Capítulo 38 Com a poeira do chão Andam bois enfileirados E, ao longe, na amplidão Desnuda o solo um arado. A flor do ipê balança Mesmo que a chuva não molhe Igual, penso, é a esperança De quem planta, mas não colhe. Geovane Alves de Andrade 1137 Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação das Savanas: a política de crédito agrícola e os problemas específicos que ela adquire nas regiões de Cerrado Gervásio Castro de Rezende Ana Cecília Kreter Julio Cesar de Mello Barros Abstract This article, that extends analysis recently presented in a paper published by Revista de Política Agrícola, seeks to show why the problem of recurrence of the crises of agricultural indebtedness has become particularly severe in the Cerrado regions. The reasons would be two: first, the greater specialization of these regions in the production of grains, whose international prices are very volatile; and secondly, the higher scale adopted in the production of grains, a fact that the paper tries to explain. The paper ends up making reference to the proposals for policy changes presented in the published article. It is expected that these policy changes, in addition to leading to an end of the problem of the recurrence of crises in the matter of agricultural indebtedness, would lead to a reduction in the degree of agricultural mechanization, leading to reduction in the size of the agricultural units and to greater absorption of non-qualified labor in agriculture. This would have the consequence that agriculture would be able to contribute more to the reduction of poverty and inequality in Brazil. 1138 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais Introdução Este trabalho procura dar seqüência a trabalho anterior de Rezende e Kreter (2007b), em que foram discutidos os fatores responsáveis pela recorrência de crises de dívida agrícola no Brasil, com a formulação, também, de medidas que deveriam ser tomadas – incluindo uma reforma radical no sistema financeiro agrícola – para se evitar que esse problema continue ocorrendo. Segundo o argumento principal apresentado nesse trabalho anterior, as crises de endividamento refletem, de um lado, um aumento do risco agrícola, resultante da maior abertura da economia – ocorrida no início da década de 1990 –, e da adoção do regime de câmbio flutuante, em 1999. De outro lado, reflete a inadequação da atual política de crédito agrícola, sobretudo em razão de que o risco na agricultura é praticamente ignorado, a priori, no âmbito dessa política. Neste trabalho, procura-se estender essa análise, argumentando que há razões para se acreditar que esses problemas da atual política de crédito agrícola devem estar atingindo, com mais intensidade, as regiões de Cerrado. As razões para se esperar isso são duas. Primeiro, em virtude do elevado grau de especialização dessas regiões na produção de grãos, cujos preços são muito instáveis (como está sendo sobejamente demonstrado nos últimos anos). Segundo, pela maior escala de produção que predomina no cultivo de grãos no Cerrado, uma vez que essa vem acompanhada de um maior grau de endividamento por parte dos agricultores. Essa maior escala de produção de grãos no Cerrado é evidenciada em Rezende (2006), em que se mostra, citando outros autores, que dois terços da área plantada com soja em Mato Grosso são produzidos em estabelecimentos de áreas acima de mil hectares, divergindo drasticamente com o que ocorre no restante do País. O Comportamento dos Mercados de Calcário e de Máquinas e Equipamentos Agrícolas Como se sabe, a utilização do calcário para a correção da acidez do solo é indispensável no Cerrado, razão por que selecionamos o comportamento do mercado desse insumo como indicador da volatilidade do investimento agrícola nessa região. A Fig. 1 mostra o comportamento do consumo de calcário em estados da Região CentroOeste e também em Tocantins. Deixa muito clara a elevada volatilidade do investimento agrícola nessas regiões, especialmente no Estado do Mato Grosso. 1139 Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... 8 Consumo aparente de calcário (em milhões de toneladas) MS MT GO TO 7 6 5 4 3 2 1 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Fig. 1. Consumo aparente de calcário na Região Centro-Oeste, por estado, 1992-2006. A Tabela 1 mostra o comportamento das vendas internas de tratores e máquinas agrícolas e confirma a elevada volatilidade desse mercado. Pode-se notar que essa volatilidade se revela maior na Região Centro-Oeste. Tabela 1. Vendas internas de máquinas agrícolas por região, 1995-2006. Tratores de Rodas (Unidade) Ano Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 1995 487 2.070 9.186 4.100 1.741 1996 402 1.577 4.369 2.827 1.116 1998 903 1.817 7.475 5.541 2.422 1999 892 1.723 7.612 5.648 2.913 2000 981 2.205 11.071 6.517 3.817 2001 834 1.934 11.005 9.972 4.458 2002 843 2.355 10.764 13.331 5.924 2003 845 2.035 9.535 11.368 5.693 2004 1.076 2.247 8.432 11.373 5.675 2005 803 1.385 8.957 5.147 1.437 2006 824 1.708 10.620 5.615 1.668 Continua... 1140 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais Tabela 1. Continuação. Ano Norte Nordeste 1995 1996 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 39 6 20 47 47 26 53 76 114 60 30 119 40 113 131 160 154 194 168 217 115 63 Colheitadeiras (Unidade) Sudeste Sul 214 68 111 191 492 388 485 583 687 294 79 Centro-Oeste 566 489 1.110 1.409 1.603 2.127 2.830 2.469 2.443 581 523 485 296 1.052 1.072 1.478 1.403 2.086 2.144 2.144 484 335 A Tabela 2, por sua vez, apresenta as informações de vendas internas de tratores segundo a faixa de potência. Mostra que o maior crescimento, no período de auge, se deu exatamente nos tratores de maior potência. Tabela 2. Tratores de rodas por faixa de potência e colheitadeiras vendidos no mercado interno, 19952007. Tratores de Rodas (Unidades) Ano Até 49 CV De 50 a 99 CV De 100 a 199 CV Mais de 200 CV Total Colheitadeiras 1995 1.176 13.418 2.988 2 2 1.423 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 655 855 736 843 840 849 992 899 1.175 1.042 1.242 1.361 7.008 10.210 11.984 11.248 14.190 15.522 18.785 14.689 14.160 10.999 11.667 17.430 2.627 4.664 5409 6.641 9.126 11.649 13.325 13.636 13002 5.398 7.075 11.751 1 2 29 56 135 70 84 181 299 104 157 149 656 857 765 899 975 919 1.076 1.080 299 104 157 149 899 1.662 2.406 2.850 3.628 4.054 5.616 5.434 5.598 1.533 1.030 2.347 Fonte: Anfavea. 1141 Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... Instabilidade de Crescimento Agrícola e o Problema do Endividamento Agrícola Como se apontou em Rezende e Kreter (2007b) e é um fato bem conhecido, o setor agrícola enfrenta uma maior volatilidade de renda, por razões de variações climáticas e de preços. Essas oscilações criam grandes dificuldades para o setor, principalmente nas atividades em que há imobilização de capital muito elevada e o financiamento ocorre por meio do endividamento da unidade produtiva. Uma indicação clara da maior volatilidade da renda agrícola é apresentada na Fig. 2, que mostra a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) agrícola e industrial no Brasil entre os anos de 1999 e 2007. É muito clara a diferença de comportamento entre os dois PIBs, causada pela maior variabilidade do PIB agrícola. 36 170 150 32 130 28 110 24 PIB Agrícola PIB Industrial PIB Industrial PIB Agrícola (Em R$ Bilhões de reais de janeiro de 2008, Dessazonalizado, Deflator: IPCA) 20 2007 - I 2007 - III 2006 - III 2006 - I 2005 - III 2005 - I 2004 - III 2004 - I 2003 - III 2003 - I 2002 - III 2002 - I 2001 - III 2001 - I 2000 - III 2000 - I 1999 - III 1999 - I 90 Fig. 2. Evolução do PIB agrícola e do PIB industrial, Brasil, 1999 a 2007. A Tabela 3 mostra como se elevou o endividamento agrícola exatamente a partir do período em que a agricultura entra em crise, a partir de 2004. A questão é saber se, com a melhoria da renda agrícola, iniciada a partir do final de 2006, ocorrerá o movimento inverso, ou seja, uma redução da dívida agrícola. Em Rezende e Kreter (2007b) propõe-se 1142 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais que se deveria introduzir mudanças no atual sistema financeiro agrícola exatamente nesse sentido, ou seja, de se reduzir a dívida em fases de bonança e de se permitir que ela se eleve em fases de crise. Tabela 3. Saldos devedores rurais médios anuais segundo a finalidade, 1995/20081. Anos 1 Total Finalidades Comercialização Custeio Investimento 1995 43.6 8.6 20.3 14.7 1996 40.3 6.0 21.1 13.2 1997 38.3 6.2 19.1 13.0 1998 41.4 6.7 18.3 16.5 1999 45.6 4.0 23.1 18.5 2000 49.5 3.0 25.5 21.0 2001 53.2 3.6 26.4 23.2 2002 55.8 3.2 26.3 26.4 2003 63.7 4.1 29.2 30.4 2004 70.4 4.0 31.5 35.0 2005 76.4 3.1 34.2 39.0 2006 83.7 4.7 37.1 41.9 2007 91.2 4.7 40.8 45.6 Em bilhões de Reais de janeiro de 2008, Deflator IPCA Como se pode notar na Tabela 3, foi de fato muito rápido o endividamento agrícola, especialmente na fase de boom do período 1999/2004. De 1995 a 2007, a dívida agrícola total mais que dobrou. Conforme explicitado em Rezende e Kreter (2007b), metade dessa dívida se refere a crédito de investimento, o que mostra a relação da dívida com o crescimento do setor. Entretanto, como mostrado na Tabela 4 e também como discutido em Rezende e Kreter (2007b), boa parte desses recursos é originária de fundos públicos (“recursos repassados”), que são originários de impostos federais [PIS-Pasep, no caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda (IR), no caso dos Fundos Constitucionais]. Suscita-se também, em Rezende e Kreter (2007b), a necessidade de se avaliarem os usos alternativos desses recursos, de maneira a se avaliar se não teriam um uso alternativo mais eficiente do ponto de vista 1143 Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... social (no sentido da análise de custo-benefício social). Note-se que esses usos alternativos poderiam até mesmo beneficiar mais a própria agricultura – caso se constate a economicidade social de se investir em infra-estrutura agrícola, por exemplo, ou ainda em pesquisa agrícola. Tabela 4. Saldos devedores rurais médios anuais segundo a fonte do recurso, 1995/20081. Anos 1 Total Fontes de Recursos Livres Obrigatórios Repassados 1995 43.6 12.4 18.1 13.1 1996 40.3 8.9 18.4 13.0 1997 38.3 6.0 17.4 14.9 1998 41.4 4.4 19.0 18.0 1999 45.6 5.3 22.1 18.2 2000 49.5 4.2 25.9 19.4 2001 53.2 3.9 28.3 21.0 2002 55.8 3.4 30.0 22.4 2003 63.7 3.3 33.8 26.6 2004 70.4 3.0 37.7 29.7 2005 76.4 3.7 38.1 34.6 2006 83.7 3.9 41.8 37.9 2007 91.2 3.8 47.6 39.8 Em bilhões de Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA. Um Outro Indicador da Volatilidade Agrícola: o comportamento dos preços de venda e de arrendamento de terra Um último indicador da volatidade da renda agrícola – um fenômeno que, como argumentado em Rezende e Kreter (2007a), não tem sido levado em conta de forma explícita no desenho do atual sistema financeiro agrícola – pode ser visto no mercado de terras: tanto no de preços de venda quanto no de arrendamento. Isso é mostrado nas Fig. 3 e 4. Note-se que o comportamento dos preços de arrendamento de terras parece mais volátil do que os preços de venda, o que é consistente com o que se deveria esperar, já que os preços de venda tendem a refletir um horizonte temporal mais longo do que os preços de arrendamento. Preços de arrendamentos de terras (em R$/ha) 10 jun. 1998 set. 1998 dez. 1998 mar. 1999 jun. 1999 set. 1999 dez. 1999 mar. 2000 jun. 2000 set. 2000 dez. 2000 mar. 2001 jun. 2001 set. 2001 dez. 2001 mar. 2002 jun. 2002 set. 2002 dez. 2002 mar. 2003 jun. 2003 set. 2003 dez. 2003 mar. 2004 jun. 2004 set. 2004 dez. 2004 mar. 2005 jun. 2005 set. 2005 dez. 2005 mar. 2006 jun. 2006 set. 2006 dez. 2006 jun. 1998 set. 1998 dez. 1998 mar. 1999 jun. 1999 set. 1999 dez. 1999 mar. 2000 jun. 2000 set. 2000 dez. 2000 mar. 2001 jun. 2001 set. 2001 dez. 2001 mar. 2002 jun. 2002 set. 2002 dez. 2002 mar. 2003 jun. 2003 set. 2003 dez. 2003 mar. 2004 jun. 2004 set. 2004 dez. 2004 mar. 2005 jun. 2005 set. 2005 dez. 2005 mar. 2006 jun. 2006 set. 2006 dez. 2006 Preços de vendas de terras (em R$/ha) 1144 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais 10700 8700 GO MT GO PR MT SP 6700 4700 2700 700 Fig. 3. Evolução dos preços de vendas de terras – lavouras, 1998 a 2006. Em Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA. 430 360 PR RS 290 220 150 80 Fig. 4. Evolução dos preços de arrendamentos de terras – lavouras, 1998 a 2006. Em Reais de janeiro de 2008. Deflator IPCA. Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... 1145 A Produção Agrícola dos Cerrados e o Problema de sua Especialização Relativa em Grãos Conforme mostram claramente as Tabelas 5 a 7, a Região Centro-Oeste dedica, em termos relativos, uma área muito maior à produção de grãos do que as demais regiões do Brasil, especialmente em relação à Região Sudeste, já que a Região Sul também concentra sua produção de lavouras nos grãos. Pode-se esperar que a especialização relativa, em grãos, da produção de lavouras dessas duas regiões crie uma maior instabilidade em sua renda agrícola, em face da maior instabilidade – agravada recentemente pela atuação de uma série de fenômenos – dos preços dos grãos, o que se soma à instabilidade climática, que atinge especialmente a Região Sul. No caso do Cerrado, contudo, a relevância desse fato é maior, do ponto de vista da análise dos fatores que contribuem para as crises de endividamento agrícola no Brasil. Com efeito, como já se apontou na Introdução, a escala de produção de grãos no Cerrado é muito maior do que nos estados da Região Sul, e as razões para que isso aconteça serão objeto de análise na próxima seção. Para nossos propósitos atuais, basta reter que essa combinação de escala muito elevada de produção – o que acaba requerendo um elevado grau de endividamento – com grande especialização relativa em grãos não pode senão aumentar a recorrência do problema da dívida agrícola nos Cerrados, mais talvez do que nas demais regiões agrícolas do Brasil. Note-se que os Cerrados dedicam, também, uma parcela muito grande de sua área agrícola total à pecuária, e poder-se-ia esperar que uma diversificação lavourapecuária poderia reduzir o risco das atividades de lavoura ou de pecuária, quando consideradas individualmente. Existem, de fato, muitas circunstâncias de interação entre lavoura e pecuária nos Cerrados. A renovação de pastagens, por exemplo, costuma ser feita por meio da cessão da terra em arrendamento para uma atividade de lavoura, o arrendatário devolvendo a terra ao proprietário já com o plantio de gramíneas. Para que uma combinação dessas atividades de lavoura e de pecuária levasse à redução do risco, entretanto, seria 1146 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais necessário que elas fossem atividades desenvolvidas pelo mesmo agricultor, que estaria, então, diversificando o próprio investimento. Isso, contudo, parece não ocorrer, visto que pecuaristas e produtores agrícolas stricto sensu não são as mesmas pessoas. Tabela 5. Área colhida da Região Centro-Oeste, 1995-2005. Ano Área colhida (em milhares de hectares) Algodão herbáceo Arroz Café Soja Milho Cana-de-açúcar 1995 199 774 24 4.532 1.814 278 1996 196 682 18 3.703 1.857 308 1997 152 563 22 4.135 2.113 323 1998 342 553 28 5.171 1.585 352 1999 363 994 38 5.071 1.801 372 2000 404 916 41 5.530 1.803 373 2001 570 618 51 5.760 2.010 396 2002 476 596 43 6.954 1.917 434 2003 437 604 44 8.045 2.337 482 2004 671 958 46 9.701 2.295 515 2005 700 1.090 40 10.854 2.172 540 Tabela 6. Área colhida da Região Sudeste, 1995-2005. Ano Área colhida (em milhares de hectares) Algodão herbáceo Arroz Café Soja Milho Cana-de-açúcar 1995 241 527 1.537 1.131 2.830 2.728 1996 162 319 1.530 1.035 2.532 2.955 1997 135 301 1.599 1.069 2.623 2.936 1998 204 255 1.669 1.090 2.437 3.059 1999 125 246 1.730 1.096 2.571 3.051 2000 115 204 1.738 1.135 2.387 2.979 2001 109 146 1.823 1.162 2.393 3.070 2002 102 143 1.872 1.294 2.333 3.147 2003 99 129 1.859 1.528 2.436 3.341 2004 138 137 1.849 1.866 2.455 3.517 2005 166 149 1.824 1.900 2.486 3.667 1147 Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... Tabela 7. Área colhida da Região Sul, 1995-2005. Ano Área colhida (em milhares de hectares) Algodão herbáceo Arroz Café 1995 283 1.242 37 1996 182 1.068 135 Soja Milho Cana-de-açúcar 5.417 5.639 291 5.040 4.572 338 1997 60 1.002 128 5.671 4.797 344 1998 113 1.030 128 6.249 4.467 356 1999 48 1.198 139 6.059 4.618 386 2000 54 1.159 142 6.072 4.543 375 2001 71 1.164 66 5.991 5.386 386 2002 36 1.195 129 6.845 4.682 409 2003 30 1.176 126 7.498 5.118 423 2004 47 1.263 117 8.294 4.453 448 2005 57 1.217 106 8.239 3.724 454 Porque a Escala de Produção de Grãos nos Cerrados é Maior do que nas Demais Regiões Agrícolas do Brasil Como se apontou antes, a escala média de produção de grãos nas regiões de Cerrado costuma ser muito maior do que a escala da mesma produção em outras regiões do Brasil. Essa questão foi objeto de análise em Rezende (2006), tendo-se destacado os seguintes fatores explicativos. Em primeiro lugar, o rigor climático no Cerrado tornaria absolutamente inviável a agricultura familiar, em virtude da impossibilidade de obtenção de renda no período seco, seja mediante produção própria ou via mercado de trabalho rural. Em segundo lugar, o relevo mais plano e o fato de que os solos de Cerrado, em sua maior parte, são profundos, bem drenados e dotados de excelentes características físicas, fazem com que seja mais baixo o custo da produção mecanizada vis-à-vis a produção não-mecanizada. Em terceiro lugar, em face da indivisibilidade dos equipamentos atuais e da ausência de um mercado de aluguel de máquinas, o investimento, além de ser muito alto, tem de ser arcado pelo próprio agricultor, o que elimina a presença do pequeno produtor, em razão do seu fraco acesso ao crédito. Note-se que, como Rezende e Kreter (2007a) assinalaram, a ausência de um mercado de aluguel de máquinas e equipamentos na agricultura brasileira tem que ver com a nossa legislação trabalhista, uma vez que esse mercado de aluguel de máquinas 1148 Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade , agronegócio e recursos naturais exigiria que a mão-de-obra – o tratorista, por exemplo – tivesse de ser contratada pelo proprietário das máquinas. Contudo, essa contratação de mão-de-obra é proibida pela legislação trabalhista agrícola brasileira, já que “terceirização” de mão-de-obra em atividades fins é proibida nesse setor. Rezende e Kreter (2007) mostram, de uma forma mais geral, como essa legislação trabalhista desestimula o uso da mão-de-obra na agricultura – sobretudo a de menor qualificação –, contribuindo, dessa maneira, para aumentar o grau de mecanização no campo. Deve-se notar, também, que, como apontado anteriormente e é objeto de análise mais específica em Rezende e Kreter (2007a), o crédito ao qual o grande produtor tem acesso, e que é vital para a mecanização agrícola no Cerrado, provém de fundos públicos – especificamente, o FAT e os Fundos Constitucionais, ambos originados de impostos. Nessas condições, o custo fixo da maquinaria por unidade de produto fica menor à medida que aumenta a escala de produção. O importante a reter dessa análise, exposta inicialmente em Rezende (2006), é que é a mecanização em si, e não a presença de economias de escala, que explicaria a predominância da produção em grande escala no Cerrado. Apontou-se, ainda, em Rezende (2006), que “o uso de mecanização agrícola na agricultura brasileira tem sua rentabilidade distorcida em função dos altos custos da mão-de-obra assalariada no campo, fruto da legislação trabalhista e da elevada carga tributária que incide sobre a folha de pagamento.”1 Considerações Finais O problema do endividamento agrícola no Brasil tornou-se, infelizmente, um problema crônico e tornou-se um problema político importante tanto para os agricultores quanto para o governo. Em Rezende e Kreter (2007), mostrou-se que o fato de que parte importante do endividamento agrícola é de longo prazo dificulta a capacidade de a agricultura enfrentar situações adversas da renda agrícola, como aconteceu a partir do segundo semestre de 1 Esse papel da legislação trabalhista em estimular a mecanização agrícola no Brasil e desestimular o emprego de mão-de-obra temporária na agricultura foi destacado em Rezende e Kreter (2007). Ações do Estado para o Desenvolvimento e a Conservação... 1149 2004 até 2007. Criticou-se, também, o fato de o sistema de crédito agrícola não levar em conta, de fato, a priori, o risco agrícola, nem na concessão dos empréstimos, nem na administração da dívida. Essas críticas levaram a sugestões de reforma do atual sistema de crédito agrícola. Este trabalho, por sua vez, procurou argumentar que as regiões do Cerrado devem ser as que mais vêm sofrendo os efeitos desse inadequado sistema financeiro agrícola, já que são as que enfrentam mais risco em sua atividade agrícola e aquelas cujos agricultores têm de se endividar mais, individualmente, em virtude da maior escala das suas unidades de produção. Isso inclui, aliás, não só crédito de longo prazo, que tem sido o foco de interesse deste trabalho e do anterior de Rezende e Kreter (2007), mas também crédito de curto prazo, já que, em função da sua maior escala de produção, a demanda de custeio, por exemplo, sempre ultrapassa os limites da política oficial, forçando os agricultores a buscar financiamento no mercado informal, junto às tradings ou às fornecedoras de insumos, a juros muito mais elevados. Referências REZENDE, G. C. Ocupação agrícola, estrutura agrária e mercado de trabalho rural no Cerrado: o papel do preço da terra, dos recursos naturais e das políticas públicas. In: PAULA, L. F. de; FERREIRA, L.; ASSIS, M. (Org.). Perspectivas para a economia brasileira: inserção internacional e políticas públicas. Rio de Janeiro: UERJ, 2006. p. 293-320. REZENDE, G. C.; KRETER, A. C. Agricultural labor market legislation and poverty in Brazil. II. A transaction costs approach. Revista de Economia Agrícola, São Paulo, v. 54, n. 2, p. 121-137, jul./ dez. 2007a. REZENDE, G. C.; KRETER, A. C. A recorrência de crises de endividamento agrícola e a necessidade de reforma da política de crédito. Revista de Política Agrícola, Brasília, ano 16, n. 4, p. 4-20, out./dez. 2007b.