso do jornal veio a público em abril do mesmo ano de fundação. A publicação manteve sua orientação conservadora até 1893, ano que o líder republicano Rui Barbosa assumiu a função de redator-chefe. Naquele momento, o posicionamento do jornal deixou de ser monarquista e passou a ser legalista a favor da República, porém contra a ditadura do então presidente Floriano Peixoto. 80 Em 6 de setembro de 1893, Rui Barbosa publicou o ultimo artigo, que trazia em sua redação um ataque contundente os partidários de Floriano Peixoto. Depois desta publicação Barbosa encerra as atividades do jornal indo se refugiar na Inglaterra, face à prisão iminente. Após um ano sem circulação, o Jornal do Brasil voltou a ser editado no dia 15 de novembro de 1894, sob a direção de novos proprietários, a firma Mendes e Cia. A data escolhida para o lançamento foi o aniversário da Proclamação da República. Essa era uma indicação de que o periódico não pretendia ser mais identificado como monarquista, mas que a partir daquele momento, ele se voltaria para os temas mais populares como: notícias policiais, informações sobre problemas urbanos, etc. (SILVA, 1988. p. 46). O dia em que o Jornal do Brasil voltou a circular coincidiu também com a posse do primeiro governo civil da República, onde Prudente de Moraes, iniciava o período conhecido como “política do café-com-leite”, época marcada pelos acordos políticos estabelecidos entre as elites econômicas do eixo São Paulo e Minas Gerais, e que também apresentou uma presidência da República que ora era ocupada por paulistas ora por mineiros. Analisando o histórico dos acontecimentos vividos na época e a trajetória do Jornal do Brasil, percebemos como o periódico foi se transformando à medida que as circunstâncias e mudanças comerciais e políticas iam acontecendo, além também de apresentar diversas posições nas direções que o controlaram, ou ainda do posicionamento político de seus redatores, dentre outros fatores. Uma característica importante do Jornal do Brasil, que não podemos deixar de ressaltar, foi que no início do século houve uma valorização das caricaturas por parte do JB. Essas eram publicadas diariamente e exerciam um papel fundamental de quebrar a monotonia da estrutura redacional das páginas. As sátiras acerca da política, os problemas nacionais, os novos valores gerados com a modernidade, todos esses eram temas importantes que traziam para a publicação um diferencial e ajudavam a formar o seu público leitor. O início dos anos 30 foi um período considerado nebuloso para a imprensa brasileira, pois a mesma estava passando por problemas econômicos, além de estar vivenciando diariamente as restrições ligadas a censura nacional. Tudo isso em decorrência de problemas anteriores vivenciados pelo país. Só em 1933, com a convocação da Assembleia Constituinte, 81 o Jornal do Brasil voltou a se engajar mais abertamente nas lutas políticas. No cenário nacional, em 1935 veio à tona uma tentativa de golpe comunista, mas a falta de coordenação entre os diversos núcleos facilitou a repressão do governo, que liquidou a Intentona Comunista17 e prendeu milhares de pessoas. Diante desse episódio, foi decretado estado de sítio, e a imprensa foi censurada em todo o país. Em 1945 o Jornal do Brasil se posicionou contra o governo. Contudo, o periódico não se engajou abertamente na campanha eleitoral, limitou-se a mostrar simpatia pelo candidato da oposição Eduardo Gomes, em virtude das relações pessoais com o Rio. Na campanha presidencial de 1950, o periódico novamente não se engajou e só demonstrou simpatia por Eduardo Gomes. Com a vitória de Vargas e a tentativa da oposição de questionar a posse do candidato eleito, o Jornal do Brasil posicionou-se a favor da legalidade, ou seja, de Vargas (ABREU, 2001). Com a morte de José Pires do Rio em 1950, a condessa Pereira Carneiro, assume a direção do jornal com o auxílio de seu genro Nascimento Brito. Nesse período a empresa adquire equipamentos gráficos e recursos técnicos necessários para sua modernização. Convencida de que era necessário mudar o jornal ou ele não sobreviveria, a condessa Pereira Carneiro viajou para os Estados Unidos à procura de soluções aplicáveis à sua empresa. Durante essa fase de transição, o periódico manteve-se neutro em relação aos acontecimentos políticos, não participando das principais campanhas do governo Vargas (ABREU, 2001). Em 27 de maio de 1951, o Jornal do Brasil (Fig.16) publica por primeira vez uma notícia falando sobre o trabalho desenvolvido pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. No ano de 1956, o jornalista Odylo Costa Filho foi contratado para coordenar a reformulação do jornal. Para realizar as mudanças que o Jornal do Brasil necessitava, Odylo organizou uma nova equipe, composta por jovens jornalistas vindos de outro jornal, o Diário Carioca. Com a equipe jornalística renovada, o jornal passou a ampliar seu noticiário e o número de páginas de suas edições. Apesar de ainda não haver um plano de ações definido, começaram a fazer 17 Em março de 1935 foi criada no Brasil a Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização política cujo presidente de honra era Luís Carlos Prestes. Inspirada no modelo das frentes populares da Europa para impedir o avanço do nazi-fascismo, a ANL defendia propostas nacionalistas e tinha como uma de suas bandeiras a luta pela reforma agrária. Embora liderada pelos comunistas, conseguiu congregar diversos setores da sociedade, tronando-se rapidamente um movimento de massas. Militares, católicos, socialistas e liberais, todos estes aderiram ao movimento, pois estavam desiludidos com o rumo do processo político iniciado por Vargas em 1930. (CPDOC, FGV) 82 experimentações, como a publicação de uma fotografia na capa, em meio aos anúncios, em 1957, ou ainda, a reorganização da página de esportes, que funcionou como um laboratório de experiências (LESSA, 1995). Figura 16. Edição do Jornal do Brasil de 27 de maio de 1951, que noticiou por primeira vez o trabalho desenvolvido pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 83 3.1.7 JORNAL ÚLTIMA HORA A primeira edição do jornal Última Hora foi lançado no dia 12 de junho de 1951. Fundado pelo jornalista Samuel Wainer (homem que teve um importante papel político no segundo governo de Getúlio Vargas, pois havia se tornado amigo de Vargas durante o período da campanha eleitoral de 1950), o jornal nasceu em um período de forte efervescência política e social no país. Vargas, que governou o país por quinze anos, estava novamente no poder após grande vitória eleitoral e que apesar de não passar nem seis anos fora do poder, a conjuntura política desse segundo mandato dele era completamente diversa. Uma das grandes mudanças que o novo governo democrático de Getúlio enfrentou foi a relação com a imprensa. Durante o período do Estado Novo, o controle sobre os meios de comunicação era expressivo e constante. Quando assumiu novamente a Presidência da República, em 1951, Getúlio Vargas se deparou com o que Wainer chamou de “a conspiração do silêncio”, um momento onde a imprensa só falaria do governo para criticar e exaltar possíveis problemas. Nascido com o propósito de ser uma forte fonte de apoio ao governo de Vargas, o jornal Última Hora apresentava suas notícias contrariando toda uma classe, sua produção jornalística sobrevivia na contramão da orientação editorial da maioria dos jornais e da mídia nacional e contava com um forte apoio do presidente da república. Sobrevivendo por mais de vinte anos entre 1951 a 1972, quando foi vendido para a Empresa Folha da Manhã S/A, que também era dona do jornal Folha de São Paulo, o Última Hora deixou como marcas registradas o nacionalismo, o populismo e, por vezes, o sensacionalismo. Conseguimos verificar que o periódico nasceu e teve seu fim, na convergência dos interesses de um governante e de Samuel Wainer, seu proprietário. Um jornal que falou alto em seis estados brasileiros (Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco), e que teve como poucos, o poder de articular as discussões políticas do país em tempos conturbados, noticiando de forma diferenciada desde o desenvolvimento de novas tecnologias para a área veterinária, como o anúncio da criação de uma nova vacina anti-aftosa (Fig.18), notícias sobre a crise na pecuária nacional resultado do crescimento da febre aftosa (Fig.17) e passando pelo anúncio sensacionalista da morte de Getúlio Vargas (Fig.19) com uma manchete de primeira página. Todas essas notícias 84 evidenciavam um forte apelo popular e interligavam a realidade vivida pelo país com prenúncios desejosos de um futuro promissor para o Brasil. Antes de sua falência, o jornal Última Hora enfrentou muitas crises durante a ditadura, inclusive com o exílio de seu fundador, mas sobreviveu nacionalmente em seu projeto original até 21 de abril de 1972, quando foi vendido a Maurício Alencar. Foi nesse momento, que estava sendo encerrado um importante capítulo do jornalismo brasileiro. O nome Última Hora ainda estampou as páginas do jornal impresso até o mês de julho do ano de 1991, quando entrou em falência total, mas que na verdade já havia iniciado seu processo de fechamento no ano de 1972. 85 Figura 17. Jornal Ultima Hora de 07/11/1951. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. Figura 18. Jornal Ultima Hora de 07/11/1959. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. Figura 19. Manchete do Jornal Ultima Hora do dia 24/08/1954. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 86 3.2 NOTÍCIAS SOBRE PANAFTOSA. Conseguimos perceber através de nossa pesquisa, que os jornais com tiragem diária são um importante instrumento de disseminação de informação para área da saúde, tanto para o público leigo como para os profissionais que atuam diretamente em algum órgão, instituição ou local de promoção da saúde. Notícias e/ou matérias publicadas em jornais, que estejam relacionadas à saúde podem influenciar decisões políticas, diretamente os usuários e serviços de saúde de um país, além de a população leitora de uma maneira geral. Dependendo do teor da nota, esse veículo de comunicação pode influenciar e até mesmo conduzir uma linha de pensamento de uma população, como pode também impactar diretamente o fornecimento e utilização de serviços de saúde, pois desde que surgiram os primeiros jornais, que é comum encontrarmos relatos de problemas na saúde, casos raros ou que estão sendo pesquisados por especialistas em instituições, além de também apresentarem características alarmistas e incompletas de surtos de doenças que estão ocorrendo em um dado momento. Pensando primeiramente na saúde e em sua promoção, não podemos deixar de observar o trabalho e o papel desempenhado pelas instituições que trabalharam e seguem trabalhando em favor da saúde, espaços que colocaram e ainda colocam todos os seus esforços em prol da melhora dos níveis de saúde e da qualidade de vida das populações. Neste contexto, a comunicação e seus meios são mundialmente reconhecidos como ferramentas estratégicas de apoio para que haja uma melhora nas condições de saúde das nações. Sabemos que a responsabilidade da mídia é grande, já que é provedora de grande parte da informação que circula na sociedade, e que ela não está direcionada somente ao público leigo, mas também aos profissionais que atuam diretamente nos organismos, instituições de pesquisa e centro promotores de saúde. Sendo assim, entendemos que para melhor compreender o papel desempenhado pelas instituições de saúde no Brasil, deveríamos identificar e analisar quais seriam as características das notícias relacionadas ao Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, nossa fonte de pesquisa e identificar quais foram os jornais históricos que publicaram notas sobre a instituição, e posteriormente verificar qual o período que essas notícias foram publicadas. Outra fase fundamental para este trabalho foi a análise do teor dessas notícias e 87 posteriormente fizemos uma reflexão sobre o que se falava no período que antecedeu a chegada do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa ao país e seus primeiros anos de vida. Foi então, que partimos para a Biblioteca Nacional em busca dos jornais históricos arquivados no acervo da Hemeroteca (disponibilizada digitalmente) e começamos nossa caminhada rumo às respostas para nossas indagações expostas anteriormente. Como já dito no capítulo 3, identificamos 7 jornais que apresentaram ou tinham alguma relação com a instituição Centro Pan-Americano de Febre Aftosa. Identificamos que a ocorrência de matérias publicadas nos periódicos sobre a instituição aconteceu entre os anos de 1950 até o ano de 1962, quando em 26 de novembro de 1962, no Jornal Última Hora encontramos um último registro que fazia menção à Panaftosa. De posse dessas informações partimos para uma segunda etapa, que foi a de analisar quais os tipos de notícias que foram publicadas nos 7 jornais históricos. Verificamos também se elas eram apresentadas em alguma área ou caderno específico de cada jornal, e se o conteúdo das matérias apresentava relação com o cenário político e econômico da época. Fizemos um estudo retrospectivo, que foi realizado durante o período de cinco meses, entre agosto a dezembro de 2013. Dentro deste recorte temporal foram localizadas as matérias que divulgaram ou demonstraram o interesse do Brasil em hospedar o primeiro centro de pesquisa e cooperação técnica internacional, especializado em uma doença animal que oferecia riscos à economia e às relações internacionais entre os países. Também foram identificadas as notícias que falavam sobre feitos, convênios, acordos e realizações ligadas diretamente à instituição. A análise do material encontrado foi feita através do acesso as versões microfilmadas e eletrônicas de cada um dos jornais pertencentes ao acervo histórico da Hemeroteca Digital Brasileira da BN. A pesquisa buscou, então, analisar o que se falou na mídia impressa sobre Panaftosa, em que área tal notícia estava enquadrada ou direcionada (se tinha caráter político, econômico, social ou outro) como falavam da instituição e quais os fluxos de circulação dessa informação (se estavam destinadas a algum público específico ou se eram simplesmente publicadas como mais uma matéria de jornal). Buscamos compreender como a instituição foi descrita e tratada pelos jornais da época. O que se falava de Panaftosa? E quais as relações da instituição com o país que estava recebendo a instituição? 88 3.2.1 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL A NOITE No Jornal A Noite foram divulgadas 106 notícias que faziam referência à doença febre aftosa e que também relatavam os surtos ocorridos no cenário nacional e internacional entre os anos de 1950 até o ano de 1957, dentre estas, conseguimos identificar 6 que mencionam especificamente questões ligadas ao Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Fig. 20), nas quais 2 apresentaram caráter científico, pois falavam da realização de um seminário internacional de febre aftosa, organizado por Panaftosa, que mencionavam também sobre o desdobramento do evento em algumas atividades científicas, que originaram posteriormente práticas e trabalhos em prol do desenvolvimento e avanços ligados à vacina contra a febre aftosa. As outras 4 notícias identificadas tinham em seu conteúdo características políticas, pois falavam do Ministério de Agricultura do Brasil (Fig.21), da estreita relação com a instituição e todo o apoio proporciona ao organismo internacional instalado no país. Com textos positivistas e de exaltação aos governos da época, conseguimos perceber a satisfação do dirigente do país e seus ministros com a chegada de Panaftosa e com o trabalho que vinha sendo realizado pela instituição. Observando de maneira mais global e generalista as notícias publicadas no A Noite, conseguimos identificar que grande parte das matérias publicadas nas décadas de 50, neste jornal, apresentavam certo sensacionalismo ao descrever os acontecimentos ocorridos cotidianamente na sociedade. As matérias de capa, por exemplo, apresentavam narrativas de assassinatos, misturadas a propagandas de grandes empresas, além dos destaques que valorizavam algum acontecimento o político ou militar. Figura 20. Notícia publicada em 28 de novembro de 1955. Fonte: Acervo da Hemeroteca da Biblioteca Nacional. 89 Figura 21. Notícia publicada em 11 de novembro de 1957. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 3.2.2 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DIÁRIO CARIOCA Considerado pela classe jornalística como um dos principais responsáveis pelas mudanças gráficas e editorias que ocorreram na imprensa carioca, o jornal Diário Carioca deixou para a história da imprensa a sua marca graças à contribuição que deu para o crescimento da mesma. Conseguimos perceber através de nossa pesquisa que a década de 50 foi o período em que os jornais impressos sofreram grandes transformações. Diversas técnicas redacionais originadas pelos norte-americanos foram adotadas pela imprensa brasileira e implementadas inicialmente na cidade do Rio de Janeiro. Além de também importarem e começarem a organizar a estrutura das empresas jornalísticas em nosso país, tendo como base o que estava sendo feito na sociedade americana. Foi justamente no período do final da primeira metade do século XX, que ocorreu a passagem definitiva da imprensa artesanal para uma imprensa industrial, de uma pequena para uma grande imprensa. Nesse momento, o jornalismo como empresa sente a necessidade de um maior investimento e começa a ocupar espaços no mundo capitalista. 90 Observamos que o Diário Carioca está relacionado na lista dos jornais que começaram a aderir às novas técnicas oriundas dos norte-americanos, e que contribuíram também para uma reforma na imprensa da época. Entre esses jornais, estavam também incluídos o Jornal do Brasil e o Última Hora. Neste sentido, pensamos ser válido levarmos em conta que todas essas mudanças que ocorreram na imprensa neste período estavam relacionadas ao momento histórico que o Brasil vivia socioeconomicamente e politicamente. A década de 50 foi marcada como um período de profundas transformações para o Brasil no cenário econômico, pois o país estava ingressando numa decisiva era de industrialização. Naquele período, a “indústria cultural” dava seus primeiros passos rumo à massificação do rádio e a era televisiva, entre outras mídias que também estavam em ascendência como o cinema e as atividades musicais (como a discografia), todas estas áreas viviam momentos de desenvolvimentos e expansão no país. Não podemos deixar de lembrar que o Brasil vivia também um momento de profundo entusiasmo por parte da população, pois o presidente Juscelino Kubitschek construía Brasília, e o povo estava sendo conduzido por um espírito onde o “novo” trazia esperanças de progresso e oportunidades para a nação. O clima de liberdade vivido pelo país, no que dizia respeito aos contextos constitucional e democrático (que foram vivenciados entre a queda da ditadura em 1945 e golpe militar de 1964) estimulou o exercício de independência e de expansão dos meios de comunicação. A produção cultural desse período foi marcada pela valorização do popular, como componente fundamental para a demarcação da nacionalidade brasileira, onde se buscava novas formas de expressão artística, capazes de integrar cultura, modernidade e desenvolvimento. Diante desse novo cenário, as novas técnicas de produção e de administração foram introduzidas e surgia ali uma nova linguagem que se fazia presente no discurso jornalístico, dando prioridade à notícia em detrimento à opinião. Devemos destacar que até a chegada dos anos 50, a informação não era o que mais importava em um jornal, mas sim o sensacionalismo que supervalorizava as situações vividas na sociedade e as ocorrências trágicas que surgiam na vida cotidiana dos cidadãos. Foi na década de 50, que a imprensa brasileira, começou a abandonar suas antigas tradições: o jornalismo de combate, de crítica, de doutrina e de opinião, anteriormente apresentado no jornal popular, em formato de crônicas ou folhetins. Esse jornalismo de 91 opinião tinha forte influência francesa e foi dominante na área jornalística desde seus primórdios até meados da década de 60. Essa fase foi sendo gradualmente substituída pelo modelo norte-americano no cenário brasileiro: um jornalismo que privilegiava a informação, a notícia e que separava o comentário pessoal da transmissão objetiva e impessoal da informação. Mesmo com tantas inovações iniciais, a vida do Diário Carioca não foi muito longa e um clima de decadência tomou conta do jornal com o passar dos anos. A redação funcionou pela última vez em 31 de dezembro de 1964. Já em seus últimos tempos, o jornal apresentava um traço de melancolia e até mesmo certa incapacidade de acompanhar o ritmo de sua época. Entretanto, não podemos deixar de destacar o fato de que o Diário Carioca foi pioneiro em muitas ações, pois mesmo passando por dificuldades e caminhando para o fechamento de porto, foi justamente no final da década de 60 que de maneira audaciosa ele foi o primeiro jornal brasileiro a ter como chefe de reportagem uma mulher, Ana Arruda. Tudo isso ocorria num período em que eclodia no mundo o movimento feminista. Analisando especificamente as notícias que faziam menção ao Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e sobre a doença febre aftosa conseguimos identificar 9 notícias. Dentre as encontradas verificamos que todas apresentavam uma escrita com características de neutralidade (sem a exposição de opinião dos jornalistas que escreveram as mesmas), tinham um viés com características mais científicas, onde a exposição dos feitos da instituição como a publicação de trabalhos científicos, por parte dos técnicos que atuavam na instituição, em revistas conceituadas internacionais como ao American Journal Veterinary Research, eram destacadas pelo Diário Carioca (como constatado na edição de 31 de maio de 1959). Outro recurso utilizado pelo jornal que não poderíamos deixar de mencionar é a utilização de imagens para ilustrar as notícias escritas por seus jornalistas. Em nenhum momento conseguimos identificar nas notícias publicadas, algum traço positivista ou de exaltação ao governo ou a política nacional vivida na época. O que realmente ficou claro, na análise que fizemos das notícias sobre o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Fig.22), foi que o Diário Carioca tinha a intenção de noticiar o que a instituição vinha desenvolvendo cientificamente em prol da saúde e produção animal, do fornecimento de alimentos (carne e seus derivados, leite e lácteos). 92 Figura 22. Notícia do jornal Diário Carioca de 28 de agosto de 1951 que apresenta nota sobre o acordo para a criação de panaftosa. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 93 3.2.3 NOTÍCIA PUBLICADA NO JORNAL DIÁRIO DA NOITE Encontramos somente uma pequena nota publicada no jornal. Tal notícia estava impressa na área do periódico onde também estavam descritas outras matérias de cunho internacional e a mesma fazia menção sobre a importação por parte do Ministério de Agricultura do Brasil de equipamentos para o desenvolvimento de técnicas de laboratório realizadas no Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, onde ao final da notícia percebemos, na escrita do jornalista de certa preocupação com o rebanho bovino brasileiro e a reputação do país na importação de carne para os países do continente americano. A grande dificuldade em encontrar notícias que falassem sobre Panaftosa no Jornal Diário da Noite foi uma constante em nossa pesquisa. O periódico na verdade apresentava e dava destaque a notícias que falavam do cenário da pecuária e agricultura vividas pelo Brasil na época, mas não noticiava nenhuma nota, a não ser a pequena que citamos acima publicada na edição de 12 de abril do ano de 1957 (Fig.23), ocorrido durante o período definido por nós como nosso recorte temporal (1950-1962). Figura 23. Notícia do jornal Diário Carioca de 12 de abril de 1957. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 94 3.2.4 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DIÁRIO DE NOTÍCIAS Conseguimos observar que o Diário de Notícias foi o primeiro jornal que reclamou da reconstitucionalização, fazendo numa emergência particularmente difícil, quando a ideia de volta aos quadros legais se chocava perigosamente com as claras tendências da ditadura, período que permanecia indefinidamente na entronização do triunfo revolucionário. A despeito de tudo, a ideia fez caminho e, vencendo estorvos sem conta, culminou, enfim, na realidade de agora, que não podemos deixar de contemplar com a emoção de um nobre orgulho, porque nela se espelha uma vitória memorável, incontestável e indisputável do Diário de Notícias e da opinião brasileira. O Diário foi fundado para ser um jornal dirigido à classe média e à classe média alta. A linha doutrinária do periódico era dada por pessoas como o deputado Otávio Mangabeira, membro ativo do partido da União Democrática Nacional (UDN) 18 . Conseguimos observar nas leituras das notícias de cunho político publicadas no jornal que em sua maioria, no período em que Vargas esteve no poder (tanto na época da ditadura quanto depois de seu retorno), que as notícias publicadas tinham a intenção de atacar, criticar ou denunciar algum ato governamental, mas é importante destacarmos que em suas escritas, o jornal sempre descrevia e se posicionava de maneira polida, mesmo quando a crítica tinha relação com o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) nacional. Era notório que o jornal buscava causar incômodo aos governantes quando publicava alguma matéria que criticava algum investimento, negociação ou ação feita pelo presidente em favor do desenvolvimento do país, pois suas notas provocativas causam certa inquietação quando lemos. Coisa que não foi exclusividade da Era Vargas, pois Juscelino Kubitschek, quando presidente, também foi duramente atacado pelo Diário de Notícias. E foi dentro deste perfil de escrita crítica e com um tom provocativo, que ao pesquisarmos o acervo de periódicos da BN encontramos somente 2 notícias que fizeram 18 UDN - fundado em 7 de abril de 1945, declaradamente opositor às políticas e à figura de Getúlio Vargas, o partido da União Democrática Nacional, tinha orientação conservadora e usava como lema a famosa frase de Thomas Jefferson "O preço da liberdade é a eterna vigilância". O partido defendia como suas bandeiras a abertura econômica para o capital estrangeiro e a valorização da educação pública. Com esse perfil, o partido detinha forte apoio das classes médias urbanas e de alguns setores da elite nacional. 95 menção à Panaftosa. Elas foram publicadas no ano de 1951, sendo a primeira na edição de 19 de março e a segunda na de 17 de agosto (Fig.24). Vimos que as duas matérias fazem duras críticas políticas ao governo da época, pois o teor das notícias fala sobre o risco da não implantação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa no país, pela falta de cumprimento de cláusulas e alguns trâmites relacionados ao Convênio Internacional firmado entre a Repartição Sanitária Pan-Americana e o governo brasileiro. Figura 24. Manchete do jornal Diário de Notícias de 17 de agosto de 1951. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 96 3.2.5 NOTÍCIA PUBLICADA NO JORNAL GAZETA DE NOTÍCIAS Sem dar ênfase ou grande destaque às matérias relacionadas ao Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, a Gazeta de Notícias é um jornal que apresenta certa imparcialidade e neutralidade na forma de escrever suas matérias. No nosso caso, o periódico publicou somente uma notícia sobre o Centro. A publicação sobre a instituição foi feita no dia 05 de abril de 1952, na coluna chamada Ordem do Dia, no formato de nota e que fazia referência ao convênio estabelecido entre o governo do Brasil e a Repartição Sanitária Pan-Americana e as questões financeiras necessárias para a manutenção das atividades da instituição. Buscamos nos arquivos da Gazeta, por outras notícias ou matérias que fizessem menção à instituição ou que estivessem relacionadas à febre aftosa, mas não encontramos nenhum registro que tenha sido publicado no período entre os anos de 1950 até 1962, recorte temporal escolhido por nós, pelo fato de apresentar notícias sobre a instituição e também por noticiar focos da doença em outros jornais impressos do país. 3.2.6 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL DO BRASIL Um jornal que nasceu junto com a monarquia brasileira, o Jornal do Brasil ou JB, como é comumente conhecido, sempre apresentou em seus textos uma postura mais moderada, em relação às lutas ideológicas ou seu posicionamento político partidário, pois o mesmo surgiu fortemente capitalizado e com a intenção ter uma vida longa, diferentemente da realidade de vários pasquins monarquistas que surgiram, mas que não se mantiveram no cenário jornalístico do país. Durante um tempo, o JB oscilou entre atitudes mais ou menos engajadas, testando os limites do aceitável. Com a chegada de Joaquim Nabuco19 para chefiar a redação em junho de 1891, quando voltou da Inglaterra onde era correspondente, intensificaram-se as críticas ao regime de governo, foi publicada, além de outras coisas, uma série de artigos intitulados “Ilusões Republicanas” e “Outras Ilusões Republicanas”. O jornal foi ameaçado e ainda assim continuou com a campanha criticando o adesismo ao novo regime (SILVA. 1988, p. 44). 19 Reconhecido como um dos grandes diplomatas do Império brasileiro (1822-1889), além de orador, poeta e memorialista. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, Nabuco era monarquista e conciliava essa posição política com sua postura abolicionista. Atribuía à escravidão a responsabilidade por grande parte dos problemas enfrentados pela sociedade brasileira, defendendo, assim, que o trabalho servil fosse suprimido antes de qualquer mudança no âmbito político. Fonte: http://www.fundaj.gov.br/. Fundação Joaquim Nabuco. 97 Conseguimos perceber que ao longo de sua existência, o Jornal do Brasil apresentou posicionamentos diversos com relação à politica nacional. Esse fato ocorreu inúmeras vezes e como consequência chegou a afetar o desenvolvimento da empresa, que precisou mudar de proprietário e partido político por diversas vezes até chegar ao ponto de ser considerado um sucesso nacional e ficar conhecido como um jornal popular. Quando focamos nossa pesquisa na busca por notícias sobre o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Fig.27) e também por relatos sobre a doença febre aftosa, encontramos um total de 9 notícias publicadas no JB. Com relação ao teor das notícias, concluímos que todas apresentam um tom de valorização e/ou apoio à instituição, ao Brasil e aos Ministérios (Fig.25) que estiveram envolvidos com a instituição, pois mesmo que apresentadas em pequenas notas, elas sinalizam e falam com um tom de exaltação sobre acordos e parcerias estabelecidos, investimentos ou apoio no desenvolvimento de trabalhos técnicos e atividades realizadas por Panaftosa (Fig.26). Todas as matérias apresentam e destacam a harmonia estabelecida entre os organismos internacionais envolvidos no processo de instalação e manutenção da instituição e os governos que estavam no poder na época. Figura 25. Notícia publicada no Jornal do Brasil em 15 de novembro de 1951. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 98 Figura 26. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. Nota publicada no Jornal do Brasil em 11 de novembro de 1953. Figura 27. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. Nota publicada no Jornal do Brasil em 11 de abril de 1957. 3.2.7 ANÁLISE DAS NOTÍCIAS PUBLICADAS NO JORNAL ÚLTIMA HORA Um importante fato a ser destacado é que o jornal Última Hora foi o único grande periódico que não apoiou o golpe militar. Antes da ditadura, o jornal havia sido objeto da primeira Comissão Parlamentar de Inquérito do Brasil (CPI). Levantando a bandeira em defesa da democracia e do país, o jornal servia como instrumento de formação para muitos jornalistas. A forma de publicar e apresentar as notícias no periódico era feita de maneira muito peculiar, onde os escritos transmitiam ao público leigo textos elaborados de forma romanceada e apresentando certa humanização. Outro destaque que deve ser dado ao jornal é o foto dele ter sido o primeiro, ao menos no Rio de Janeiro, a admitir profissionais negros em seu quadro de repórteres, além de ter sido um pioneiro na escrita com cunho crítico no Brasil. Além de usar charges e cartuns, as fotografias também foram elementos que ganharam destaque nas matérias publicadas. Conseguimos verificar que o Última Hora apresentava as fotografia como centro para muitas de suas notícias, e que estas estavam sempre cercadas de muita informação e/ou articuladas com textos curtos, mas objetivos. 99 O Última Hora foi o primeiro jornal a romper com a tradição oligárquica da grande imprensa. Até o surgimento do jornal, o mercado de periódicos impressos era dominado pelos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, que dominava o mercado na base antipopular; O Correio do Povo, chefiado pela família Caldas; O Estado de São Paulo, da família Mesquita; O Correio da Manhã e o jornal A Tarde, que pertenciam à família Simões; e o Jornal do Comércio, da família Queirós Lima. Neste sentido, o Última Hora deu início a um tipo de imprensa popular que não existia no Brasil. Até 1950, a opinião pública brasileira era dominada por um grupo de jornais, que pertenciam a famílias tradicionais da elite nacional. O sucesso do jornal feria os interesses políticos e econômicos dos adversários de Getúlio Vargas. Os que se sentiram de certa forma atingidos com o sucesso do periódico falavam abertamente da estreita relação de Getúlio e com o fundador do Ultima Hora, Samuel Wainer. O resultado desse embate foi a implantação, em 1953, da primeira CPI do Brasil, que além de tentar acabar com o jornal diário, visava também desestabilizar o governo de Getúlio Vargas. A campanha contra Samuel Wainer durou mais de dois anos e foi um palco importante onde se encontraram os partidários de Getúlio e a oposição, sob acusação de o jornalista beneficiar-se da relação com o governo federal, e vice-versa. Durante a CPI, o principal depoente, Carlos Lacerda, fez graves críticas morais ao jornal Última Hora. O então deputado federal Lacerda analisou 48 artigos e colunas, principalmente de Nelson Rodrigues e a pauta policial, e classificou o jornal como instrumento libertino e licencioso que tirava da normalidade a sociedade brasileira (HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA). Sendo assim, as seis notícias publicadas pelo Última Hora sobre Panaftosa (Fig. 28 e 29) apresentavam as mesmas características das demais notícias publicadas diariamente no jornal. Por ser uma publicação politicamente engajada com a democracia, a mesma valorizava os feitos em favor do bem comum, apresentando as notícias com certo romantismo e humanização, dando sempre muitos detalhes sobre a situação que estava sendo apresentada, além de narrar as informações de maneira muito clara. 100 Figura 28. Notícia publicada no Jornal Última Hora de 19 de junho de 1951. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. Figura 29. Notícia publicada na segunda página do Jornal Ultima Hora de 10 de junho de 1960. Fonte: Arquivo da Biblioteca Nacional. 101 CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo nos permitiu concluir que a criação do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, suas descobertas e toda a sua produção científica foram marcos que sinalizaram sua importância no cenário da Saúde Pública e Saúde Pública Veterinária das Américas, assim como estes fatores e registros representam as fontes que demarcam sua consolidação como instituição que trabalhou e ainda trabalha em prol da saúde e bem estar dos povos, com um olhar especial para os países que conformam a região das Américas. Conclui-se também, que grande parte dessa produção, feitos e realizações do Centro não foram amplamente divulgadas nos jornais de ampla circulação do Brasil. Constatamos esse fato, através de buscas realizadas nos acervos dos jornais arquivados na Hemeroteca da Biblioteca Nacional e também nos arquivos históricos de Panaftosa. Vimos que a divulgação da instituição era realizada em sua maioria através de meios internacionais de divulgação cientifica como periódicos científicos, congressos, eventos, e também por meio de parcerias estabelecidas entre governos e instituições. Essa forma de disseminação de informação e conhecimentos gerados pela instituição era publicada principalmente pelos órgãos voltados para as atividades ligadas à agricultura e pecuária, ou divulgados pelos órgãos de que representassem as entidades e/ou instituições de saúde voltadas a doenças de origem animal, e que também apresentassem relação com a saúde humana, impacto na economia ou nas relações internacionais entre o Brasil e os outros países do continente. Sendo assim, essa produção foi preponderantemente publicada através desses locais, circulando de maneira quase que restrita entre eles e as instituições relacionadas ao trabalho desenvolvido por Panaftosa, sem passar pelos veículos de comunicação nacionais como jornais impressos e meios de comunicação existentes no Brasil a época. Neste sentido objetivamos com este trabalho levantar elementos teóricos para embasar nossa escrita sobre memória, história e apresentar um panorama histórico do Centro PanAmericano de Febre Aftosa desde sua chegada ao país até os anos, que através de nossa análise, consideramos e sinalizavam como sendo o período de maior efervescência no desenvolvimento das atividades institucionais. 102 Nesse contexto, quando recorremos às fontes (históricas registradas e arquivadas nos acervos de bibliotecas, instituições ou centros de pesquisa) como instrumento norteador para a valorização ou reconhecimento de um lugar, grupo ou instituição, não fazemos isso com a intenção de recorrer ao passado como mero momento de reflexão, mas sim, como forma de refletir sobre o presente, ancorados no que foi registrado e preservado na memória. Nossa reflexão e escrita fizeram-nos pensar o quanto a história e memória podem potencializar construções identitárias, espaços políticos e efetivações de direitos e espaços. Não que a produção de imaginário e simbolismos sejam inválidos, mas desejamos sobremaneira enfatizar o liame que a memória social deve possuir como um pensamento crítico e politizado. Entendemos que os processos de construção da memória social podem apontar possibilidades de futuro para grupos e instituições, como é o caso de Panaftosa. Com relação ao levantamento que fizemos das notícias publicadas nos jornais da época sobre a instituição, mesmo que elas não tenham apresentado tanto destaque ou recorrência, estes foram os veículos de divulgação noticiados para a população do país dos acontecimentos ocorridos em torno da instituição e também de seus feitos. Percebemos que todas essas ocorrências estavam diretamente ligadas ao que vinha acontecendo na realidade cotidiana do Brasil, e que, além disso, também tinha relação com o que vinha ocorrendo nas relações internacionais e no comércio exterior. Podemos observar que enquanto um periódico atuava como porta-voz do governo e veículo de transmissão dos ideais que representavam um grupo político, outro jornal trazia em suas notícias um discurso que não vinha de encontro com o que o governo ditava, mas que aos poucos exercia certa influência no pensamento de seus leitores através da construção de seus textos. Diante deste panorama, vislumbramos a oportunidade única de trabalhar em prol da preservação da história e memória do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa - OPS/OMS, instituição que vem ao longo de seus 62 anos de existência, desenvolvendo e reunindo um expressivo acervo documental, resultado de suas atividades de investigação, tecnologia de produção e controle de vacinas, além de atuar fortemente no combate a doenças de origem animal (porque atualmente Panaftosa não atua somente com uma doença de origem animal, mas atende a inúmeras demandas e necessidades ligadas a doenças de origem animal que podem acometer a saúde humana). 103 Frente à realidade apresentada chegamos à conclusão de que a memória não está formada somente das recordações presas ao passado, mas que tem na verdade, um poder transformador que possibilita um tentar de novo, de forma distinta ao que foi feito anteriormente, orientando as mudanças através das informações e evidências já realizadas. A memória pode estar guardada na prática, no conhecimento acumulado, no saber fazer algo e até mesmo no ato diário de realizarmos alguma tarefa ou atividade. Pode estar registrada em documentos públicos e/ou privados, como também pode estar na mescla de conhecimentos do tipo tácito ou codificado. Sabemos que a memória somente se torna história quando está registrada, e que o processo de busca, seleção, organização e difusão da informação codificada e essencial para sua utilização no campo das ciências e áreas da saúde, porque permite que os pesquisadores, tomadores de decisão e a sociedade em general tenham a possibilidade de rever as ações realizadas no passado, aprender com elas e preparar-se para as ações futuras. Temos consciência de que o ser humano não vive só e que as organizações também não existem sozinhas; estas últimas são formadas por grupos sociais que dão visibilidade aos trabalhos desenvolvidos no interior das instituições. Podemos afirmar com isso que o êxito de uma empresa, organização ou instituição se dá graças aos recursos humanos da mesma, pois é na força do trabalho em equipe de um grupo que estão e são geradas as experiências e vivencias de sucesso que são perpetuadas ao longo de sua existência. Amparados em Halbwachs (1990) podemos então dizer que a memória de uma sociedade estende-se até onde vai a memória dos grupos sociais que a compõem e, à medida que esses grupos desaparecem, ela se extingue. Entre os depoimentos e registros dos que testemunharam o fato e a história construída há um longo e nem sempre claro percurso, e que certamente, essa operação envolve processos de reconstrução e ressignificação das experiências lembradas e vividas. 104 REFERÊNCIAS ABREU, Alzira Alves de; BELOCH, Israel; LATTMAN-WELTMAN, Fernando; LAMARÃO, Sérgio Tadeu de Niemeyer (Coord.). Dicionário histórico-biográfico brasileiro pós-1930. Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2001. 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