Tiago Caiado Guerreiro: “O Estado faz
maciçamente ilegalidades todos os dias”
19/4/2015, 11:086.
O IRS americano iniciou 1500 processos-crime em 2012. Portugal o ano passado abriu 18 mil.
Este foi um dos sinais de que algo está mal que Tiago Caiado Guerreiro denunciou em
entrevista ao Observador.
“Não somos cidadãos. Somos contribuintes.” — Advogado, fiscalista, Tiago Caiado
Guerreiro não poupa nas palavras na hora de descrever a relação dos portugueses com a
sua administração fiscal. Esta tornou-se mais sofisticada mas grande parte desse sucesso
na captação da receita foi conseguido porque, perante a complacência das instituições, se
esmagaram os direitos dos cidadãos. Pague primeiro, conteste depois é a regra em que
vivemos.
Quando “basta a administração fiscal informar-nos que nós temos um imposto em falta
para termos de garantir o pagamento desse imposto mais 25 por cento,
independentemente de ter qualquer tipo de fundamento”, quais são afinal os nossos
direitos? Poucos, pelo menos a avaliar pelo retrato traçado por Tiago Caiado Guerreiro
para quem “passámos de um sistema fiscal garantístico, em que éramos considerados
basicamente inocentes até o Estado comprovar efectivamente que nós éramos
responsáveis, para um sistema em que temos várias inversões do ónus da prova. Isto é,
em que nós temos de provar que somos inocentes.”
A constante alteração da legislação fiscal (“Há quinze anos eu actualizava os códigos com
recortes e hoje em dia tenho de comprar códigos todos os anos”), a par da sua má
qualidade (“Um estudo da DECO colocou a mesma questão fiscal em dez Repartições de
Finanças e obteve nove respostas diferentes”), são dois problemas a que este advogado
alude de forma recorrente ao longo desta entrevista, tanto mais que os liga directamente
à ausência de crescimento económico:
“Nós não vamos ter a nossa economia a crescer porque os investidores não investem em
Portugal porque têm a insegurança fiscal, da alteração das leis, e insegurança jurídica
porque não as percebem. Eu posso estar em incumprimento porque leio as leis e não
consigo perceber o que é que está escrito.”
Para o tom pessimista destas apreciações contribuem os contactos que profissionalmente
mantém com pequenos e médios empresários. Muitos deles estão a trocar a legal e
fiscalmente atribulada vida empresarial — “Ser empresário é dores de cabeça, é
burocracia, confusões, é o fisco a dar-lhe cabo da vida, licenciamentos, inspecções” — pelo
sossego da gestão de activos: “É uma opção perfeitamente racional: porque é que eu vou
investir com todos os riscos e dificuldades se eu me posso transformar num gestor de
activos? Sento-me em casa e vou comprando acções, vendendo acções…”
Seja qual for a categoria fiscal de cada um de nós os números dizem-nos que Portugal se
tornou num país de onde os processos-crime por razões fiscais atingem, segundo Tiago
Caiado Guerreiro, números record: “Nós temos uma criminalização totalmente
desproporcionada em Portugal. Nós temos penas brutais para infracções fiscais que são
totalmente desproporcionadas a nível internacional. O IRS americano iniciou 1500
processos-crime em 2012. Portugal acho que o ano passado abriu 18 mil. Qualquer
incumprimento é crime.”
Para o fim desta entrevista fica uma observação: em termos fiscais e de práticas de
corrupção, ser latino não é defeito. O que para Caiado Guerreiro é defeituoso ou produz
resultados defeituosos é o sistema legal. Ao comparar o sistema sueco de combate à
corrupção com o português, considera que enquanto o sistema sueco “é dirigido a cinco
ou seis mil pessoas que são as que podem oferecer corrupção e essas são
permanentemente fiscalizadas. (São as pessoas que estão em cargos de poder, que podem
aprovar concursos e podem fazer essas coisas que vão oferecer corrupção…) A nossa lei
foi feita ao contrário: abrange os dez milhões de portugueses. Está feita para ser quase
impossível de aplicar.”
E deixa também um aviso: “Para o nível de desenvolvimento que nós temos o Estado devia
pesar 35 por cento na economia e pesa 50. O nível de desejo do Estado e sofreguidão por
impostos não resulta duma necessidade. Resulta duma consciência que os políticos têm
de quanto mais dinheiro tiverem mais poder têm sobre os cidadãos, sobre a compra dos
votos e sobre o controle da economia do país.”
O Observador
http://observador.pt/2015/04/19/tiago-caiado-guerreiro-o-estado-faz-macicamenteilegalidades-todos-os-dias/
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O Estado faz maciçamente ilegalidades todos os dias