Caracterização microestrutural de uma liga experimental Zr-Nb por microscopia eletrônica de transmissão para aplicações nucleares Amanda de Vasconcelos Varela Projeto de Graduação apresentado ao Curso de Engenharia de Materiais da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Engenheira. Orientador(es): Luiz Henrique de Almeida Carla Brandão Woyames Rio de Janeiro Março de 2015 CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DE UMA LIGA EXPERIMENTAL Zr-Nb POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO PARA APLICAÇÕES NUCLEARES Amanda de Vasconcelos Varela PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE ENGENHARIA DE MATERIAIS DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRA DE MATERIAIS. Examinado por: RIO DE JANEIRO, RJ – BRASIL MARÇO de 2015 ii Varela, Amanda de Vasconcelos Caracterização Microestrutural de uma Liga Experimental Zr-Nb por Microscopia Eletrônica de Transmissão para Aplicações Nucleares/ Amanda de Vasconcelos Varela. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2015. IX, 71 p.: il.; 29,7 cm. Orientadores: Luiz Henrique de Almeida Carla Brandão Woyames Projeto de Graduação – UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de Engenharia de Materiais, 2015. Referências Bibliográficas: p. 69 - 71. 1. Ligas Zr-Nb. 2. Reator nuclear. 3. Caracterização microestrutural 4.Microscopia eletrônica de transmissão I. Almeida, Luiz Henrique. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola Politécnica, Curso de Engenharia de Materiais. III. Caracterização Microestrutural de uma Liga Experimental Zr-Nb por Microscopia Eletrônica de Transmissão para Aplicações Nucleares. iii À minha avó Cirléa Varela e minha pastora Jane Germano, que me fazem tanta falta. iv Agradecimentos Em primeiro lugar a Deus sempre, pela vida, pela saúde e a benção de poder finalizar esta etapa que tanto esperei. À minha mãe Sonia, minha maior incentivadora em toda a caminhada acadêmica. Seu apoio, exemplo e participação ativa foram essenciais para minhas conquistas. Ao meu pai Ruy, por me cobrar disciplina desde pequena para que eu pudesse alcançar meus objetivos e por me mostrar que não há maior valor que a presença de Deus em nossas vidas. Ao meu “pai-drasto” Marco Aurélio, pelo carinho e apoio de anos, e por sua contribuição valiosa para meu amadurecimento como pessoa, cidadã e estudante. Ao meu marido Marcelo, por estar ao meu lado desde o início, apoiando minhas decisões em amor. À minha avó Maria Lúcia, por ser minha fã número um. Ao meu professor, chefe e orientador Luiz Henrique de Almeida, pelas diversas oportunidades de aprendizado que me permitiram evoluir durante a graduação e ajudar a desenvolver meus objetivos profissionais, pela confiança, incentivo, exemplo e amizade. Minha formação não seria igual sem tudo isso. À minha co-orientadora Carla Woyames pela atenção, disponibilidade, dicas e suporte necessário à realização desse projeto. Ao professor Leonardo Sales, pelo apoio neste trabalho através de seu tempo, conhecimento e muita conversa. Não houve uma vez que não pude contar com seu “socorro”. v Ao professor Jean Dille (ULB – Bruxelas, Bélgica), pela utilização do MET e ajuda na interpretação das imagens. À amiga e madrinha de casamento Gabriella Roza, pois não reconheço essa faculdade sem ela. Do início ao fim, companheira em todos os sentidos que possa ter a palavra. Além disso, é um exemplo de dedicação e determinação para mim. Ao amigo e padrinho de casamento Raphael Gomes, por cada dia que não deixou passar sem que eu pudesse rir, trazendo nos meus dias mais estressantes os momentos de alívio. Nossa amizade é algo inexplicavelmente especial para mim. À coordenadora Renata Simão, que sempre esteve disponível para resolver os problemas reais e psicológicos dos alunos preocupados, inclusive eu, com muito boa vontade. Ao amigo Rodrigo, que participou ativamente dos meus meses mais complicados de projeto, dando sempre aquele apoio moral e, quando preciso, braçal também. Aos amigos da Metalmat que me incentivaram e acompanharam em alguns ou todos os meus anos de graduação, especialmente à Tamirys e Ananda. Ao corpo docente, aos técnicos e funcionários do DEMM, pelos ensinamentos ou pela assistência. Especialmente a Sonia Lira, Oswaldo e Nelson. Por fim, aos familiares que sempre torceram pela minha vitória. vi Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/ UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheira de Materiais. CARACTERIZAÇÃO MICROESTRUTURAL DE UMA LIGA EXPERIMENTAL Zr-Nb POR MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE TRANSMISSÃO PARA APLICAÇÕES NUCLEARES Amanda de Vasconcelos Varela Março/2015 Orientadores: Luiz Henrique de Almeida e Carla Brandão Woyames Curso: Engenharia de Materiais As ligas de zircônio são largamente utilizadas em reatores nucleares como materiais constituintes de elementos combustíveis. Essas ligas detém excelentes propriedades mecânicas a altas temperaturas, boa resistência à corrosão e transparência ao fluxo de nêutrons, característica importante na eficiência da produção de energia nuclear. Ligas zircônio-nióbio tem sido estudadas em diferentes composições e condições de processamento em busca de melhores propriedades. O objetivo deste trabalho foi caracterizar uma liga experimental contendo nióbio e pequenas adições de outros elementos após a realização de uma sequência de tratamentos termomecânicos de forjamento, laminação a quente e a frio. Imagens de microscopias ótica e de varredura foram obtidas para confirmar o estágio de processamento. Sabendo que a microestrutura comercial consiste em precipitados esféricos de Nb-β na matriz de Zr-α, foi empregada a microscopia eletrônica de transmissão para analisar a presença e distribuição destes precipitados. Adicionalmente, foram realizados ensaios de microdureza e estimativa de tamanho de grão, comparando-os com a literatura. O tratamento de recozimento foi aplicado em uma amostra do material, iniciando nova sequência de resultados para a condição recozida. Os resultados mostraram que o processamento original é capaz de produzir o precipitado Nb-β, no entanto, encontra-se distribuído entre os contornos de grãos. A composição foi, provavelmente, responsável pela produção de grãos ultrafinos, que apresentaram dureza satisfatória. O tratamento de recozimento causou redução na dureza e apresentou microestrutura parcialmente recristalizada. Palavras-chave: zircônio, microestrutura, microscopia eletrônica de transmissão vii Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Materials Engineer. MICROSTRUCTURAL CHARACTERIZATION OF AN EXPERIMENTAL Zr-Nb ALLOY BY TRANSMISSION ELECTRON MICROSCOPY FOR NUCLEAR APPLICATIONS Amanda de Vasconcelos Varela March/2015 Advisors: Luiz Henrique de Almeida e Carla Brandão Woyames Course: Materials Engineering Zirconium alloys are widely used in nuclear reactors as part of fuel elements. These alloys have excellent mechanical properties at high temperatures, good corrosion resistance and low neutron absorption cross-section, essential for an efficient production of nuclear energy. Zirconium-niobium alloys have been studied in different compositions and processing conditions, targeting better properties. The purpose of this research was to characterize an experimental alloy, with niobium and other elements addition, after a processing sequence of forging, hot rolling and cold rolling. Optical and scanning microscope images were acquired to validate the processing steps. Knowing that the commercial microstructure consists in Nb-β precipitates within the Zr-α matrix, transmission electron microscopy was performed to analyze the presence and distribution of those precipitates. Additionally, hardness tests and grain size estimation were carried out, comparing to those in literature. Annealing was also performed in a sample, beginning a new sequence of results in the annealed condition. The results have shown that the original processing produces Nb-β, however, they are spread between grain boundaries. The composition of the alloy was, probably, responsible for producing ultrafine grains, which achieved expected hardness. It was found that annealing caused decrease in hardness and led to a partially recrystallized microstructure. Keywords: zirconium, microstructure, transmission electron microscopy viii Sumário 1. Introdução .................................................................................................................. 1 2. Revisão Bibliográfica ................................................................................................. 4 2.1 A energia nuclear .................................................................................................... 4 2.2 Necessidade de criar componentes nacionais .................................................... 8 2.3 Aplicação das ligas de Zr .................................................................................. 13 2.4 Sistemas Zr-Nb................................................................................................... 14 2.5 Uso da microscopia eletrônica de transmissão ................................................ 21 2.5.1 O equipamento .............................................................................................. 21 2.5.2 Funcionamento básico ................................................................................... 21 2.5.3 Preparação de amostras ................................................................................. 23 2.5.4 Difração ......................................................................................................... 29 2.5.5 EDS ............................................................................................................... 33 2.5.6 Aplicação em ligas Zr-Nb ............................................................................. 34 3. Materiais e métodos ................................................................................................. 40 3.1 Materiais estudados ........................................................................................... 40 3.2 Processamento das amostras ............................................................................ 40 3.3 Microscopia ótica (MO) .................................................................................... 42 3.4 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) .................................................. 43 3.5 Microscopia eletrônica de transmissão (MET) ............................................... 44 3.6 Dureza ................................................................................................................. 47 3.7 Tamanho de grão ............................................................................................... 48 4 Resultados e Discussão ............................................................................................. 48 4.1 Microscopia ótica ............................................................................................... 48 4.2 Microscopia eletrônica de varredura ............................................................... 50 4.3 Microscopia eletrônica de transmissão ............................................................ 51 4.4 Dureza ................................................................................................................. 61 4.5 Tamanho de grão ............................................................................................... 62 5 Conclusões ................................................................................................................. 66 6 Trabalhos futuros ..................................................................................................... 68 7 Referências ................................................................................................................ 69 ix 1. Introdução Pesquisas em tecnologia nuclear são desenvolvidas no Brasil em busca da complementariedade das matrizes energéticas atuais, termo e hidroelétricas, com o objetivo de satisfazer uma demanda crescente de energia de maneira favorável, segura e não poluente. O desenvolvimento destas pesquisas destaca a utilização de ligas de zircônio no papel de varetas do elemento combustível em reatores do tipo PWR (Pressurized Water Reactor), como os de Angra I, II e III [1, 2]. O zircônio é transparente ao fluxo de nêutrons, oferecendo maior eficiência das reações de fissão nuclear que ocorrem nos reatores. Além disso, suas ligas detém boas propriedades mecânicas e resistência à corrosão [3]. Com o objetivo de nacionalizar a tecnologia envolvida na produção de energia nuclear, novas ligas de zircônio tem sido estudadas com a finalidade de alcançar as propriedades das ligas comerciais existentes, as quais não são produzidas no país. A COPPE/UFRJ iniciou, então, o estudo de uma liga experimental composta principalmente de zircônio e nióbio. O nióbio é um elemento de liga que melhora sobretudo as propriedades mecânicas e de corrosão do zircônio [3]. Já a adição de outros elementos visa melhorar o desempenho e durabilidade do material. Nesse contexto, a microestrutura, distribuição de fases e textura são importantes para garantir o bom desempenho da liga em serviço. Estas análises fornecem o conjunto de informações necessárias à confirmação das propriedades desejadas. Este trabalho tem por objetivo caracterizar uma liga fundida que passou pelas etapas de forjamento a 800ºC, laminação a quente a 800ºC até 60% de redução de 1 espessura, laminação a frio à temperatura ambiente até 80% de redução. Para isso, utilizou-se a microscopia eletrônica de transmissão (MET) como principal forma de caracterização, pela obtenção de imagens de campo claro, campo escuro e pela técnica de difração de elétrons. Além disso, o tamanho de grão também é alvo de estudo, oferecendo uma análise microestrutural significativa e completa das condições apresentadas pela liga experimental. O material foi submetido à microscopia óptica (MO), com a finalidade de realizar uma caracterização prévia da morfologia da liga. Em seguida, foi realizada a microscopia eletrônica de varredura (MEV) para obter a micrografia dos grãos necessária à análise dimensional. O material também foi analisado por MET, visando a identificação das fases com o auxílio de Espectometria por Dispersão de Energia (EDS). O preparo dessa amostra foi feito pelo método Focused Ion Beam (FIB). Além disso, um ensaio de microdureza foi conduzido para avaliar a relação entre o valor de dureza e a condição de processamento, segundo a literatura. Após essas análises, foi realizado o tratamento térmico de recozimento à 600ºC por 1 hora em uma nova amostra, iniciando um novo ciclo de caraterização da liga com o processamento comercial completo. O material cedido para este projeto mostrou resultados consistentes com a condição de processamento: a microestrutura apresentou-se alongada na direção de deformação, que foi constatado pelas técnicas de MO e MEV. Foram observados grãos ultrafinos, com diâmetro médio bastante inferior ao encontrado na literatura, calculado pelo método dos interceptos por imagens de MEV. A sequência de tratamentos termomecânicos formou precipitados de Nb-β na matriz Zr-α, distribuído nos contornos de grão. Este resultado foi observado por MET, mapeamento por EDS e comprovado por difração de elétrons. O 2 ensaio de dureza mostrou valor compatível com a referência de estudo. Para a condição recozida, MO e ensaio de microdureza foram refeitos e apresentaram resultado compatível com alguns estudos, em que a liga foi parcialmente recristalizada. 3 2. Revisão Bibliográfica 2.1 A energia nuclear A crescente demanda energética mundial é consequência do aumento populacional e industrial dos países. Essa evolução é essencial ao crescimento econômico global e resulta na necessidade de investir em geração de energia elétrica, como observado no 2014 World Energy Issues Monitor em [4]. No mundo atual, no qual se busca inovação e modernidade, a eletricidade é a principal fonte de luz, calor e força, como destacado pela Eletrobras, maior companhia do setor energético da América Latina [5]. No caso do Brasil, a principal fonte de energia é a indústria hidrelétrica complementada estrategicamente pelas termoelétricas, de menor escala [5]. É possível afirmar que ambas são promissoras no território brasileiro em função da viabilidade e disponibilidade de recursos tanto renováveis (potencial hídrico de rios) como de não-renováveis (carvão, petróleo e gás natural). Porém, a utilização dessas tecnologias como fonte energética traz impactos indesejáveis, reforçando o ideal de basear esta produção em energias limpas e sustentáveis. A segunda maior usina hidrelétrica do mundo em produtividade está no país, a usina de Itaipu [6]. A construção desse tipo de usina hidrelétrica causa impactos ambientais e sociais em sua região, pois provoca a perda de terras produtivas, vegetação e animais por alagamento, a desapropriação de moradores e intervenção na fauna fluvial, o que representa um impacto considerável [6]. Inclusive, seu rendimento é dependente de um fator natural oscilante, o nível de chuvas da região. Quanto à exploração de recursos não-renováveis que, como o próprio nome diz, são recursos limitados, não é desejável 4 colocá-los no papel de fontes principais de energia, uma vez que a formação destes pode ser bastante demorada. Além disso, a queima de combustíveis fósseis gera poluentes, como o gás carbônico (CO2), que contribuem para o aquecimento global, efeito estufa, doenças respiratórias, chuva ácida, etc. A participação do setor energético na emissão de CO2 é monitorada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) anualmente e uma estimativa ao longo de 20 anos, apresentada abaixo (Fig. 1), fundamenta a preocupação sobre a questão abordada [7]. Em síntese, para expandir e diversificar a oferta de energia alternativamente aos grandes impactos sociais, ambientais e à emissão de CO2, usinas nucleares, que são fonte energética de destaque em países como Estados Unidos e França, são estudadas e recebem investimentos há décadas no país. Figura 1 - Emissão de CO2 (em milhares de toneladas) por queima de combustíveis fósseis entre 1990 e 2010, segundo o MCTI [7]. A energia proveniente de usinas nucleares consiste na produção de eletricidade através de reação em cadeia da fissão nuclear de um átomo instável, que produz calor para movimentação de turbinas [8]. Dentro do reator nuclear é onde acontece essa reação, já que armazena os tubos (ou varetas) que contém o combustível, urânio enriquecido em 3,5%. É interessante a constatação do alto poder energético desta modalidade de 5 produção: 1kg de urânio natural pode produzir cerca de 600.000 kwh (por um reator PWR), enquanto 1kg de carvão pode produzir 3 kwh e 1m3 de gás natural, 6 kwh, segundo um relatório de energia nuclear do International Nuclear Societies Council [9]. Ainda, relativo ao custo, indústrias nucleares necessitam de alto investimento inicial, no entanto, o custo com o combustível é baixo, praticamente o oposto às indústrias que utilizam carvão e gás natural. Outra comparação válida é a emissão de CO2 por kwh de energia elétrica gerada: 4g da usina nuclear contra 955g da usina a carvão, segundo SOARES e REIS [10]. Eles também afirmam que “caso todas as usinas de carvão fossem substituídas por usinas nucleares, deixariam de chegar a atmosfera cerca de 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano”. A energia nuclear de fins pacíficos tem importantes vantagens como: ser inofensiva ao ar, não liberar gases estufa, há grande reserva de combustível no Brasil e trazer pouco impacto ambiental [11]. Entretanto, extensas discussões avaliam os riscos deste investimento em função das políticas de administração de resíduos radioativos, dos riscos de acidentes nucleares e elevados custos de implantação e segurança envolvidos [8]. Além disso, a tragédia ocorrida no Japão em 2011, na usina de Fukushima, agitou a opinião pública e até hoje é alvo de atenção, através do monitoramento disponível publicamente pelo sítio “Fukushima Update: nuclear news from Japan” [12]. Apesar das preocupações relevantes, as usinas construídas no Brasil e no mundo passam por rigorosa fiscalização e detém reatores de elevados níveis de segurança, tanto que a produção total de energia elétrica no mundo tem recebido expressiva contribuição da energia nuclear nos últimos 40 anos, como relata a World Nuclear Association da Inglaterra [13]. A Figura 2 representa a produção crescente de energia elétrica a partir de tecnologia nuclear. O país 6 que mais contribui para as estatística é a França, seguida da Eslováquia, Bélgica e Ucrânia. O Brasil está atualmente nos mesmos níveis da China e Índia, contabilizando cerca de 1% no total de energia nuclear produzida, que é de aproximadamente 15% de toda a eletricidade do mundo. Figura 2 - Produção de energia nuclear (TWh) de 1971 a 2012 [13]. No Brasil, especialmente, existe um ponto muito favorável a este desenvolvimento: a sexta maior reserva de urânio do mundo [14]. Os sítios mineralógicos de urânio estão ilustrados pela Figura 3. Portanto, além de utilizar um recurso nacional que não tem outro destino, o país fica livre da oscilação cambial do mercado externo. Por isso, o país buscou e já alcançou autonomia no ciclo do combustível nuclear, que vai desde a extração do minério à fabricação das pastilhas de UO2 para montagem dos elementos. Mas não foi sempre assim: o Brasil começou com um acordo de fornecimento de urânio enriquecido com os Estados Unidos em 1972 em troca de urânio natural brasileiro [11]. Já entre 1982 e 1999, tinha autonomia em poucas partes do processo de fabricação: a mineração, o beneficiamento do urânio (o beneficiamento é um processo que engloba a extração, 7 purificação e o concentrado de yellowcake, UF6), e a montagem do elemento que vai dentro do reator, que armazena o combustível. Foi apenas depois de 1999 que a fabricação de pastilhas de UO2 se tornou brasileira, além da reconversão de UF6 em pó de dióxido de urânio, que é a etapa pós enriquecimento e pré-montagem [15]. É importante ressaltar que a atividade nuclear no país visa complementariedade e não prioridade no mercado energético brasileiro. Figura 3 – Sítios mineralógicos de urânio no Brasil [14]. 2.2 Necessidade de criar componentes nacionais Em 1956 foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) no Brasil, com sede no Rio de Janeiro, através do decreto 40.110. Sua principal função é “licenciar e fiscalizar instalações nucleares e radioativas [...] baseados em normas técnicas e padrões internacionais”, segundo o próprio sítio da comissão. Porém, a evolução da 8 energia nuclear no Brasil somente foi acontecer após a compra do primeiro reator nuclear de Angra I, em razão da concorrência internacional que houve na década de 70. Em 1971, a CNEN criou a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (CBTN), que logo depois assumiu estudos de implantação de energia nuclear em larga escala [11]. Em consequência disso, foi finalmente criada a NUCLEBRAS (Empresas Nucleares Brasileiras) que assumiu a fabricação de reatores e todo o ciclo do combustível nuclear buscando a capacitação nacional [11]. Essas duas últimas decidiram então adotar a estratégia de capacitação por transferência de tecnologia (TT), que tem como objetivo o desenvolvimento tecnológico e científico a partir de um acordo entre governos ou instituições que possam avançar e aperfeiçoar uma certa tecnologia. Nesse caso, o Brasil entrou em acordo com a Alemanha para impulsionar os processos nucleares. Entre 1976 e 1978, a Marinha se uniu ao Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) no desenvolvimento do ciclo do combustível e tecnologia de reatores. No entanto, os esforços e a TT não tiveram resultados significativos diante de dificuldades financeiras [11]. Atualmente, a CNEN gerencia o IPEN, localizado na Universidade de São Paulo (USP), que desenvolve pesquisas relacionadas ao ciclo do combustível, radioproteção, dosimetria, materiais, reatores, entre outros, com destacada atuação nessas áreas. Uma grande motivação da Marinha para a busca por tecnologia própria é o fato de que, no Brasil, existe um território chamado Amazônia Azul, de cerca de 4.500.000 km2, onde passam 90% das importações e exportações do país, além de possuir recursos minerais e a prática de pesca (Fig. 4) [16]. Com o objetivo de defender a integridade do 9 território e os interesses marítimos do Brasil, a Marinha do Brasil elaborou a Estratégia Nacional de Defesa, que incluía compor a força naval por submarinos convencionais e de propulsão nuclear. Mas isso deveria ser aliado à “capacidade de projetar e de fabricar submarinos”, o que representa um grande desafio: a complexidade tecnológica para tal demanda um tempo de fabricação muito alto, superior aos aviões mais modernos [17]. Por isso, o tempo demandado somado à falta de domínio de logística e tecnologia não são uma combinação muito favorável. Figura 4 - Representação da Amazônia Azul [16]. Dentre as principais características de um submarino estão a capacidade de ocultação, o poder de destruição, a mobilidade tridimensional e uma certa independência dos problemas ambientais [17]. Sabendo disso, pode-se notar algumas vantagens de se ter um submarino de propulsão nuclear, pois a energia não depende do ar atmosférico e sim 10 de um reator nuclear, o que reduz drasticamente a necessidade de levar o submarino à superfície; além disso sua mobilidade é maior já que alcança maiores velocidades e também maiores profundidades, nas águas azuis. Assim, percebendo a importância do investimento em um submarino de propulsão nuclear, o Programa Nuclear da Marinha (PNM), criado em 1979, se encarregou do “desenvolvimento e capacitação tecnológica nacional na produção de combustível nuclear e no projeto, comissionamento, operação e manutenção de reatores núcleoelétricos do tipo PWR” [17]. O projeto que cuida de tudo isso é o PROSUB, que estabeleceu suas prioridades em: realizar um processo de capacitação nacional por TT, obter tecnologia sensível, capacitar profissionais brasileiros a projetar e construir nessa área, empregar novas tecnologias complexas além de nacionalizar equipamentos. Por nacionalização deve-se entender: fabricar, projetar e desenvolver pesquisas dentro do país. O índice de participação nacional é esperado em cerca de 95% [17]. A respeito dos reatores nucleares que geram a energia, os escolhidos tanto das usinas de Angra I, II e III, como do submarino nuclear brasileiro são do tipo PWR (Pressurized Water Reactor), onde o elemento combustível é formado por varetas que contém as pastilhas de urânio enriquecido. As Figuras 5 e 6 apresentam um protótipo de reator de submarino composto por varetas e o modelo alternativo de armazenamento de combustível por placas. O reator em forma de placas tem vantagens em relação ao primeiro pois possui melhor resistência a vibração, facilidade de fabricação e armazenagem compacta [11]. Apesar disso, segundo a Marinha, no Brasil não há planejamento deste tipo de elemento combustível por falta de tecnologia para tal. 11 Figura 5 - Maquete de um reator de varetas para submarino nuclear, apresentado pela Marinha do Brasil. Figura 6 - Modelo de armazenamento de combustível em placas. Adaptado de [11]. A fabricação destas varetas em escala industrial também é alvo no Brasil, através do projeto ZirBrasil, com parceria entre a COPPE, IME, INB e outros, em busca do padrão de produção de ligas especiais de zircônio de maneira economicamente viável. Até hoje, todas as ligas de Zr utilizadas nas usinas de Angra são importadas, já que não há tecnologia disponível. Elas serão abordadas a seguir. 12 2.3 Aplicação das ligas de Zr O reator nuclear mais comumente utilizado nas usinas nucleares, e que opera no Brasil, é o que utiliza água leve à alta pressão como fonte de resfriamento. O reator do tipo PWR contém pastilhas do urânio enriquecido dentro de um elemento combustível, que é formado por um conjunto de varetas alinhadas em feixe, como pode ser observado pela Figura 7. Figura 7 - Esquema de um elemento combustível à esquerda e o produzido pela INB para Angra 2, com tecnologia AREVA, à direita [10]. A vareta combustível, que é a primeira barreira contra a saída de material radioativo para o meio externo, é constituída por ligas de zircônio. O material destinado à essa função deve possuir propriedades específicas como boa resistências à corrosão e à fluência, boa resistência mecânica e transparência ao fluxo de nêutrons, responsável por melhorar o rendimento das reações de fissão [3, 18]. O coeficiente de expansão baixo também é interessante pois permite a estabilidade dimensional da vareta em altas 13 temperaturas. O aço inox foi o primeiro revestimento utilizado devido ao custo. Porém, a descoberta e os testes com ligas de zircônio para esse fim provaram desempenho superior, principalmente ao apresentar melhores propriedades, tais quais: elasticidade em resposta à expansão térmica, deformação em fluência, resistência mecânica em pressões elevadas e a não absorção de nêutrons [19]. Essas ligas apareceram no programa de propulsão nuclear da Marinha Americana em 1950 e em menos de 20 anos tornaram-se as principais nesta aplicação. Os zircaloys são ligas que contém estanho, ferro e cromo como elementos de liga e quantidade de háfnio controlada. O háfnio é encontrado na natureza junto ao zircônio e possui justamente a característica menos desejada à aplicação nas varetas combustíveis: a habilidade de absorver nêutrons [3]. Dentro das ligas comerciais, destacam-se as ligas Zircaloy-2 e Zircaloy-4, que contém elementos α estabilizadores estanho e oxigênio (melhoram principalmente as propriedades mecânicas) e β estabilizadores como ferro, cromo e níquel (melhoram principalmente a resistência a corrosão), além de diferentes ligas de zircônio e nióbio como a M5® e ZIRLO™. 2.4 Sistemas Zr-Nb O zircônio é um metal de transição que possui estrutura cristalina hexagonal compacta (hc) a temperatura ambiente, conhecida como Zr-α. Essa estrutura muda para o Zr-β, cúbico de corpo centrado (ccc), a 863ºC. Já o nióbio, β estabilizador, tem também estrutura cristalina ccc. A adição de elementos de liga ao zircônio melhora a sua resistência a corrosão e contrapõe o efeito deletério de impurezas como o nitrogênio, oxigênio e carbono. Nesse 14 contexto, ligas com nióbio foram desenvolvidas para o ganho de propriedades, principalmente em resistência mecânica e resistência à corrosão [3]. Estas fazem parte das ligas de zircônio da nova geração, que foram desenvolvidas no intuito de aumentar a vida útil das mesmas. As ligas compostas por estes dois elementos, Zr-Nb, são bifásicas α + β [20]. E como outras ligas de importância industrial, a precipitação de partículas de segunda fase é o mecanismo principal à melhoria de propriedades. O diagrama de fases dessa liga pode ser estudado segundo a Figura 8. A partir dele, destacam-se as composições à baixas temperaturas, com a estrutura de matriz Zr-α e partículas Nb-β em equilíbrio, e à altas temperaturas, em que há miscibilidade total entre Zr e Nb na estrutura CCC. Esse sistema apresenta diversas reações de transformação de fase e a principal delas é a reação monotetóide a 610ºC. Devido ao grande gap de miscibilidade da fase β, a taxa desta decomposição de βI para βII dependerá sempre da temperatura do tratamento térmico [20]. É importante observar e avaliar as transformações, uma vez que na temperatura de operação (~320ºC) dos reatores o material pode sofrer mudanças microestruturais indesejáveis. 15 Figura 8 - Diagrama de fases Zr-Nb [21]. Essas ligas encontram-se na literatura em diversas composições e diferentes trabalhos tem sido realizados em busca das melhores propriedades. Alguns deles serão citados a seguir. Dentre as ligas Zr-Nb mais comuns está a Zr-2,5%Nb. Estudos apontam que estas ligas tem resistência à corrosão comparáveis (quando não inferiores) às Zircaloys, mas uma menor tendência a absorção de hidrogênio e superior resistência mecânica. Por isso, estas vem substituindo a Zircaloy-4 em ambientes muito abrasivos e até em reatores PWR, embora sejam mais comumente utilizadas em uma série de reatores do tipo CANDU em alguns países como Canadá, Índia e Argentina [18]. 16 LUO e WEATHERLY [22] estudaram o comportamento das ligas Zr-2,5Nb que foram resfriadas rapidamente a partir do campo β e envelhecidas abaixo da temperatura monotetóide, por microscopia eletrônica de transmissão. As ligas foram obtidas de um tubo de pressão e em seguida trabalhadas a frio para redução de espessura. Para o tratamento térmico, as tiras de 0,5 mm de espessura foram encapsuladas em tubos de quartzo para tratamento de homogeneização a 1000ºC por 20 minutos, seguidas de resfriamento rápido em água. O envelhecimento foi também foi realizado a vácuo por 240 horas a 500ºC ou por 60 horas a 600ºC. Os autores observaram que o envelhecimento a 500ºC produz uma morfologia de precipitados do tipo agulha, ricos em Nb, chamados de β2. No entanto, a 600ºC, além destes, foi possível observar a presença de precipitados grosseiros, ricos em Zr, chamados de β1. ROBSON [23], por sua vez, afirma que há dois mecanismos no qual a fase β2 pode precipitar, a partir da supersaturação de Nb em Zr por resfriamento rápido: nucleação e crescimento ou transformação de β-Zr retido. O primeiro ocorre pela difusão de Nb da solução supersaturada dados tempo e temperatura suficientes. O segundo ocorre quando o resfriamento não é rápido o suficiente para suprimir a transformação de β-Zr em α –Zr e, por isso, produz Zr-β retido. A decomposição de Zr-β retido em Nb-β pode envolver uma etapa intermediária, que é a formação de ω, fase metaestável que transforma-se em α e Zr-β. Seguindo estas considerações, ROBSON [23] modela a precipitação de ligas Zr-Nb e conclui que ambos os mecanismos competem entre si e a fração de Zr-β retido será o maior influenciador na cinética de precipitação. Ele afirma que, para as ligas Zr-2,5Nb sem Zr-β retido, a precipitação mais eficiente deve ocorrer entre 520 e 540ºC. Porém, 17 acrescenta que para a precipitação entrar em equilíbrio nas condições de operação, levaria cerca de 100 anos sem a influência de efeitos de radiação. Outros tipos de liga comercial contém de 0,9 a 1,13% de Nb. As principais são as ligas Zr-1Nb, como a M5® (Zr-Nb-O), e as Zr-1Nb-1Sn-Fe, como a ZIRLO™. Esta última é utilizada em Angra I. Apesar da busca por melhor eficiência térmica dos reatores levar ao desenvolvimento da liga binária, a literatura atribui melhor desempenho à liga ZIRLO™ quaternária em termos de corrosão e fluência [20]. As ligas com 1% de nióbio são particularmente utilizadas em reatores PWR, sendo uma das ligas de zircônio modificadas mais recente e amplamente encontrada na literatura a respeito de seu processamento, desempenho e microestrutura [24, 25, 26]. O processamento das ligas comerciais para reatores envolve essencialmente a fusão a arco e trabalho a quente, somado a etapas de trabalho a frio e recozimento. Cada passo envolve taxas, temperaturas e tempos que influenciam na microestrutura final, tornando fundamental o entendimento dessas etapas. TIAN et al [24] apontaram que ligas de zircônio recristalizadas eram mais adequadas para aplicações nucleares em função de melhores resistências à fluência e ao crescimento de grão diante de irradiação. Por isso, contribuíram com dados relativos à recristalização após o trabalho a frio, responsável pela microestrutura final da liga Zr-1Nb. NEOGY et al [20] já haviam simulado essa sequência, porém em poucas condições: duas temperaturas e dois tempos diferentes. O processamento da liga Zr-1Nb de TIAN et al é apresentado pela Figura 9. Os autores afirmam que o tratamento a 580ºC por 3h obtém uma microestrutura completamente recristalizada, que é produzida entre os intervalos de laminação. A 18 primeira avaliação foi feita por ensaio de dureza Vickers. A aceleração do processo de recristalização com o aumento da temperatura de recozimento ficou clara, além do efeito da porcentagem de redução sobre o tempo para recristalizar, uma vez que materiais mais deformados armazenam maior energia interna e reduzem o tempo para tal. Os resultados para 30% e 70% de redução é apresentado a seguir (Fig 10). Figura 9 - Rota de processamento da liga Zr-Nb por TIAN et al [24]. (a) (b) Figura 10 - Gráficos dureza x tempo para (a) 50% e (b) 70% de redução, na liga Zr-1Nb [24]. 19 Ao comparar os resultados com o encontrado por NEOGY et al, TIAN et al concluem que quando a temperatura de recristalização é alta o suficiente, em torno de 600ºC, a quantidade de deformação passa a influenciar cada vez menos. Na segunda avaliação, dada pela evolução microestrutural por MO e MET, observou-se que, com 50% de redução e tratamento a 600ºC por 30 minutos, obteve-se a microestrutura 100% recristalizada. Nesse caso, precipitados finos estavam uniformemente distribuídos nos grãos e a maioria deles era Nb-β. O trabalho afirma, então, que para níveis superiores a 50% de deformação, a 600ºC, o tempo para completa recristalização não é superior a 15 minutos. No entanto, GUEDES apresenta outra perspectiva, que estuda um grupo de amostras que sofreram as mesmas etapas deste trabalho (forjamento a 800ºC, laminação a quente a 800ºC, laminação a frio e recozimento a 600ºC por 1 hora), porém com graus de redução diferentes [27]. Então conclui que, quanto maior o grau de redução a frio da amostra, menor sua dureza após o recozimento. Apesar disso, suas amostras não atingiram a temperatura de recristalização, resultado confirmado por Calorimetria Diferencial de Varredura (DSC). 20 2.5 Uso da microscopia eletrônica de transmissão 2.5.1 O equipamento O microscópio eletrônico de transmissão (MET) consiste de uma coluna de alto vácuo que contém um canhão de elétrons, um sistema de lentes condensadoras eletromagnéticas, uma lente objetiva, lentes intermediárias e lente projetora. Todas estas lentes controlam as operações básicas como foco, intensidade de iluminação e magnificação. Especificações gerais desta técnicas estão determinadas na tabela 1 abaixo. Tabela 1 - Dados gerais de um aparelho de MET adaptado de FARINA [28]. 2.5.2 Funcionamento básico O MET é utilizado para obter imagens de alta resolução, podendo chegar entre 0,8 e 2,2 Å [29]. Essa técnica utiliza um feixe de elétrons, produzido por um catodo aquecido por corrente elétrica, como fonte de emissão. O poder de resolução do microscópio é 21 definido pelo comprimento de onda do elétron associado a outros fatores, como o sistema de lentes e o diâmetro do feixe. A interação entre um feixe de elétrons de alta intensidade e o material gera uma vastidão de sinais secundários por espalhamento, que permitem a obtenção de informações diversas. A interação elétron-amostra é esquematizada na Figura 11. Para materiais amorfos, é possível identificar a morfologia e a composição química da espécie, enquanto para materiais cristalinos pode-se observar, além dos anteriores, a estrutura cristalina, defeitos, natureza de interfaces e a orientação de grãos. Figura 11 - Interações elétrons-amostra [30]. A formação de imagem se dá pelos contrastes observados na intensidade de absorção de elétrons pelo material e no espalhamento dos elétrons em pequenos ângulos e por direções cristalinas específicas da amostra. Para tanto, o material deve ter a propriedade de transparência a elétrons. Além disso, pelo fato de que neste tipo de microscópio a voltagem de aceleração é elevada (mais comumente 200kV), o feixe pode ou não atravessar completamente a amostra, produzindo principalmente diferença no espalhamento dos elétrons. A variação total dos elétrons é captada por detectores. 22 Os contrastes de interesse oriundos do espalhamento do feixe incidente são os contraste de amplitude e de fase. O contraste de amplitude abrange os contrastes massaespessura de Z (regiões de maior Z espalham mais e geram maior intensidade) e de difração (a intensidade do feixe difratado é diferente em cada região), responsáveis pela formação de imagens de campos claro e escuro, muito comuns em análises por MET. 2.5.3 Preparação de amostras A preparação de amostras para microscopia eletrônica de transmissão é um procedimento muito importante, principalmente porque o material precisa estar fino o suficiente para que seja transparente à elétrons (~100-150 nm de espessura) [31]. Existem diversas técnicas e cada classe de material tem sua própria metodologia. Alguns exemplos e as opções para ligas de zircônio serão abordadas a seguir. 2.5.3.1 Métodos tradicionais Os tipos de preparação para MET aplicáveis a lâminas metálicas podem ser resumidos em [32]: Polimento eletrolítico Polimento químico Métodos mecânicos o Lixamento o Tripod o Dimpling seguido de Ion Milling Focused Ion Beam (FIB) Dentre estes, serão descritos o polimento eletrolítico, dimpling, ion milling e FIB. 23 Na literatura, é bastante comum encontrar o polimento eletrolítico como método de preparação de ligas de zircônio. Sua utilização normalmente é precedida pelo lixamento ou polimento mecânico para garantir uma região de área fina relativamente grande. É possível encontrar diversas condições de operação de polimento eletrolítico para diferentes composições químicas. LUO e CHAKRAVARTTY [22] utilizaram o duplo jateamento a -40ºC, com solução de ácido perclórico, butanol e metanol para ligas Zr2,5Nb e Zr-1Nb-1Sn-0,1Fe, respectivamente. Já HAYASHI et al [33] usaram solução de ácido perclórico e etanol à -50ºC para analisar a liga quaternária. A descrição da técnica e as condições para a liga Zr-1Nb são descritas abaixo. Polimento eletrolítico por duplo jateamento O polimento eletrolítico consiste em um dispositivo que irá polir e afinar amostras por ação eletroquímica [31]. Para as ligas de zircônio é um método bastante adequado, uma vez que o zircônio risca e oxida facilmente, situações que podem acontecer com frequência no polimento mecânico. Se a amostra estiver na forma de chapa ou tubo, primeiro deve-se realizar o corte da amostra por punção ou eletroerosão na forma de discos de 3 mm de diâmetro. Se a amostra for uma barra ou lingote, pode ser usinada em forma de cilindro, de onde se cortam os discos. Em seguida, tais discos terão a espessura reduzida a 100 mm por lixamento e polimento mecânico convencionais, gerando um tamanho pequeno o suficiente para submeter a amostra ao afinamento eletrolítico. Finalmente, o equipamento perfura a amostra, que é desbastada por polimento ao mesmo tempo dos dois lados, através da corrente que passa por uma solução eletrolítica de temperatura controlada. A 24 voltagem dessa corrente é escolhida de acordo com o material de trabalho e o eletrólito. No caso da liga Zr-Nb, é possível trabalhar, por exemplo, em torno de 28-30V, por cerca de 30s em eletrólito contendo 9% de ácido perclórico e 91% de ácido acético [3]. Quando a perfuração é finalizada, o procedimento é interrompido em função da passagem de uma luz infravermelha, que atinge um sensor através do orifício criado. A Figura 12 apresenta um esquema da célula do equipamento. Figura 12 – Esquematização do polimento eletrolítico [34]. Métodos Mecânicos o Dimpling Funciona baseado na ação mecânica de abrasão e tem como objetivo reduzir o tempo do afinamento por ion milling, através da redução de espessura do disco em sua região central [31, 35]. A fricção de um material mais duro que a amostra gera uma ondulação chamada dimple. O procedimento pode ser feito em um ou nos dois lados do disco e o equipamento que o realiza chama-se Dimple Grinder. Sua base tem uma plataforma circular magnética, que gira em velocidade constante, onde a amostra é fixada. Também há uma roda lixadora fixa que, ao fazer a espécie atingir a profundidade 25 desejada, é substituída por uma roda de polimento [31]. A profundidade alcançada é dependente do diâmetro dessa roda, porém acima de um certo valor pode quebrar o material (que está em forma de disco). A profundidade ideal é 50 μm [31]. O resultado é uma amostra fina no centro, espessa nas bordas, de bom acabamento, superfície regular e de mais fácil manuseio [32, 35]. O procedimento é ilustrado na Figura 13 abaixo. Figura 13 – Esboço dos componentes de um dimpling [32]. o Ion milling Os discos oriundos do processo de dimpling passam por esse equipamento para obter regiões transparente à elétrons. Isso é possível através do processo de sputtering em uma câmara a vácuo: átomos neutros ou íons acelerados de um catodo incidem na amostra angularmente, de maneira a arrancar átomos de sua superfície. Em consequência, há uma taxa de remoção do material (μm/h), dependente do ângulo de incidência, natureza dos íons, da amostra e a corrente do feixe [31]. O porta amostras pode ser resfriado com nitrogênio para proteger o material da energia resultante dessa interação. Quando a perfuração é detectada, ao redor do orifício cria-se uma área transparente aos elétrons. Portanto, o material está pronto para ser observado por MET [36]. A Figura 26 14 mostra o equipamento da marca GATAN, modelo PIPS, que pode ser encontrado na COPPE/UFRJ. Figura 14 – Ion Mill da marca GATAN, modelo PIPS [37]. Focused Ion Beam (FIB) A tecnologia FIB/MEV dual beam, comercialmente utilizada há cerca de vinte anos, é empregada para a fabricação e caracterização em diversas áreas, principalmente a nanotecnologia e a ciência dos materiais [38]. Esse sistema, que combina o Focused Ion Beam com a Microscopia Eletrônica de Varredura em duas colunas independentes da mesma máquina, possibilita que uma região seja analisada tanto pelo feixe de elétrons quanto pelo feixe de íons, resultando em melhor caracterização de morfologia de grãos, contornos e variações química da espécie, por exemplo. Isso porque combina a alta resolução resultante do feixe de elétrons do MEV de maneira menos destrutiva que a obtenção de imagem por FIB que, por sua vez, pode atuar na modificação das espécies [39]. É ideal para analisar em escala nano e, apesar de ser um instrumento caro e de limitada disponibilidade, atualmente há uma área de pesquisa bastante ativa que busca 27 melhorar a performance e campo de aplicação do equipamento [38]. O FIB apresenta diversas vantagens como a possibilidade de criar seções de materiais e analisá-las, de modo a visualizar um determinado detalhe desejado na microestrutura, além da flexibilidade na preparação de amostras para o MET, que será abordada em tópicos adiante. O sistema FIB é constituído de uma fonte de íons, um sistema óptico de lentes, o substrato e uma câmara de vácuo. Ele utiliza um fino feixe de íons que pode operar em baixa corrente, para formação de imagem, ou em alta para provocar sputtering. Normalmente, íons de gálio (Ga+) são extraídos de uma fonte de íons de metal líquido (LMIS) e inseridos em uma espécie de agulha de tungstênio (W) [38]. O líquido molha a ponta da agulha e, ao ser aplicado um campo de extração (>108V/cm), este migra para um cone afiado de raio nanométrico representado na Figura 15 abaixo. O uso do Ga+ oferece vantagens como ter baixo ponto de fusão, próximo à temperatura ambiente, e ser capaz de focar um diâmetro bem fino [38]. Figura 15 - Ilustração esquemática de um equipamento FIBSEM dual beam. A ampliação mostra a interação entre a amostra e os feixes [38]. 28 2.5.4 Difração A difração de elétrons no MET traz informações cristalográficas de pequenas áreas do material através de figuras de difração das imagens analisadas. Essas figuras são resultado da interferência construtiva entre o feixe de elétrons e os planos atômicos do material, que fazem parte de uma esfera de reflexão de raio inversamente proporcional ao comprimento de onda do elétron (Esfera de Ewald). Os padrões de difração (DPs), que são a base da análise cristalográfica e de caracterização de defeitos, são constituídos por spots de diferentes intensidades e tamanhos. Cada um representa um ponto do espaço recíproco, equivalente a um conjunto de planos da rede real hkl. Todos os spots da figura de difração estão em uma direção comum chamada eixo de zona e são difratados na condição de Bragg. A Figura 16 mostra o padrão de difração característico de regiões amorfas, monocristalinas e policristalinas, respectivamente. (A) Carbono amorfo (B) Monocristal de Al (C) Au policristalino Figura 16 - DPs para diferentes materiais [29]. 29 A formação da figura de difração é representada esquematicamente por FARINA na Figura 17 [28]. O procedimento consiste em inserir uma abertura de área selecionada (SAD) no plano conjugado ao do material (plano imagem), a fim de escolher a região de interesse na amostra para formar a difração, que será projetada na tela fluorescente. O feixe direto é sempre bloqueado pois sua intensidade pode danificar a tela ou saturar a câmera CCD (detector que armazena carga do feixe de elétrons e documenta as informações através de uma imagem) [29]. Figura 17 - Trajeto dos raios para formar a imagem, à esquerda, e para formar a difração, à direita, no MET [29]. Para obter uma figura de difração é preciso, portanto, obter a imagem e selecionar uma área que contém um artefato ou uma característica de interesse. Os tipos mais comuns são as imagens de campo claro (bright field) e de campo escuro (dark field), como destacado anteriormente. Para formar imagens de campo escuro, a abertura da 30 objetiva inserida no plano de difração deve selecionar um feixe difratado e, dessa maneira, regiões mais densas irão espalhar mais elétrons, surgindo mais escuras [40]. Para formar imagens de campo claro, a abertura deve selecionar o feixe direto, que varia em intensidade dependendo do ponto da espécie que é iluminada [29]. A ilustração do trajeto dos raios pode ser observada na figura 18 a seguir. (a) (b) Figura 18 – Trajeto dos raios e micrografia que formam uma imagem (a) de campo claro e (b) de campo escuro de uma liga Zr-Nb [29,20]. 31 Ao obter a imagem da figura de difração, captada pela câmera CCD, podemos obter diversas informações como: observar se a espécie é mono ou policristalina, identificar parâmetros de rede e simetria, a morfologia dos grãos, existência de múltiplas fases e também a distância interplanar “d” dos planos do eixo de zona alinhado com o feixe [29]. A distância entre o feixe direto e um dos spots de difração ou o raio de um anel de difração, medidos em um DP, é relacionado a um espaçamento interplanar do cristal conhecido, por exemplo. A indexação, procedimento que descreve as relações anteriores, é feita através da medida de “d” em várias direções, segundo a ilustração da figura 19 e a equação 1 ( é o comprimento de onda do elétron, R a distância entre um spot do feixe direto e um do feixe difratado, L é o comprimento de câmera variável e d é a distância interplanar calculada). Figura 19 - Esquematização da relação entre os spots, o comprimento de câmera e a distância interplanar [29]. (Eq. 1) 32 2.5.5 EDS O EDS (Espectrômetro por Dispersão Energia) é um acessório de microscópios eletrônicos essencial à caracterização de materiais, pois tem como função identificar elementos químicos. Isso é possível devido a emissão de raios-X característicos que são emitidos na interação entre o feixe de elétrons e a amostra em análise. Quando um feixe de alta energia penetra até uma camada interna de elétrons do material, um elétron é ejetado deixando um vazio e, consequentemente, um átomo ionizado. Para retornar ao estado de mais baixa energia ou estado fundamental, um elétron da camada externa preenche este vazio e, ao fazer esta transição emite raios-X, chamados característicos (vide ilustração da figura 11). Estes terão a energia característica do átomo para cada camada excitada. Um detector então capta esse sinal e gera o espectro relativo ao número de contagens em função da energia (keV) [41]. Assim, a partir da energia característica, o software faz a identificação dos elementos químicos de uma região pontual. No MET é mais fácil fazer este reconhecimento, uma vez que ele consegue atingir maiores energias de excitação e maior resolução espacial. A figura 20 a seguir mostra um espectro de EDS de partículas ricas em Nb de uma liga Zr-1Nb [3]. Deve-se destacar que, para realizar um mapeamento por EDS no MET, deve-se utilizar a Scanning Transmission Electron Microscopy (STEM), que combina os princípios de MEV (ou SEM, em inglês) e MET. O modo STEM leva o microscópio automaticamente para o modo difração, o feixe passa a ser convergente, dentre outras peculiaridades. A seleção do sinal de interesse vai formar figuras de campo claro ou escuro, no entanto, o mais comum é utilizar o high-angle annular dark field (HAADF). 33 Figura 20 – Espectro de EDS para uma liga de Zr-Nb [3]. 2.5.6 Aplicação em ligas Zr-Nb TEWARI et al [42] pesquisaram sobre as transformações de fase de ligas de zircônio e, para entender estes resultados, utilizaram o MET como ferramenta. A Figura 21 mostra a micrografia de uma liga Zr-2,5Nb, amostra de um tubo extrudado a quente, que foi recristalizada. Os grãos α aparecem aproximadamente equiaxiais e fase β fina entre os grãos α, configuração que combina a alta resistência com boa ductilidade e tenacidade, essenciais à aplicação em tubos de pressão. Figura 21 – Seção longitudinal da liga Zr-2,5Nb recristalizada [42]. 34 LUO e WEATHERLY [22] também utilizaram o MET para avaliar qualitativamente o comportamento da liga Zr-2,5Nb diante de resfriamento rápido a partir do campo β e envelhecimento abaixo de 610ºC. O envelhecimento a 500ºC por 240h produziu uma morfologia de precipitados tipo agulha ricos em nióbio β2, enquanto a 600ºC por 60h gerou uma mistura de precipitados β2 e β1 rico em Zr, como mostra a Figura 22 a seguir. Tais característica não seriam visíveis em outras técnicas de microscopia. Ainda, os autores utilizaram os padrões de difração de áreas precipitado/matriz para medir ângulos de rotação dos precipitados agulha. NEOGY et al [20] também analisaram micrografias, porém da liga Zr-1Nb em diferentes condições de tratamento térmico: extrudada a quente; tratada por 0,5h a 1000ºC seguido de resfriamento rápido do campo β e revenida. Em seguida, a liga foi submetida a laminação a frio e diferentes tempos de recozimento. (a) (b) Figura 22 – Liga Zr-2,5Nb (a) rica em precipitados β2 produzidos por envelhecimento a 500ºC por 240h e (b) contendo precipitados β1 e β2 produzidos por envelhecimento a 600ºC por 60h [22]. 35 A Figura 23 exibe a liga extrudada e laminada a frio e a Figura 24 o resultado do recozimento a 580ºC por 1 e 4 horas. A temperatura de recozimento abaixo da temperatura monotetóide de 610ºC, segundo NEOGY, permite que a microestrutura final tenha a maioria dos precipitados ricos em Nb, atingindo a condição ideal para fins nucleares, principalmente superior resistência a corrosão. Figura 23 - Liga Zr-1Nb nas condições (a) extrudada a quente e (b) trabalhada a frio [20]. Figura 24 - Liga Zr-1Nb nas condições (c) recozida a 580ºC por 1h e (d) recozida a 580ºC por 4h [20]. 36 No mesmo artigo, NEOGY usa a difração de elétrons em ligas que contém outros β estabilizadores: a liga Zr-1Nb-1Sn-0,1Fe. Essa composição permite que outras fases precipitem, em função da presença de estanho e ferro. O padrão de difração de uma região da liga é capaz de dizer onde estão os precipitados e quais são eles, através da indexação da figura e a posterior consulta a ficha de difração da fase em estudo, onde comparam-se os índices h k l e as distâncias interplanares correspondentes. A Figura 25 apresenta o padrão de difração referente a uma região precipitada, no qual a indexação aproximou-se da fase Zr2Fe. Figura 25 - Imagens de MET da liga Zr-1Nb-1Sn-0,1Fe revenida: figura de difração indexada à esquerda e imagem de campo claro da liga com os precipitados à direita [20]. A busca por ligas de zircônio mais resistentes levou STEPANOVA et al [43] a examinar a formação de grãos ultrafinos (UFG). O método mais utilizado em materiais metálicos na produção dessa microestrutura é por deformação plástica severa. Porém, quanto menor o grão, maior a absorção de hidrogênio na microestrutura, que foi avaliada por MET. A Figura 26 mostra as imagens de campo claro, campo escuro e a difração de elétrons para a liga comercial na condição (1) hidrogenada a 0,22% seguida de 37 compactação tripla com 70 a 75% de redução, entre 600-700ºC. Já a Figura 27 mostra os mesmos resultados na condição (2) compactada a temperatura ambiente com 40 a 50% de redução e recozimento intermediário entre 530-600ºC por 1 hora. Figura 26 – Micrografias da liga Zr-1Nb na condição (1) de (a) campo claro com o padrão de difração e (b) campo escuro [43]. Figura 27 - Micrografias da liga Zr-1Nb na condição (2) de (a) campo claro com o padrão de difração e (b) campo escuro [43]. Na condição (1), foi observado contraste devido a deformação e estrutura típica de UFG como por exemplo, contornos de grão em desequilíbrio. A difração revelou a presença de hidretos de zircônio e também foi identificada a presença de Nb-β na matriz Zr-α por difração de Raios-X. Já na (2), foi encontrada microestrutura menos homogênea, contornos mais definidos e uma desorientação significativa entre os elementos 38 observados na difração. Além de Nb-β, foi achado Zr-β na microestrutura por difração de Raios-X. A presença de hidrogênio não foi citada. Os autores concluíram, somando resultados de ensaios de tração, que a presença de hidrogênio favorece a resistência por deformação plástica a baixas temperaturas, apresentando efeito inverso em altas temperaturas. 39 3. Materiais e métodos 3.1 Materiais estudados O material utilizado neste trabalho foi uma liga experimental de zircônio, produzida pela COPPE/UFRJ, que contém nióbio como principal elemento de liga. O material foi fabricado por fusão a arco, a partir de briquetes prensados de zircônio esponja mais adições. A liga foi estudada na condição recebida e após tratamento de recozimento. 3.2 Processamento das amostras A Figura 28 apresenta o fluxograma que contém as condições de processamento da liga. Essas etapas foram realizadas por GUEDES [27], dando origem ao material disponível para o atual estudo. Os tratamentos termomecânicos tiveram objetivo de melhorar as propriedades do material pelo controle da microestrutura. Forjamento à 800ºC Laminação a quente a 800ºC (60% de redução) Laminação a frio (Tamb até 80% de redução) Figura 28 – Fluxograma representativo do processamento da liga Zr-Nb. Forjamento O forjamento é um processo de conformação mecânica que usa esforços de compressão para dar ao material a forma desejada e quebrar a estrutura de fusão [44]. Normalmente é realizado a quente a partir de um material fundido. Neste trabalho, o forjamento foi feito por marteladas a 800ºC a partir de um lingote fundido de Zr-Nb. 40 Laminação A laminação é um dos processos de conformação mecânica mais comuns, que consiste em modificar a seção transversal de um metal em forma de placa, barra ou lingote, por sua passagem entre dois cilindros de distância reduzida entre si. Os cilindros prensam o material, que é submetido a tensões compressivas elevadas e forças de atrito [45]. A redução inicial das placas forjadas em chapas foi feita por laminação a quente, realizada à 800ºC em diversos passes, até chegar a 60% de redução total da espessura. É válido destacar que nesta temperatura há a transformação de Zr-α em Zr-β, segundo o diagrama de fases Zr-Nb. Em seguida, com o objetivo de melhorar o acabamento e obter um maior controle dimensional, foi realizada a laminação a frio à temperatura ambiente, em diversos passes até 80% de redução da espessura. Recozimento Adicionalmente, no presente estudo foi feito um recozimento com a finalidade de aliviar tensões, além de obter valores de dureza antes e depois do tratamento. Esse tratamento consiste em submeter o material a uma temperatura elevada por certo tempo, tal que uma ou mais destas etapas possam acontecer: recuperação, recristalização e crescimento de grão. Como a presença de deformação plástica e segunda fase reduzem a temperatura de recristalização, a ocorrência de um ou mais fenômenos foi investigada. Para isso, a amostra foi encapsulada em tubo de quartzo à vácuo e levada ao forno por 1 hora a 600ºC, com taxa de aquecimento de 30ºC/min. O resfriamento foi ao ar, com o material ainda dentro do tubo. 41 3.3 Microscopia ótica (MO) A microscopia ótica foi empregada como primeira etapa de caracterização da microestrutura. A amostra, de aproximadamente 1x1 cm, foi lixada com a sequência de lixas de carbeto de silício de 220, 320, 400, 600, 1200 e 2500 mesh. Em seguida, foi feito polimento eletrolítico por duplo jateamento por 1 minuto e 20 segundos, a uma tensão de 28 V, em solução de 91% de ácido acético e 9% de ácido perclórico no equipamento Tenupol-5 da marca Struers. Não foi necessário nenhum tipo de ataque químico para revelar grãos. Todas as observações de microscopia óptica foram realizadas no equipamento LEICA DM/RM, disponível no Departamento de Engenharia Metalúrgica e de Materiais (DEMM) da UFRJ (Fig. 29). Figura 29 - Microscópio Ótico utilizado na análise. 42 3.4 Microscopia eletrônica de varredura (MEV) A microscopia eletrônica de varredura oferece maior poder de resolução que a técnica anterior e, por isso, foi empregada na análise microestrutural. O microscópio utilizado foi o equipamento modelo JEOL JSM 6460 LV, localizado no Laboratório de Microscopia Eletrônica do DEMM da UFRJ (fig 30). As imagens foram obtidas com sinal de elétrons retroespalhados e voltagem de aceleração de 20 kV. Para identificação da composição química da amostra, foi utilizada a técnica semi-quantitativa de EDS da marca NORAN System Six 200, acoplado ao MEV. Para isso, a amostra foi prepara da mesma maneira que para a microscopia ótica: por lixamento e polimento eletrolítico. Figura 30 - MEV utilizado nas análises. 43 3.5 Microscopia eletrônica de transmissão (MET) Neste trabalho, o MET foi utilizado para identificar as fases presentes no material. A distribuição destas fases também é de grande interesse, uma vez que afeta as propriedades finais da liga, como discutido anteriormente. A análise da composição foi feita com o auxílio do espectrômetro por dispersão de energia (EDS). As chapas do material foram cortadas por punção e amostras foram preparadas por FIB, para serem analisadas em seção longitudinal. Uma fatia fina em forma de retângulo, visualizada por MEV, foi obtida através do desbaste e corte pelo feixe de íons. A remoção da amostra foi feita por uma pinça, utilizando uma solda de carbono acoplada no retângulo. Em seguida, este retângulo foi posicionado em um semicírculo de cobre (porta amostra) para ser analisado por MET. A Figura 31 apresenta as etapas da preparação por FIB. 44 (a) (b) (c) (d) (e) (f) Figura 31 –Preparação por FIB para MET, que engloba o desbaste inicial (a,b,c), a retirada de uma fração da amostra (d) e a fixação no porta amostra (e,f). 45 As análises de MET foram feitas com voltagem de aceleração de 200 kV, nos equipamentos Titan™ G2 80-200 da COPPE/UFRJ e CM-20 PHILIPS da Universidade ULB (Bruxelas-Bélgica) (fig. 32). (a) (b) Figura 32 - Modelos (a) Philips e (b) Titan de microscópios de transmissão utilizados nas análises [46]. 46 3.6 Dureza Ensaios de dureza podem ser realizados para investigar a influência de tratamentos termomecânicos nos materiais. Nesse estudo, foi feito o ensaio de microdureza Vickers com o objetivo de verificar o resultado do processamento. Para realizar o ensaio, a amostra foi cortada em formato quadrado de aproximadamente 1x1 cm pela cortadora metalográfica Arotec, desbastada com lixas de carbeto de silício de 400, 600 e 1200 mesh, em seguida polida com alumina e ácido oxálico. Foram efetuadas dez impressões na amostra, com espaçamento de 0,5 mm entre elas. A carga aplicada foi 50g por 30 segundos, no microdurômetro Leitz-Wetzlar do laboratório de Microscopia Ótica e Análise de Imagens da COPPE/UFRJ (Fig. 33). Figura 33 – Microdurômetro da COPPE/UFRJ. 47 3.7 Tamanho de grão O tamanho de grão é uma característica importante na determinação de diversas propriedades de materiais metálicos como ductilidade, resistência mecânica e propriedades em fluência. Por isso, aparece como parâmetro em modelos e teorias de comportamento de materiais [47]. Para medir o tamanho médio, existem diversos métodos quantitativos. O método dos interceptos, citado pelo ASTM International (American Society for Testing and Materials), foi escolhido para estimar o tamanho médio dos grãos no presente estudo. Para isso, foi utilizado o software Fiji Image J. 4 Resultados e Discussão 4.1 Microscopia ótica Através da microscopia ótica foi possível observar uma fina microestrutura de grãos alongados no sentido longitudinal, para a condição laminada a frio. Esse alongamento se dá na direção de laminação, evidenciando a deformação imposta no processamento. A Figura 34 apresenta as micrografias obtidas nos aumentos nominais de 200 e 500x. Como esperado, a microestrutura aparece homogênea, já que apenas uma fase é resolvida em baixos aumentos. 48 (a) (b) Figura 34 – Micrografia da liga Zr-Nb por MO, laminada a frionos aumentos nominais (a) 200x e (b) 500x. A microscopia ótica também foi utilizada para caracterizar a liga após o tratamento térmico de recozimento realizado a 600ºC por 1 hora. A Figura 35 mostra a microestrutura parcialmente recristalizada, com regiões de contornos de grãos definidas ao lado de ilhas de deformação ainda alongadas da condição anterior. (a) (b) Figura 35 - Micrografia da liga Zr-Nb por MO após recozimento nos aumentos nominais (a) 200x e (b) 500x. 49 4.2 Microscopia eletrônica de varredura Os resultados de microscopia eletrônica de varredura, na amostra laminada a frio, não foram capazes de distinguir as duas fases previstas no diagrama de equilíbrio, aparentando uma estrutura monofásica. Nesta análise, as amostras permanecem na condição trabalhadas a frio. As micrografias obtidas assemelharam-se às de microscopia ótica, porém com melhor resolução e profundidade de campo. As imagens foram adquiridas nos aumentos nominais 500x e 1000x, mostradas na Figura 36. Os resultados evidenciam a necessidade do uso da microscopia eletrônica de transmissão para análise completa da liga em estudo. (a) (b) Figura 36 - Micrografia da liga Zr-Nb por MEV, laminada a frio, nos aumentos nominais (a) 500x e (b)1000x. 50 4.3 Microscopia eletrônica de transmissão Para caracterizar a microestrutura, detectar a presença de Nb-β e mostrar a distribuição dessa fase, foram obtidas, por microscopia eletrônica de transmissão, imagens de campo claro e campo escuro. As fases foram identificadas por difração de elétrons. Os ensaios relatados a seguir foram realizados no equipamento CM-20 PHILIPS. Foi feita difração de elétrons na matriz para confirmar que os tratamentos termomecânicos geraram a microestrutura esperada, de matriz Zr-α. Para isso, foi utilizada uma abertura de área selecionada (SAD) pequena, de maneira a observar somente um grão. Para indexar a difração e, dessa maneira, identificar as fases presentes, foram utilizados os valores de d(Å) (distância interplanar) medidos entre o spot central e outras duas direções. Estes valores foram oferecidos pelo próprio software do microscópio no momento da obtenção das imagens e foram associados a planos da rede cristalina. Para saber quais os planos eram correspondentes aos d’s medidos, foram utilizadas listas de espaçamentos interplanares das fases Zr-α, Zr-β e Nb-β. Essas listas foram geradas pelo software CrystalMaker, a partir de fichas CIF obtidas com a base de dados do Inorganic Crystal Structure Database (ICSD). A Figura 37 mostra o campo escuro e a figura de difração correspondente a um grão daquela região, com os d(Å)’s medidos indicados de 1,89Å e 2,46Å. A Figura 38 identifica os planos associados a esses valores de d, que foram localizados na lista gerada para o Zr-α [48]. 51 (a) (b) Figura 37 - (a) Campo escuro de uma região da matriz de Zr, (b) Padrão de difração de um grão, com as distâncias interplanares destacadas. Os índices do plano e eixo de zona serão apresentados na figura 40. Esta verificação pode ser utilizada para afirmar que a matriz é constituída de Zr-α. Adicionalmente, foram usados dois outros métodos de verificação. A segunda etapa consistiu em encontrar um padrão de difração de cristais hexagonais compactos (hc), estrutura cristalina da matriz, que assemelhava-se ao resultado não só em relação aos valores de d, mas também ao formato do padrão de difração, aos ângulos e os planos do espaço recíproco representados pelos spots. A Figura 39 ilustra o padrão hc de escolha. 52 Figura 38 – Planos cristalográficos encontrados para o Zr-α destacados na lista de espaçamentos interplanares obtida pelo software CrystalMaker [48]. 53 Figura 39 - Modelo de um padrão de difração para materiais hexagonais [49]. A partir do padrão hc, observou-se que a razão entre d1 e d2 medidos, ou C/A, equivale a 1,301. Nesse caso, a diferença para 1,299 é muito pequena. O ângulo entre A e C também foi obtido diretamente no computador, que mediu 88ºC, com apenas dois graus de diferença para o padrão (aceitável). Mais uma vez, confirmou-se a microestrutura de matriz Zr-α. Por fim, comparou-se o d medido ao d teórico calculado para estruturas hexagonais, segundo a equação 2. Nessa equação, dhkl é o espaçamento interplanar, h,k,l representam os índices de Miller do plano e “a” e “c” são os parâmetros de rede. Os parâmetros de rede teóricos do Zr-α são a0=3,23Å e c0=5,15Å [3]. Os planos observados no modelo, correspondentes a e e , , geraram d(Å)’s iguais a 2,458Å e 1,894Å. Este resultado confirma que a imagem é corresponde à matriz Zr-α e que os planos representados pelos spots são os mesmos do padrão hc. Ou seja, pode-se afirmar que o eixo de zona era A figura de difração indexada é apresentada na figura 40. 54 (Eq. 2) Figura 40 - Figura de difração da matriz de Zr- α indexada, referente à figura 37(b). Foi feita também a difração de elétrons em uma região maior, contendo um contorno de grão, com o objetivo de identificar a Nb-β. A Figura 41 apresenta a imagem de campo escuro e a respectiva figura de difração realizada com SAD grande. Assim, mais de um grão foi observado, resultando em uma série de halos que correspondem a mais de uma fase. É esperado que halos mais espessos sejam relacionados a grãos pequenos (como as partículas Nb-β) e halos finos a grãos maiores (como a matriz Zr-α). Medidas de d para seis anéis foram obtidas. Porém, das seis medidas, quatro assemelhavam-se a Zr-α e a Nb-β ao mesmo tempo segundo a lista de valores de d para essas fases, tornando a separação das duas impraticável. Para o primeiro e segundo anéis, marcados na Figura 41 (b), os valores de d medidos foram 2,795Å e 2,440Å, 55 respectivamente. Novamente, recorreu-se às listas de espaçamento interplanar para as fases Zr-α, Nb-β e Zr-β, obtidas a partir das fichas CIF. O primeiro valor de d aparece claramente referente à fase Zr-α, marcado em vermelho na Figura 42. É interessante notar que o grupo de planos (002), correspondente à maior intensidade (I/Imax=100%), que esperava-se ser o primeiro anel, não é o exibido na difração (destacado em azul na Fig. 42). Isso acontece pois, devido a textura resultante da laminação, os planos paralelos ao plano basal estão na sua maioria perpendiculares ao feixe de elétrons e, por isso, não aparecem. (a) (b) Figura 41 - (a) Imagem de campo escuro da liga Zr-Nb e (b) o padrão de difração relacionado a uma SAD grande, com as distâncias interplanares medidas em destaque. Em relação a d2, que aparentava ser referente à fase menor Nb-β pela difração, não foi possível constatar a existência dessa fase segundo a lista de espaçamentos interplanares para Nb-β, como mostra a Figura 43. O valor mais próximo seria 2,3414Å, gerando um resultado inconclusivo. Assim, através da figura de difração de halos, podese indexar a matriz Zr-α, mas não confirmar a presença de Nb-β. 56 Com o objetivo de confirmar a presença e localização do nióbio, foi realizada uma nova difração. Para isso, outras regiões ricas em nióbio foram investigadas, usando a técnica de mapeamento por EDS. A Figura 44 mostra a imagem de STEM da região em que foi feito o EDS. Este mapeamento revelou a presença de nióbio na região de contorno de grão, que foi utilizada, portanto, para a difração de elétrons. Em seguida, foi obtida a imagem de campo escuro e feita a difração com SAD pequena, afim de difratar um único grão (Figura 45). Figura 42 – Planos cristalográficos encontrados para o Zr-α na segunda difração, destacados na lista de espaçamentos interplanares obtida pelo software CrystalMaker [48]. 57 Figura 43 – Plano cristalográfico encontrado para o Nb-β, destacado na lista de espaçamentos interplanares obtida pelo software CrystalMaker [50]. (a) (b) Figura 44 – (a) Imagem de STEM e (b) mapeamento de EDS para o Zr e Nb. 58 (a) (b) Figura 45 – (a) Imagem de campo escuro com a região da SAD e a (b) difração de elétrons correspondente. Esta análise foi conduzida no microscópio de transmissão TITAN e, por isso, os valores de d(Å) precisaram ser medidos. A figura de difração foi tratada pelo software CaRIne Crystallography, para realizar as medições dos valores de d e dos ângulos. Os valores de d encontrados para os dois primeiros halos foram calculados como sendo a metade da distância entre dois spots opostos do mesmo halo. Os valores medidos foram 1,378Å e 1,639Å. Dessa vez, a busca de um modelo ccc e o uso da equação foram utilizados como ferramenta de confirmação. Sabendo que havia Nb-β na região escolhida, buscou-se um padrão de difração de cristais ccc semelhante ao resultado, seguindo os mesmos critérios da análise anterior. A Figura 46 apresenta o modelo encontrado. 59 Figura 46 – Modelo de um padrão de difração para materiais ccc [49]. A partir do padrão ccc, observou-se que a razão entre d1 e d2 medidos, ou A/B, equivale a 1,189. A diferença de 0,036 é considerada muito pequena. O ângulo entre A e B medido foi 65,6º. Assim, pode-se confirmar a presença da fase β na região. Por fim, adicionalmente, comparou-se o d medido ao d teórico, segundo a equação 3. Nessa equação, dhkl é o espaçamento interplanar, h,k,l representam os índices de Miller do plano e “a” é o parâmetro de rede. Para isso, foram utilizados os parâmetros de rede teóricos de interesse, no caso as duas fases β. Para o Zr-β, a0=3,57Å e para o Nb-β, a0=3,30Å [3]. (Eq. 3) Os planos e geraram d(Å)’s iguais a 1,457Å e 1,785Å para o Zr-β, e 1,347Å e 1,650Å para o Nb-β. Este resultado confirma que a região difratada é composta de Nb-β e que o mesmo encontra-se distribuído entre os contornos de grão. 60 4.4 Dureza O ensaio foi realizado nas condições (a) laminado a frio e (b) após recozimento. O valor correspondente à dureza Vickers foi definido a partir da média de dureza de dez impressões, apresentadas nas tabelas 3 e 4. As medições foram retiradas diretamente no equipamento e relacionadas ao valor de dureza através de uma tabela correspondente à carga aplicada. Tabela 3 – Dureza Vickers, amostra de formada a frio. Medida Dureza (HV) 19,5 244 18,5 271 17,8 293 19,7 239 19,2 251 18,0 286 19,6 241 18,2 280 18,3 277 18,0 286 Média 266,8±20,8 Tabela 4 – Dureza Vickers, amostra recozida. Medida Dureza (HV) 23,5 168 23,0 175 22,2 188 21,0 210 21,1 208 20,4 223 21,9 193 19,8 236 21,0 210 20,6 218 Média 202,9±21,5 61 A dureza média encontrada antes do recozimento foi 266,8 ± 20,8 HV. Este valor foi comparado com o resultado apresentado na dissertação de mestrado de GUEDES, em que o ensaio de dureza foi realizado no mesmo material de mesmo processamento [27]. A autora registra uma média de 265,8 ± 1,5 HV, próximo ao resultado encontrado. GUEDES [27] afirma que suas amostras tiveram queda de dureza após o recozimento à 600ºC por 1h, saindo de 265,8 ± 1,5, após a laminação a frio, para 191,6 ± 4,1. No presente trabalho, a microdureza encontrada na condição (b) foi de 202,9 ± 21,5. Considerando sua grande incerteza, pode-se dizer este valor é compatível com o trabalho anterior. Apesar da queda, a autora observa através de DSC a inexistência de um pico de recristalização em seu material, submetido ao mesmo tempo e temperatura deste estudo. No presente trabalho, o resultado da MO aliado ao ensaio de dureza, também exibiu microestrutura parcialmente recristalizada. No entanto, não foi realizado ensaio de DSC. 4.5 Tamanho de grão O cálculo do tamanho de grão foi feito utilizando o método do intercepto linear, longitudinalmente, com o auxílio do programa de imagens Fiji Image J. O tamanho é definido a partir da contagem de interseções entre os contornos de grão e os segmentos de retas paralelas de tamanho conhecido traçados na imagem. Esses segmentos são aproximadamente perpendiculares à direção de deformação da microestrutura. Assim, sabendo que cada grão intercepta uma reta duas vezes e que há um comprimento total de retas, é possível calcular o tamanho médio da seção transversal do grão. Este 62 procedimento foi realizado quatro vezes em micrografias de MET de mesmo aumento, com o objetivo de reduzir o erro desta medida. As imagens da Figura 47 ilustram a metodologia adotada em quatro imagens de MET de regiões diferentes, com aumento de 91k vezes cada. A tabela 5 apresenta os valores utilizados no cálculo do tamanho médio do grão. O valor encontrado foi 71,43 ± 2,76 nm (tabela 6). Tabela 5 - Lista dos dados para cálculo de tamanho médio de grão. Micrografia A B C D Nº de retas Auxiliares 4 4 4 4 Comprimento total (nm) 1947,545 1757,931 1662,901 1687,288 Interceptos Tamanho de grão (nm) 57 47 46 48 68,33 74,80 72,30 70,30 Tabela 6 - Tamanho médio de grão Tamanho médio de grão 71,43 ± 2,76 nm 0,071±0,003 μm 63 (a) (b) (c) (d) Figura 47 – Micrografias de MET (a), (b), (c) e (d) da liga Zr-Nb utilizadas para o método dos interceptos. STEPANOVA et al [43] calcularam o tamanho médio de grãos da liga comercial Zr-1Nb pelo método da secante nas duas condições anteriormente citadas: (1) hidrogenada a 0,22% seguida de deformação a quente a 70-75% de redução e (2) deformada a temperatura ambiente a 40-50% de redução seguida de recozimento intermediário. Na condição (1), em que o material também tem a deformação a frio como 64 etapa final de processamento, o tamanho médio determinado foi 0,42 ± 0,1 μm. Já na condição (2), o tamanho médio foi de 0,45 ± 0,18 μm. NEOGY et al [26] estimaram o tamanho das fases da liga comercial Zr-1Nb como recebida em um estudo de formação de hidretos. Nesse caso, um grão típico da fase α encontrava-se na faixa de 3-5 μm. A tabela 7 resume a comparação entre os dois trabalhos e o resultado experimental. Tabela 7 – Tamanho de grão experimental comparado à literatura. Ligas Zr-1Nb Tamanho de grão (μm) Experimental STEPANOVA[43] (1) STEPANOVA[43] (2) NEOGY[26] 0,071 ± 0,003 0,42 ± 0,1 0,45 ± 0,18 3–5 É importante destacar que o termo “liga comercial” pressupõe que, além de passar pelo processamento descrito no presente estudo, foi realizado recozimento no material, buscando o alívio de tensões ou a recristalização. Por isso, a diferença na ordem de grandeza entre o tamanho de grão calculado e os encontrados na literatura é justificável tanto por este fator quanto, possivelmente, pela presença de outros elementos de liga existentes no material experimental. Além disso, a temperatura de laminação a quente pode contribuir para o mesmo efeito. É possível que o tamanho médio de grão da liga experimental na condição recozida aproxime-se da literatura. No entanto, acredita-se no refinamento de grão devido à composição química, que só poderá ser confirmado por nova análise de tamanho de grão após o tratamento térmico. 65 5 Conclusões No presente trabalho, uma liga experimental Zr-Nb foi caracterizada por MO, MEV, MET e ensaio de microdureza na principal condição de processamento, envolvendo forjamento, laminação a quente e laminação a frio. Em seguida, um tratamento de recozimento foi realizado, iniciando novos estudos do material sob processamento comercial. A partir dos resultados obtidos neste trabalho, pode-se concluir que: As análises por MO e MEV tiveram contribuições discretas na caracterização da liga, permitindo a verificação do processamento realizado. A liga apresentou microestrutura de grãos deformados e alongados. Foi constatado por MET a decomposição do Zr-β, proveniente dos tratamentos termomecânicos à 800ºC. Isso significa que foram encontrados precipitados de Nb-β na matriz Zr-α à temperatura ambiente, seguindo a reação monotetóide . Através da difração de elétrons, foi identificada a localização destes, que apresentaram-se principalmente distribuídos entre os contornos de grão. O ensaio de microdureza permitiu confirmar a condição de processamento da amostra estudada, fator importante na condução das análises e interpretação de resultados. Entre o primeiro e o segundo ensaio, realizado após o recozimento, foi observado queda de dureza e valores compatíveis com estudos anteriores. 66 As análises de tamanho de grão por MET revelaram grãos ultrafinos, possivelmente resultado das adições de elementos de liga. Outras razões seriam a temperatura de laminação e a ausência de recristalização. Para analisar comparativamente a liga experimental em relação às ligas comerciais de maneira apropriada, o material deve passar pelo estágio de recozimento. Como não houve tempo hábil para caracterizar a liga recozida por MET, não foi possível concluir se a microestrutura da liga experimental nesta condição apresentaria precipitados esféricos de Nb-β distribuídos. 67 6 Trabalhos futuros Como sugestão de trabalhos futuros, pode-se considerar: A continuidade da caracterização da liga recozida a 600ºC por 1 hora e por tempos mais longos por MET, em busca de resultados de morfologia e tamanho de grão. Utilizar a difração de elétrons para investigar a presença e distribuição de Nb-β ao fim do processamento comercial, levando em consideração a influência das pequenas adições de elementos de liga. Ainda, a análise de textura, introduzida durante as etapas de forjamento e laminação a quente, em busca do desempenho ótimo em serviço. 68 7 Referências [1] LOBO, R. M., ANDRADE, A. H. 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