TOMADA DE POSSE DOS CORPOS SOCIAIS DA LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL Intervenção de Hermínio Loureiro Porto, 2 de Outubro de 2006 Sou o novo Presidente da Liga Portuguesa de Futebol Profissional. Quis o destino que esta tomada de posse acontecesse num momento especialmente conturbado. É verdade. Não esperem que fuja das palavras ou rodeie situações, porque nas últimas semanas não gostei do que vi, do que ouvi e do que li. Mas como terão notado, optei pelo silêncio, em nome do respeito institucional. Sabia que não podia ser mais um a falar. Sou responsável. Hoje, empossado, procurarei que nada fique por dizer. Para falar do futuro com seriedade, importa que todos saibam o que penso do passado e do presente. 1 Procurarei responder brevemente a duas questões: O que ganhou o futebol português desde o dia 10 de Agosto, dia das eleições, até hoje? Que respeito foi conferido ao resultado mais expressivo de sempre numa votação para os órgãos sociais desta casa? O futebol nada ganhou. A aceitação democrática também não aconteceu. Só que entretanto, o futebol perdeu credibilidade, não se deu ao respeito e muitas vezes também não respeitou. Pior. O futebol profissional não está a participar na importantíssima discussão sobre a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto. E muito pior ainda. Perdeu-se um patrocinador para a II Liga. Perda irreparável. É preciso que quem possa não ter tido o comportamento mais certo reflita sobre ele, seriamente. Esta casa não existe para o bem deste ou daquele clube, esta casa existe para prosseguir o bem do futebol profissional. Estou convicto que, entre o dia das eleições e a data de hoje, não existiram condições para que a Liga prosseguisse esse objectivo. 2 Não me acenem com a extinção da Liga. Não me digam que a Liga não tem razão de ser porque durante os próximos quatro anos todos vão perceber para que serve a Liga. O futebol profissional é uma actividade demasiado séria. É também uma indústria e nós, responsáveis e dirigentes, temos a obrigação de a defender. Mas avancemos. Não vou temer as palavras. Vamos ao processo «Apito Dourado». Os factos nele contidos não dignificam em nada o futebol, estaremos todos de acordo, mas este processo é hoje uma vergonha para a Justiça. Estou a medir bem as palavras que digo: o processo «Apito Dourado» é uma vergonha para a Justiça. Quero também que saibam que, no respeito institucional que a Procuradoria Geral da República merece, aguardarei apenas alguns dias para que o novo Procurador tome também posse do cargo (para o qual desde já lhe desejo as maiores felicidades – o seu sucesso será, com toda a certeza o sucesso do País) e nesse mesmo dia solicitarei, em nome da Liga, uma audiência. A Liga não vai eximir-se de todos os seus direitos e deveres legais. Tem de ser um agente activo e, sobretudo, não pode permitir que constantemente se atire lama para uma ventoinha que a todos inunda de suspeição. 3 A credibilidade do futebol profissional tem sido muitas vezes prejudicada por questões que nos ultrapassam e que à gestão da Justiça e dos seus agentes dizem respeito. Não critico um único jornalista. Não critico um único jornal, pela divulgação que têm feito. Para terem as informações que têm, alguém lhas fez chegar. A forma como têm sido publicadas, o critério de oportunidade utilizado, diz tudo sobre a intenção de quem divulga. Disto mesmo falarei ao senhor Procurador. É preciso acabar com a brincadeira. Sem branqueamentos falsos. Sem rodeios. Não cheguei aqui para isso. Não vou descansar enquanto o futebol profissional não estiver limpo de uma suspeição generalizada e entendo que a Justiça está a contribuir, e muito, para essa suspeição. Quero que a Justiça tenha a palavra. Acredito nos Estados de Direito Democrático e por isso, acredito na Justiça. Mas não esperem que aceite que o processo se arraste ao sabor de interesses e caprichos, sem nada fazer. Disso podem todos estar certos. 4 Minhas senhoras e meus senhores, Vamos ao «Caso Mateus». Mais uma vergonha. Uma vergonha que não é da responsabilidade do Gil Vicente. Mais uma vez digo-o sem hesitações porque gosto pouco de ficar a meio das palavras. O «Caso Mateus» não é culpa do Gil Vicente. Como não o é também do Belenenses. Este processo só se transformou num «caso» porque alguém demorou tempo demais a decidir; porque houve órgãos que foram eleitos para resolver problemas e em vez de os resolverem, apenas os agravaram. Ou seja, os problemas da justiça civil foram transportados para a justiça desportiva e foi isso que gerou um «caso». Não sou jurista. O Gil Vicente podia ou não ter utilizado o jogador Mateus ou recorrido aos tribunais civis para resolver esta situação específica? A matéria é complexa. De tal forma que eminentes juristas divergem de opinião. O que tenho a certeza é que se este assunto tivesse sido resolvido mais cedo pela justiça desportiva, o arranque das 5 competições não teria sido afectado, como foi. Estivesse o Gil Vicente na Bwin Liga ou na II Liga. Comigo será assim: se em algum momento a Comissão Disciplinar demonstrar falta de disponibilidade para analisar, de forma célere, os assuntos que dizem respeito a esta casa, serei o primeiro a querer saber quais as razões subjacentes a esses atrasos. Caso não exista justificação plausível, não deixarei de exercer todos os meus deveres. Sobre estes dois temas, fica expressa a minha opinião, e o meu sentimento. Era meu dever fazê-lo hoje, perante aqueles que em mim confiaram para um mandato de quatro anos. Espero ter sido claro. Minhas senhoras e meus senhores, Começa hoje um novo ciclo para o futebol profissional. Os próximos quatro anos serão de muito trabalho, exigirão muita disponibilidade e competência. Estamos aqui para o fazer, mas também é este o dia para assumir qual é o nosso caminho, o que entendemos que está mal e o que vamos fazer diferente. 6 Quase quatro meses sem competir, como ainda esta época aconteceu, não é aceitável. Nenhuma actividade profissional que se quer rentável, pode suspender a sua actividade e, por consequência, as suas receitas, durante quase quatro meses. Em parceria e em estreito diálogo e colaboração com a Federação Portuguesa de Futebol, temos de encontrar a fórmula correcta para fazer nascer a «Taça da Liga». Mas queremos ir mais além: queremos que esta Taça seja um modelo. Porquê? Porque tudo faremos para recolher as autorizações necessárias para podermos utilizar novas tecnologias ao serviço da verdade desportiva e tentar outras inovações. A Taça da Liga pode, deve e vai ser um exemplo para seguir. Custa-me também que tendo no Algarve uma zona de Portugal em que o futebol perdeu alguma importância, mas o turismo assume cada vez maior qualidade, a Liga fique de braços cruzados. Por isso, brevemente proporei a criação de um troféu de abertura, uma competição de início de época, que possa dar utilização e 7 rentabilidade ao estádio do Algarve e que envolva equipas nacionais e estrangeiras. Promovemos o futebol e vamos ao encontro das pessoas. Minhas senhoras e meus senhores, Quem dirige o futebol não é dono do futebol. O futebol é dos jogadores, é dos treinadores, é dos golos e das grandes defesas. O futebol é dos adeptos, dos sócios e simpatizantes dos clubes e também é dos dirigentes. Em resumo, é de todos e para todos. Basta de protagonismos exagerados. Haja responsabilidade. Saber gerir o silêncio é também, um sinal de inteligência. Comigo a Liga é de todos, não é só de alguns. E falemos claro, falemos muito claro. Podemos ter uma direcção de dez clubes, mas não julguemos que esses clubes são mais do que outros. Comigo vale o mesmo o campeão como o último da tabela. Porquê? Porque à Liga deve interessar o todo e não as partes. 8 Comigo a Liga não será uma manta de retalhos. É uma equipa que todos os dias trabalha ao serviço do negócio do futebol profissional. Comigo na Liga não há falsos clubismos. Sou do Sporting, e depois? O que muda com isso o meu desempenho? Nada. Terei comigo pessoas que ao sábado ou a domingo vibram mais por outros clubes, e depois? Declare-se morte a esses fantasmas clubistas. Todos temos o nosso emblema favorito, mas aqui, nesta casa, comigo, o trabalho é para a indústria do futebol. Não admito ninguém que o não faça, nem pactuarei com tal coisa. Comigo na Liga vai haver regras novas. Umas serão aplaudidas, outras rebtidas. É a vida! Daqui a quatro anos há algo de que não quero que me acusem: de não decidir e de ter feito apenas gestão corrente. Estou aqui porque acredito que é possível dar início a um novo ciclo. O acto eleitoral mostrou que é possível um entendimento alargado e uma convergência de uma imensa maioria de clubes em torno de um verdadeiro projecto de regeneração. Mas o acto eleitoral 9 também demonstrou, há que o assumir sem receios, que há muito trabalho a fazer para que o futebol profissional viva em clima de tranquilidade e respeito mútuo. Quero uma Liga com sinais mais fortes de vitalidade democrática. Por isso e para isso, proporei, no âmbito da revisão estatutária desta casa, que sejam limitados a dois os mandatos dos presidentes dos diversos órgãos da Liga. Mais. Quero que os clubes que pertencem à direcção não possam aí permanecer mais que dois mandatos consecutivos. Todos têm de participar. Uma Liga fechada em volta dos mesmos protagonistas é uma Liga incapaz de se reformar, incapaz de saber ouvir, incapaz de evoluir. Não procuro unanimismos, sempre o afirmei, mas recuso-me a acreditar que a divergência se faça fora do debate construtivo das ideias. Não apenas aqui, na Liga, mas entre todas as estruturas que, directa ou indirectamente, dirigem o futebol em Portugal. Porque uma Liga forte a todos aproveita. Uma Liga que defenda incondicionalmente a especificidade do futebol profissional; uma 10 Liga que se assuma como uma associação de clubes e os defenda perante a sociedade e o poder político; uma Liga capaz de liderar contributos sérios para a clarificação do quadro normativo do desporto e que não receie uma clara separação entre o que é profissional e o que é amador; uma Liga com uma estrutura simples, ágil e com capacidade organizativa; uma Liga que lidera acções concertadas para a captação de novas receitas e de mais público. Finalmente, uma Liga que assume um diálogo permanente e uma solidariedade inabalável para com a Federação Portuguesa de Futebol. Uma solidariedade que tem de ser recíproca. Não é bonito que estruturas e pessoas com responsabilidades no futebol, aproveitem momentos menos positivos de outras entidades, para fazerem a apologia das suas casas. Muitas vezes esquecendo até que erros semelhantes ali acontecem. Comigo a solidariedade e respeito institucional tem duas vias. Uma palavra para os meus associados: 11 Comigo na Liga não haverá um só dirigente que, atacado pelo exterior, vá ficar sem o meu apoio. Serei um presidente presente e assumirei todas as responsabilidades que esta função exige. Comigo na Liga os que se acotovelam aos sábados e domingos nos camarotes e à segunda já estão a criticar o futebol serão denunciados. Basta de servir de bode expiatório. O futebol profissional é uma das actividades mais competitivas do País. Em tempo de dificuldades pode Portugal dar-se ao luxo de desperdiçar o futebol? Decidam-se. Ou gostam de futebol e da indústria do futebol, ou não gostam. Só precisamos de saber com quem contamos. Vamos começar um caminho novo. O muito que há a fazer sistematiza-se em alguns pontos: 1. Queremos mais transparência. Os estatutos e regulamentos da Liga vão ser revistos. Para isso criaremos uma comissão específica. É um trabalho para começar de imediato. As directrizes que se pretendem são simples: esses novos estatutos e regulamentos terão de ser simples, claros e feitos unicamente para promover o futebol profissional. 12 2. Queremos mais competição. A Taça da Liga e o Troféu de Abertura são objectivos deste mandato. 3. Queremos mais parceiros. Um patrocinador para a II Liga é uma prioridade deste mandato. 4. Queremos mais credibilidade. Há que desblindar a arbitragem e explicá-la melhor à sociedade civil. Caminhar no sentido da profissionalização do sector e repensar os modelos de observação, avaliação e classificação. Queremos criar também a figura do instrutor que, junto dos clubes e jogadores, expõe as regras do jogo e as recomendações da UEFA e da FIFA em matéria de disciplina. Vamos fazer cursos de formação nesta área também para os profissionais da comunicação social. 5. Queremos mais e melhor relação com a Federação Portuguesa de Futebol. O relacionamento institucional será de excelência. A cedência de jogadores às selecções é uma obrigação de patriotismo, mas vários relatórios internacionais alertam para o estabelecimento de novas regras. Vamos querer fazê-lo, sempre em articulação e colaboração com a FPF. 13 6. Queremos estar na linha da frente na modernização da indústria do futebol, na defesa da inovação e da tecnologia ao serviço da verdade desportiva. 7. Queremos ser um agente ouvido pelos Governos. Precisamos de propor medidas de apoio à nossa indústria tal como existem para tantas outras, contrapondo com a nossa participação social sempre que para tal sejamos chamados. Somos uma área económica com uma enorme vocação exportadora. Contribuímos para melhorar a imagem de um Portugal moderno e dinâmico. Os nossos associados têm a seu cargo a formação desportiva de milhares de jovens. O Quadro de Referência Estratégica Nacional está em cima da mesa. Não podemos ser discriminados. Queremos que definam regras claras. 8. Queremos participar activamente e com propostas concretas na discussão da Lei de bases da Actividade Física e do Desporto. Se há quem pense que estamos fora da discussão, pode desenganarse. 14 9. Queremos uma Comissão Técnica de Estudos e Auditoria dos Clubes com regras claras e mecanismos céleres de regulação e fiscalização. Repito: regulação e fiscalização. Nesse sentido, solicitei ao senhor presidente do Conselho Fiscal a elaboração de um trabalho aprofundado, para estar concluído bem a tempo do arranque da próxima época desportiva. Esta não será uma comissão contra ninguém, mas antes pelo bem do nome e credibilidade da nossa indústria. Nesta como em tantas outras matérias, prevenir é mais eficaz que remediar. 10. Queremos mais gente nos estádios. Temos de ser capazes de elaborar um programa integrado de captação de novos públicos, política de preços e transmissões televisivas. 11. Queremos ética. A promoção de um encontro de treinadores, árbitros e capitães de equipa, passará a dar o pontapé de saída em cada época desportiva. 12. Queremos um código de conduta. Os órgãos da Liga vão dar o exemplo. Nas próximas semanas aprovaremos regras de comportamento e solidariedade institucional entre os diversos órgãos. 15 Como se percebe, há muita coisa a fazer e deste rumo, podem estar certos, não vamos desviar-nos. Este é um processo dinâmico, mas não contem connosco para um caminho que não seja o da convergência e da união de esforços. A divergência é salutar num organismo como a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mas só valerá a pena se dessas divergências resultarem melhores soluções. Minhas senhoras e meus senhores, Tenho a certeza que me perdoarão se agora me dirijo em especial ao Governo português na pessoa do Senhor Secretário de Estado da Juventude e do Desporto. Para além da enorme honra que a sua presença constitui, quero que saiba que a encaramos também como uma responsabilidade acrescida. 16 Há, como sabe, matérias da maior importância que a Liga Portuguesa de Futebol Profissional, assumindo o papel de parceiro responsável, quer ver discutidas e aprofundadas com o Governo. Falo-lhe por exemplo do regime especial de segurança social, cujas alterações entretanto decididas e anunciadas, terão efeitos catastróficos para a condição financeira dos clubes profissionais. Trata-se de uma matéria que, apesar de sabermos em avançado estado de discussão, não podemos eximir-nos de discutir. Como personalidade atenta, sabe o Senhor Secretário de Estado que o futebol é usado tantas e tantas vezes para promover a visibilidade dos que a não possuem. Sendo esta uma premissa verdadeira, saberá também que o futebol é muitas vezes mal tratado também pela administração pública. Nesta matéria, creia que nos próximos anos poderá esperar de nós credibilidade e transparência. Por exemplo: se o Estado decide revelar quanto deixa de ganhar por conferir um regime especial de segurança social para desportos profissionais, em nome da verdade deveria ser capaz de divulgar quantos milhões paga o futebol profissional anualmente para a segurança social, sem dela usufruir. 17 O esforço de credibilização do futebol exige também, permita-me que lhe diga, o apoio e a parceria permanente com o governo português. O mesmo esforço que todos agredecemos seja colocado no sentido de, com a maior brevidade possível, enquadrar e definir o quadro legal aplicável ao novo fenómeno das apostas desportivas. Que fique claro: A Liga não pretende viver nem fora nem à margem da lei, mas a Liga não vai nunca virar costas a parceiros comerciais nem deixará de os defender, enquanto os quadros legais aplicáveis não estiverem totalmente definidos. Creio ser esta uma matéria de vital importância. Senhor Secretário de Estado, Muitos dos nossos associados já têm centros de formação desportiva. Nesta matéria temos todos um longo caminho a percorrer. Espero que os associados desta casa, que tenham projectos em curso, nesta área da formação, possam concorrer, em conjunto com outras instituições, a verbas comunitárias disponíveis no QREN. 18 Para a discussão destas e outras matérias, na sequência até da primeira reunião da Comissão Executiva da Liga, que ainda esta tarde terá lugar, lhe solicitarei uma audiência de trabalho. Este novo ciclo valerá a pena e dará resultados, com um esforço permanente de concertação. Da nossa parte pode esperar empenho absoluto, sabemos que da sua encontraremos um parceiro atento, responsável e disponível. Minhas senhoras e meus senhores, A equipa que hoje toma posse, garanto, está motivada, empenhada e disponível, para fazer este gigantesco trabalho. Todos seremos poucos e por isso que ninguém receie a crítica construtiva e a elevação do discurso cívico. Finalmente, uma nota pessoal para que quer os dirigentes desportivos, quer os senhores jornalistas, quer mesmo a sociedade civil me entendam. Cada pessoa tem o seu estilo, a sua forma de actuar, a sua forma de liderar. De mim, não esperem que diga publicamente tudo o que faço, mas podem ter a certeza que eu farei sempre tudo o que digo. 19